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Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Epílogo
Para Maria Clara.
Alice não seria a Alice se eu não tivesse conhecido você.
Obrigada por ser minha maior – e melhor – inspiração.
Agradecimentos
Posso apostar com qualquer pessoa que, de tudo o que eu escrevi
nesse livro, esta foi a segunda parte mais difícil. Bem, a primeira vocês
devem saber qual foi, se chegaram até aqui.
Existem tantas pessoas a quem agradecer que eu, sinceramente, não
sei como começar. Então, como sempre, vamos tentar do começo:
Agradeço primeiramente e, sobretudo, a Deus por ter me dado a
capacidade de escrever algo tão simples e, ainda assim, tão extraordinário. E
também o agradeço por todas as pessoas que entraram na minha vida por
causa disso e por tudo o que me permitiu conquistar.
Em seguida, à minha família. Minha mãe e meu pai, que nunca
deixaram de acreditar em mim e sempre me apoiaram em absolutamente
tudo; à Sâmela, por ter lido e revisado meus rascunhos de quatrocentas
palavras — e, depois, os de oito mil — tão minuciosamente. À Anne, por
sempre me orientar e me impulsionar para frente, em todos os sentidos e
áreas da minha vida. Meu Deus, eu tenho tanta sorte em ter vocês duas como
irmãs...
Obrigada, Maraisa Oliveira, por ter sido a primeira pessoa a ler minha
primeira história — ou o esboço de uma história, que, francamente, nem era
tão bom assim — durante aquela aula de biologia e dizer que eu tinha talento,
que devia continuar. Foi só por isso que eu continuei... E hoje tenho meu
primeiro livro publicado. Preciso dizer algo mais sobre você?
E, claro, como poderia não falar da Taina Radinz? Eu sei que você
não gosta de ler — e por isso talvez nunca leia de fato este livro —, mas,
ainda assim, sempre me incentivou a mostrar minhas histórias para o mundo
desde que descobriu que existiam em minha mente. A sua amizade e a da
Mara me trouxeram até aqui, por isso — e por tantas outras coisas — eu
amarei vocês para sempre.
Obrigada, Allana Rodrigues, por ter me mandado aquela mensagem
sem nem sequer me conhecer quando eu ainda estava começando a escrever
no Wattpad, na sombra do anonimato, e desde então, ter se tornado minha
amiga e meu braço direito nessa minha caminhada louca e extraordinária. Eu
não conseguiria expressar em palavras o quanto você significa pra mim.
Obrigada por isso. Obigada por tudo.
Se eu fosse citar aqui todos os nomes de quem me incentiva todos os
dias, certamente, escreveria um novo livro, mas eles sabem quem são.
E, por fim, meu agradecimento especial a você, leitor do Wattpad.
Você que deixou um comentário, um voto, uma mensagem de motivação –
meu Deus, vocês são tantos! Obrigada por não desistirem da história, não
desistirem de mim, e me trazerem até aqui; é claro que eu não teria chegado
tão longe se não fosse por vocês. Posso dizer, sem medo de errar, que
começar – e continuar – a escrever para vocês foi a melhor decisão que eu já
tomei na vida, então, obrigada. Independente do que aconteça a partir de
agora, eu jamais me esquecerei de quem eu sou e de onde vim: eu sou uma de
vocês e tenho muito orgulho disso.
Que venha o próximo.
Prólogo
O grito do homem reverberou pelo pequeno cômodo da casa, seguido
pelo intenso choque de sua mão fechada em um punho no meu rosto.
— Foda-se!
Fui lançada ao chão sem qualquer cerimônia ao mesmo tempo em que
sentia o gosto metálico do sangue em minha boca. As lágrimas escorriam
livres através dos olhos que queimavam, inchados e doloridos. Ele me
deixaria com hematomas outra vez, e os antigos ainda nem haviam sido
cicatrizados completamente...
O choro de um bebê me deu forças para me erguer do chão, embora
não tão rápido quanto eu gostaria.
— Cale a boca! — ele esbravejou ao investir sobre o pequeno
corpinho encolhido, no canto do quarto, de uma criança que há pouco tempo
fizera um ano. — Eu mandei calar a boca!
— Fique longe dela! — Agarrei-o um segundo antes dele tocá-la,
mordendo seu ombro com tanta força que, provavelmente, o único motivo de
não ter arrancado um pedaço de carne no dente foi a camisa encardida e
fedida a bebida alcoólica que ele estava usando.
Seu movimento brusco me jogou longe e a garrafa que ele segurava se
chocou contra o chão, partindo-se em vários estilhaços de vidro e liberando o
odor forte da bebida, que se espalhou. Dessa vez, pelo menos, eu me mantive
de pé.
— Você... você me mordeu? — Seus olhos se voltaram para mim,
agora, carregados de choque e descrença. Mas, em seguida, a raiva estava de
volta. Dessa vez, em proporções maiores.
Corri para fora do quarto, ciente de que ele me seguiria. Ciente do que
viria em seguida.
— Você me mordeu, cadela?! Eu ainda não te mostrei o que é dor!
Sem pensar, entrei na cozinha num rompante e alcancei a faca que eu
usava momentos atrás para cortar a carne para o jantar, apontando-a para ele
como um instinto de sobrevivência, o que o fez parar num solavanco. As
lágrimas embaçavam minha visão, o ar parecia composto por ácido, eu me
sentia sufocar de forma contínua e gradativa. Estava encurralada entre ele e a
pia. Ele poderia me imobilizar facilmente devido ao seu tamanho que era
quase o dobro do meu, mas, por algum motivo extremamente otimista, eu
ainda preferia acreditar que ele não pegaria aquela faca para usar contra mim.
— O que é isso? — sua testa se franziu. — Você quer me matar?
Solucei e mais lágrimas escorreram no meu rosto.
Usando toda e qualquer coragem que eu ainda conseguia encontrar,
afastei-me da pia devagar e comecei a andar em torno dele, disposta a voltar
para o quarto. Disposta a, mais uma vez, ser o escudo da garotinha que ainda
estava encolhida no chão, chorando, apavorada com o homem que devia amá-
la.
— Você teria essa coragem? — ele voltou a perguntar com uma
evidente calma forçada, seguindo meus movimentos com os olhos. — Teria
coragem de matar a única pessoa que te ama nesse mundo?
— Não me obrigue a fazer isso — implorei entre lágrimas, dando
passos curtos em direção ao quarto, de costas —, por favor.
— Você mal consegue segurar essa faca, está tremendo.
Merda, eu estava tremendo. Sendo bem honesta, eu não sabia como
ainda estava conseguindo me manter de pé, mas, naquele momento, eu não
via outra opção a não ser permanecer firme. De novo.
— Eu mato você sem pensar se machucá-la de novo.
— Então é isso, você decidiu me trocar por ela.
Senti as mãozinhas envolverem minha perna quando cheguei perto o
suficiente da garotinha para que ela pudesse me tocar. Ela agarrou minha
panturrilha e enquanto eu encarava o homem em minha frente, pude sentir as
lágrimas dela molharem a barra da minha calça jeans. Eu não podia fazer
nada mais além de chorar também, em silêncio.
— Você não me ama mais? — A voz que antes se mostrava coberta
de um ódio primitivo, agora quase parecia melancólica.
— Eu mato você. Se tocar nela outra vez... Eu juro que mato você.
O homem soltou um suspiro que mais parecia um grunhido e desviou
o olhar para a garrafa que eu o havia feito derrubar momentos atrás. Ele fez
uma careta e balançou a cabeça.
— Você quebrou minha cerveja.
Não respondi. Não desviei os olhos dele. Eu não podia baixar a
guarda.
Sua atenção se voltou para mim novamente e ele deu um passo em
minha direção, o que me fez gelar.
— Não se aproxime!
— Eu vou sair — resmungou entredentes. — e quando voltar, é bom
que esse chão esteja limpo e essa menina esteja quieta. Caso contrário... Terei
o prazer de usar essa faca para calar a boca dela.
E depois de lançar à garotinha um olhar de quem não estava
brincando, ele virou as costas e saiu, batendo a porta ao passar.
Soltei o ar que eu nem percebi que estava prendendo e deixei meus
braços caírem relaxados ao lado do meu corpo. As lágrimas surgiam com
mais intensidade, liberando emoções que eu nem sabia que conseguia
suportar.
Joguei a faca longe e abaixei-me, tomando o pequeno corpinho
trêmulo em meus braços.
— Tudo bem, meu amor — garanti entre lágrimas, permitindo-me
chorar junto com ela. — Ele já foi, está tudo bem. Não vou deixá-lo te
machucar de novo.
Os bracinhos dela envolveram meu pescoço e ela escondeu o rosto em
meu ombro, soluçando. Beijei sua cabeça e acariciei o cabelo loiro com as
mãos, abraçando-a e tentando oferecer a ela o conforto de que nós duas
precisávamos.
— Ele nunca mais vai tocar em você — sussurrei. — Nunca mais. Eu
prometo. Não vou deixar...
Eu não sabia se ela conseguia entender o que eu estava dizendo. Ela
nunca disse uma palavra. Raramente sorria. Na verdade, quando ele estava
por perto, tudo o que ela sentia era pavor, e quando ele não estava, era
absolutamente visível o medo que tinha de vê-lo voltar.
A garotinha em meus braços não tinha sequer um ano e meio e já
carregava mais traumas do que muita gente com o dobro da minha idade.
Embalei-a em meus braços chorando baixinho, tentando controlar os
soluços dolorosos e convencendo-me de que eu era forte o suficiente para
segurar a barra. Bem, eu precisava ser. Eu sou tudo o que ela tem, não posso
me dar ao luxo de fraquejar.
Esperei que ela dormisse e, sem tirá-la do meu colo, caminhei até a
sala para ligar o computador antigo que mantínhamos sobre uma velha mesa,
caindo aos pedaços. O e-mail mais recente piscou em minha caixa de entrada
e, ao olhar o nome da remetente, não hesitei em abrir:
Ei, menina! Soube que os resultados saíram há dois dias, você já conferiu
o site? Me dê notícias! Seu quarto está preparado, estou ansiosa pra te
conhecer pessoalmente!
Respirei profundamente e fechei essa janela. Em seguida, abri o site
que eu já havia salvo na aba de pesquisas favoritas e rolei a tabela devagar,
sentindo meu coração acelerar na expectativa de encontrar meu nome. Não
foi uma tarefa fácil, visto que eu usava apenas uma das mãos e já podia
perceber meu olho esquerdo progressivamente mais inchado, quase se
fechando, devido à recente agressão, mas, mesmo assim, em meio a centenas
de nomes de pessoas das quais nunca ouvi falar, minha atenção foi atraída
para quatro únicas palavras: Alexia Rodrigues Menezes, aprovada.
Li a mesma coisa três ou quatro vezes antes que novas lágrimas
molhassem minhas bochechas, expressando o mais genuíno e absoluto alívio.
Abracei a garotinha que se mantinha adormecida em meus braços e fechei os
olhos ao beijar sua testa:
— É isso, meu anjo. Parece que vamos embora agora.
Levantei-me devagar e fui até o quarto. Depois de colocá-la na cama
com cuidado, peguei o cofre que eu mantinha escondido entre suas roupinhas
e quebrei-o, agradecendo aos céus por ter guardado várias notas, e não apenas
moedas. De acordo com minhas contas, por hora, aquilo bastava.
Não arrisquei perder tempo tomando banho, apenas lavei meu rosto e
troquei a roupa suja da garotinha por um vestido branco, limpo. Ela devia
estar tão exausta, que não acordou.
Joguei algumas fraldas descartáveis em uma bolsa que minha mãe me
deu de presente anos atrás e busquei a mamadeira recém-preparada que eu
havia guardado na geladeira. Poucas roupas, um urso de pelúcia — que foi
meu quando era criança — agora, era dela e uma manta.
Coloquei a bolsa no ombro, peguei minha pequena menina nos braços
e fui embora sem olhar para trás.
Capítulo 1
Stefan
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Alexia
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Stefan
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Alexia
Não levou muito tempo até a lanchonete ficar agitada. O entra e sai de
clientes me mantiveram ocupada durante todo o dia. Comi biscoitos na hora
do almoço sem parar de servir, conversei com meus clientes amigos e com os
que eu ainda não tinha feito amizade, servi mesas, limpei mesas, aperfeiçoei
minha técnica de apoiar bandejas na cabeça, arrumei cadeiras, limpei lanches
que derrubaram no chão, servi mais mesas... no final, minhas pernas
latejavam como todos os dias. Já havia virado rotina.
— Rafa, deu meu horário. — falei, entrando na cozinha.
— Pode ir, Lexy. A gente termina aqui.
Tirei meu avental e peguei minha mochila, jogando um beijo para sua
esposa.
— Até amanhã, Mari.
— Até amanhã, querida. Boa aula.
— Obrigada.
Suspirei quando senti o vento da tarde bater em meu rosto e repassei
as próximas tarefas que eu ainda precisava concluir aquele dia: chegar à
universidade, dar assistência a alguns alunos e apresentar um seminário.
A pior parte do meu dia tinha acabado... ou era isso o que eu pensava
até aquele momento.
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Alexia
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Stefan
Amanhã venha pra casa que eu e seu pai queremos falar com você.
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Alexia
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Stefan
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Alexia
Lívia era uma mocinha, dois anos mais nova do que eu, que decidiu
parar de estudar aos quinze, para ajudar a família a colocar dinheiro em casa.
Em parte, eu não podia deixar de me sentir familiarizada com a
responsabilidade que ela carregava tão nova, mas, vez ou outra, eu insistia em
pedir que ela voltasse a estudar. Era um ano perdido que logicamente não
poderia ser recuperado, mas ainda assim não seria uma grande perda caso ela
retornasse logo aos estudos. E ela era inteligente. Ela sabia.
Menos de dez centímetros mais baixa do que eu, a garota de cabelo
curto acima do ombro e uma pele que vivia sempre bronzeada foi a babá que
mais cativou Alice. Eu precisei cometer alguns erros na procura pela pessoa
certa, mas assim que minha irmã colocou os olhos em Lívia, cerca de um ano
atrás, eu soube que tinha de ser ela. Alice se sentiu à vontade em sua presença
de maneira absurdamente instantânea, e considerando o grau do trauma que
minha irmã carregava na época, eu simplesmente não podia perder a chance.
Desde então, ela nunca me deixou na mão. Nunca faltou a qualquer dia de
serviço, mesmo quando não se sentia bem – ela me deixava saber sobre isso
apenas quando melhorava. Lívia era, com certeza, o tipo de pessoa a quem eu
confiaria Alice de olhos fechados, tanto por sua responsabilidade quanto pelo
carinho que nutria por ela. Era o tipo de pessoa que tinha a índole amável
estampada nos olhos escuros, e eu bem sabia que, se ela seguisse meus
conselhos e voltasse a estudar, uma outra babá como ela, eu provavelmente
não encontraria. Mesmo assim, ela merecia mais do que passar o resto da
vida recebendo apenas o que eu podia pagar. De fato, ela realmente merecia.
Naquela noite, como em todas as outras, ela chegou pontualmente às
18h00min.
— Megan fez almoço mais cedo, Lili. É só esquentar para janta. —
Eu a instruí, arrumando minhas coisas para sair. — Não deixe Alice me
esperar acordada hoje. Se ela quiser ver as estrelas, a leve ao terraço, mas por
favor, a faça dormir nove horas. Ela acorda muito cedo.
— Pode deixar. Ontem, ela não quis dormir de jeito nenhum, mas
hoje eu dou um jeito.
— Está pronta, Lexy? — Megan perguntou entrando na cozinha com
a bolsa pendurada no ombro.
— Estou. Alice!
Minha irmã saiu do quarto correndo, carregando seu urso de pelúcia
pelo braço.
— Tchau, mamãe — Ela abraçou minhas pernas.
— Durma cedo hoje, está bem? Nada de me esperar acordada.
— Tá bom. Tchau, tia Megui.
— Tchau, meu pimpolho! — Megan a pegou no colo e deu-lhe um
beijo na bochecha. — Te vejo amanhã. Boa noite, Lívia.
— Boa noite.
Megan me deu carona para a Universidade ao som de Call me maybe,
e enquanto Carly transmitia a música pelo aparelho de som, nós duas
fazíamos nossa excelente performance em plenos pulmões, o mais alto que
podíamos, com direito a gestos e risos.
— Te vejo mais tarde! — falei, sorrindo e desci do carro na frente do
portão do Campus.
— Até mais! — Ela levou o carro para o estacionamento e eu entrei
ainda com a música ecoando em meu cérebro, imaginando, não pela primeira
vez, o quão divertido seria se Megan estudasse na mesma turma que eu.
Acontece, porém, que além de ter ingressado na faculdade um ano antes de
mim, sua paixão sempre foi pela arte, então, embora eu me sentisse sozinha
na maior parte do tempo na área de Economia, eu estava satisfeita por minha
amiga cursar o que ela queria. Era evidente que teria um futuro brilhante pela
frente, eu jamais me oporia a isso.
Meus pensamentos ainda divagavam para quando avistei Stefan no
corredor principal assim que entrei pela porta. Ele parecia estar tendo algum
tipo de conversa íntima com a garota que eu e Megan chamávamos de
Pirigaita, mas era de conhecimento público que seu nome de batismo era
Julia.
Tentei passar despercebida por eles, mas infelizmente meu plano não
deu muito certo.
— Marrentinha... — Stefan disse com seu sorriso ridículo, fazendo
Julia se virar para mim. — Que honra te encontrar de novo
Merda. Impossível descrever como eu consegui adotar uma aversão
tão repentina por esse rapaz.
— Boa noite, Stefan. Se você me der licença, tenho aula agora. —
Tentei soar educada e continuar meu caminho, mas dando um passo para o
lado, ele bloqueou meu espaço.
— Ei, ei, ei... calma, garota. — Abrindo um sorriso digno de outdoors
gigantescos, ele olhou para Julia. — Essa é Alexia. Foi ela quem acabou com
nossa festa de domingo e... me negou monitoria ontem.
As sobrancelhas da loira se ergueram em curiosidade.
— Ah, é mesmo? — perguntou, cruzando os braços. — Mas não
dizem que monitores que não têm dinheiro para pagar a faculdade
são obrigados a dar monitoria a quem não é pobre?
Levei um segundo para entender que ela pretendia me humilhar por
eu não ter o mundo aos meus pés como ela. Ah, querida... hoje não.
— Talvez as regras tenham mudado. — respondi tranquilamente. —
Dizem por aí também que é proibida a entrada de animais na universidade...
por que então tem uma vaca bem na minha frente?
Ela abriu a boca para revidar, mas aparentemente não encontrou nada
para dizer. Então, após lhe dar um momento de silêncio, revirei os olhos e
passei por Stefan.
— Com licença, eu tenho mais o que fazer.
Nossos olhares se cruzaram por um milésimo de segundo, mas foi o
suficiente para eu perceber o sorriso que ele tentava esconder.
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Stefan
— Você não vai fazer nada?! — Julia berrou depois que Alexia
passou por nós.
— O que você quer que eu faça? — perguntei, usando até a última
gota do meu autocontrole para não cair na gargalhada.
— Ela me chamou de vaca na sua frente!
— E você a chamou de pobre.
Está aí outra coisa que eu não suporto. Certo, eu nunca fui pobre e
não sei se conseguiria passar por essa experiência, mas não é por isso que
devo me achar superior às pessoas que são. Parece que Julia pensa diferente.
— M-mas... eu só... constatei um fato! — Ela gaguejou ao tentar se
explicar.
Dei de ombros.
— Ela também.
Não esperei a menina encontrar uma resposta para mim. Virei às
costas e saí, deixando-a parada sozinha no corredor.
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Stefan
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Alexia
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Stefan
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Alexia
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Alexia
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Alexia
Estava claro que não seria possível terminar meu trabalho com livros
molhados, então os coloquei para secar e deixei para terminar no dia
seguinte.
Depois de tomar um banho e jantar, fui até o quarto de Megan e
peguei Alice no colo com cuidado para não acordar nenhuma das duas e
levei-a para o meu quarto. Depois de deitá-la cuidadosamente na cama,
admirei a inocência estampada em sua expressão por alguns minutos. Às
vezes, ela parecia meu porto seguro, a quem recorrer quando as coisas não
estavam bem. Era só olhar para ela que meu humor podia mudar
completamente.
Foi isso o que me fez esquecer temporariamente o ódio mortal que eu
estava sentindo por Stefan.
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Stefan
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Stefan
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Alexia
— Tem razão. Você não devia ter ido. — Megan disse depois que
chegamos em casa e despedimo-nos de Lívia.
— Não tem problema. Essa história não pode me atrapalhar mesmo.
— É, mas agora todo mundo acha que você tem uma filha.
— E daí? Ninguém tem nada a ver com minha vida.
— Acontece que você é a menina mais santa que eu conheço, Lexy.
Eu duvido que você sequer já tenha beijado alguém, quanto mais... você
sabe...
— Deixa isso para lá. Esquece, tá legal?
— Me desculpa por ter te obrigado a ir.
Revirei os olhos.
— Boa noite, Megan.
Ela suspirou.
— Boa noite.
Minha amiga entrou para o quarto e eu me sentei na frente dos meus
livros, me perguntando se existia alguma possibilidade de eu conseguir me
concentrar assim.
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Stefan
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Alexia
Eu devo ter sido uma pessoa horrível na outra vida, porque não tem
condição...
Fechei os olhos tentando me convencer de que eu seria perfeitamente
capaz de ignorar o rapaz que acabara de se sentar ao meu lado em silêncio,
mas era evidente que eu não era ingênua o suficiente para acreditar nisso. Ele
não é exatamente o tipo de pessoa que se deixa ser ignorada.
O que esse encosto quer, afinal?!
— Eu sei o que você pensa de mim. — Ele disse de maneira calma e
natural, como quem conversa com um amigo de longa data. — Mas eu não
sou fofoqueiro. Não fui eu quem espalhei o assunto sobre sua filha.
Eu o encarei, recusando-me a fazer parte do seu joguinho.
— Do mesmo jeito que não me denunciou para o Conselho da
Universidade?
Ele olhou para mim e franziu a testa.
— Como...?
— Ah, Stefan, poupe-me. Não sei o que você ganha com isso, mas
pode parar de fingir ser o mocinho da história.
Ele balançou a cabeça, aparentemente confuso.
— Alguém... denunciou você?
Eu ri. Realmente ri.
— Você devia ser ator.
— Alexia, não fui eu.
— Ah, é mesmo? Houve quatro testemunhas e você está me dizendo
que nenhuma delas foi você?
— Quatro? — Sua expressão parecia um tanto perdida e assustada,
como se não soubesse mesmo do que eu estava falando.
Desviei os olhos, tentando não acreditar na sua atuação ridícula. É
claro que ele sabe do que estou falando, foi ele quem denunciou.
— Eu sinto muito. — Ele disse, por fim.
— Por que você se importaria?
— Eu não sei, só... não quero que você pense que eu faria alguma
coisa para te prejudicar.
Eu o olhei em silêncio. Stefan não parecia estar mentindo. Seu olhar
parecia sincero como se estivesse tentando pedir algum tipo de desculpa do
fundo do coração. Acontece que eu não o conhecia o suficiente para saber se
isso era mesmo verdade.
Desviei os olhos novamente, recusando-me a deixá-lo me afetar.
— Que bom que você não perdeu a bolsa — Ele disse.
— Grande merda. Agora tenho que dar monitoria para você, o que é
pior.
Ele riu.
— Claro. Esqueci que você me odeia.
Ele ficou me olhando por um tempo — algo que eu percebi pelo meu
olhar periférico — e, por um segundo, perguntei-me o que ele estaria
pensando e porque ainda estava conversando comigo, mas antes de conseguir
encontrar a resposta para minhas perguntas, ele desviou os olhos e quebrou o
silêncio outra vez:
— Quantos anos ela tem?
Pensei em não responder ou mandá-lo ir à merda, mas, por algum
motivo, eu não vi problema em deixar desenvolver uma conversa agradável
entre a gente. Pelo menos, agora, ele parecia um garoto normal, algo mais
que um playboy ridículo que tem o mundo aos seus pés. Isso era bom.
— Fez três, na semana passada. — respondi sem demonstrar nada.
Ele pensou por um momento antes de fazer a próxima pergunta.
— Vocês moram com Caleb?
Não consegui evitar que escapasse uma risada genuína.
— Caleb não é o pai dela.
— Ah... — Ele desviou os olhos e ficou em silêncio por um instante
antes de indagar novamente. — Você mora com o pai dela?
Respirei devagar, meu humor anterior se esvaía como areia entre os
dedos. Eu não queria falar sobre o pai da Alice. Sobre o meu pai. Não gosto
de falar sobre minha família.
Apenas balancei negativamente a cabeça, esforçando-me para
bloquear memórias indesejáveis.
— Mora com seus pais?
Engoli em seco e fiz que não de novo, então Stefan franziu a testa.
— Mas... você tem o apoio deles, não tem?
Apertei meus lábios. Certo, eram perguntas simples, mas eu estaria
mentindo se dissesse que elas não causavam um nó na minha garganta.
— Não. — falei baixinho.
— Então... você tem que estudar e cuidar dela sozinha? Sem ajuda de
ninguém?
— Eu faço o melhor que posso. — Eu o olhei e, ao notar quão
chocada estava sua expressão, não pude deixar de sorrir. — Não é tão difícil
assim.
Ele ainda ficou me olhando por longos segundos antes de focar sua
atenção na quadra de esportes, e então a paz com a qual estava acostumada
naquele lugar invadiu a atmosfera. Nunca imaginei que eu pudesse ter paz
estando com Stefan alguma vez na vida, mas lentamente ela se infiltrou entre
a gente sendo muito bem-vinda.
Ficamos em silêncio pelo resto do tempo até ouvir o sinal soar,
anunciando o início da aula.
— Acho melhor a gente entrar agora. — Ele disse e levantou-se. —
Você vem?
— Mais tarde.
Stefan balançou a cabeça e pensou um pouco antes de desviar os
olhos.
— Então... a gente se vê por aí.
Não respondi. Ele subiu os degraus da arquibancada e estava prestes a
sair quando me ocorreu:
— Stefan. — Chamei e ele se voltou para mim imediatamente. —
Não conte a ninguém o que conversamos aqui. Por favor.
Ele balançou a cabeça.
— Claro! — E depois de mais um momento me olhando, os cantos da
sua boca se ergueram em um sorriso sincero. — Boa noite, Alexia.
— Boa noite.
Então ele saiu, deixando-me sozinha.
Capítulo 10
Stefan
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Alexia
STEFAN STRORCK
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Alexia
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Stefan
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Stefan
A GALINHA PINTADINHA!
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Alexia
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Alexia
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Stefan
Por um instante achei não ter entendido o que ela disse, mas o jeito
como me olhava não me deixava ter dúvidas. Alice é sua irmã.
O quê...?
Eu não soube o que responder. Apenas fiquei olhando para ela,
esperando que ela dissesse mais alguma coisa e felizmente — para minha
surpresa —, ela o fez, desviando os olhos e respirando fundo.
— Minha mãe morreu três anos atrás, no parto... — Ela fez uma pausa
e, apesar da curiosidade e da confusão estarem me matando, eu fiquei calado.
E ela continuou. — Me lembro de que... no dia... meu pai chegou do hospital
com Alice nos braços e a entregou para mim. Eu perguntei onde estava minha
mãe, mas ele não respondeu. Apenas virou as costas e saiu, me deixando
sozinha, aos quinze anos, com um bebê chorando e sem saber o que fazer.
Ela balançou a cabeça para os lados com uma expressão aflita, como
se estivesse revivendo mentalmente o pior momento da sua vida.
— Quando ele voltou naquele dia, estava completamente embriagado.
Ele não aguentou a barra de ser pai de duas filhas e viúvo, e achou que podia
afogar os problemas no álcool... — Alexia respirou profundamente. — Isso
virou rotina. Ele saía de tarde... voltava de madrugada fazendo barulho...
Alice acordava chorando... e ele perdia o controle. Era sempre assim, dia
após dia, eu tendo que suportar ver minha irmã apanhando até não aguentar
mais chorar para ele se acalmar.
Ela ficou em silêncio, pensando, mas eu não queria que ela parasse de
falar. Eu queria saber. Mais do que qualquer coisa, eu precisava saber pelo
que Alexia tinha passado.
— Você não impedia? — perguntei.
Ela sorriu amargamente, olhando para o horizonte.
— Todos... os malditos... dias. Mas ele era mais forte do que eu e me
batia também. Dizia que eu não devia defender a... maldição... que tirou
minha mãe da gente.
Um nó se formou em minha garganta e um ódio cego subiu em minha
cabeça. Eu queria encontrar esse cara. Ah, se eu pudesse, nem que por cinco
minutos, colocar a mão nesse desgraçado.
Fiquei em silêncio. É claro que eu queria saber o resto, mas o que eu
não queria era que Alexia percebesse em minha voz a ira mortal que eu sentia
pelo pai dela. Ela ficou um tempo sem dizer nada, até que, por fim,
continuou.
— Nós morávamos no interior de uma fazenda e não tínhamos
vizinhos, mas ele ameaçava a Alice caso eu contasse para alguém. Eu tinha
medo... medo de tudo, sabe? — Ela me olhou por um segundo, mas logo
desviou os olhos de novo. — Quando ele saía, eu já ficava esperando ele
voltar. Qualquer barulho ou ruído me assustava. Eu tinha medo que Alice
crescesse traumatizada. Por quase um ano e meio, eu não soube o que fazer,
mas aí... eu consegui a bolsa de estudos na Universidade. — Alexia sorriu e
voltou a atenção para a areia, onde recomeçou a desenhar com o dedo. — Era
nossa única chance. Fugi com a Alice logo depois que ele saiu para beber. Eu
tinha uma economia guardada em um cofre que minha mãe e eu juntávamos...
e a usei para comprar a passagem e me estabilizar aqui até arrumar um
emprego. Depois disso, não tivemos mais notícias dele.
Meu coração parecia ter sido arrancado do peito. Eu não sabia o que
dizer. Nunca podia imaginar que, por trás da Nerdzinha Marrenta Destruidora
de Festas, pudesse existir uma história tão frustrante.
Não falamos nada por um longo tempo e, enquanto os minutos se
passavam lentamente, meus pensamentos não descansavam. Quando minha
raiva se assentou no fundo da alma e minhas emoções estavam controladas,
eu quebrei o silêncio.
— Então... a história da estrela...
Alexia sorriu e não esperou eu terminar de falar.
— É a mãe da Alice também. Eu sei que é uma ideia boba, mas, para
uma criança de três anos, é a melhor que existe.
Olhei para o rostinho dela que ainda continuava imóvel e tranquila no
meu colo.
— Como ela aprendeu a te chamar de mãe?
Alexia suspirou.
— Foi logo que chegamos aqui e eu a coloquei na creche. Ela estava
aprendendo a falar e, como via os coleguinhas chamando as responsáveis por
eles de mãe, então... bem, ela começou a me ver como mãe também.
Eu sorri.
— Ela é bem esperta.
— É. Mais do que devia.
Mais uma vez, o silêncio cresceu entre a gente e agora eu não fiz
questão de quebrá-lo.
Ficamos olhando para o horizonte, cada um perdido em seus próprios
pensamentos, até o zumbido do meu celular desviar nossa atenção. Peguei ele
no bolso de trás da calça com cuidado para não acordar Alice e encontrei uma
mensagem da Emily:
Sei que está tarde, mas eu não consigo dormir. Você pode passar
aqui se estiver acordado? Vou esperar, tenho uma surpresa para você.
Beijo na boca.
Fiquei olhando a tela do celular por um tempo, decidindo o que
responder, então ouvi um risinho abafado.
Olhei para Alexia.
— Outra visita? — Ela perguntou com um meio sorriso, sem olhar
para mim.
Eu sabia que ela estava se referindo àquele dia em que a encontrei na
escada, mas eu não respondi. Quando ela se virou para me encarar, eu
simplesmente não consegui olhar diretamente em seus olhos e voltei-me para
Alice.
— Acho que devemos... levá-la para casa. — falei.
Ela sorriu.
— Também acho.
<<< >>>
Stefan
Não estou nada bem, Stefan. Não vou poder ir. Bem que você podia vir
aqui cuidar de mim, né? Desculpa furar com você, mas estou mal
mesmo.
Bufei. Odeio levar gelo. De qualquer forma, eu já estava praticamente
dentro da festa; nem ferrando que eu iria voltar.
Eu estava andando em direção à porta quando meus passos vacilaram.
Alexia estava na frente da entrada, de costas para mim, como se esperasse
alguém.
Considerei dar meia-volta. Eu já havia repetido para mim mesmo um
milhão de vezes essa noite, quando eu perdi o sono por causa dela, que ela
não era mais um nome na minha lista. Ela devia ficar longe de mim, eu devia
ficar longe dela. Porém, no fundo, eu já sabia que aquela garota era como um
ímã e, antes que eu pudesse reconsiderar minha atitude, vi-me andando em
sua direção.
Droga... isso tem uma grande chance de dar merda.
Cheguei bem próximo ao seu ouvido, mas, antes de falar qualquer
coisa, inspirei seu perfume. Ela tem um cheiro inebriante.
— E o destino sempre arrumando um jeito de cruzar nossos
caminhos... — murmurei e vi-a estremecer.
Ela se virou, e talvez o jogo de iluminação da entrada estivesse me
pregando uma peça, mas pude jurar ver suas bochechas corarem.
— Esse tal de destino só pode estar drogado! — disse e eu ri.
— Provavelmente. Mas ainda assim faz um ótimo trabalho.
Ela meio que suspirou, meio sorriu.
— Como está Alice?
— Ótima. Estava montando um quebra-cabeça quando eu saí.
— Não tem mais nenhum show em que ela queira ir?
Alexia soltou uma leve gargalhada, o que me fez rir também.
— Não, felizmente.
— Não foi uma boa experiência para você?
Seu sorriso sumiu aos poucos, mas, antes que ela pudesse responder,
Caleb chegou atrás dela e — desgraçado — passou o braço atrás de suas
costas.
Olhei para ele, sentindo todo o meu humor anterior virar do avesso.
Tire a pata dela, filho da puta!
— Boa noite, Stefan. — Ele disse com um sorrisinho que eu queria
arrancar na porrada. — Está sozinho?
— Não por muito tempo. — respondi entre os dentes.
— Ah, beleza. Porque Alexia está comigo. — Ele fez questão de
destacar e virou-se para ela. — Vamos entrar?
Ela balançou a cabeça afirmativamente.
— Claro. Tchau, Stefan.
Maravilha. Agora estou parecendo um palerma sem ninguém para
curtir a festa. E ainda, como se não fosse o bastante, praticamente acabei de
perder uma garota para o cara mais panaca do espaço. Perfeito.
Logo entrei no meio dos corpos agitados, ouvindo a música estridente
invadir cada molécula de oxigênio e se misturar ao cheiro de álcool, suor e
perfume.
— Quero vodka! — Eu disse, batendo uma nota em cima do balcão
do bar e olhei para a multidão de corpos dançantes.
Foi difícil encontrá-la, mas consegui, afinal. Ela estava sentada
sozinha em uma das mesas isoladas, olhando ao redor como se fosse a
primeira vez que entrava em um lugar como este.
Que cara idiota. Era a segunda vez que ele a deixava sozinha.
— Está servido. — Ouvi o barman dizer um momento antes de virar o
copinho completamente e sentir o líquido descer rasgando a garganta.
Fiz uma careta e esperei a sensação de queimação acalmar um pouco.
— Mais um! — pedi e fui servido.
— Desculpe a indelicadeza — O barman disse enquanto eu virava o
copinho pela segunda vez. —, mas você não é filho do Diogo Strorck? Dono
das empresas automotivas, é você, não é? Eu sou fascinado pelos carros que
vocês vendem, um dia ainda vou conseguir dinheiro para comprar um deles!
— Ele soava esperançoso, mas eu ri.
— Não sou eu não. Você me confundiu com outra pessoa.
Larguei o copo sobre a mesa e saí. Não gosto de ser reconhecido
como filho de Diogo Strorck. Prefiro o anonimato.
— Oi... — Ouvi uma voz suave ao meu lado antes mesmo de chegar à
pista de dança.
Virei-me e encontrei uma menina baixinha e morena, atraente.
— Oi — respondi. — Está sozinha?
Ela assentiu.
— Por enquanto.
Sorri e estudei seu corpo de cima a baixo antes de voltar minha
atenção para o seu rosto.
— Quer dançar? — perguntei.
Seu sorriso foi toda a resposta que eu precisava.
Fomos para a pista de dança, mas era difícil me concentrar na garota
quando meus olhos não paravam de viajar em Alexia. Caleb chegou e sentou-
se ao lado dela, com um refrigerante e uma cerveja na mão. Ela sorriu. Eu
queria que ela sorrisse daquele jeito para mim.
Epa, o que estou pensando?! Stefan, foco! Ela está fora do seu
alcance.
— Ei... — A garota baixinha me chamou e eu a olhei. — Você está
bem? Parece um pouco aéreo.
Sorri.
— É o álcool. Vem cá! — Eu me inclinei e beijei-a.
Ela correspondeu, mas não parecia bom o bastante. Maldição, o que
raios está acontecendo comigo?
— Você tem certeza de que está tudo bem? — Ela perguntou quando
quebrei o beijo.
Balancei a cabeça.
— Tudo. Só preciso de um ar.
— Tá legal.
Deixei-a sozinha na pista e dirigi-me à porta dos fundos. Era a mais
próxima de mim, sem contar que a da frente devia estar lotada.
Quando abri a porta, um vento frio me envolveu, mas ele era bem-
vindo. Isso foi a primeira coisa que percebi. A segunda foi a atmosfera
sinistra que pairava no ar. A saída dava para um tipo de beco macabro,
daqueles que podem ser vistos em uma parte principal de um filme de terror.
De qualquer jeito, também poderia servir perfeitamente para um encontro a
dois, considerando que provavelmente ninguém aparecia ali.
Sentei-me na calçada e permaneci ali por vários minutos. Prestei
atenção ao barulho dos grilos e da música que agora parecia vários graus
mais baixa. Senti a brisa, o vento e o cheiro de liberdade. No fim, o beco nem
parecia mais tão assustador.
Levantei-me e entrei, sentindo meu ânimo renovado.
— Você demorou — A menina veio me encontrar. — Está melhor?
— Totalmente. Podemos voltar a dançar?
— Claro — Ela sorriu e eu a levei outra vez para a pista de dança.
Dançamos várias músicas seguidas, mas ainda tínhamos fôlego para
continuar. Entretanto, meus olhos resolveram focar em alguém que passou
por nós indo em direção à porta dos fundos e novamente a garota em minha
frente ocupou o segundo lugar em minha mente.
Não tinha nada de mais lá fora, apenas o silêncio e a tranquilidade.
Contudo, por algum motivo, eu não consegui suportar a ideia de Alexia estar
sozinha em um lugar daqueles.
Stefan, merda, pare com isso! Ela sabe se cuidar!
Respirei fundo e passei os próximos minutos tentando me convencer
de que ela sabia se virar sozinha, mas minha tentativa de permanecer
indiferente quanto a isso foi um fiasco.
— Você parece tenso... — A garota resmungou com os braços em
volta do meu pescoço, acariciando minha nuca com as pontas dos dedos.
Balancei a cabeça para os lados.
— Esse bairro é tranquilo, não é?
Ela riu.
— Tranquilo? Você não vê os noticiários?
Franzi a testa sentindo minha respiração ficar presa na garganta.
— Que noticiários?
— Só na semana passada houve dois estupros e um assassinato não
muito longe daqui. Esse bairro não é nem de perto tranquilo.
Parei de dançar, minhas mãos congeladas em sua cintura. Ela riu de
novo.
— Ei, relaxa. Nós estamos seguros aqui dentro. Eu não sabia que você
era tão medroso.
Olhei para a porta onde Alexia tinha saído há mais de três minutos.
Ela já devia ter voltado.
— Você está com sede? — perguntei.
— Ah, sim. Muita.
— Então pode ir pegar uma bebida para a gente? Preciso ir... ao
banheiro.
A menina me olhou por um tempo com um olhar confuso, mas
concordou.
— Tudo bem.
E quando ela saiu em direção ao bar, eu saí em direção à porta.
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Alexia
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Stefan
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Alexia
Comprei o jornal.
Conforme eu lia a matéria, um arrepio me percorreu quando me dei
conta de que, considerando as passagens que esses homens já tinham na
polícia, eles não se contentariam apenas abusando da Alexia. Eles não a
deixariam viva. Eu precisava vê-la. Apenas para ter certeza de que ela
continuava bem. Joguei o jornal no lixo quando terminei de ler e peguei meu
celular no bolso da calça. Encontrei duas mensagens do Pedro e uma da
minha mãe:
Pedro:
Mãe:
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Alexia
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Stefan
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Alexia
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Alexia
Que idiota que eu sou. Como poderia achar que um cara lindo, rico,
popular e cobiçado como o Stefan acharia graça em uma garota como eu?
Essa tal de Emily deve me superar em tudo mesmo...
Tentei me manter indiferente quanto ao fato de ele ter paraticamente
admitido que pretendia se apaixonar por ela, mas a verdade é que meu
coração literalmente parou por um segundo.
Amigos. Ele disse que é meu amigo, e como eu poderia querer algo
mais que isso? Ele realmente está além do meu alcance...
— Quer que eu te espere depois da aula? — Stefan perguntou ao me
deixar no portão da Universidade.
Ele me esperou em casa até que eu estivesse pronta para sair, deu-me
carona para faculdade e iria para casa se limpar, enquanto eu dava monitoria.
Depois de se recusar a ir embora sem me dar essa carona mesmo com toda a
minha tenacidade ao afirmar que não era necessário, eu acabei me tornando
incapaz de recusar sua generosidade. De acordo com ele, como sua amiga,
isso era algo com a qual eu teria que me acostumar.
— Não, obrigada — respondi. — Eu volto com a Megan.
— Quer que eu te busque amanhã?
Sorri.
— Eu sei que você é um bom executivo, não precisa marcar
compromisso comigo. Talvez às quatro horas amanhã você ainda não tenha
saído da empresa.
Ele fez uma careta.
— Bem pensado.
Meu sorriso se abriu.
— A gente se esbarra por aí — E depois de lhe dar um beijo na
bochecha, eu saí do carro.
Tudo bem, eu não costumo sair beijando a bochecha de garotos, mas
se ele beijou minha testa no dia anterior, eu não via problema em retribuir o
carinho. Além do mais, isso é supernormal entre amigos... certo?
Tive cinco alunos para dar monitoria e, no fim, eu estava esgotada.
Sequer deu tempo de passar alguns momentos no ginásio vazio, fui direto
para a sala de aula. Entreguei trabalhos, apresentei trabalhos, anotei prazos de
trabalhos e virei a noite estudando.
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Stefan
Eu não sei que merda deu na minha cabeça para seguir Alexia e Alice
até a creche naquele dia. Eu sequer dormi na casa da Emily, apenas saí de
casa e, antes de ir para empresa, fui até a casa dela e estacionei o carro em
uma distância segura para ela não me ver.
— Ele é seu namolado, não é, mamãe? — Alice perguntou, segurando
a mão da Alexia, no caminho para creche.
Sua pergunta me fez sorrir, andando um pouco atrás delas.
— Claro que não, amor — Alexia respondeu. — Tio Stefan é meu
amigo.
— Igól o Zozé e eu?
— Isso. Igual você e o José.
Eu não sabia quem era José, mas ouvi-las falar sobre mim totalmente
alheias à minha presença era divertido.
— Hum... — Alice resmungou pensativa. — Eu quelia que ele fosse
seu namolado.
Sorri ainda mais e lutei contra o impulso de correr até ela e abraçá-la.
— Ele nunca vai ser meu namorado — Alexia respondeu, então todo
meu sorriso desapareceu.
Nunca? Ela me acha tão ruim assim? Bem, certamente ela tem razão.
Dei meia-volta até meu carro. Eu já tinha escutado o bastante, e eu
sou um imbecil. Eu devia ter ido direto para a empresa.
Um dia inteiro se passou até Alice abrir seus olhinhos azuis para mim.
Nesse dia inteiro, eu não saí do lado dela. Eu sabia que Stefan estava em
algum outro quarto do hospital se recuperando da intoxicação e seu estado,
certamente, era pior que o da minha irmã, mas eu era incapaz de deixá-la.
Pelo celular da Megan, liguei para Rafael e para Teresa, que
entenderam quando eu disse que não poderia cumprir com minhas
obrigações. O incêndio já tinha saído no noticiário.
Megan cuidou de dar entrevistas, informações e decidir o que seria da
gente agora. Ela já estava procurando outro apartamento, enquanto a perícia
examinava o incendiado. A suspeita era que tinha sido incêndio doloso... mas
quem, raios, teria tanta raiva de mim ou da Megan para nos matar
queimadas?!
Eram tantas perguntas batendo em minha mente que minha cabeça
começou a doer.
— Oi, mamãe... — Alice disse com uma vozinha fraca e eu levantei
minha cabeça rapidamente para olhá-la.
— Oi, meu amor.
— Pô quê tem uma agula no meu baço?
Respirei fundo.
— Porque... teve fogo na nossa casa... e você engoliu fumaça... então
vai ter que ficar aqui até ela sair do seu corpinho.
Ela franziu a testa.
— Pô quê tinha fogo?
Estava aí uma pergunta que eu não era capaz de responder.
— Eu não sei.
Ela desviou os olhos e pensou por um tempo.
— Cadê o titio Tefa?
Franzi a testa.
— Por que a pergunta?
— Eu aço... que ele me tilou do fogo.
Pisquei algumas vezes olhando para ela, mas não disse nada.
Será que ela se lembrava?
— Ele tá maçucado... eu aço.
Respirei fundo.
Sim, ela se lembrava...
— É... eu acho que sim.
Ela pensou por um tempo.
— Você zá foi ver ele?
Balancei a cabeça que não.
— Pô quê?
— Eu estava esperando você acordar.
— Eu zá acodei.
Franzi a testa.
— Quer que eu vá vê-lo?
Ela fez que sim.
— Aço que ele tá com sodade de você.
Pensei um pouco e sorri.
— Eu não vou deixar você sozinha.
— Eu sô mocinha, mamãe. Pode ir.
— Eu fico com ela, Lexy — Lívia disse ao entrar no quarto. — Pode
ir.
Pensei um pouco e respirei fundo.
— Você vai ficar bem? — perguntei à Alice.
— Tia Lili cuida de mim.
Sorri antes de beijar sua testa.
—Tudo bem. Eu não demoro.
Saí do quarto e perguntei à enfermeira onde estava Stefan Strorck.
Depois de ser informada que ele estava no andar de cima, eu subi e perguntei
a outro enfermeiro onde ficava seu quarto. Ele me disse que era no fim do
corredor, à direita.
Para minha surpresa, encontrei um segurança na frente da porta, que
não impediu minha passagem, apesar de me olhar de cima a baixo.
Provavelmente, ele deve ter percebido que eu não apresentava
nenhum risco à sociedade, mas quando passei pela porta, meu impulso foi dar
meia-volta para o quarto da Alice.
Stefan estava acompanhado por uma garota que não era desconhecida
por mim. Eu já a tinha visto algumas vezes no prédio, então soube na hora
quem ela era.
Ela levantou seus olhos claros para mim, fazendo Stefan se virar
também. Pisquei algumas vezes, pedindo aos céus mentalmente que eu não
tivesse atrapalhado algum momento íntimo entre eles.
— Ah... eu posso falar com você? — perguntei, olhando para ele que,
por sua vez, se virou para Emily.
Ela ainda ficou me olhando por um tempo, então balançou a cabeça e
deu selinho na boca do Stefan.
Desviei os olhos, engolindo em seco.
— Vou comer alguma coisa. Depois eu volto — Ela veio em minha
direção, olhando-me fixamente para sair pela porta. — É um prazer te
conhecer... Alexia.
E saiu.
Respirei fundo e fui até a cama dele. A cadeira ficava do outro lado,
mas eu não dei a volta.
Stefan estava vestido com uma camisola do hospital e algumas partes
específicas do seu corpo estavam cobertas com curativos, mas seu rosto
estava exatamente do jeito que eu me lembrava, sem nenhum arranhão.
— Sente-se aqui — Ele disse, batendo no colchão.
Eu obedeci. Sentei-me ao seu lado e olhei para os meus dedos.
— Como ela está? — Ele perguntou.
Respirei fundo.
— Bem. Preocupada com você, mas bem.
— E você?
— Eu também.
— Também está bem ou também está preocupada comigo?
Eu o olhei e fiquei um tempo o encarando.
— Os dois.
— Relaxa — Ele deu de ombros. — Não sofri nenhum dano que
cinco milhões de reais não resolva.
Meu queixo caiu e meus olhos se arregalaram chocados.
Um canto da sua boca se ergueu em um sorriso torto.
— Brincadeirinha.
Bufei, desviei os olhos, e ficamos alguns segundos em silêncio, até
ele o romper.
— O que foi?
Engoli e olhei para ele de novo. Ele estava me olhando com a testa
levemente franzida como se estivesse preocupado.
— Eu não sei como te agradecer... por salvar minha vida de novo.
Ele inclinou a cabeça, pensativo.
— Se bem me lembro, dessa vez quem eu salvei foi a Alice.
Dei de ombros.
— Acho que foi nós duas, porque... a vida dela... é minha vida.
Ele ficou um tempo em silêncio, olhando-me.
— Então parece que você tem uma grande dívida comigo,
marrentinha.
Sorri.
— Só seja gentil quando me pedir para quitá-la.
Ele pegou minha mão e beijou-a carinhosamente.
— Continue viva e mantenha a Alice fora de perigo... e estamos
quites.
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Stefan
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Alexia
Ótimo.
ELE É O CARA!
Herdeiro das empresas Strorck arrisca a própria vida para tirar uma
criança do interior de um apartamento em chamas.
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Alexia
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Stefan
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Alexia
Stefan
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Alexia
Stefan
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Alexia
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Stefan
Droga!
Olhei para o meu pai com tanta raiva que eu podia jurar que se meus
olhos fossem metralhadoras, agora ele estaria estraçalhado.
— Esse almoço tinha tudo para ser agradável — Eu disse a ele antes
de jogar meu guardanapo sobre a mesa e sair correndo pela porta.
— Alexia! — Eu chamei, mas ela não parou. Estava indo em direção
à mesa onde estávamos estudando. — Ei, espera — falei, segurando seu
braço e fazendo-a se virar para mim, com os olhos vermelhos.
Droga. Mil vezes droga. Ela não merecia passar por isso.
— Me desculpa — murmurei sem saber ao certo o que devia dizer.
Ela engoliu e desviou os olhos, balançando a cabeça.
— Você pode buscar minha irmã? Eu só quero ir embora.
Ah, não... será que ela me odeia?
— Alexia, eu... — Merda, o que, raios, eu posso dizer?! — Você não
devia estar aqui, não devia ter se sentado naquela mesa... ele é um idiota, eu...
— Não — Ela balançou a cabeça. — Ele está certo. Nós somos
diferentes, não somos?
Franzi minha testa.
— Como...?
— Você tem tudo, Stefan. Tem uma vida perfeita. Uma mãe
maravilhosa, um pai que acabou de demonstrar que se importa com você e
quer o seu bem, um irmão lindo, uma casa... incrível... um futuro garantido
— Seus olhos estavam brilhando com as lágrimas recém-formadas e sua voz
começou a falhar. — Ele tem razão, nós somos de mundos completamente
diferentes... não temos nada em comum. Talvez seja melhor a gente se
afastar.
O QUÊ ?!
— O quê...? Não! Alexia, olha para mim — Eu levantei seu rosto com
a mão. — Ele não tem razão sobre nada do que disse ou do que pensou.
Escuta... — Segurei sua mão entre as minhas. — Você se lembra do que me
disse na praça naquele dia? Você disse que eu era vazio por dentro e não
conhecia a beleza real da vida, lembra disso? Você disse que eu era um ser
humano desprezível e não sabia o que existia atrás do muro da fortuna, e você
tinha razão! Tinha razão sobre tudo isso. Mas você está me ensinando, está
me mudando! Alexia, eu sei que não posso comprar a felicidade, mas...
Eu parei um pouco para pensar no que estava dizendo. Eu estava
falando tudo tão rápido que nem tinha certeza se ela estava entendendo ou se
minhas palavras faziam sentido. Nos seus olhos, as lágrimas estavam visíveis,
por um triz de escorrer, mas ela me olhava, esperando-me terminar de falar.
Respirei fundo e continuei.
— Eu estou aprendendo com você. E... talvez você tenha razão.
Somos diferentes, de mundos opostos e com histórias completamente
contrárias. Não temos nada em comum. Mas se existe alguém superior aqui...
esse alguém é você.
Ela ainda ficou me olhando por um tempo antes das lágrimas, enfim,
escorrerem. Sua expressão não se alterou, ela simplesmente chorou. Quando
eu sequei seu rosto com o polegar, ela abaixou a cabeça.
— Eu não sou uma boa amiga para você, Stefan — murmurou
baixinho.
Meu coração estava batendo tão rápido que eu conseguia sentir suas
pulsações.
Não... meu pai não iria tirá-la de mim. Eu não ia deixar.
Levantei seu rosto novamente para ela me olhar.
— Você é a melhor amiga que eu poderia ter.
Ela soluçou sem emitir som, novas lágrimas escorrendo em seu rosto,
então me abraçou. Eu a abracei de volta e apertei-a contra mim, acariciando
seu cabelo, sentindo os espasmos do seu choro silencioso contra o meu peito.
Ficamos unidos por um tempo, então ela suspirou mostrando que
estava se acalmando.
— Você pode... buscar a minha irmã? Vamos estudar em outro
lugar... por favor. — Sua voz ainda estava fraca.
— Claro — Eu a soltei e olhei seu rosto. — Você quer me esperar no
carro?
Ela engoliu e balançou a cabeça afirmativamente.
— Tudo bem. Venha.
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Alexia
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Alexia
— Ele o quê?! — Megan gritou depois que coloquei minha irmã para
dormir e contei-lhe as aventuras do meu dia.
— Shhh! — falei irritada. — Vai acordar a Alice.
— Minha nossa, Lexy! Espera, me deixe recapitular... você perdeu o
BV e foi pedida em namoro tudo no mesmo dia e por caras diferentes?
— Pois é! — Encolhi os ombros. — Minha vida está melhor que
novela mexicana.
— Caraca, eu acho que sua ficha ainda não caiu. Garota, você percebe
que beijou o cara mais rico, lindo e cobiçado da faculdade inteira?!
Revirei os olhos.
— Grande merda. Noventa por cento das garotas lá dentro já fizeram
a mesma coisa.
— Mas com você é diferente, Lexy!
— Claro que é. Ele disse que foi beijo de amigo. Sabe... ele só quis
tirar meu BV para garantir que eu tivesse uma boa primeira experiência.
— Ah, conta outra! — Megan riu. — Até parece que eu acredito
nisso. Até um cego perceberia que ele está de quatro por você.
Bufei.
— Até parece.
— Ah, deixa isso para lá. Então, me conta... como foi? Ele beija bem?
Tem pegada?
Mordi meu lábio inferior quando minha mente começou a viajar.
— Ele foi supercarinhoso. No começo, só me deu um selinho, mas
depois... — falei, olhando para o nada, perdida em pensamentos. — Foi se
intensificando... e ele me imprensou na parede e... me apertava... e isso foi
bom, muito bom...
Quando percebi que estava com uma expressão de panaca no rosto,
balancei a cabeça, despertando, e olhei para Megan.
Ela estava com um sorriso feito o gato da Alice no país das
Maravilhas.
— O que foi? — perguntei, já sentindo meu rosto queimar.
— Você está apaixonada.
— E você está com sono, tanto que já não está falando coisa com
coisa.
Ela pulou do sofá.
— Escuta, Lexy, eu não conheço o Stefan, mas se tem alguém que eu
conheço, esse alguém é você. E, com toda a certeza, você está apaixonada.
Revirei os olhos.
— Vá dormir, Megan.
Ela se aproximou de mim e segurou meus ombros.
— Tudo bem, vamos ao conselho. Você vai conversar com o Stefan
amanhã, e o que eu quero dizer com conversar é que você vai contar a ele
tudo o que sente. Vai colocar seus sentimentos para fora e, como toda ação
tem uma reação, das duas uma: ou ele vai te dar um fora e você vai dar uma
resposta positiva ao Caleb... ou ele vai se declarar de volta e vocês vão viver
felizes para sempre. Tcharã! Tudo fácil assim.
Eu ri e afastei-me dela.
— Você só pode ter algum problema de cabeça.
— Não tenho não. Lexy, diz para mim qual é a pior coisa que pode
acontecer se você se declarar para ele.
— Ele rir da minha cara, me dar um fora e sair espalhando para a
faculdade que eu sou uma idiota ao imaginar que teria alguma chance com
ele.
— E você acha mesmo que ele faria isso?
Pensei por um tempo.
Bem... na verdade, se Megan me fizesse essa mesma pergunta um mês
atrás, minha resposta seria um SIM com todas as letras maiúsculas, mas,
agora, pensar em Stefan fazendo uma coisa dessas fazia eu me sentir uma
doida.
— Não.
— Então está decidido. Prometa para mim que vai conversar com ele
amanhã.
Balancei a cabeça rindo.
— Vamos, Lexy! Prometa. — Megan insistiu.
Suspirei.
Certo. Talvez estivesse mesmo na hora de admitir que eu gostava dele
de verdade e, considerando suas atitudes comigo nos últimos dias, eu já tinha
certeza de qual seria sua reação quando eu me declarasse.
Essa ideia me fez sorrir.
— Tá bom, garota chata. Eu prometo.
<<< >>>
Alexia
<<< >>>
Stefan
Estar tão perto da Alexia e não poder beijá-la exigiram até a última
gota do meu autocontrole, mas, felizmente, eu consegui me segurar.
Estamos em público. Ela tem namorado. Eu tenho namorada. Ela é
apenas uma amiga.
Precisei repetir isso mentalmente umas cinquenta mil vezes no
decorrer da música, olhando na imensidão dos seus olhos azuis, enquanto ela
me olhava de volta.
Caraca, ela realmente está linda. Será que ela tem alguma ideia do
quanto está linda?
Quando a música chegou ao fim com seu último acorde
desaparecendo lentamente no ar, eu ainda a segurei por um segundo,
desejando que outra música lenta começasse... e outra... e outra... e outra...
Então as palmas cortaram meus pensamentos, eliminando-os
completamente. Alexia se afastou de mim sorrindo, olhando para as poucas
pessoas que serviram como nossa plateia. Eu respirei fundo antes de
finalmente desviar os olhos dela e me inclinei, como um gesto de
agradecimento aos aplausos.
— Está apaixonado, cara! — André disse quando eu me distanciei da
Alexia e do resto das pessoas para pegar uma taça de champanhe na cozinha.
Revirei os olhos.
— Você mais do que ninguém sabe que eu não me apaixono.
Meu celular apitou na mesma hora no bolso da calça, anunciando o
recebimento de uma nova mensagem e eu o peguei.
— Repita isso depois de olhar essa foto — André riu de lado e bateu
no meu ombro. — Sabe, eu entendo. Também acho que estou apaixonado
pela Megan... assim como acho que você pediu a garota errada em namoro.
Ele piscou para mim, virou as costas e voltou para a sala.
Abri a mensagem que ele mesmo havia me enviado e encontrei uma
foto tirada poucos minutos atrás, no momento em que eu e Alexia estávamos
dançando. Ela estava com os braços em volta do meu pescoço enquanto eu a
segurava pela cintura, olhando-a de um jeito que eu não imaginava já ter
olhado para alguma outra garota antes. Estava com uma expressão séria, mas,
de algum jeito, carinhosa. Olhávamos um nos olhos do outro e mesmo que,
no fundo da foto, desfocados, conseguisse ver os patrões dela, ainda
parecíamos estar sozinhos, em uma bolha só nossa que ninguém estouraria.
Não consegui evitar o sorriso ao olhar aquela foto por mais tempo do que
devia. André era útil para alguma coisa, afinal.
Toquei na tecla "Opções" no canto da tela do telefone. "Definir como"
e "Papel de parede". E, ainda sorrindo, voltei a guardar o celular no bolso.
Os dias começaram a se arrastar, mas nem para mim nem para Alexia
isso parecia fazer diferença.
— Eu e Caleb brigamos ontem — Ela disse algumas semanas depois,
jantando à mesa comigo quando eu a levei para casa depois da faculdade.
Isso estava quase virando rotina. Megan parecia sempre estar ocupada
com André depois da faculdade, então os dias em que ela se disponibilizava
para dar carona à Alexia eram raros.
Caleb sempre tinha algo para fazer, então deixar a namorada em casa
antes dos seus compromissos geralmente estava fora de cogitação. Sendo
assim, eu não via problemas em levá-la. Acho que ela também não via, já que
nunca reclamou.
Sorri.
— Me deixe adivinhar o motivo da briga... eu.
Ela riu.
— Essa foi fácil. É sempre você.
Encolhi os ombros.
— Eu não tenho culpa se ele não se garante.
Ela balançou a cabeça sorrindo, voltando a comer.
— Mas eu não tenho inveja, Emily também está tentando me
enlouquecer. — Inclinei-me sobre a mesa. — Tente acreditar que ela está
fazendo greve de sexo.
Alexia arregalou os olhos e me olhou.
— Sério?
Balancei a cabeça que sim.
— Faz três dias.
Ela jogou a cabeça para trás e riu baixo para não correr o risco de
acordar Alice, que já estava dormindo quando chegamos.
— Oh, dó... eu tenho uma ideia. Por que a gente não se encontra, eu, o
Caleb, você e a Emily? Assim eu posso provar para ela que não sou ameaça
para o namoro de vocês, e você prova para Caleb que não é ameaça para o
nosso namoro, o que acha?
Pensei um pouco antes de responder.
— Péssima ideia.
— Por quê?
Dei de ombros.
— Porque eu concordo com ele nessa parte. Eu realmente sou uma
ameaça para o namoro de vocês.
Ela fez uma careta.
— Eu estou falando sério!
— Eu também — respondi indiferente.
Ela revirou os olhos.
— Acho que vai ser ótimo. Podemos até formar um quarteto da
amizade — Seu sorriso quase me contagiava. Quase.
— Se você for em frente com isso, não me culpe se no final desse
programa você não tiver mais um namorado.
Ela me ignorou.
— Abriu uma nova pizzaria perto da praia. Acho que lá é legal.
— Você tem certeza? — perguntei, mas isso saiu mais ou menos
como: "desista dessa ideia".
— Tenho. Vou ligar para o Caleb, pode ser amanhã à noite.
Eu realmente pensava que sair em casais era uma boa ideia, mas
quando vi o jeito como Emily esfregava na minha cara que ela tinha o
coração do Stefan e eu não, eu simplesmente não consegui engolir o bolo que
se formou em minha garganta.
— Eu... acho que vou ao banheiro. Já volto — Mandei um beijo para
Caleb e saí.
Entrei no banheiro e agradeci mentalmente aos céus por não ter
ninguém em nenhuma das cabines — percebi isso porque todas elas estavam
abertas. Assim eu podia ter um momento a sós comigo mesma e meus
próprios pensamentos.
Apoiei as mãos na pia e respirei profundamente, tentando mais uma
vez engolir o nó agonizante que estava em minha garganta, mas minha paz
não durou muito tempo. Não muito animada, vi Emily entrar no banheiro
atrás de mim pelo reflexo no espelho.
— Você está bem? — Ela perguntou com uma voz evidentemente
falsa. — Eu vi o jeito como você saiu da mesa, parecia... agitada.
— Eu estou ótima.
— Ah... ok — Ela veio até a pia do meu lado, tirando um gloss rosa
de dentro da bolsa. — E então... como está o seu namoro?
— Ótimo. Melhor impossível.
Ela sorriu.
— O meu também. Fala sério... o Stefan não é o homem dos sonhos
de qualquer garota? Atencioso, carinhoso, lindo...
Desviei os olhos, pedindo a terra para me engolir.
Emily passou o gloss e espremeu os lábios para espalhá-lo.
— Mas sempre tem aquelas pedrinhas no caminho, não é? — Ela
prosseguiu, olhando para o próprio reflexo, limpando um borrado nos lábios
que, por acaso, não existia. — No nosso caso, a pedrinha é certa amiga que
ele tem. Sabe, eu tento engolir, mas não dá. Diga-me uma coisa, Lexy... —
Ela me olhou. — Você aceitaria numa boa a ideia de que seu namorado passa
mais tempo com uma amiga do que com você?
Não respondi imediatamente.
Ela sabia o que estava fazendo. Eram indiretas tão diretas que me
deixaram tonta.
— Não.
Ela suspirou.
— Pois é, eu também não gosto. Que garota em plena consciência
aceita ser deixada em segunda opção pelo próprio namorado?
Voltando a atenção para bolsa, ela pegou um rímel e começou a
passá-lo.
— Sabe, eu até pensei em terminar. Quer dizer, eu gosto dele, mas se
ele acha a amiga tão mais importante do que eu, talvez ele prefira ela. — Ela
me olhou novamente. — O que você acha? Eu devo terminar?
Eu não entendia onde ela queria chegar, mas também não iria sair do
banheiro antes de ela terminar.
— Eu não acho que devo me intrometer no namoro de vocês.
— Por que não? Você é amiga dele, não é? Então é minha amiga
também, pode falar... o que você acha que devo fazer?
Eu sabia que qualquer que fosse minha resposta daria no mesmo,
então fiquei calada.
A expressão falsa no rosto dela finalmente se alterou.
— O que eu quero dizer, Alexia... é que eu vi o jeito como você olha
para ele, eu não sou idiota. Mas me permita te lembrar uma coisinha...
Stefan me pediu em namoro, não a você. Eu sou a namorada dele e eu não
gosto que as pessoas se metam no meu caminho, então faça um favor para si
mesma, e se coloque no seu lugar, porque você não sabe do que eu sou capaz
de fazer para conseguir o que eu quero.
Um arrepio percorreu minha espinha, mas eu não me intimidei.
— Isso é uma ameaça?
— Não. É um aviso — Ela se aproximou de mim, invadindo meu
espaço pessoal, mas eu não recuei. — Fique longe... do Stefan.
Então, depois de ficar me olhando por alguns segundos, ela se virou,
pegou sua bolsa e saiu desfilando.
Engoli em seco, tentando me controlar, amaldiçoando-me
mentalmente por tê-lo aconselhado a pedir essa garota em namoro.
Como eu pude ser tão idiota?
Fechei meus olhos tentando engolir as lágrimas.
Ele seguiu meu conselho quando o pedi para namorá-la... será que
seguiria de novo caso eu pedisse para ele terminar?
Mas o que ela quis dizer com “Você não sabe o que eu sou capaz de
fazer para conseguir o que eu quero"? Ela pretendia me machucar? E se ela
mirasse Alice para me atingir?
Esse pensamento me fez tremer.
Ainda continuei por vários segundos no banheiro até parar de tremer,
então lavei o rosto na pia e saí, disposta a sorrir falsamente para qualquer um
que viesse falar comigo.
A primeira coisa que notei, porém, quando saí do banheiro, foi que
nossa mesa estava vazia. A segunda foi o grande alvoroço de pessoas que se
amontoava perto do balcão, falando todos ao mesmo tempo com uma
expressão chocada e assustada.
Eu não sabia o que estava acontecendo, mas me vi correndo naquela
direção como se minha intuição gritasse para mim que aquilo tinha algo a ver
com Stefan e Caleb.
— Eu acho que o nariz dele quebrou... — Ouvi alguém dizer
enquanto eu me espremia pra atravessar a multidão.
— Quem fez isso?
— Eu não sei, o expulsaram da pizzaria.
— Alguém já ligou para ambulância?
— É melhor ligar para polícia, isso foi agressão.
Finalmente saí do meio da multidão, encontrando Caleb no chão com
o rosto ensanguentado e a camisa suja e manchada.
— Ah, meu Deus! — Cobri a boca com a mão por um segundo sem
saber o que fazer, então corri até ele. — Caleb! O que aconteceu? Ah, meu
Deus... o que aconteceu?!
Ele cuspiu debilmente um pedaço de dente quebrado, sua cabeça
estava pendendo para baixo como se fosse pesada demais para ser sustentada
em cima do pescoço.
— Eu acho... — Ele murmurou com dificuldade. —... que seu amigo
não gostou de mim.
Meus olhos se arregalaram chocados.
Stefan?! Mas o que...
— Alexia — Ouvi a voz minando raiva da Emily. — Seu amiguinho
está te esperando lá fora.
Instantaneamente, Caleb segurou minha mão.
— Por favor... — Ele gemeu, com a outra mão segurando a costela
que eu não duvidava que tinha sido quebrada. —... fique comigo.
Meus olhos já estavam banhados em lágrimas. Isso era tudo culpa
minha. Esse encontro era culpa minha. Eu dei a ideia...
Não! Era culpa dele! Como ele podia fazer uma coisa dessas com
Caleb?!
— Eu vou voltar — murmurei. — Eu prometo. — Beijei sua
bochecha suavemente e levantei-me, atravessando novamente a multidão.
Emily veio atrás.
Saí da pizzaria e encontrei Stefan ao lado do seu carro, com pequenos
respingos de sangue pelo corpo. Sangue do Caleb.
— Alexia, ele não merec...
Eu não o deixei terminar de falar. Com toda a raiva, corri até ele e
empurrei-o com toda a força que tinha nos braços. Ele apenas cambaleou para
trás, recuperando o equilíbrio.
— Qual é o seu problema, Stefan?! — gritei, mal conseguindo segurar
as lágrimas. — Então é isso?! Só porque você não gosta dele acha que tem o
direito de fazer aquilo?! Qual é o seu problema?! — empurrei-o de novo, mas
dessa vez ele nem se moveu.
Ele ficou me olhando com os olhos mais abertos que o normal,
vermelhos, e a mandíbula tão tensa quanto sua postura. Ele estava com raiva,
isso era claro, mas sua raiva certamente não chegava a um terço da minha.
— Quer saber, vocês se combinam, afinal. Formam um casal perfeito!
Um covarde e uma sem noção.
— Espera, o que... — Emily começou a dizer, mas eu a cortei.
— Cala a boca, otária, eu cansei dessa sua voz! Não era isso o que
você queria?! Aproveite, ele é todo seu. E quanto a você... — Virei para
Stefan. —... me esquece.
Voltei para dentro da pizzaria pisando firme, atravessando novamente
a multidão até chegar no Caleb.
— Lexy! — Virei-me quando a voz familiar me chamou. — Você viu
o que aconteceu?
— Megan. O quê...
— Eu e o André viemos lanchar aqui, não sabia que vocês também
viriam. Cadê o Stefan?
— Você viu o que aquele idiota fez?
Megan franziu a testa com uma expressão alarmada.
— Espera... quem é o idiota?
Balancei a cabeça.
— O Stefan! Veja o que ele fez com o Caleb.
Megan fechou a cara.
— E por acaso ele te contou o que o Caleb fez com você?
Franzi a testa sem entender do que Megan estava falando.
— Como assim?
Caleb tossiu.
— Amor, não acredite nela... eu não fiz nada.
Megan riu.
— Esse é o seu problema, Lexy. Você nunca vê o mal nas pessoas.
Acontece que seu querido Caleb estava aos beijos e amassos com aquela
garota até o Stefan chegar.
Megan apontou diretamente para uma menina no canto do balcão aos
prantos.
— De... desculpa — Ela soluçava. — Ele disse que não era
comprometido.
Arregalei os olhos em descrença.
— O quê...?
— Vamos lá, querido — Megan falou para o Caleb. — Chega de se
fazer de coitadinho! Conte a ela quem você é de verdade!
A multidão agora estava em silêncio. Não absoluto, mas era o
suficiente para entender uma conversa casual. Todos pareciam estar
esperando o desfecho de uma novela.
Caleb ficou quieto por um instante, então riu debilmente.
— Dane-se. Já deu um mês mesmo...
— Um mês? — perguntei, sentindo o nó na minha garganta apertar.
Ele jogou a cabeça para trás, apoiando-a no encosto de uma mesa.
— Era uma aposta, Lexy... todo esse tempo... eu só precisava...
namorar por um mês a nerd mais... gata... da Universidade. Você. — Ele riu,
mostrando seus dentes vermelhos de sangue.
— Uma... aposta?
— É... e foi muito... muito fácil. Você é fácil.
As lágrimas escorreram em meu rosto.
— Mas... você disse que se apaixonou por mim. Disse que me
observava desde o primeiro período.
Seu sorriso se abriu.
— Esse é o lado bom de ser observador... e ter uma boa memória. É
claro que eu observava você... do mesmo jeito que também observava... todas
as outras vadias da sala.
Eu pisquei, paralisada. Em seguida, ele acrescentou:
— Ah, sem drama... pelo menos, agradeça... que eu não tenha comido
você.
Eu não sabia mais o que dizer, mas só percebi que eu sabia o que
devia fazer quando meu punho fechado voou no nariz dele, terminando o
trabalho que Stefan começou.
— Ahhh... — Ele gritou, tombando a cabeça.
— Quer saber? Stefan tem razão. Você é um idiota, e eu sou demais
para você — Levantei-me para sair.
— Essa é minha garota — Ouvi Megan dizer orgulhosa quando passei
por ela, mas não parei.
Corri para fora e olhei para os dois lados freneticamente procurando
por ele em vão.
Stefan foi embora.
<<< >>>
Stefan
Abri meus olhos sentindo minha cabeça tão leve quanto um vaso de
cristal, sem saber, por um momento, onde eu estava e por que, raios, eu
estava dormindo sentada, amordaçada e amarrada... então me lembrei.
Eu estava saindo da lanchonete. Um homem me parou... Ricardo. Ele
disse que Stefan tinha sofrido um acidente e eu precisava ir com ele... Talvez,
se eu não estivesse tão nervosa e apavorada, eu teria percebido que ele não
estava sozinho no carro.
— Lembra de mim, princesa? — lembro que, quando reconheci
aquela voz vindo do banco de trás, os pelos da minha nuca se arrepiaram.
Virei-me por impulso, meu desespero pelo Stefan dando lugar à
surpresa, ao terror e à confusão.
— Você... — Eu disse ao me lembrar daqueles olhos.
Eram os mesmos que acompanhavam outros três, avançando sobre
mim naquela noite em que Stefan me salvou.
O homem sorriu.
— Eu.
A última coisa que eu me lembro foi o forte cheiro do clorofórmio
quando ele cobriu minha boca e meu nariz com um pano. E ali estava eu,
no "acidente" o qual Ricardo havia falado, em um tipo de galpão escuro,
cheirando a mofo e a abandono, amarrada e amordaçada sem sequer saber por
quanto tempo eu dormi.
Olhei em volta tentando captar algum objeto que servisse para me
soltar ou alguma pista que me fizesse saber onde eu estava, mas antes que
conseguisse encontrar, as luzes se acenderam, me deixando cega
momentaneamente.
— Ah, a Bela Adormecida finalmente acordou...
Era a voz do Ricardo, mas, pelo som dos passos, eu sabia que não era
só ele que tinha entrado no galpão. Lutei para abrir os olhos e acostumar-me
à claridade, tentando ao máximo não deixar o terror tirar minha consciência.
— E, então, minha pequena menina... aposto que essa sua cabecinha
está cheia de perguntas, não é? — Ele se sentou na minha frente com as
pernas abertas e os braços apoiados nos joelhos. — Mas vamos combinar que
é aliviante saber que Stefan não sofreu nenhum acidente; isso, você não pode
negar.
Stefan...
Pelo menos, ele está bem. Ele iria me salvar, eu sabia que sim. De
algum jeito, ele iria me encontrar porque ele prometeu que me manteria
segura.
Ele sempre me salva. Sempre cuida de mim. Ele virá.
Olhei para os outros três homens que se distribuíam pelo galpão e
quando reconheci todos eles, meu cérebro gelou.
Um estava numa cadeira de rodas, enquanto os outros dois me
olhavam de braços cruzados, com um sorriso no rosto que me fez arrepiar.
Ricardo seguiu meu olhar.
— Me deixe adivinhar... você está se perguntando onde está o outro
cara que tentou abusar de você naquela noite, acertei? O outro que seu amigo
Stefan bateu. — Ricardo se voltou pra mim. — Ele morreu. A mídia
escondeu o assunto, mas nada ficou escondido de mim, nada. Tirei esses três
da prisão e, como forma de pagamento, eles vão me ajudar a... lidar com a
família do seu amiguinho.
Tentei abrir minha boca para falar algo, mas a fita adesiva que eles
colocaram sobre ela estava fazendo um ótimo trabalho em me deixar calada.
— Você quer falar? — Ricardo perguntou, inclinando a cabeça e se
virou para os outros três. — O que vocês acham? Eu a deixo falar?
— Acabe com a agonia dela. Mate de uma vez — O homem na
cadeira de rodas resmungou.
Ricardo riu.
— Ainda não — virando-se para mim, ele puxou o adesivo da minha
boca de uma só vez. — Fale, minha pequena menina.
Segurei um grito pela dor de praticamente sentir minha pele ser
arrancada, então, depois de garantir que minha voz não iria tremer, eu falei.
— Quem é você?
Ricardo pensou por um tempo.
— Existem várias formas de te dizer quem sou eu. Vejamos... sou ex-
marido da avó do seu amigo. Isso mesmo, fui padrasto do papai Diogo, logo,
de certa forma... eu sou avô do Stefan — Ele sorriu. — Sou ex-professor de
karatê do Diogo... então tente juntar os conhecimentos que o pai e o filho têm
sobre karatê e multiplique por dois... o resultado é o que eu sei. Mas também
sou o cara que foi humilhado e trancafiado em uma cela de prisão por vinte
anos por causa da família Strorck. Agora pense em alguém que tem tanto
ódio dessa família que até perde a noção... esse sou eu.
Comecei a sentir minha cabeça ficar pesada.
— O que eu tenho a ver com isso? Eu nunca te fiz nada...
— Realmente, meu problema não é com você — Ricardo inclinou o
rosto sobre a mão. — Alexia, eu passei vinte anos atrás das grades tramando,
planejando, preparando uma vingança contra o papai Diogo e a mamãe
Luna... mas eu não contava que, quando eu saísse de lá, eles estariam tão
protegidos e preparados assim — Ricardo levantou a cabeça e olhou-me. —
Parece que muita coisa aconteceu na minha ausência. Vinte anos atrás, as
empresas Strorck não passavam de alguns estabelecimentos espalhadas por
uma pequena cidade, agora... se tornou conhecida em todo o mundo. Isso,
com certeza, não me agradou.
— Não justifica eu estar aqui. Eu não tenho nada a ver com essa
família.
Ricardo riu alto.
— Você acha mesmo isso? Olha, eu percebi que não podia atingir
diretamente o papai e a mamãe por estarem tão protegidos, então comecei a
procurar por alguém que tivesse alguma importância para eles. Alguém que
valesse a pena eu tocar... e isso foi mais ou menos na época que você
conheceu o filhinho Stefan.
Franzi a testa, mas fiquei calada.
— É claro que eu observava os passos dele. Stefan saía com tantas
garotas que eu confesso que foi difícil saber se você significava alguma coisa
a mais... por isso coloquei fogo no seu apartamento. Não foi nada pessoal, eu
só precisava saber qual seria a reação da família Strorck ao saber que você
não tinha onde morar.
— Foi você... — A percepção caiu sobre mim.
— Sim, fui eu. Imagine minha surpresa ao ver Stefan arriscando a
própria vida para tirar sua irmã lá de dentro. Alice, não é? Isso foi novidade
para mim, eu não sabia que ela estaria lá. Mas, enfim, no final, tudo deu
certo. Ele fez o que eu esperava que fizesse, te deu um apartamento mais
seguro, e eu consegui saber com toda a certeza em quem devia tocar. Você —
Seu sorriso iluminou sua expressão. — Vamos pela lógica... se eu atingir
você, eu atinjo o Stefan. Se eu atingir o Stefan, atinjo toda a família... então a
cama de gato está formada.
Eu levei um tempo até entender tudo o que ele disse e, quando
consegui, vi-me agradecendo aos céus por ele ter escolhido a mim, e não
minha irmã.
Eu precisava me soltar. De alguma forma, precisava chegar até meu
celular e ligar para o Stefan, para Megan, para Lívia ou para qualquer outra
pessoa. Precisava arrumar um jeito de avisar o que estava acontecendo.
— Ah, deixei escapar um detalhe importante. — Ricardo sorriu. —
Antes de ser preso, eu sequestrei Diogo assim como você. Eu ia matá-lo, mas
cometi um erro estúpido que resultou na minha prisão, adivinha qual foi esse
erro?
Eu não fazia ideia, mas, mesmo se fizesse, não iria responder.
— Esqueci de pegar o celular dele. Você sabia que celulares podem
ser rastreados? — Ele suspirou. — Pois é. Mas fique tranquila, eu não cometi
o mesmo erro dessa vez. Eu sei que seu celular é ótimo, mas eu precisava de
uma isca. Eles vão rastrear... e vão apenas perder tempo! — Ele riu
orgulhoso. — Eu o deixei em uma floresta desabitada a quinhentos e vinte
quilômetros daqui. Quando descobrirem que isso é uma cilada, o tempo
perdido vai deixá-los loucos.
Meu coração quebrou.
Ele pegou meu celular... como Stefan iria me encontrar?! Como eu
poderia ligar para ele agora?!
— O que você vai fazer comigo?
Ricardo pensou por um tempo.
— Eu não sou um cara mau, Lexy. Posso te chamar assim, não é? Eu
não quero te machucar, então vou deixar sua vida nas mãos deles. Se eles
cooperarem comigo, eu vou cooperar com você. Se eles não cooperarem
comigo... — Ele encolheu os ombros e estalou a língua. — Aí eu já não vou
ter outra escolha.
Senti minhas barreiras se romperem.
— O que você vai fazer com eles?
Ricardo sorriu, um sorriso que por si só já disse tudo.
— O que eu vou fazer...? Oras, que eu esperei por vinte anos. Vou me
vingar.
— Como?
— Destruindo o fabuloso Império que eles possuem. Vou mandá-los
escolher entre você ou a fortuna. — Ele inclinou a cabeça. — Você acha que
sua vida é mais importante que o dinheiro para eles? Honestamente, Lexy...
estou torcendo para que seja.
Ele me lançou um sorriso macabro, levantou-se e saiu seguido pelos
outros três.
E então, novamente, eu estava no escuro.
<<< >>>
Stefan
— De onde você tirou essa ideia, Stefan? — Meu pai perguntou sem
se levantar da sua mesa.
— Alguém quer nos atingir, chegar até nós através dela. Alexia nunca
desapareceu desse jeito e algumas semanas depois de me conhecer... ela é
encontrada numa floresta desabitada — Eu estava olhando para o nada como
se estivesse falando com o vento.
— Alexia não... o celular dela.
Olhei para o meu pai, sentindo minha raiva transbordando.
— Me explique como o celular dela saiu voando e foi parar lá.
Ele não respondeu.
— Senhor Diogo... — Nanda chamou da porta. — Oh, desculpem. Eu
não sabia que estavam em reunião.
— Fala, Nanda — Meu pai a incentivou.
— Telefone para o senhor — Ela estendeu o telefone sem fio da casa.
— Quem é?
— Eu não sei. É um homem que não quis se identificar, mas disse que
é importante. Devo pedir para ligar mais tarde?
— Não — respondi já tirando o telefone da mão dela. — Alô?
Do outro lado da linha, ele ficou em silêncio por um segundo, então
um riso se fez ouvir.
— Ora, ora... eu conheço a voz do Diogo, e com certeza não é essa.
Deixe-me adivinhar. Stefan? O famoso filhinho Strorck.
Apertei o telefone com força, ameaçando quebrá-lo contra meu rosto
mesmo.
— Desgraçado. Cadê a Alexia?!
— Ah, sua amiga está aqui! — Ele riu de novo. — Amiga... ela disse
que é sua amiga, você confirma?
— Quem é você?
— Meu nome é Ricardo, você deve me conhecer... ou seus pais nunca
te contaram a história da família?
Olhei para o meu pai que me encarava atento como todos os outros
integrantes no escritório.
História da família? Então ele não é algum rival da empresa?
-— Vou considerar seu silêncio. — Ricardo desviou minha atenção.
— Pergunte a ele. Diga que eu estive fora por vinte anos graças a ele, mas
estou de volta. Com certeza ele vai saber quem sou eu.
— O que você quer? — Eu estava tremendo.
Medo, raiva, frustração, preocupação, ódio... tudo ao mesmo tempo.
— Bem, o que eu quero é óbvio. Quero negociar a liberdade da
Alexia.
Resgate. Como eu imaginei...
— Quanto você quer?
Ele respirou fundo.
— Tudo bem, creio que eu iria preferir falar com Diogo, mas acho
que você serve. Eu quero... o patrimônio Strorck.
Meus olhos se arregalaram em descrença.
— O quê...?
— É isso o que eu quero. Mas como sei que vai exigir um tempo até
tudo ser passado para o meu nome, então vou me contentar com uma
garantia de trinta milhões em notas de cem.
Fiquei tonto.
— Você é louco?
Ele riu.
— Eu diria que sim. Mas temos um jeito mais fácil de resolver isso.
— Como?
— Sua mãe... pela sua amiga.
Meu cérebro gelou.
— Desculpe... o que você disse?
— Exatamente o que você entendeu. Eu não tenho nada contra essa
garota, mas, com a sua mãe, a história já é outra.
Eu não respondi, mas senti o sorriso de Ricardo do outro lado da
linha.
— É uma escolha difícil de fazer, não é? Não vou dar um prazo a
vocês, levem o tempo que precisar... mas é bom ficarem sabendo que Alexia
não come nem bebe enquanto não se decidirem.
O ódio que eu estava sentindo naquele momento ultrapassava
qualquer limite.
— Ricardo.
— Sim?
— Toque um dedo nela... e pode se considerar morto.
A gargalhada dele ecoou pelo telefone.
— Eu vou manter contato! — E desligou.
Olhei novamente para o meu pai, sem saber ao certo o que devia
dizer.
No fundo, eu estava controlando o impulso de agredi-lo fisicamente
por ter feito o que quer que fosse com Ricardo a ponto de despertar nele sua
fúria e sede de vingança.
Todos no escritório estavam em silêncio, então, até eu resolver falar,
era possível escutar até o zumbido de uma mosca.
— Quem é Ricardo?
Meu pai franziu a testa.
— Quem...?
— Ricardo. Graças a você, ele esteve fora por vinte anos, mas está de
volta. Quem é esse desgraçado, pai?
Meu pai ficou pálido, então eu soube que ele sabia de quem eu estava
falando.
Ele se virou lentamente para o resto das pessoas que estavam no
escritório.
— Eu posso falar com meu filho a sós, por favor? Exceto você,
Arthur. Você fica.
— Nanda, peça ao Wendel para levar Megan para casa — Eu pedi,
forçando minha voz a sair firme.
— Está louco?! — Megan falou assustada. — Eu não vou a lugar
nenhum!
— Sim, você vai. Não há nada que possa fazer aqui e com certeza
Alice vai precisar de você. Eu te ligo.
Ela ainda ficou me olhando por um tempo, seus olhos vermelhos, mas
acabou obedecendo.
Nanda saiu levando Megan com ela, e eu me voltei para o meu pai.
— Fala.
— Sente-se, por favor.
— Eu estou bem em pé, obrigado.
Ele suspirou e passou as mãos pelo cabelo.
— É uma longa história, Stefan. Eu vou resumir — Ele respirou
fundo e cruzou as mãos sobre a mesa. — Ricardo foi meu mestre de karatê há
muito tempo. Foi ele quem me ensinou tudo o que eu sei.
Balancei a cabeça.
— E daí?
— Ele conheceu minha mãe, sua avó, e acabou se casando com ela.
No dia do casamento, Luna foi uma das damas e... ele tentou abusar dela.
— Tentou... estuprar minha mãe?
Meu pai fez que sim.
— No dia do próprio casamento.
Pisquei várias vezes me dando conta do que Ricardo quis dizer ao
querer trocar Alexia pela minha mãe. Ele queria terminar o trabalho que tinha
começado...
— É claro que eu impedi. — Meu pai continuou quando eu não disse
nada. — Até hoje não sei como, mas eu consegui derrubá-lo. Acontece que,
para um mestre como o Ricardo, apanhar de um aluno vai além de qualquer
humilhação.
— Ele quis se vingar — completei a história.
Meu pai balançou a cabeça que sim.
— E ele tentou. As cicatrizes que eu tenho no peito que você sempre
quis saber onde eu as tinha conseguido... foram causadas por ele.
Engoli em seco.
Lembro-me que a primeira vez que vi as cicatrizes do meu pai eu
tinha seis anos. Elas estavam espalhadas pelo peito, barriga e até o ombro. Na
época, eu era inocente demais para perguntar o que era aquilo, mas, depois de
um tempo, quando eu perguntei, minha mãe inventou qualquer desculpa que
nunca me convenceu de verdade.
— Ele tentou matar você? — perguntei, sentindo um nó se formando
em minha garganta.
— Sim. Esse era o plano dele, mas a polícia chegou antes de ele
concluir. Eu fiquei em coma por alguns dias e, investigando fundo,
descobriram vários outros crimes cometidos por ele que podiam fazê-lo pegar
até quarenta anos de prisão. Eu não sabia que a sentença tinha sido reduzida.
Balancei a cabeça, levando mais tempo do que devia até digerir a
informação.
— E agora ele voltou para terminar o que tinha começado.
— Sim... mas como eu reforcei a segurança, ele mirou em alguém
próxima à família. Próxima a você.
— Alexia — Seu nome saiu dos meus lábios como uma oração.
— O que ele quer por ela?
— O Império... ou a minha mãe.
— O quê...? — Pela primeira vez, eu pude ver nitidamente o terror
refletindo nos olhos do grande executivo Diogo Strorck.
Eu sorri.
— Mas esse Ricardo é um imbecil. Ele não sabe que celulares podem
ser rastreados? — virei-me para sair, e dirigi-me ao segurança. — Arthur,
mande o mapa para o meu celular. Eu vou...
— Não — Meu pai me cortou e eu me voltei pra ele. — Arthur, você
vai montar uma equipe de busca e vai ver se encontra a garota onde o celular
está, mas eu não estou contando com isso.
— Como assim? — perguntei confuso.
— Eu convivi com Ricardo, Stefan. Conheço a mente dele. Vinte
anos atrás, quando ele tentou me matar, ele foi preso porque conseguiram
rastrear meu celular. Ele não é idiota o bastante para cometer o mesmo erro
outra vez.
— Então por que o celular dela está em uma floresta desabitada?
— Porque ele quer nos atrasar — Meu pai se virou para o segurança
que estava parado na porta e gesticulou com a cabeça. — Vá agora e nos
mantenha informados.
— Sim, senhor — Arthur se despediu e saiu.
Dois dias.
Esse foi o tempo que o dinheiro com o rastreador ficou dentro de duas
sacolas em uma área de lixo onde o recolhedor não passava, exatamente onde
Ricardo nos mandou deixá-lo.
Dois dias sem dormir. Dois dias sobrevivendo à base de água. Dois
dias sentindo minha pulsação acelerar gradativamente, me matando aos
poucos.
Ele cumpriu o que disse? Ele a matou depois que nos ligou e nós o
avisarmos que iríamos dar os trinta milhões como garantia de que
trocaríamos a empresa por ela? Não... ele não podia fazer isso antes de
conferir o dinheiro. Ele tinha que ter certeza de que aceitamos o acordo, ele
tinha que buscá-lo para contar.
Mas se ele não levasse o dinheiro até ela?
Droga. Eram tantas as possibilidades que faziam minha cabeça girar...
Megan se aproximou atrás de mim e sentou-se no bar ao meu lado.
Encontrar-me ali foi ideia dela. Depois de me ligar um zilhão de vezes, eu,
finalmente, a atendi e, pela primeira vez em três dias, saí de casa.
Depois do barman se aproximar perguntando o que iria querer e ela o
dispensar sem pedir nada, Megan ficou parada olhando para frente, calada
por vários segundos, enquanto eu girava meu copinho de vodka intacto sobre
a mesa.
— Por favor, me diga que vocês têm alguma coisa.
— Vamos rastrear o dinheiro.
Ela balançou a cabeça e olhou para suas mãos.
— Eu liguei para Rafael e para faculdade. Disse que Alexia não
poderia comparecer lá por motivos pessoais.
— Você fez bem.
Ela engoliu.
— Alice não para de me perguntar por ela. O que eu respondo?
Senti minha garganta se fechar antes de conseguir encontrar uma
resposta.
— Invente alguma coisa.
— Eu estou fazendo isso, Stefan. Todos os dias, todas as noites, o
tempo inteiro, eu estou inventando desculpas esfarrapadas, mas até quando
ela vai acreditar em mim? — Sua voz começou a tremer e ela ficou em
silêncio por um momento. — E se vocês não conseguirem?
Isso já tinha passado pela minha cabeça mais vezes do que eu podia
contar, então murmurei a mesma coisa que eu pensava sempre que isso
acontecia.
— Nós vamos conseguir.
— E se não conseguirem?
— Megan — Pela primeira vez desde que ela tinha se sentado ali, eu a
olhei.
Seus olhos estavam fundos e vermelhos, assim como os meus,
anunciando noites de sono mal dormidas.
— Nós vamos conseguir — repeti mais firme dessa vez.
Ela deixou as lágrimas escaparem e desviou os olhos, secando-as com
a mão.
— Ela é minha única amiga, Stefan — falou, sua voz estrangulada,
fraca e distante. — E mesmo sendo careta, chata e sem graça... eu a amo.
Eu também.
— Eu sei — respondi baixinho.
— Ela é a melhor pessoa que eu já conheci na vida. Por favor... — Ela
colocou as mãos na frente do rosto e soluçou. — Eu nunca te pedi nada, mas,
por favor... salve a vida dela.
Segurei sua mão e ela olhou para mim, as lágrimas escorrendo pelas
bochechas rosadas. Olhei-a por um tempo, então, sem me dar conta
totalmente das minhas atitudes, a abracei.
— Eu vou — falei, apertando-a contra mim.
Ela soluçou e me abraçou de volta, mais lágrimas estavam escorrendo
e eu lutava contra a necessidade de chorar também.
Depois que me afastei, Megan continuou sentada ao meu lado por
vários minutos. Algumas vezes ela quebrava o silêncio falando baixinho, mas
quando ela não quebrava, eu também não o fazia.
Eu ainda fiquei sentado na cadeira do bar depois que ela saiu, rodando
o copinho cheio de vodka na mão, os olhos distantes, os pensamentos
perdidos, o coração esmagado, esperando um apito ou uma chamada no meu
celular avisando que o dinheiro estava se movendo...
A outra pessoa se sentar ao meu lado.
— Eu não te vejo desde quinta-feira — Emily disse, olhando para
mim. — O que houve? Você não apareceu na empresa...
Olhei para o meu copinho sentindo minha frustração voltar com força
dobrada. Por que ela tinha que aparecer naquele bar justamente naquela hora?
— Nós brigamos, mas... namorados brigam, não é? Faz parte de todo
relacionamento.
Balancei a cabeça tão devagar que nem eu mesmo percebi.
— Me diga o que houve, Stefan — Ela colocou a mão em meu braço.
— Sua roupa está amassada... você tem tomado banho?
Eu a olhei, meus olhos cansados demais para deixar transparecer
qualquer outra coisa além disso.
— Alexia foi sequestrada.
Emily piscou por um momento chocada com minhas palavras, então,
surpreendentemente, ela sorriu.
— Me deixe adivinhar... e o sequestrador ligou para você pedindo
resgate.
Franzi a testa e balancei a cabeça sem acreditar no que tinha escutado.
— Eu digo a você que Alexia foi sequestrada... e a única coisa que te
preocupa é o meu dinheiro?
Ela ficou pálida como se tivesse medido suas palavras.
— Não é isso, é só... merda, Stefan. É tudo essa garota, tudo gira em
torno dela! Veja, até um sequestrador percebeu que ela é importante para
você! E eu? Já parou para pensar como eu fico nessa história?
Antes que eu tivesse tempo de responder, meu coração deu um salto
ao ouvir meu celular vibrar, tocando.
Atendi sem nem conferir o número. Eu sabia que era meu pai.
— Fala.
— Está se movendo. Estou mandando o mapa para o seu celular.
Meu cérebro gelou, e eu tive que lutar pra não perder a consciência.
— Te encontro lá.
Desliguei e joguei uma nota em cima da mesa para pagar uma vodka
que eu não bebi antes de me levantar.
— Stefan! — Emily gritou, fazendo as poucas pessoas no bar se virar
pra gente.
Parei.
— Se você sair por essa porta... acabou. Não me procure mais, nunca
mais. Se você sair por essa porta por causa dela... me esquece para sempre.
Engoli em seco, ainda de costas pra ela.
— Parece que você está me mandando escolher entre você ou ela.
— Eu sou sua namorada! Você me pediu em namoro, lembra? Então,
sim! É isso o que eu estou fazendo. Escolha, Stefan, sou eu ou ela.
Por um tempo, o silêncio total invadiu o ambiente, a expectativa
enchia os poros dos espectadores que nem sequer faziam ideia do que estava
acontecendo.
Então eu voltei.
Antes que Emily pudesse registrar meu movimento, eu a beijei. Beijei
de verdade, fazendo algumas pessoas suspirarem.
Quando me afastei, sua respiração estava irregular e um sorrisinho
satisfeito brincava em seus lábios.
— Eu sabia. — Ela sussurrou de olhos fechados, acariciando minha
nuca.
Suspirei ainda a segurando contra mim.
— Mesmo se eu tivesse mil anos... — falei baixo, meu rosto contra o
dela. — ... mesmo se estivesse drogado... — Controlei minha respiração. —
... mesmo se eu tivesse que escolher entre você, ela... ou a minha própria
vida... — Afastei-me minimamente, olhando em seus olhos. Seu sorriso
ainda se destacava, seus olhos estavam brilhando. — Ainda seria ela.
O sorriso da Emily vacilou antes de desaparecer completamente.
— O quê?
— Sempre... será... ela.
Emily piscou sem palavras e eu a soltei.
— Eu sinto muito, Emily... mas eu sempre pertenci a ela.
Ela arregalou os olhos, então eu me virei e andei até a porta.
— Eu te odeio! — Ela gritou em plenos pulmões.
Eu sabia que vários olhos nos observavam atentamente, surpresos,
então sorri. E, sem olhar para trás, passei pela porta.
Capítulo 27
Alexia
<<< >>>
Stefan
Acordei sentindo uma leve pressão sendo exercida sobre a minha mão
e levei um tempo até me lembrar de tudo o que tinha acontecido.
Eu fui sequestrada... tive alucinações e delírios... Stefan me salvou...
escutei um tiro.
Essa última parte me gelou completamente quando a frase que eu,
vagamente, ouvi sair da boca da Luna penetrou meus pensamentos.
"Stefan, cuidado! Não... Não!"
O tiro acertou Stefan?!
Abri meus olhos devagar, percebendo que, apesar de eu ainda estar
fraca e com dores, agora eu, ao menos, era capaz de controlar minhas ações e
meus reflexos.
A primeira coisa que percebi foi o quarto totalmente branco em que
eu estava e a agulha inserida no meu braço conectada à mangueira que, por
sua vez, estava ligada a um frasco de soro que pingava monotonamente e
lentamente as gotas que invadiam minhas veias.
Acho que aquilo estava me hidratando...
A segunda coisa que percebi — que me fez subir às nuvens de tão
aliviada — foi Stefan dormindo sentado, com o rosto descansando sobre
nossas mãos unidas ao lado do meu corpo.
Suas roupas estavam amassadas e seu cabelo bagunçado, mas não era
o bagunçado sexy que eu estava acostumada a ver. Era como se ele não
tomasse banho há dias... mas o cheiro que eu sentia sair dele era o mesmo de
que eu me lembrava, inebriante, viciante.
Ergui minha mão devagar, quase automaticamente para tocar seu
cabelo. Eu precisava ter certeza de que ele era real e, quando senti os fios
macios contra minha mão, lágrimas de alegria nasceram em meus
olhos... Então ele levantou a cabeça sonolento, mas rápido, olhando para mim
com os olhos mais abertos que o normal e uma expressão esperançosa no
rosto. Seus olhos atentos estavam fundos e escuros pelas olheiras,
denunciando noites sem dormir. Sua barba também anunciava que não era
feita há dias...
Stefan não lembrava nem de longe o playboy metido a besta que eu
conheci há algumas semanas, mas mesmo assim ele ainda tinha uma beleza
pura e autêntica, sua marca registrada.
— Oi... — Minha voz saiu por um fio, mas isso era o máximo que eu
conseguia.
Ele suspirou e sorriu aliviado como se esperasse essa simples palavra
por décadas.
— Oi.
Sorri de volta, sentindo todo o meu corpo dolorido se acender
animado como um parque de diversões.
— Você está ridículo.
Ele riu um pouco mais, mostrando os dentes brancos e alinhados.
— Você também não está lá essas coisas.
Fiz careta.
— Água faz muita falta, sabia?
Seu sorriso desapareceu, dando espaço a uma expressão séria. Algo se
equilibrando entre cansaço, arrependimento e culpa.
Hora de mudar de assunto.
— Sentiu minha falta?
Ele pensou um pouco e encolheu os ombros sem desviar os olhos dos
meus e sem soltar minha mão.
— Não muito.
Sorri.
— Imagino.
Ele me lançou um leve sorriso de volta e desviou os olhos com uma
expressão aflita. Ficamos em silêncio por alguns segundos antes de ele
respirar fundo.
— Eu gostaria de saber... o que levou você a entrar no carro de
alguém que não conhecia. Sua mãe nunca te ensinou o quanto isso é
perigoso?
Engoli em seco.
— Ele me disse que você tinha sofrido um acidente e, como você não
atendia minhas ligações, então... — Dei de ombros. —... achei que fosse
verdade.
Stefan ficou um tempo me olhando, o arrependimento estava
totalmente visível em seus olhos. Quando ele falou, sua voz estava baixa e
distante.
— Me desculpa.
— Tudo bem. — Comprimi meus lábios. — Você tinha toda razão em
ficar com raiva. Quer dizer... você tentou me avisar sobre o Caleb. Eu que fui
idiota demais para acreditar.
Ele sorriu.
— Nisso, eu concordo.
Sorri de volta e mais uma vez o silêncio falou mais alto.
— Eu... ouvi um tiro. — falei, sentindo minha garganta se fechar. —
Alguém se feriu?
Stefan ficou me olhando como se estivesse em dúvida se devia me
contar algo ou não. Por fim, decidiu que era melhor falar de uma vez.
— Ricardo está morto.
Meu coração gelou.
Sim, eu sabia que ele era um monstro sem alma, mas era uma vida.
— Quem o matou? — Eu já fazia ideia de qual seria a resposta, mas
precisava ter certeza.
Ele ficou um tempo olhando em meus olhos e, antes de responder,
apertou um pouco mais minha mão que estava entre as suas.
— Eu.
Sim, no fundo, eu esperava por isso, mas ouvi-lo dizer em voz alta fez
meu coração errar uma batida.
Desviei os olhos dele, tirando minha mão do seu alcance.
— Lexy... — Meu nome saiu dos seus lábios com um suspiro e ele
levou a mão ao meu rosto, fazendo-me olhá-lo de novo. — Ele já estava
morto. Se eu não fizesse isso, alguém faria... e se ninguém fizesse, ele mataria
outras pessoas. É assim que funciona. — Ele engoliu em seco. — Por favor,
não me odeie por ter feito o que eu fiz.
Fiquei um tempo o olhando, até saber o que devia dizer.
— Agora, você está respondendo por assassinato?
Ele balançou a cabeça para os lados.
— Eu agi em legítima defesa e tenho testemunhas e provas disso.
Minha ficha está completamente limpa.
— E sua consciência?
Ele ficou um tempo me olhando.
— Sinceramente? Eu me sinto aliviado.
Desviei os olhos com a mente totalmente desprovida de pensamentos.
— Você agora me vê como um assassino, não é? — Ele perguntou
desanimado. — Entendo. Ele tinha uma alma, um coração e uma história... eu
devia saber que você não ia querer que eu fizesse isso.
Olhei-o de novo.
— Não é isso, Stefan, mas... eu não sei o que pensar, tá legal? Um
homem já morreu por sua causa. Não... por minha causa. E agora... —
suspirei. — eu só não sei o que pensar.
— Pense que ele poderia ser preso, Lexy... e, quando ele fosse solto,
ele ia querer vingança de novo. Pense que dessa vez ele poderia atingir a
Alice. Pense que muitas outras garotas foram salvas de ser abusadas por ele.
É só nisso o que você deve pensar.
O rosto de Stefan estava contraído, preocupado com a minha reação a
toda essa informação, mas talvez ele tivesse razão. Ricardo não podia ter
nenhum outro destino se não a morte. Desviei os olhos outra vez.
— E o que aconteceu com os outros três?
— Voltaram para o lugar de onde não deviam ter saído. Para cadeia.
Balancei a cabeça com os lábios apertados.
— Sua mãe e seu pai estão bem?
Ele fez que sim.
— Minha mãe é sua médica. Sinta-se lisonjeada, você está sendo
atendida e tratada pela doutora e chefe do hospital.
Deixei escapar um sorriso que logo foi contido.
— E qual foi a reação dela... ao ver o que você fez?
— Estou de castigo pelo resto da minha vida.
Sorri.
— Ela parece ser uma boa mãe.
Ele balançou a cabeça e eu olhei para o meu braço, para a agulha
inserida nele.
— E como está a Emily?
Ele ficou um tempo me olhando até suspirar e desviar os olhos
também.
— Nós terminamos.
Olhei para ele, sentindo meu coração se agitar no peito.
— O que aconteceu? Ela traiu você?
Ele riu balançando a cabeça para os lados sem olhar para mim.
— Eu me apaixonei por outra garota.
Na minha mente, uma frase passou como um sonho esquecido,
guardado em alguma gaveta escondida em meu cérebro.
Ele me chamou de amor...
Mas pode ter sido outra alucinação, certo? Estava tudo tão confuso...
eu posso ter imaginado coisas, nem tudo o que eu escutei podia ser
real. Além do mais, por que ele iria se referir a mim mesma como "outra
garota"?
Sorri, tentando agir naturalmente.
— Eu desapareço por três dias e já é o suficiente para você se
apaixonar por outra garota?
Ele engoliu ainda sem olhar para mim.
— Na verdade... eu gosto dela já faz um tempo. Acho que desde que
eu a conheci, só não tinha percebido isso ainda.
Respirei fundo lentamente.
— E ela já sabe disso? Vocês estão namorando?
Ele balançou a cabeça para os lados e eu prendi a respiração. Se isso
era um jogo, então eu iria jogar.
— Por que não?
Ele me olhou e ficou me encarando por um tempo sem sorrir, seus
olhos estavam fixamente presos aos meus e quando falou, sua voz saiu
calma.
— Porque ela já deixou claro várias vezes que não me vê como algo
mais que um amigo.
Eu também não falei nada por um tempo.
"Sem conclusões precipitadas... ilusões podem machucar. Sem
conclusões precipitadas..."
Quer saber? Dane-se.
— Já passou pela sua cabeça que talvez... ela esteja escondendo o que
realmente sente atrás do sentimento da amizade?
Mais uma troca de olhares silenciosa.
— Eu diria que ela sabe fingir muito bem.
— Talvez... ela tenha passado três anos da vida tendo que fingir para
a irmã que é forte o tempo inteiro e que a vida é sempre colorida. Tendo que
fingir que está sempre feliz e que tristeza não existe. Três anos... escondendo
o que realmente sente e mostrando o que não sente. — Tentei sorrir, dando de
ombros. — Tanto tempo assim deve tê-la especializado em fingir.
Stefan permaneceu me olhando por mais um tempo, então franziu
levemente a testa.
— Por que você não me contou?
Mordi o lábio.
— Por que você estava ocupado demais com a Emily para eu pensar
em atrapalhar.
Ele balançou a cabeça, aproximando-se de mim tão rápido que eu mal
percebi.
— Ah, Alexia... — Beijou-me em seguida.
Era um beijo intenso, desesperado, como se tanto a minha quanto a
sua vida dependessem disso, selando nossas almas e declarando a paixão que
esteve escondida por tanto tempo.
Quando ele interrompeu o beijo, nossas respirações estavam travadas,
irregulares, misturando-se uma na outra. Levou um tempo até que ele
encontrasse sua voz e mesmo quando falou, ela estava embargada.
— Eu não suportaria perder você.
Tentei controlar minha respiração ainda em seus braços e ainda de
olhos fechados.
— Eu também não.
Ele me beijou de novo, dessa vez, devagar e suavemente e então se
afastou, acariciando minha bochecha com o polegar.
— Por que... você demorou tanto?
Sorri.
— Eu tentei te contar.
Ele se afastou para me olhar.
— O quê...?
— Eu queria te contar... mas você me disse que pediu a Emily em
namoro, então... — Dei de ombros.
Stefan franziu a testa.
— Do que você está falando?
Suspirei.
— Naquele dia, eu disse que tinha algo para te contar, mas não era
que Caleb me pediu em namoro. Era que eu me apaixonei por você. —
Desviei os olhos, sentindo meu rosto esquentar. — Mas você já tinha feito
sua escolha, bem... meus planos foram por água abaixo.
Stefan levantou meu queixo com a mão.
— Minha escolha seria você. Sempre seria você.
Sorri de lado.
— Foi superfácil saber disso depois que você se comprometeu com
aquela bruaca.
Ele balançou a cabeça para os lados.
— É tão difícil entender você. Você parecia tão distante... nunca dava
pistas de que gostava de mim desse jeito.
— E você sempre foi um galinha e mulherengo. Como eu iria saber
que seria capaz de se apaixonar?
Ele sorriu.
— Estranho seria se eu não me apaixonasse por você.
Sorri de volta e ficamos nos olhando até ele beijar minha mão.
— Vai ser diferente agora. Eu quero que seja diferente. Lexy, eu
prometo estar sempre com você... e nunca mais rejeitar uma ligação sua. —
Ele sorriu e fez-me rir também. — A promessa que eu fiz de que manteria
você segura... eu quero cumprir. Hoje... amanhã... e daqui a dez anos, eu
ainda quero estar cumprindo. Eu quero ser o cara que vai te fazer feliz. Quero
ser o cara que vai te proteger... cuidar de você... e cuidar da Alice. — Mais
um sorriso. — Em troca... eu só quero te pedir uma coisa.
Ele olhou para baixo, para nossas mãos que estavam unidas de novo.
— Eu sei que também não sou o cara certo para você. Sei que não te
mereço... mas, sim, eu sou egoísta. E eu quero você. Eu preciso de você.
Então, Lexy... — Ele me olhou novamente. — seja
minha Nerdzinha Marrenta Destruidora de Festas... namore comigo.
Fiquei o olhando por um momento, esperando meu cérebro processar
suas palavras, então ri.
— Isso podia ter sido mais romântico.
Ele sorriu também.
— E eu podia ouvir um "sim".
— Sim. Sim, sim, sim, sim, sim! É claro que sim.
E então, novamente, estávamos nos beijando.
Capítulo 29
Stefan
<<< >>>
Alexia
Stefan
Eu não imaginei que isso seria tão fácil. Tudo o que Alexia não
conseguiu conquistar do meu pai na primeira vez em que esteve aqui, ela
conseguiu agora.
— E você não sai prejudicada tendo que trabalhar, estudar e ainda
cuidar da Alice? — Ele perguntou enquanto comia.
— Eu aprendi a me acostumar. Desde pequena, nada foi fácil para
mim, então... — Ela encolheu os ombros.
— Stefan não pode dizer a mesma coisa. — Thomas disse com a boca
cheia e eu fechei a cara para ele.
— Lexy, você é uma verdadeira guerreira! — Minha mãe sorriu entre
uma garfada e outra.
— Eu sou obrigado a concordar. São raras as garotas hoje em dia que
têm essa garra.
— Claro, a maioria dos jovens só pensa em se divertir, não é, Stefan?
— Minha mãe levantou uma sobrancelha para mim e eu bufei.
— Eu não sou mais assim.
— Alexia, o que eu venho tentando fazer a mais de dois anos, você
conseguiu fazer em dois meses. — Meu pai declarou surpreso. — Meus
parabéns.
— Verdade. Agora o Stefan até gosta de mim! — Thomas se
intrometeu de novo.
Estreitei os olhos para ele.
— Se você falar com a boca cheia mais uma vez, eu vou te fazer
engolir seu garfo.
Alexia riu.
— Você é tão meigo.
— Tanto quanto coice de mula! — Minha mãe resmungou.
Olhei para Alexia sorrindo.
— Prefiro guardar minha meiguice para você.
Ela corou, desviando os olhos.
Caramba... tudo nela me atrai, até sua timidez.
— Querido, não ligue para o seu irmão. Coma do jeito que você
quiser. — Minha mãe disse ao Thomas, fazendo-me revirar os olhos.
— Quando o garoto crescer sem educação que nem um bode velho,
vocês reclamarão.
— Stefan! — Alexia fez careta para mim. — Pare de implicância!
O quê?! Agora até minha namorada está protegendo o pirralho?!
— Não é implicância, meu anjo. Vamos ver... você aceitaria namorar
comigo se eu começasse a falar com você de boca cheia, cuspindo comida na
sua cara?
Todo mundo na mesa riu, incluindo meu pai, algo que realmente me
deixou surpreso.
— Eu não estou cuspindo comida na cara de ninguém! — Pelo
menos, a boca do Thomas estava vazia.
— Não liga para ele, Thomas... — Minha namorada resmungou,
segurando a mão do meu irmão. — Ele está com inveja por não conseguir
falar de boca cheia como você, sem sair cuspindo.
Estreitei meus olhos para ela, ouvindo mais risinhos.
— O que eu faço com essa sua língua?
— Beija! — Thomas resmungou, fingindo falar com a própria
comida.
— Thomas! — Meu pai o repreendeu, mas não conseguiu esconder o
riso. — Desculpa, Alexia. Você sabe como são crianças.
Alexia já estava corada, mas sorriu e desviou os olhos.
— Sei sim. Também tenho uma criança espoleta em casa.
Conferi meu relógio de pulso e peguei sua mão.
— Você quer ir agora?
Ela me olhou.
— Já? A gente acabou de comer.
— Por isso mesmo. — Sorri. — Eu preciso fazer uma coisa agora.
Alexia franziu levemente a testa e meu pai desviou os olhos, sabendo
do que eu estava falando.
— Você mal entra em um relacionamento e já está dispensando sua
namorada? — Minha mãe perguntou surpresa.
— Eu não estou dispensando... só tenho um compromisso urgente que
não pode esperar. — Olhei para Alexia. — Você entende, não é?
Ela piscou algumas vezes seus olhos azuis pra mim, então balançou a
cabeça.
— Claro. Tudo bem. Vamos, então.
Depois de ela se despedir dos meus pais e do Thomas com a promessa
de que iria voltar, eu a levei para casa, deixando fluir uma conversa agradável
e divertida entre a gente.
— Você não quer me falar o que vai fazer agora? — Ela perguntou
quando estacionei o carro na frente do seu edifício.
Eu não podia falar o que iria fazer. Eu sabia qual seria sua reação caso
eu dissesse.
Sorri, levando uma mecha do seu cabelo para trás da orelha.
— Você não tem nada com o que se preocupar.
— Eu sei... mas acho que, agora que estamos namorando, a gente
devia compartilhar tudo.
— Não quando é algo muito pessoal.
Ok, talvez não fosse tão pessoal assim... mas era a única forma de eu
tentar fazê-la parar de perguntar.
Ela desviou os olhos, brincando com a própria mão no colo.
— Ei... — Eu a chamei, levantando seu rosto com a mão. — Confie
em mim. É só um compromisso, eu já disse que sou seu.
Ela suspirou.
— Eu confio em você.
— Mesmo?
— Mesmo.
Tirei o cinto e inclinei-me sobre a marcha do carro para beijá-la.
— Eu passo aqui mais tarde. Diga a Alice que mandei um beijo.
— Você vai demorar?
— Sabendo que minha linda namorada estará esperando por mim?
Não mesmo.
Ela sorriu.
— Tudo bem. Vou separar alguns filmes da Barbie para quando você
chegar.
Fiz careta.
— Está tentando me dispensar?
Ela riu.
— Estou brincando. Eu espero você! — Inclinando-se sobre a
marcha, ela me beijou novamente.
Liguei para o meu pai depois que Alexia saiu.
— Sim?
— Só para confirmaram, o voo está marcado para às 15h30min,
certo?
— Certo. Stefan, cuidado com o que você vai fazer.
— Relaxa, pai. Eu não vou colocar uma bomba no avião. Te vejo
mais tarde.
Desliguei o telefone e conferi o relógio. Eu tinha cinquenta minutos.
Levei o carro rumo ao aeroporto.
<<< >>>
Alexia
2 semanas depois...
— Você não precisa fazer isso, Stefan. — falei pela milionésima vez
na frente do meu namorado do lado de fora do ginásio de esportes onde seria
disputado o campeonato federal de karatê.
— Lexy, nós já conversamos sobre isso. Eu espero por esse dia há
doze anos, não dá para desistir agora.
— Você não precisa lutar para provar que é o melhor do mundo. Eu
sei que você é o melhor do mundo.
— Então por que você está com medo?
Balancei a cabeça para os lados, desviando meus olhos para o chão.
— Eu... estou com um sentimento ruim. Parece que vai acontecer
alguma coisa.
— Ei, olhe pra mim. — Ele levantou meu queixo com a mão. — Sabe
o que vai acontecer? Eu vou sair daqui classificado como melhor carateca do
meu país, então vou levar você e a nossa princesinha para Austrália, onde vou
ganhar de novo e ser classificado como campeão mundial. Depois, na hora da
foto do campeão, vou mandar tirar uma foto nossa e espalhar por todos os
jornais, para deixar bem claro que sou o homem mais sortudo por ter as duas
mulheres mais incríveis do mundo. Isso é tudo o que vai acontecer.
Sorri, mas apesar de suas palavras terem amenizado
consideravelmente a sensação esmagadora no meu coração, ela não
desapareceu completamente.
— Eu não conheço os outros com quem você vai lutar.
— Mas você me conhecem. — Ele levantou as sobrancelhas. —
Amor, fala sério. Eu já derrubei quatro homens de uma vez e ainda ajudei o
meu pai a derrubar o professor dele. Você acha mesmo que esses
molequinhos podem me derrubar?
— Stefan — Pedro chamou atrás dele. —, está na hora.
— Já vou.
— Beleza.
Stefan se voltou para mim quando seu amigo saiu.
— Você vai ficar bem?
Afirmei com a cabeça, mas a verdade era que eu estava tentando
convencer a mim mesma.
— Preste atenção. Enquanto você estiver na arquibancada... eu não
vou perder.
— Como você pode ter tanta certeza?
Ele sorriu.
— Você me inspira! — Abraçando-me pela cintura, ele me beijou. —
Daqui a uma hora vai ter um intervalo. Desça na arena para me dar um beijo
de boa sorte, ok?
Assenti com a cabeça.
— Ok.
Quando Stefan saiu passando pela mesma porta em que Pedro havia
aparecido, entrei no meio da multidão, agradecendo aos céus mentalmente
por ter uma amiga como a Megan que se dispôs a ficar com a Alice. Eu a
perderia facilmente ali dentro.
Felizmente, a arquibancada não estava completamente ocupada, então
me sentei em um espaço em que eu tivesse livre visão para a arena. Para o
meu namorado.
Alguns minutos depois, os lutadores entraram na arena e
posicionaram-se no canto. Todos estavam vestindo quimonos brancos, mas as
faixas amarradas na cintura variavam entre as cores.
Stefan começou a estudar a multidão da arquibancada atentamente
com os olhos, as mãos unidas atrás do corpo como todos os outros caratecas,
enquanto uma voz que eu não tinha certeza de onde vinha falava sobre a
história do karatê, as regras, o objetivo do campeonato e mais uma série de
coisas que eu não prestei atenção.
Quando meu namorado me avistou, um sorriso fez seus lábios se
curvarem ligeiramente.
— Caramba, que lindo... — Uma garota loira que estava sentada na
minha frente, um banco abaixo do meu, murmurou para uma morena que
estava ao seu lado.
— Quem?
— Aquele! — Ela apontou para o Stefan. — Faixa preta no centro.
Ele estava olhando para cá.
Esforcei-me para escutar a conversa delas sobre o meu namorado.
— Tem certeza?
— Claro, eu não estou cega. Ele ainda deu um sorrisinho para mim.
Lutei contra o impulso de rir. Realmente, pelo ângulo e pela distância
em que estávamos, podia facilmente se dizer que Stefan estava olhando para
ela, e não para mim. Acontece que eu já o conhecia o suficiente para saber
que ele não tinha olhos para outra garota que não fosse eu.
Não demorou muito até que o campeonato começasse anunciando
pela tela plana quem seriam os lutadores da vez. A primeira luta me deixou
sem ar, mas não desesperada — eu já tinha visto Stefan lutar e, com certeza,
ele poderia lidar com isso. Depois dessa veio outra... e outra... e outra. Eu
ficaria tranquila se, por acaso, não parecesse que a cada luta os caratecas se
tornavam melhores e as investidas mais violentas.
E então, enfim, o nome e a foto do Stefan se destacaram na tela,
seguido por um outro loiro com cara de vilão de filmes de terror; seu
adversário. Meu coração começou a saltar no peito quando Stefan subiu na
arena e, lá de baixo, ele sorriu para mim, tentando me acalmar.
— Não te disse?! — A loira gritou para morena, a empolgação
minando de seus poros.
— Minha nossa, Manu! Ele sorriu para você! Você é a menina mais
sortuda que eu já vi na minha vida.
Sorri, mas a agonia em mim apenas parecia aumentar.
Eles se cumprimentaram depois que o narrador falou brevemente
sobre suas biografias e então a luta começou. Conforme os dois corpos se
moviam sobre a arena com giros no ar, socos e chutes elegantes, eu me vi
perguntando a mim mesma por que fiquei com tanto medo pelo Stefan.
— Caraca, Gabi, ele é uma máquina! — Manu disse admirada.
— Isso só o torna mais gostoso.
— Eu sabia que ia conseguir um boy hoje. Fala sério, me dei bem.
As duas riram, mas eu balancei a cabeça para os lados sem conseguir
acreditar na ingenuidade das meninas.
Quando Stefan derrubou pela terceira vez seu adversário, ele me
olhou sorrindo, enquanto o narrador se aproximava para levantar sua mão,
anunciando o campeão da luta.
— Dá tchau para ele! — Gabi, a morena, gritou para ser ouvida acima
do barulho dos aplausos e gritaria da multidão.
Manu levantou a mão com um aceno tímido e, por algum motivo, o
lado divertido do meu cérebro me ordenou a entrar na brincadeira, portanto,
eu acenei também para o meu namorado, ao mesmo tempo que ela. Stefan
abriu ainda mais seu sorriso para mim, então acenou de volta, levou dois
dedos aos lábios e mandou-me um beijo.
Manu quase desmaiou.
— Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! — Ela gritou
eufórica. — Você viu isso?! Ele está louco por mim!
Não consegui segurar a gargalhada dessa vez, mas, por mais que eu
tentasse rir baixo, elas ouviram e viraram-se.
— Qual é a graça, flor? — Manu perguntou irritada.
— Hum... nenhuma. — Apertei os lábios para sufocar o riso.
— Como eu imaginei... por que está vendo aquele lutador? — Ela
apontou para a arena. — O campeão dessa luta? Então... ele acabou de me
mandar um beijo. — Então se voltou para mim com um sorrisinho cínico no
rosto. — Você acha que seria capaz de chamar a atenção de um cara como
ele?
Agora, a vontade de rir desapareceu, mas como eu não sou fã de
agredir ninguém, simplesmente balancei a cabeça para os lados.
— Acho que não. Eu não devo fazer o estilo dele.
Manu e Gabi riram juntas.
— É o que eu acho também. Mas conhece aquele ditado "Ri melhor
quem ri por último"? Então... ha ha ha.
— Amiga, como você é má... — Gabi resmungou, rindo quando elas
se voltaram para frente e, no meu inconsciente, eu quase tive pena ao constar
qual seria o tamanho da sua queda. Quase.
A luta continuou e um a um, lentamente, os caratecas iam sendo
eliminados da luta, seja porque saíram machucados ou simplesmente porque
perdiam.
Quando chegou a fase da semifinal do campeonato, o intervalo de que
Stefan me falou foi anunciado.
— Vá! Corre lá, pegue o número dele! — Gabi começou a empurrar
Manu.
— O que eu digo?! Eu estou nervosa!
— Sei lá, elogie a luta dele, qualquer coisa. Anda logo antes que
alguma garota chegue antes de você!
Manu se levantou e correu arquibancada abaixo, mas, como eu tinha
certeza de que não era ela quem Stefan queria ver, fui atrás.
— Oi... — Ouvi-a dizer ao se aproximar dele pelas costas na arena.
Ele se virou para ela.
— Oi.
— Você... luta muito bem.
Os olhos de Stefan me encontraram atrás da Manu e um sorriso
apaixonado iluminou seu rosto.
— Obrigado. Minha namorada também acha! — Ele puxou minha
mão e beijou-me ali mesmo, na frente da moça.
Quando nos afastamos, eu sorri ainda com a testa tocando a dele.
— Nem um pouco discreto, não é, senhor Stefan?
Ele sorriu de volta.
— Apenas deixando claro que eu já tenho dona, amor.
Olhei para menina e, sinceramente, meu coração apertou ao me dar
conta de que ela estava prestes a desmaiar. Seu rosto estava branco como
papel, e seu corpo tão paralisado que ela parecia estar congelada.
— Nam... nam... namorada? — Ela gaguejou, sua voz por um fio.
Sorri.
— Pois é... sabe aquele ditado "Ri melhor quem ri por último"?
Então... ha ha ha.
Manu engoliu seco, ficou nos olhando por um tempo ainda, respirou
fundo e forçou sua voz a sair de novo, mas novamente não passou de um
sussurro estrangulado.
— Desculpa... — Então se virou e saiu, esbarrando nas pessoas aqui e
ali.
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Stefan
— Você sabe que podia ter tido vários fãs, não é? — Pedro
perguntou, levando-me para casa no meu carro depois de eu ter engessado
minha perna.
Suspirei.
— Eles não vão me fazer falta.
Ele balançou a cabeça.
— Se você diz... cadê a Alexia?
Respirei fundo apoiando minha cabeça na janela.
Alexia...
Eu tentei ligar para o seu celular várias vezes, mas ela rejeitou todas
as minhas chamadas. Eu até poderia ficar preocupado se não tivesse ligado
para Megan e ter sido informado através dela que Alexia estava em casa,
brincando com Alice. Desde então, a raiva subiu em minha cabeça. Eu disse
que não perderia se ela estivesse na arquibancada, e ela simplesmente vai
embora brincar com a Alice?! Por que não me avisou? Por que rejeita minhas
chamadas? Por que tanto drama?! Droga! Se eu entrei naquela porcaria de
arena, é porque eu sabia que era capaz de vencer, porra! E ela não podia estar
comigo?! Não podia me assistir ganhar aquela maldita luta?! Ela é minha
namorada, maldição, como pôde me abandonar?!
Dane-se. Eu realmente estou zangado e se depender de mim para
gente se reconciliar outra vez, vamos ficar de bico virado para sempre. Cansei
desse joguinho.
— Stefan? — Pedro chamou e eu o olhei. — Vocês brigaram?
Pensei por um momento antes de responder, então resolvi usar o
ditado: "em briga de marido e mulher, vizinho não mete a colher."
— Não — resmunguei. — Ela não estava se sentindo bem e teve que
ir embora antes da luta acabar.
Pedro me olhou por um segundo antes de voltar a atenção para frente
novamente. É claro que ele não acreditou, mas, naquele momento, eu
sinceramente não estava me importando com merda alguma.
Ficamos o resto do caminho em silêncio, ele focado na estrada e eu
perdido em pensamentos até ele estacionar na frente da minha casa.
— Obrigado — disse tirando o cinto.
— Você está bem?
— Eu já disse que sim.
— Não estou me referindo à perna. Estou me referindo à Alexia.
Minha mandíbula ficou tensa com a raiva. Merda. Eu sequer
conseguia ouvir seu nome...
— Nós estamos bem — falei entredentes. — Deixe o carro aqui que
Wendel vai guardá-lo para mim. Valeu, Pedro.
Enquanto Pedro saía da minha casa em direção ao ponto de táxi para
ir buscar seu próprio carro no ginásio, eu entrei.
— Stefan! — Thomas gritou vindo ao meu encontro. — Como foi? —
Ele parou ao ver minha perna. — O que aconteceu?
— Não sou campeão nacional, pirralho.
— Como assim?! Você é o melhor!
— Assista ao jornal, com certeza, só vai falar disso. Arthur, me ajude
aqui.
Nem quando eu era criança demorei tanto tempo para subir aqueles
degraus.
— Você gostaria que eu encomendasse muletas, senhor? — Arthur
perguntou antes de chegar ao final da escada.
Eu ri.
— Até parece. Quando eu estiver louco, eu uso muletas, obrigado.
Depois de me trancar no quarto, passei horas jogando Xbox,
dividindo minha atenção entre a tela da TV e meu celular. Sem dúvidas, eu
preferiria a academia, já que eu precisava me movimentar, mas considerando
que minha perna fez o favor de estar deslocada, eu não tinha nenhuma outra
escolha a não ser ocupar apenas minha mente — ou tentar.
Naquela noite, eu mal consegui dormir. Meu celular tocava e eu
despertava de repente, mas quando conferia a tela, percebia que tinha sido
apenas fruto da imaginação. Um sonho, talvez.
Alexia não me ligou.
Eu perdi as contas de quantas vezes isso aconteceu e, quando o dia
amanheceu, Nanda não precisou vir me acordar: eu já estava acordado.
Levantei-me, tomei um banho frio, com cuidado para não molhar minha
perna, e vestir minha roupa social foi o maior desafio que eu provavelmente
enfrentaria naquela semana.
Ou talvez não...
Desci, apoiando-me no corrimão e encontrei Nanda na cozinha.
— Bom dia, amor. — Eu disse, tentando soar agradável.
— Eu acho que a televisão já gravou o seu rosto — Ela disse
colocando meu café sobre a ilha da cozinha na minha frente. — Como você
está?
— Bem. Meu pai já saiu?
— Já, mas sua mãe estava te esperando acordar para dar uma olhada
na sua perna.
Balancei a cabeça.
— Eu cuido disso depois.
Antes de terminar de tomar meu café conversando com Nanda, minha
mãe entrou na cozinha. Depois de conferir minha perna e garantir que não era
nenhum ferimento sério, ela me beijou na bochecha, despediu-se da Nanda e
foi para o hospital.
— Eu achei que você fosse dormir na casa da Alexia hoje. — Nanda
falou quando novamente ficamos sozinhos.
Balancei a cabeça para os lados, fingindo estar ocupado demais
comendo o resto das panquecas que ela fez para mim.
Ela levantou as sobrancelhas.
— Vocês brigaram?
— Não.
Ela inclinou a cabeça.
— Mas aconteceu alguma coisa, não é? Dá pra ver o quanto você está
zangado com ela.
Pensei em dizer que não de novo, mas não via motivos para mentir
para ela. Nanda me conhece desde muito pequeno e, como eu provavelmente
já passei mais tempo com ela do que com minha própria mãe, seria até
absurdo tentar esconder a verdade.
— Ela me abandonou... — murmurei, por fim.
— Abandonou? — Ela arregalou os olhos chocada. — Você quer
dizer... que ela terminou o namoro?
— O quê?! — Eu a olhei. — Claro que não, enlouqueceu? Ela saiu do
ginásio... para não me ver lutar.
— Por quê?
— Eu não sei. Eu desloquei minha perna e ela começou a chorar e
dizer que estava com um pressentimento ruim. Pediu-me para não voltar para
a arena, mas eu voltei e, quando olhei para arquibancada... ela não estava lá.
Eu pedi para ela ficar — balancei minha cabeça para os lados. —, mas ela
preferiu ir embora e me abandonar.
— No jornal, passou que você abandonou a luta.
— Por causa dela. Eu estou abrindo mão de tudo por causa dela... mas
ela não pode sequer me apoiar.
— Ela ficou preocupada.
— Ótima maneira de demonstrar isso. — Eu ri.
— Você pode culpá-la?
Olhei para Nanda, mas não respondi. Na minha cabeça, sim, eu tinha
todo o direito de culpá-la. Eu disse que precisava dela, como ela pôde virar as
costas pra mim?!
— Você já teve algum pressentimento ruim, Stefan?
Consultei minha memória, mas não encontrei nada.
— Não.
— Eu já. — Nanda se sentou na minha frente. — Eu não sei se foi a
mesma coisa que a Alexia teve, mas foi tão esmagador que eu não conseguia
suportar. Era como se eu soubesse que algo ruim estava para acontecer e não
pudesse impedir... — Lágrimas surgiram em seus olhos. — A incerteza e a
dúvida quase nos enlouquecem. Você sabe que algo está chegando... mas não
sabe o que é. No dia que eu tive esse pressentimento... minha mãe morreu
atropelada.
Meu sangue gelou nas veias.
— Eu sinto muito.
Ela balançou a cabeça e sorriu, secando uma lágrima que escorreu,
então prosseguiu sem olhar para mim.
— Eu me lembro de estar com ela. Ela estava me esperando na
calçada, enquanto eu fui a uma banca comprar algo... não me lembro o que.
Ouvi o carro derrapando... me virei... vi o terror refletindo no olhar dela
quando ela se virou para mim, paralisada... vi o impacto... vi o corpo dela
estirado no chão... vi tudo, Stefan. — Nanda me olhou. — E você não tem
nenhuma ideia... do quanto eu queria não ter visto.
Eu não sabia o que dizer. Nanda sempre foi uma excelente
funcionária, talvez pelo seu humor que sempre estava ótimo. Como pode ter
uma história como essa?
— E depois de chorar na sua frente — Ela prosseguiu. —, depois de
te pedir e te implorar para você não voltar para arena... você acha que Alexia
era obrigada a continuar sentada em uma merda de uma arquibancada vendo
você apanhar sem poder fazer nada? Acha que ela era obrigada?
Um leve tremor surgiu em minha mão e eu precisei de um tempo
responder.
— Mas eu não apanhei. Eu desisti.
— Se ela estivesse lá... você teria desistido?
Respirei fundo antes de negar com a cabeça.
— Não a culpe, Stefan. Alexia pode ter salvado você... e você nem
sabe.
Nanda se levantou e saiu da cozinha fungando, ainda resultado de ter
aberto sua vida pra mim. Meu coração parecia ter parado. Eu não sabia
direito o que pensar, não sabia o que fazer... meu cérebro estava um completo
vazio.
Então deixei meu corpo agir automaticamente.
— Wendel — chamei o motorista ao sair de casa mancando em uma
perna.
— Sim, senhor?
— Preciso dos seus serviços.
— Deseja ir para a empresa agora?
— Não. Desejo ir à casa da minha namorada.
Capítulo 34
Alexia
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Alexia
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Alexia
Nós não tivemos uma lua de mel, mas nem para mim, nem para minha
esposa isso fez falta. Por que nos divertir sozinhos se podíamos nos divertir
com Alice e nossa família?
Rafael deu a Lexy férias prolongadas por tempo indeterminado,
contratando uma funcionária temporária enquanto ela estivesse fora. É claro
que eu disse a ela que nunca mais precisaria trabalhar, mas surpreso eu ficaria
se ela acatasse a minha ordem. Ela não é o tipo de mulher que sobrevive à
custa do marido, e apesar de eu estar ciente de que poderia garantir seu
conforto pelo resto de sua vida, não vou interferir em suas decisões. Aliás,
sua determinação e força de vontade foram motivos pelas quais eu me
apaixonei por ela também.
Trancamos a faculdade sem previsão para retorno. Claro que isso não
costumava existir no regulamento interno, mas o que aqueles sugadores de
notas não fazem por dinheiro? Assim, preferiram jogar de acordo com
minhas regras do que fechar todos os períodos para o filho de Diogo Strorck,
o cara que mais enfiava dinheiro naquela universidade.
Tudo de acordo. Não importava o tempo que ficássemos parados
cuidando da nossa filha, quando a gente voltasse ao pique, tudo estaria
exatamente do jeito em que deixamos. Sim, oficialmente nossa filha. A nova
certidão de nascimento da Alice ficou pronta e, como eu não costumo dar
ponto sem nó, não foi só minha filha oficialmente que ela se tornou. Foi da
Alexia também.
Agora somos oficialmente pai e mãe da nossa pequena princesa.
Fomos ao parque mais vezes do que eu podia contar e, na maioria das
vezes, Alexia segurava Alice em seu colo e eu as empurrava no balanço. Eu
seria capaz de passar horas fazendo isso, só para continuar vendo seus
sorrisos, ouvindo as gargalhadas e minha filha me pedindo para ir mais alto.
Momentos assim renderam fotos incríveis.
Em um desses dias, Alice não quis brincar. Seu plano era fazer um
piquenique debaixo de uma das árvores, e como nossa regra era não negar
nada a ela, nós apoiamos.
O dia estava lindo, o vento suave varria nosso rosto e fazia o cabelo
delas balançarem ao seu ritmo. Alexia vestiu Alice com um vestido branco
rodado, deixando-a parecida com um anjo. Ela estava linda, e seu sorriso
apenas a fazia ficar melhor ainda.
— Papai, você touxe meu sorvete de cocolate? — Ela perguntou
enquanto eu a tirava da cadeira de rodas e colocava-a sentada sobre a toalha
na grama.
— Claro, meu amor. Tudo o que você pediu.
Sim, eu trouxe tudo o que ela pediu, mesmo sabendo que ela não
comeria um décimo do que estava na cesta.
Conversamos sobre tudo e mais um pouco enquanto comíamos.
Tirando o fato de que Alice estava em uma cadeira de rodas, nem em mil
anos alguém poderia dizer que ela estava doente. Ela conversava, comia e
ria... era um dos dias em que a dor e as crises não existiam em seu
vocabulário.
Ela largou seu sanduíche de lado e pegou a minha mão e a da Alexia,
unindo-as.
— Vai ser uma pincesa ninda... ela tombém vai bincar nesse parque.
Franzi a testa e olhei pra Alexia, que parecia estar tão confusa quanto
eu.
— O quê? — Ela perguntou, inclinando a cabeça para olhar o rosto da
irmã.
Alice encolheu os ombros, voltando a pegar seu sanduíche.
— Eu quelo sorvete de cocolate.
Nem eu, nem Alexia entendemos o que ela quis dizer, mas minha mãe
já havia dito que, às vezes, não entenderíamos mesmo. Suas palavras e sua
mente ficariam confusas, e só o que devíamos fazer era agir como se ela não
houvesse falado nada.
Alexia sorriu para mim e foi o que fizemos. Continuamos o
piquenique até a tarde cair e Alice pegar no sono, então peguei minha filha no
colo e abracei minha esposa. Ainda ficamos sentados conversando por mais
algum tempo antes de nos levantarmos e irmos para casa, sujos, cansados e
felizes da vida.
Eu as levei à praia, à casa do vovô e da vovó, onde Nanda sempre
estava esperando com uma comida nova e Thomas sempre tinha algo novo
com o que brincar. Às vezes, o almoço era servido em nossa casa nova, onde
se reuniam todas as pessoas de quem Alice gostava, até Rafael, Mari e Cris
também foram cativados por ela.
Isso podia ser bom se eu não começasse a notar que, dia após dia, a
doença ia a afastando de nós.
Foi apenas questão de tempo até ela não querer mais se levantar da
cama e todos os seus membros se tornarem inválidos. Ela não se sentava
mais.
Deitada, ela passava a maior parte do tempo dormindo e, às vezes, eu
e Alexia acordávamos no meio da noite com seu choro silencioso. Isso
quando sua dor não era tão forte, fazendo-a gritar.
Quando ela começou a ter convulsões, levamos para o hospital junto
com suas roupas e seus brinquedos. Contratei funcionários para montar um
quarto apenas para ela, todo rosa. Eu não achava que ela combinaria com a
palidez sem vida de um quarto de hospital comum. Minha filha merecia mais
que isso.
Ela amou... por um tempo. E então tudo passou a perder a graça.
Ela não demonstrava mais empolgação quando Lívia ou Megan
vinham visitá-la. Todas as noites, quando meu pai chegava depois de sair da
empresa, tudo o que ele recebia era um sorrisinho fraco antes de ela voltar a
dormir. Alguns dias se passavam sem que ela dissesse sequer uma palavra.
As dores se tornaram constantes, então a ordem era que ela permanecesse
anestesiada e sedada durante mais da metade do dia. Ela raramente comia; era
nutrida a base de soro. Todas as máquinas permaneciam preparadas para caso
ela desse crises de falta de ar, o que era quase sempre.
Eu e Alexia também levamos nossas roupas para o hospital, e os
únicos momentos que eu me distanciava dela era para tomar banho... às
vezes.
— Você disse que podia acontecer um milagre. — falei para minha
mãe em algum momento, enquanto Alice dormia.
— Ela ainda fala com vocês, ainda ouve, ainda vê... e ainda está viva.
Para mim, isso é um milagre.
— Não é o suficiente, mãe. Eu não quero perdê-la.
— E quem quer, Stefan? Quem está pronto para perder a Alice?
Ninguém estava. Até meu pai, que sempre acreditei não ter um
coração, também se fechou em sua zona de tristeza. Thomas se trancava no
quarto — isso eu sabia pela minha mãe, já que há dias eu não ia em casa —, e
só comia alguma coisa quando realmente estava com fome. Nem em sua
brinquedoteca ele entrava mais, perdeu a graça de brincar.
Nanda e minha mãe tentavam estabilizar a tranquilidade, mas o fato
era que elas também não estavam tranquilas. Alice conquistou muita gente ao
seu redor... se um milagre não acontecesse, o impacto que ela deixaria seria
grande.
— Eu quelo ver as estelas... — A voz da minha filha saiu em sussurro
baixinho certa noite, e ela sequer abriu os olhos para dizer isso.
Alexia me olhou e sorriu, a linha de esperança refletida em sua
expressão. Alice geralmente não se importava mais com as estrelas, nem com
qualquer outra coisa... apenas ficava deitada, às vezes, dormindo. Ela querer
sair do quarto, tanto para mim quanto para Alexia, já era um ótimo progresso.
Sorri.
— Seu desejo é uma ordem, minha linda! — Eu a peguei no colo
lentamente, com todo o cuidado possível para não machucar seus ossinhos
frágeis. — Amor, traz o soro?
Alexia obedeceu, mas além do soro, ela também pegou um dos
lençóis no armário e enquanto eu carregava Alice nos braços, ela empurrava
o suporte de soro ao meu lado pelo corredor do hospital.
Entramos no elevador e quando chegamos na cobertura, fiquei
satisfeito ao encontrar o céu estrelado. Não havia tantas estrelas quanto da
primeira vez que me deitei na praia com elas, mas era o suficiente.
Alexia abriu o lençol no chão e eu me abaixei devagar, colocando
Alice cuidadosamente deitada sobre ele. Deitamo-nos ao seu lado.
— Cadê ela, mamãe? — Ela perguntou com sua vozinha fraca,
abrindo seus, agora pequenos e cansados, olhos azuis momentaneamente.
— Ali! — Minha esposa disse, apontando uma das estrelas. — Está
vendo?
Alice balançou a cabeça ligeiramente antes de fechar os olhos
novamente.
— Ela está sorrindo, não é?
— Claro. Ela estava te esperando.
Um breve sorriso enfeitou os lábios da garotinha, mas ela não disse
nada.
— Você quer saber o que ela está dizendo? — Alexia perguntou,
puxando assunto.
A resposta foi um leve e quase imperceptível menear de cabeça
afirmativo.
— Ela está feliz por te ver! — falei, olhando para seu rostinho suave.
— Ela disse que queria te ver todos os dias porque fica com saudade.
— Eu tombém... — respondeu baixinho. — Mas eu tico cansada.
Papai... fala pa ela que amanhã ou volto.
Mais uma vez, eu não consegui evitar o sorriso. Alice parecia estar se
animando...
— Ela disse que estará te esperando.
— A gente podia fazer um pitinique aqui... o que você aça?
Olhei para Alexia que me lançou o sorriso do gato da Alice no país
das maravilhas, e eu entendi. Desde muito tempo, aquela era a primeira vez
que Alice se mostrava disposta e animada para fazer alguma coisa, e para
mim, aquilo já era um sinal de milagre.
— É uma ótima ideia! O que você quer comer?
— Sorvete de cocolate.
— Tudo bem, sorvete de chocolate. O que mais?
— Pululito.
Sorri.
— Okay. Mais?
Ela negou com a cabeça.
— E você, amor? — perguntei à Alexia. — Vai querer alguma coisa?
— Hum... algo salgado vai fazer bem. O que acham de uma pizza?
Voltei-me para Alice.
— Pode ser pizza, princesa?
Ela ainda estava de olhos fechados, mas sorriu.
— Pode.
— Algo mais? — perguntei à Alexia, que sustentava um sorriso
esperançoso no rosto.
Creio que sua expressão refletia a minha.
— Sanduíche natural, suco e frutas. Acho que banana serve.
— Está bem, minha esposa exigente. — Levantei minha cabeça e
beijei-a rapidamente. — Vamos fazer aqui? A luz das estrelas?
— Vamos. — Alice respondeu por ela.
— Amanhã?
— Amanhã.
Amanhã... seria um programa fantástico.
A animação minava dos meus poros e quando olhei para Alexia,
percebi que ela sentia o mesmo.
Alice queria fazer algo mais que ficar deitada em uma cama,
dormindo. Queria fazer um piquenique, queria olhar as estrelas, queria comer.
Isso era mais do que bom, era maravilhoso! Por um momento, imaginei que
talvez ela pudesse sim se recuperar. Se ela continuasse daquele jeito,
animada, seu estado de espírito e sua imunidade poderiam subir, e então
começaríamos a quimioterapia e os tumores se encolheriam. Podia dar certo.
Ela dormiu pouco tempo depois, então voltamos para o quarto. Sendo
bem sincero, eu não me lembro de algum dia já termos estado tão animados.
Alexia não deixava seu sorriso de lado, comentando vez ou outra que seria
uma noite divertida. Mais uma vez, a ideia da Alice foi fantástica. Sempre
era.
O que nem eu nem minha esposa sabíamos até aquele momento,
porém, era que não haveria um piquenique.
Aquela foi a última vez que Alice viu as estrelas.
Capítulo 38
Alexia
Ela se foi.
Eu soube disso no momento em que seu sorriso desapareceu, mas
Alexia parecia não ter percebido, porque continuou parada olhando para o
seu rosto sem nenhuma reação. Era como se ela estivesse apenas admirando
sua inocência adormecida, como se Alice fosse acordar a qualquer momento.
Mas ela não iria acordar. Disso eu sabia.
— Amor... vem comigo tomar um café. — pedi e senti-me surpreso
com o quão firme minha voz soou.
Mas o fato é que eu não podia vacilar e menos ainda dar atenção ao
sentimento desesperado que tomou conta de mim. Tudo o que eu precisava
fazer era tirar Alexia dali.
Ela balançou a cabeça sem me olhar.
— Claro. Talvez Alice também queira alguma coisa. — Inclinando-se
sobre a cama, ela acariciou o cabelo da irmã. — Alice, você quer um pirulito?
— Alexia... — chamei de novo, mas ela não se virou pra mim.
Ao invés disso, sua atenção foi totalmente voltada para o monitor
cardíaco, que substituiu seu "bip... bip... bip..." repetitivo por um único e
contínuo "biiiii...".
Ela ficou parada olhando para ele enquanto eu sentia meu coração
afundar em algum buraco negro que parecia ter sido aberto dentro de mim,
sugando tudo sem deixar nada.
— Deu defeito! — Alexia se virou para me olhar. — O monitor
quebrou. Acho que devemos chamar sua mãe.
— Amor... — Eu ia me aproximar dela, mas sequer tive tempo de me
mexer antes da minha mãe e mais alguns enfermeiros que eu não fiz questão
de contar entrarem no quarto como um furacão.
— Luna, o monitor deu def...
— Stefan, tire-a daqui! — Minha mãe ordenou, empurrando minha
esposa para mim, tomando seu lugar ao lado da Alice para preparar o
desfibrilador.
— O quê...? — Alexia arregalou os olhos um tanto confusa e irritada.
— Não, eu não vou sair! O que vocês vão fazer?
— Cem joules? — Um dos enfermeiros perguntou enquanto minha
mãe passava uma grande camada de gel nas partes metálicas dos aparelhos e
colocava-os no tórax da Alice.
— Cem! — Ela confirmou. — Vou aplicar o choque no três, afastem-
se. Um... dois... três!
Ela apertou os botões negros das duas placas. Alice recebeu o choque
e ergueu-se levemente na cama, voltando a ficar imóvel em seguida.
— Espera... parem, vocês vão machucar minha irmã!
— Cento e sessenta! — Minha mãe declarou e deu um passo para
trás, mantendo as pás no lugar. — Um... dois... três!
— Não! — Alexia ia correr até ela, mas, movido pela adrenalina, eu a
segurei.
Sim, certamente adrenalina, porque toda a base lógica e toda a razão
do meu cérebro tinham deixado meu corpo. Só o que eu sabia era que os
enfermeiros deviam repetir aquele processo um milhão de vezes se fosse
necessário, mas eles não podiam desistir antes do coração da minha filha
voltar a bater.
O corpo da Alice se contorceu com a nova onda de choque recebida,
então voltou a ficar imóvel. No monitor, o mesmo traço e o mesmo "biiii"
contínuo persistia.
— Não! Me solta! — Alexia se debateu em meus braços e, sem mais
forças, eu a soltei. — Parem! Já chega!
Ela correu até eles e colocou-se na frente da irmã como um gesto
protetor.
— Lexy... — Minha mãe disse e eu percebi que toda a sua postura de
médica profissional havia desmoronado. Ela estava à beira das lágrimas.
— Isso vai machucá-la, pelo amor de Deus! Ela é apenas uma
criança!
— É preciso! — Minha mãe insistiu.
— Não, nada disso é preciso! Minha irmã não está morta! — Ela se
virou para Alice, sacudindo-a suavemente. — Alice, meu amor, acorda.
Minha filha permaneceu imóvel, com os olhos fechados e uma
expressão tranquila.
Minha mãe se virou para mim e balançou a cabeça para os lados. As
lágrimas rolaram em suas bochechas. O mundo pareceu ruir ao meu redor.
— Alice... — Alexia insistiu. — Ei, abra os olhos. Olhe para mim,
vamos.
Nenhuma reação.
Alexia se virou para minha mãe, suas lágrimas transbordando.
— Está vendo o que vocês fizeram?! Machucaram-na! — Voltando-se
para a irmã, tentou novamente. — Vamos lá, meu amor. Eu não vou deixá-los
colocarem aquela coisa em você de novo, pode acordar.
Minha mãe enxugou as lágrimas com as mãos e fez um gesto
afirmativo para o enfermeiro que havia lhe perguntado alguma coisa em voz
baixa. Não ouvi o quê.
— Alice! — Alexia insistia, e eu percebi sua voz se alterando. —
Alice, por favor... — Ela a sacudiu de novo, agora mais forte. — Acorda,
meu amor. Vamos tomar sorvete de chocolate. Vamos pintar a sala com trigo.
Vamos brincar com a água da privada, eu faço o que você quiser... mas, por
favor, acorda.
Ela levantou a irmã do colchão, abraçando-a contra si, as lágrimas
encontravam seu caminho pelas bochechas e sua voz saía com dificuldade.
— Acorda, acorda, acorda... por favor...
— Alexia... — Minha mãe tentou se aproximar dela, mas ela a afastou
violentamente com a mão.
— Não! — Minha esposa a olhou, apertando firmemente Alice contra
seu peito, as lágrimas estavam sem descanso. — Não se atreva a dizer que
minha irmã está morta, Luna! Não se atreva!
Minha mãe me olhou sem saber o que fazer, como se procurasse
algum tipo de conselho.
Procurando um conselho meu? Eu sequer sabia que merda estava
acontecendo ali! Eu sequer sabia se meu coração estava rápido demais ou se
havia simplesmente parado de bater! Sequer podia sentir o chão debaixo dos
meus pés...
— Eu não estava falando sério — Alexia chorava abraçada à irmã. —
A mamãe não está te esperando. Ela não quer você agora, ela não precisa de
você... eu preciso! Eu preciso de você, Alice. Eu preciso de você. Você não
pode ir embora, não agora... fique mais um pouco. Fique comigo... só mais
um pouquinho. Não me deixe...
Tentei controlar minha respiração e forcei os pés a obedecerem ao
comando do meu cérebro e caminharem até ela.
— Não! — Ela tentou me empurrar, mas não obteve sucesso.
— Sou eu, meu amor — Emiti, abraçando-a contra mim. — Sou eu.
Droga. Eu não sou forte o suficiente para lidar com isso.
— Eu estou aqui, vai ficar tudo bem.
— Me solta... — Alexia insistia em me afastar, mas suas forças
estavam se esgotando. — Me solta, por favor... me solta. — E então ela
desistiu e descansou a cabeça em meu ombro, com Alice ainda em seus
braços. — Ah, Stefan... a minha irmãzinha...
Chorei, abraçando o corpo da minha filha e minha esposa, tentando
confortá-la.
Como confortá-la se mesmo meu coração estava em frangalhos?
Eu me sentia um inútil, completamente patético. Eu salvei Alice de
morrer carbonizada. Eu arrisquei minha vida por ela! Ela não podia morrer
agora.
Ela não podia morrer agora...
Fechei os olhos e apertei Alexia e Alice contra mim, desejando poder
acordar e perceber que tudo não passara de um pesadelo... mas isso não
aconteceu. E, então, no meio das lágrimas e soluços, eu vagamente ouvi o
"biiiii" do monitor parar.
Alice estava fora.
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Bônus - Marcos:
Hoje faz dez anos que você se foi, mas eu ainda me lembro do seu
sorriso, pequena. Me lembro da sua paixão pela Barbie e pela Galinha
Pintadinha. Me lembro perfeitamente do dia em que começou a me chamar
de papai, e da emoção que eu sentia sempre que te ouvia repetir para mim
essa simples palavra de cinco letras. Papai. Eu era um adolescente
completamente imaturo, mas sua voz suave trouxe para mim toda a
responsabilidade que eu precisava possuir para me tornar um pai. E você não
tem ideia, filha, do quão maravilhoso foi para mim ser seu papai. Você
coloriu minha vida.
Queria que houvessemos tido mais tempo. Queria ter tido tempo de te
ver crescer e se apaixonar. Queria ter tido tempo de brigar com você por
causa da típica rebeldia adolescente que todas as pessoas têm quando atingem
a puberdade. Queria ter tido tempo de te ver se formando em uma boa
faculdade. Queria brigar com seu namorado, por medo de ele não ser bom o
suficiente para você. Queria te levar até o altar. Queria ouvir seus filhos me
chamando de vovô. Ah, filha, eu queria tanto te ver completar trinta anos...
mas você nem sequer chegou aos quatro.
Me pergunto se você tinha alguma ideia do que eu sentia por você
quando partiu.
Eu admito, minha pequena: sou completamente apaixonado pela
sua mãe, mas foi você quem me ensinou verdadeiramente o que é o amor.
Você me transformou no homem que sou hoje, e eu só queria que soubesse o
quanto sou grato por isso. Você foi, definitivamente, a primeira coisa
realmente importante da minha vida.
Eu amei você, Alice. Antes mesmo de amar sua mãe. Desde que meus
olhos te encontraram eu te amei, e esse sentimento apenas cresceu a cada
pequena respiração que você dava. Não era como se eu pudesse evitar. E
então você partiu e levou consigo muita coisa... mas isso não. Isso você
deixou. Eu ainda te amo, filha. Tanto, que ainda hoje sou incapaz de explicar.
Todos os dias, a todo momento, em todos os lugares. Sempre vou amar.
Sei que você está bem, e isso me conforta. Acabou, meu amor. Toda
dor e sofrimento, todo choro, angústia e desespero. Acabou. Você está bem
agora, em algum lugar lindo e seguro. E eu estou aqui, com a sua mamãe e
seus irmãos que adorariam ter te conhecido. Você os teria amado tanto,
Alice... sei disso, porque se foi capaz de me amar, então com certeza também
os amaria. Sim, estamos aqui, pensando em você todos os dias e esperando
pelo dia em que nos encontraremos outra vez.
Acredito que vai demorar, minha estrelinha, mas não se preocupe.
Quando eu te encontrar, nunca mais iremos nos separar. Eu prometo.
Com amor, Stefan, seu eterno papai.