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OS VAZIOS URBANOS COMO LUGAR DO POSSÍVEL: UMA NOVA

PERSPECTIVA DE DESENVOLVIMENTO URBANO


URBAN VOID AS SPACE OF POSSIBILITIES: A NEW PERSPECTIVE OF URBAN
DEVELOPMENT

VACÍOS URBANOS COMO UN LUGAR DE POSIBLE: UNA NUEVA PERSPECTIVA DEL


DESARROLLO URBANO

EIXO TEMÁTICO: PATRIMÔNIO, ESCALAS E PROCESSOS

SILVA, Yanna Karla Garcia


Mestranda em Arquitetura e Urbanismo; PPGAU UFPB
yannagarcias@gmail.com
RESUMO
O modelo de desenvolvimento urbano atualmente empregado nas cidades resultou, devido a
ação de diversos agentes – sociais, econômicos e políticos, no surgimento dos vazios urbanos.
Os vazios urbanos figuram como espaços remanescentes da dinâmica urbana, podendo variar
entre a propriedade fundiária ou edificada, embora os espaços vazios sejam vistos ao longo de
toda cidade, sua maior concentração é vista nos centros antigos das urbes. As cidades
brasileiras passaram por um processo de expansão urbana em meados do século XX que
resultou numa série de obras urbanas influenciadas, dentre outros, pela industrialização tardia
do país. Em João Pessoa, capital paraibana, ocorreu um processo semelhante ao visto
nacionalmente. Reformas de infraestrutura urbana foram executadas nas primeiras décadas
do século XX, o que permitiu o avanço da cidade para eixos outrora não explorados, esse
processo desencadeou a perda significativa do contingente habitacional do centro da cidade o
que, no decorrer dos anos, fez surgir e consolidar os vazios urbanos nesse recorte. Embora os
vazios urbanos centrais sejam comumente tidos como indicadores negativos de urbanidade,
há quem defenda que os vazios encontrados em áreas consolidadas do espaço intraurbano,
providas de infraestrutura urbana a exemplo dos centros das cidades, sejam espaços com
grande potencialidade de transformação urbana, isso se dá devido a possibilidade de
intervenção e mudança na dinâmica urbana já estabelecida. Esse trabalho, portanto, busca
refletir sobre como os vazios urbanos centrais são decisivos na reabilitação de áreas centrais, a
partir de um novo modelo de desenvolvimento urbano, o sustentável.
PALAVRAS-CHAVE: vazio urbano, centro antigo, desenvolvimento urbano sustentável.

ABSTRACT
The currently urban development model’s employed in cities resulted, due to the action of
several agents - social, economic and political, in the emergence of urban voids. The urban
voids appear as spaces remaining from the urban dynamics, varying between the landed or
built property, although empty spaces are seen throughout the city, its greatest concentration
is seen in downtown. Brazilian cities underwent a process of urban expansion in the mid-20th
century that resulted in a series of urban modifications influenced, among others, by the
country's late industrialization. In João Pessoa, capital of Paraíba, a similar process to that seen
nationally took place. Urban infrastructure reforms were carried out in the first decades of the
twentieth century allowed the city advance to previously unexplored axes, this process
triggered the significant loss of the housing contingent of downtown which, over the years, has
led consolidate the urban voids in this area. Although the central urban voids are commonly
seen as negative indicators of urbanity, there are those who argue that the voids found in
consolidated areas of intra-urban space, provided with urban infrastructure such as city
centers, are spaces with great potential for urban transformation, due to the possibility of
intervention and change in the urban dynamics already established. This work, therefore, seeks
to reflect on how the central urban voids are decisive in the rehabilitation of cities central
areas, based on a new model of urban development, the sustainable one.
KEYWORDS: urban void, downtown area, sustainable urban development.

RESUMEN
El modelo de desarrollo urbano actualmente empleado en las ciudades resultó, debido a la
acción de varios agentes, sociales, económicos y políticos, en la aparición de vacíos urbanos.
Los vacíos urbanos aparecen como espacios que quedan de la dinámica urbana, variando entre
la propiedad de tierra o construida, aunque los espacios vacíos se ven en toda la ciudad, su
mayor concentración se observa en los centros antiguos de las ciudades. Las ciudades

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brasileñas experimentaron un proceso de expansión urbana a mediados del siglo XX que
resultó en una serie de obras urbanas influenciadas, entre otras, por la industrialización tardía
del país. En João Pessoa, capital de Paraíba, tuvo lugar un proceso similar al visto a nivel
nacional. Las reformas de la infraestructura urbana se llevaron a cabo en las primeras décadas
del siglo XX, lo que permitió que la ciudad avanzara a ejes previamente inexplorados, este
proceso desencadenó la pérdida significativa del contingente de viviendas en el centro de la
ciudad que, a lo largo de los años, ha llevado consolidar los vacíos urbanos en este corte.
Aunque los vacíos urbanos centrales se ven comúnmente como indicadores negativos de la
urbanidad, hay quienes sostienen que los vacíos encontrados en áreas consolidadas del espacio
intraurbano, provistos de infraestructura urbana como los centros de las ciudades, son
espacios con un gran potencial para la transformación urbana. debido a la posibilidad de
intervención y cambio en la dinámica urbana ya establecida. Este trabajo, por lo tanto, busca
reflexionar sobre cómo los vacíos urbanos centrales son decisivos en la rehabilitación de las
áreas centrales, basado en un nuevo modelo de desarrollo urbano, el sostenible.
PALABRAS-CLAVES: vacíos urbanos, centros antiguos, desarrollo urbano sostenible.

OS VAZIOS URBANOS CENTRAIS


No decorrer dos percursos diários realizados nas cidades, é comum nos depararmos com
espaços silenciosos. Esses espaços quietos que se encontram vazios, seja porque não possuem
nenhuma construção edificada ou porque apresentam edificações num estado de
obsolescência e abandono, são chamados de vazios urbanos. Os vazios urbanos destoam da
malha urbana pelas suas condições de uso e ocupação (BORDE, 2006) e são produtos de uma
série de fatores que tiveram papeis decisivos ao longo da formação das cidades
contemporâneas, que adotaram o modelo desenvolvimentista da lógica capitalista do valor do
solo urbano.
Os primeiros casos de análise desse fenômeno urbano têm origem na Europa, na década de
1970, quando o advento da pós-industrialização resultou na migração de parques fabris
europeus para países subdesenvolvidos, terceirizando a produção. Esse movimento de
desfuncionalização industrial acarretou no abando de edifícios e zonas industriais. Tais espaços
fomentaram os primeiros estudos sobre os vazios urbanos. Embora os vazios urbanos sejam
um fenômeno urbano comum a qualquer cidade como apontado por Rosa (2008), o contexto
nacional de formação dos vazios urbanos difere do que é visto na Europa, ao passo que esse
processo acontece juntamente com a industrialização das cidades brasileiras.
A industrialização das cidades brasileiras provocou uma expansão urbana acelerada, e
desnorteada, em meados do século XX, marcada por um padrão de ocupação periférico, com
crescimento no sentido centrífugo que apresentava baixa densidade habitacional e pouca
diversidade funcional, o que resultou na migração da população das áreas centrais formadoras
da cidade para as novas centralidades de desenvolvimento urbano (CLEMENTE, 2012). Esse
processo de espraiamento urbano resultou em vazios em diferentes porções da cidade, as
áreas periféricas da cidade, com pouca ou nenhuma infraestrutura urbana, sofreram com o
surgimento de loteamentos “salteados”, resultando em áreas de propriedades e tamanhos
variados vazias (CLICHEVSKY, 2000), mas o centro antigo das urbes foi o grande palco de
atuação dessa problemática urbana, sofrendo uma perda significativa de parte seu
contingente habitacional, o que desencadeou, ao longo dos anos, o abandono e a subutilização
dessa área (VAZ e SILVEIRA, 2007).
É necessário destacar aqui, que embora haja vazios urbanos em diversas localidades da cidade,
esse estudo evidenciará os vazios urbanos centrais. Para tanto, adota-se o conceito de Fausto

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e Rábalo (2001) e Borde (2006) de vazios urbanos como espaços remanescentes na dinâmica
urbana, sendo aquelas terras urbanas que permaneceram vazias ou subutilizadas, atendidas
diretamente ou muito próximo à infraestrutura urbana já instalada, e que devido seu estado
de falta de uso contraria o princípio da função social da propriedade, podendo variar entre a
porção fundiária do lote e a edificação que se encontra vazia, sem uso.
No contexto de João Pessoa, a narrativa do fenômeno vazio urbano ocorre semelhante ao
visto nacionalmente. Uma série de reformas urbanas iniciadas nas primeiras décadas do século
XX, promovidas pelo Estado e impulsionadas pelo capital financeiro, acarretaram no processo
de expansão da cidade, principalmente em relação ao eixo leste – a orla marítima, e ao eixo
sul, onde foram desenvolvidos programas habitacionais da política do BNH (OLIVEIRA e SILVA,
2016). O aumento da malha urbana gerou consequências para o núcleo de formação inicial da
cidade.
Embora a capital paraibana tenha sua data de fundação em 1585, sendo a terceira cidade mais
antiga do Brasil, o seu processo de desenvolvimento foi lento e moroso ao longo dos anos
(figura 1). Foi somente nas derradeiras décadas do século XVIII, que a primeira expressão de
aumento da malha urbana se consolidou, resultando posteriormente nos bairros de
Trincheiras e Tambiá (figura 2). O processo de expansão urbana visto ao longo do século XX
mostra como, em um curto período de tempo, a influência de agentes como capital financeiro
e o Estado podem mudar, drasticamente, o desenho e a escala da cidade (figura 3).

Figura 1: “Frederica Civitas”, mapa da cidade de João Pessoa, a época Frederica, em 1647. Fonte:
<http://www.sudoestesp.com.br>, acesso em 27/010/2019 – Edição da autora.

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Figura 2: Mapa da cidade da João Pessoa, a época, Parahyba em 1855. Fonte: OLIVEIRA, 2006.

Entretanto, Corrêa (2011) aponta que a produção do espaço não pode ser exclusivamente
creditada ao capital e ao Estado, sendo também consequência da ação de agentes sociais
concretos, históricos, que possuem interesses, estratégias e práticas espaciais próprias,
portadores de contradições e geradores de conflitos entre eles mesmos e outros segmentos da
sociedade.
É sabido que a área central da cidade desempenhava, predominantemente, o uso residencial e
que esse contexto foi mudando conforme foram sendo executadas as reformas urbanas do
século XX. Todavia, ainda nos dias atuais, (re)existem moradores nas áreas centrais da cidade,
embora seja um número menos expressivo do que era visto no início do século passado, o que
mudou foi a condição social e financeira do grupo que continua habitando o centro resultando
no estigma de que esse seria um espaço marginalizado. Teriam então, os grupos sociais um
papel importante na formação do vazios urbanos centrais da cidade de João Pessoa? Poderiam
os vazios urbanos serem espaços de integração dos agentes sociais ao invés de um espaço de
segregação socioespacial?

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Figura 3: A expansão urbana de João Pessoa, vista no espraiamento da cidade nos anos de 1923 (A), 1930 (B) e 1970 (C).
Fonte: OLIVEIRA, 2006.

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OS AGENTES DO VAZIO URBANO
O surgimento dos vazios urbanos é, de uma forma mais pontual, o resultado da atividade do
mercado imobiliário, que figura como um dos principais articuladores do espaço urbano
contemporâneo, o mesmo também é denominado de “mercados de terras” por Clichevsky
(2000), a autora explica que esse mercado é regido por agentes de diferentes domínios, os
privados e os públicos, assim como diferentes escalas de atuação.
Ebner (1997) afirma que talvez a única forma de se explicar os vazios urbanos seja devido a
especulação imobiliária promovida pelo mercado imobiliário, uma vez que essa estratégia
motiva a manutenção de áreas passíveis de ocupação vazias, em ritmo de espera, visando a
valorização da terra urbana e dessa forma o aumento de seu valor capital. Por conseguinte,
quando Villaça (1998, p.48) afirma que “o espaço urbano é produzido, não é um dom gratuito
da natureza, é um trabalho social (...), assim o espaço gerado tem valor, e seu preço, assim
como o preço dos produtos em geral, é a expressão monetária”, entende-se que a terra
urbana deixa de ser algo imaterial e passa, através da especulação de agentes públicos e
privados, para algo valorável e de interesse do capital, que a enxerga como alternativa de
produção imobiliária, de acumulação e de investimento (CORRÊA, 2011).
Em seu estudo, Fausto e Rábago (2001) caracterizam os agentes que atuam sobre o espaço
urbano contemporâneo como formais e informais, ilustrando-os através da disparidade do
poder econômico dos diferentes grupos sociais que atuam no meio urbano, provocando,
consequentemente, a polarização do espaço. Mas então quem seriam os agentes, formais e
informais, privados e públicos, que atuam na conformação da produção dos espaços em que
vivem a maioria da população mundial? Esse questionamento é abordado por Corrêa (2011, p.
44) que sintetiza os atores do meio urbano contemporâneo como agentes sociais da produção
do espaço, sendo esses os “proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários,
os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos. A partir de sua ação, o
espaço é produzido”.
É possível enxergar, através da observação da dinâmica espacial urbana vista nas cidades, o
papel que cada um dos agentes sociais da produção do espaço desempenha na promoção e
consolidação dos vazios urbanos centrais. Os proprietários dos meios de produção são
detentores da maior parte do capital flutuante e são quem assinala onde os investimentos
privados, e até mesmo os públicos, serão dispostos na cidade. Em sua maioria, as ações de
investimento se concentram nas localidades mais abastadas da cidade, onde a concentração
de capital, bem como de bens e serviços, é mais predominante. Tal processo desencadeia,
ainda mais, o relego das áreas centrais, que sofrem com a falta de investimentos. A
informalidade do comércio e serviço, a subutilização do espaço e a vitalidade vista apenas
durante o horário comercial, são fatores que tornam as áreas centrais da cidade
marginalizada, causando o estranhamento dessas áreas em parte da população, o que acarreta
em negligência do espaço e, assim, nos vazios urbanos.
Os proprietários fundiários e os promotores imobiliários atuam através da especulação
imobiliária nessas áreas. A maioria dos vazios urbanos centrais, principalmente aqueles
edificados, são de domínio privado, de acordo com o levantamento desenvolvido por
Clemente (2012) 93,92% dos lotes que representam os vazios urbanos no cerco de
tombamento do IPHAN em João Pessoa – PB são de domínio privado, ou seja, o abando é
causado precisamente pelos proprietários da terra. Há de se convir que parte desses
exemplares sofrem em situações de litígio, quanto a heranças familiares, no entanto, a porção
mais significativa dos mesmos padecem com a falta de interesse na propriedade e a

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especulação sobre o valor da terra urbana em si, resultando em descaso quanto a conservação
das vacâncias urbanas.
A relação dos grupos sociais excluídos com os vazios é, talvez, a mais pessoal pois é uma
relação de sobrevivência. O déficit habitacional nacional é de aproximadamente 6,18 milhões
de habitações segundo o último censo do IBGE (2014), esse mesmo levantamento apontou
também a existência de cerca de 6,07 milhões de domicílios vacantes no país – o que equivalia
a aproximadamente 98,2% do déficit habitacional do país. Atualmente estima-se que o
número de domicílios vacantes no Brasil tenha superado o número do déficit habitacional, ou
seja, no país existe mais casa sem gente do que gente sem casa. Ocupar as edificações vazias
do centro é uma das principais alternativas adota por quem sofre desse problema social, isso
se dá devido ao fato de que o centro possuí inúmeras qualidades de habitabilidade atrativas, a
exemplo da proximidade de locais de trabalho, boa conectividade do sistema viário e acesso a
infraestrutura urbana. É importante destacar que os vazios urbanos não desempenham a
função social da propriedade, prevista nos artigos 182 e 183 da Constituição Brasileira de 1988
(BORDE, 2006), sendo assim, a ocupação desses espaços, ainda que ilegal, é de certa forma
legítima pois os confere um direito constitucional (CLICHEVSKY, 2000). Para Corrêa (2011,
p.47)
“A terra urbana e a habitação são objetos de interesse generalizado,
envolvendo agentes sociais com ou sem capital, formal ou
informalmente organizados. Estabelece-se uma tensão, ora mais, ora
menos intensa, porém permanente, em torno da terra urbana e da
habitação. ”
Por fim, o Estado, agente que desempenha múltiplos papeis na dinâmica da produção do
espaço urbano. Essa multiplicidade comportamental é proveniente do fato de que o Estado
atua como um palco onde diversos interesses que entram em conflito entre si (CORRÊA, 2011).
É inerente ao Estado o poder da implementação de políticas públicas que deveriam atuar em
benefício da população geral, entretanto essa participação se mostra cada vez mais errática e
decrescente, ao passo que o Estado vai perdendo sua autoridade quanto a regulamentação da
ocupação do espaço urbano, cada vez mais regulado pelo mercado imobiliário (FAUSTO E
RÁBAGO, 2001). Isso promove um descontrole com relação a problemas urbanos, a exemplo
dos vazios urbanos, já que, conforme aponta Samson (1980, apud CORREA, 2011), é dever do
Estado controlar o mercado fundiário, e até mesmo se tornar promotor imobiliário através da
aquisição de glebas urbanas, quando o tratamento social igualitário da terra urbana não está
sendo devidamente aplicado por promotores particulares.
Dessa forma, o Estado, que tem a função de produzir imóveis urbanos para aqueles que
necessitam, poderia adotar nos vazios urbanos centrais a política de equidade da terra urbana,
passando a modificar a gestão desses vazios segundo os objetivos políticos e participativos da
população necessitada. Isso demanda um planejamento urbano voltado para identificar as
problemáticas e potencialidades da utilização, e reinserção, dos vazios urbanos centrais na
malha urbana. Sobre os benefícios da aplicação dessa política, Clichevsky (2000, p.02) aponta
que:
“No momento em que se repensa planejamento e gestão urbana, os
vazios urbanos poderiam assumir um papel importante para todos os
segmentos sociais, conforme as políticas que o Estado implemente.
Para os excluídos, um lugar onde viver; para os setores médios,
possibilidades de áreas verdes, equipamento, recreação, etc; para os
que investem nas cidades, acesso à terra para novos usos

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emergentes; para o Estado vendedor de terra, possibilidade de obter
recursos num momento de ajuste fiscal; para a cidade como um
todo, reserva para assegurar sua sustentabilidade e racionalidade do
capital social incorporado não utilizado. ”
Ademais a tudo que foi explanado, indaga-se se devido a consolidação da ocorrência dos
vazios urbanos em áreas centrais da cidade e os impactos que essa problemática acarreta na
dinâmica urbana como um indicador negativo de urbanidade, os próprios vazios talvez tenham
se tornados agentes na produção de novos vazios urbanos, como um processo cíclico. O vazio
urbano seria então um agente espacial na produção de novos vazios urbanos ao passo que,
ainda que em sua imobilidade de ações diretas sobre a malha urbana diferente dos outros
agentes citados anteriormente, os vazios urbanos compõem um visual de abandono e
degradação, que provoca sentimento de insegurança e marginalidade em quem frequenta
aquele espaço, por consequência, a população remanescente iria perdendo continuamente o
sentindo de pertencimento daquele local, visto as condições de urbanidade apresentadas. Esse
processo desencadearia na busca por habitação em outras localidades resultando, mais uma
vez, no enjeitamento de um imóvel central que virá a se tornar um vazio urbano.
O VAZIO URBANO COMO LUGAR DO POSSÍVEL
Diante das características da realidade urbana contemporânea, influenciadas pelos fatores
econômicos, sociais e políticos, bem como mudanças tecnológicas que versam acerca da
produção da cidade, o tema dos vazios urbanos é, por muitas vezes, visto de uma maneira
negativa, quase como uma desagradável prova de que houve uma falha no modelo urbano de
desenvolvimento da cidade.
Entretanto, há quem defenda que as adversidades urbanas sejam parte de um modelo
interpretativo de um conceito cíclico para o desenvolvimento urbano. A tese da
desusrbanização, formulada por Van den Berg, Drewett, Klaasen, Rossi e Vijverberg (1982), diz
respeito ao ciclo de vida urbano e argumenta que as cidades passam por diferentes fases, ao
longo do tempo, sendo estas a urbanização, a suburbanização, a desurbanização e a
reurbanização. Assim, nessa teoria, os vazios urbanos centrais estariam no limiar entre
desurbanização e reurbanização.
A semântica da palavra vazio é heterogênea. Derivada do latim vagus, tem como significado o
que não contém nada ou em que não há ocupantes ou frequentadores, vazio também pode
ser cavidade, cavo, oco. Ao nos referirmos ao urbano, vazio é sinônimo de desocupado,
abandonado, ocioso, despovoado, desabitado, vago, devoluto, vacante, baldio ou subutilizado.
Expressões que conotam um ar negativo e adverso para o lugar que se apresente nesse
estado.
Foi só em 1996, durante um congresso internacional de arquitetura, que se abordou uma nova
ótica para os vazios urbanos. Solà-Morales (1996) definiu vazios urbanos através da expressão
francesa terrain vague, justificando sua escolha em virtude da multiplicidade de significados
que esta expressão permite designar os lugares, territórios e edifícios que desfrutam de uma
dupla condição. O autor defende que vague pode representar o sentido de vago, vazio, livre de
atividade, improdutiva e, em muitos casos, obsoleta. No entanto, vague também pode
representar o sentido de impreciso, indefinido, sem limites determinados, com horizonte de
futuro.
Na ambiguidade defendida pelo autor, terrain vague faz referência ao tempo histórico e é
resultante do encontro entre o passado e o presente, bem como da identidade e da memória
local (ROSA, 2008). Fialová (1996) compactua com o exposto por Solà-Morales e afirma que os

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vazios urbanos são um fenômeno urbano que evidenciam a multiplicidade e diversidade de um
espaço então, para se entender o vazio é preciso entender o lugar onde esse se encontra, sua
especificidade cultural e sua história. A autora acrescenta ainda que os vazios urbanos são
resultantes do encontro entre o passado e o presente, assim como da identidade e da
memória local.
É possível observar, em ambos discursos supracitados, a importância do lugar no
entendimento dos vazios urbanos. Sobre lugar, Serpa (2011, p.99) o aponta que como “lócus
de reprodução da vida cotidiana, permeada por diferentes visões de mundo e diferenciadas
ideias de cultura”, ou seja, é um fenômeno da experiência humana, que reflete o mundo no
qual vivemos. Para o autor, as experiências vividas num lugar é que vão definir a importância e
o significado desse lugar, já que esse é “reflexo e condição para a reprodução das relações
sociais, políticas, culturais e econômicas nas mais diversas escalas de análise, possibilitando
sempre dialetizar a relação socioespacial” (TUAN, 1983 apud SERPA 2011, p.100).
O lugar dos vazios urbanos em estudo é o Centro antigo da cidade de João Pessoa – PB, esse
centro, que não é o geográfico, é o local onde a cidade nasceu, se formou e permaneceu por
quase três séculos. A cidade se expandiu após uma série de reformas urbanas que
possibilitaram essa ocorrência, visto que a forma urbana possui caráter acumulativo, ao passo
que a cidade ia crescendo, foram surgindo novas centralidades. “Essas centralidades são
resultado de um processo lento e cotidiano de apropriação espacial e se traduzem em formas
urbanas com forte identificação com os habitantes dos bairros populares” (SERPA 2011,
p.103).
Serpa aponta que, embora novas centralidades possam surgir ao longo da cidade, é
importante que analisemos os espaços ocultos e residuais, quando afirma que “ é preciso,
pois, debruçar-se sobre essas centralidades nos espaços urbanos residuais e intersticiais, nas
‘sobras’ e nos ‘restos’ de cidade não ‘aproveitados’ pelas estratégias dos agentes hegemônicos
de produção do espaço” (SERPA 2011, p.104).
Essa afirmação nos remonta, mais uma vez, ao conceito de terrian vague, o vazio urbano como
lugar do possível, lugar de encontro entre presente e passado, lugar capaz de modificar e
reurbanizar o espaço intraurbano consolidado. A abordagem de forma positiva dessa
problemática urbana possibilita a construção de um pensamento diferente do que é
observado nos agentes sociais que atuam na malha urbana. Os terrian vague, ou vazios
urbanos, passam de aspectos negativos de urbanidade para espaços com potencial de
reurbanização e de desenvolvimento urbano sustentável.
A respeito disso, Paiva (2011) afirma que o pensamento pelo desenvolvimento urbano
sustentável nasceu com a Carta de Aalborg (1994), que incentivava a urbanidade pela
interação de usos e pela valorização do patrimônio construído já existente, mas em desuso.
Segundo a autora, essa abordagem de desenvolvimento urbano deve ser a utilizada pelo
urbanismo contemporâneo, já que não se pode, nem se deve desperdiçar toda uma rede de
infraestrutura urbana já consolidada. É necessário que haja uma conscientização de um novo
modelo de produção urbana e o pensamento do novo através do reuso.
“Na discussão acerca da dispersão urbana, pergunta-se por que estender e construir a cidade
em locais fora dela se existem vazios, ruínas e imóveis subutilizados nos centros. ” (MASCARÓ,
2001 apud PAIVA 2011, p.6). Os vazios urbanos centrais se encaixam perfeitamente nessa
condição de desenvolvimento urbano sustentável por serem um estoque de glebas que não
desempenham função social, mas que ficam se localizam em áreas que já possuem uma forte
infraestrutura urbana e conectividade viária. É de suma importância destacar que as áreas

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centrais urbanas são localidades complexas e requerem intervenções com abordagens
específicas e respeitosas. Todavia, é inegável considerar a pertinência e a necessidade de
repensar os vazios urbanos como lugar do possível, levando em consideração que a
reutilização de espaços do tecido urbano é a suma interpretação de uma cidade mais
igualitária e sustentável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os vazios urbanos centrais devem ser entendidos como espaços de possibilidade de melhorias
para a cidade. É necessário que se mude a narrativa do caráter negativo dos vazios urbanos e
se passe a interpretá-los como grandes potenciais de desenvolvimento sustentável urbano.
Para isso, todos os agentes que atuam diretamente na manutenção e consolidação dessa
problemática, recorrentemente vista nos centros urbanos, mudem suas estratégias de ação e
produção do espaço urbano.
O modelo capitalista de produção do espaço urbano se mostrou segregador, discriminatório,
elitista e hostil. As cidades são palco do registro da história da sociedade urbana, é vital a
cidade a pluralidade, em todos os aspectos, de sua população, só assim o espaço urbano
manterá a dinâmica necessária para que a cidade pulse, viva. Ela é de todos e todos pertencem
a ela, essa relação funciona de uma maneira intrínseca, por isso o direito a cidade é comum a
todos os seus habitantes.
O papel de regulador desse direito é do Estado e uma forma de regular é através da
intervenção nos vazios urbanos centrais, pois visto que os mesmos possuem o potencial de
desempenhar inúmeros usos na malha urbana, garantindo o acesso, igualitária, da terra
urbana a todos. Desse modo, áreas obsoletas da cidade poderão ser reabilitadas a partir de
seus vazios, não só devido ao fato de que desses serem espaços residuais, mas porque são
espaços qualificados para fazê-lo.
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Limiaridade: processos e práticas em Arquitetura e Urbanismo


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Limiaridade: processos e práticas em Arquitetura e Urbanismo

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