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DIMENSÕES DE CIDADANIA E PRÁTICAS DE CULTURA POLÍTICA NA

GUARDA NACIONAL DA PARAÍBA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX


(1850-1870)

Lidiana Emidio Justo da Costa (História/PPGH-UFPE)


Simone Bezerril Guedes Cardozo (História/PPGH-UFPE)
Orientador: José Bento Rosa da Silva

Palavras-chave: Guarda Nacional, culturas políticas e clientelismo

A Guarda Nacional, criada em 1831, nos moldes liberais da guarda francesa,


com a finalidade de manter a ordem interna no período regencial, é o mote para se
compreender as relações sociais e práticas de cidadania e cultura política no processo de
construção do Estado nacional brasileiro em suas ramificações regionais, notadamente
1
na província da Paraíba. A milícia cidadã caracterizou-se por ter integrado em seus
2
quadros sujeitos considerados cidadãos pela legislação imperial e também por ter nos
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comandos hierárquicos homens que faziam parte de uma elite local.
No presente estudo, procurou-se traçar uma linha investigativa que envolve duas
frentes. A primeira parte de 1850, ano no qual a composição da Guarda Nacional sofreu
modificações em virtude da ​Lei n. 602 de 19 de setembro de 1850, que pretendeu
subordinar a milícia ao ministério da justiça e ao presidente de província. A segunda
está relacionada ao ano de 1870, quando a Guerra do Paraguai chegou ao seu término.
No intuito de compreender o período, buscou-se consultar uma documentação que inclui

1
O uso do vocábulo Paraíba faz referência à província, enquanto a adoção do termo ​Parahyba​, à cidade.
2
A Constituição de 1824, definiu da seguinte maneira o critério de cidadania: o indivíduo do sexo
masculino, que tivesse 25 anos de idade. Essa idade diminuiria para 21, se ele fosse chefe de família e
possuísse uma renda equivalente a cem mil reis anuais. Vale frisar que o critério de renda para compor a
milícia deveria ser de 200 mil reis para o Rio de Janeiro, o Maranhão, São Paulo e a Bahia, e 100 mil reis
para o restante das províncias (CASTRO, 1979 [1977]).
3
É importante ressaltar que ser “qualificado” para integrar a milícia era algo de prestígio quando se
comparava ao temível “recrutamento” para o Exército. O contraste apresenta-se no uso das próprias
nomenclaturas pelos órgãos oficiais do governo – ser um oficial da Guarda era uma condição cobiçada
por muitos figurões paraibanos. Mas, mesmo que a ostentação da patente tenha se tornado uma prática
constante, isso não significava que ocorria um comprometimento com os batalhões pelos quais eram
responsáveis.
4
leis, decretos e relatórios dos presidentes de províncias , bem como os jornais ​O Tempo
(1865-1899) e ​O Publicador (​ 1864), que possibilitaram um acompanhamento do
cotidiano provincial oitocentista e suas vicissitudes.
Embora não seja intenção, neste texto, aprofundar a discussão em torno do
conceito de cidadania no oitocentos, aspectos relacionados ao tema podem ser
vislumbrados no contexto em estudo a partir das “modalidades possíveis de relação
entre os cidadãos, de um lado, e o governo e as instituições do Estado, de outro, além de
valores e práticas sociais definidoras das esferas públicas” (CARVALHO, 2007, p. 11).
Nesse aspecto, são várias as dimensões pelas quais é possível analisar a relações que os
indivíduos estabelecem com o Estado, sejam elas por meio: das instituições como
Exército, Marinha e Guarda Nacional; da participação em associações filantrópicas,
partidos, eleições e parlamento; das revoltas populares ou ainda quando esse cidadão,
conforme analisou Carvalho (2007), é alvo das normatizações do Estado
(recenseamento, recrutamento, dentre outros). Não custa lembrar que esse mesmo
Estado também é responsável pelos mecanismos de cooptação política, “envolvendo
postos na Guarda Nacional, títulos nobiliárquicos e uma infinidade de títulos
honoríficos, comissões” (CARVALHO, 2007, p. 12).
Segundo o pesquisador José Murilo de Carvalho (2007), o ministério conservador,
no poder desde 1848, teve que lidar com uma série de questões, dentre as quais se
destacam: a abolição do tráfico de escravos, a estrutura agrária que desembocou na lei
de terras em 1850, a imigração, além do preenchimento dos cargos de oficiais da
5
Guarda, os quais eram eletivos em seus primórdios . O fato de haver eleições acabava
contrariando o governo central quando os respectivos oficiais não eram alinhados com
seus interesses. Assim, com a ​Lei n. 602 de 19 de setembro de 1850,​ procurou-se dotar o
respectivo governo de ampla jurisdição na distribuição dos citados postos, ou, em outras

4
​A documentação consultada constitui-se dos relatórios, ofícios e avisos expedidos pelas autoridades
provinciais e policiais, as quais podem ser encontradas no Arquivo Histórico Waldemar Bispo Duarte
(AHWBD-PB)
e no site ​Center for Research Libraries ​(​http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial​) no recorte que vai de
1850-1870.
5
É preciso destacar que em 1837 o governo provincial da Paraíba expediu um decreto pondo o processo
de escolha dos oficiais da Guarda Nacional sob a responsabilidade do presidente de província. Mas não
havia sido uma medida como a reforma de 1850 pretendeu ser (COSTA, 2013).
palavras, de um “maior poder de cooptação sobre os proprietários rurais”
(CARVALHO, 2007: 256).
Em 1850, a província da Paraíba encontrava-se, segundo informes de alguns
​ as não era bem isso que constava
presidentes de província, em pleno ​sossego público. M
nos relatórios das autoridades policiais, os quais apresentavam: roubos de cavalos,
6
estupros e mistérios envolvendo o assassinato de um presidente de província. Em meio
a esse cotidiano social agitado e barulhento, havia uma Guarda Nacional ainda mais
7
fragilizada em termos funcionais que em anos anteriores. Um desses presidentes, o
coronel José Vicente de Amorim Bezerra, dizia: “A Guarda Nacional da Província, Srs,
8
se acha em um estado de marasmo, do qual difficilmente será possível salvá-la, [...]”. ​E
sobre a reforma da milícia assim explicou: “A Lei de 19 de setembro do anno passado,
que tem de reforma-la, e organiza-la, vai sendo executada, mas com alguma
9
morosidade”.
Não era novidade que houvesse morosidade na organização da Guarda paraibana,
que, desde sua criação, encontrou inúmeros percalços para o seu funcionamento, sendo
alvo de inúmeras recomendações por parte das autoridades responsáveis (COSTA,
2013). Outra coisa que pouco mudara foi sua composição social. Os guardas cidadãos
convocados para o serviço na milícia eram gente do povo, trabalhavam como
lavradores, porteiros, ferreiros, oficial de sapateiros e pedreiros. Esses sujeitos, com
base na documentação pesquisada, acabavam sendo os mais prejudicados quando o
serviço os chamava. Por outro lado, no que tange ao oficialato da milícia, cabe salientar
que os oficiais, eram ​pessoas abastadas e com projeção social, exercendo cargos de

6
Consultar os relatórios, ofícios e avisos expedidos pelas autoridades provinciais e policiais, as quais
podem ser encontradas no Arquivo Histórico Waldemar Bispo Duarte (AHWBD-PB) e no site ​Center for
Research Libraries (​ ​http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial​) no recorte que vai de 1850-1870.
7
Em pesquisa pioneira sobre a temática na Paraíba, intitulada- ​Cidadãos do império, Alerta! A Guarda
Nacional na Paraíba oitocentista (1831-1850), publicada em 2013, foi feita uma abordagem procurando
compreender a milícia como instituição da ordem e as circunstâncias precárias pelas quais foi formada na
respectiva província, bem como procurou-se refletir para além de uma abordagem política, atentando para
o aspecto social, no qual foi dada acentuada importância para os sujeitos que compuseram os quadros da
milícia e suas ações.
8
Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial da Parahyba do Norte pelo excelentíssimo
presidente da província, o Coronel José Vicente de Amorim Bezerra, 2, ago. 1850. Acesso: 10 de ago.
2018.
9
​Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial da Parahyba do Norte pelo excelentíssimo
presidente da província, o Coronel José Vicente de Amorim Bezerra, 2, ago. 1850. Acesso: 10 de ago.
2018.
negociantes, juízes de paz, negociantes/criadores, administradores/sócios de engenhos e
proprietários de engenhos (COSTA, 2013).
O serviço na milícia se tornava oneroso para os milicianos pobres, que eram
responsáveis pelo sustento de sua família. Muitos acabavam burlando a lei, oferecendo
inúmeras justificativas para não comparecer ao batalhão ao qual estavam alistados ou
10
conseguir uma isenção no serviço ativo. O presidente de província João Capistrano
Bandeira de Mello, observou, após cinco anos de vigência da lei que reformava a
milícia, as dificuldades de se implementar as modificações nos batalhões e companhias,
inclusive por perceber o descaso não só dos milicianos, mas de seus oficiais na
prestação e empenho no serviço da referida instituição:

Noto com pezar, que há grande repugnancia da parte da população para o serviço da Guarda
Nacional. Todos procurão esquivar-se a elle, sendo que, em geral, os
próprios oficiais são os primeiros a dar o exemplo de pouco zelo e
11
interesse por esse serviço.

A impressão do citado presidente de província não é equivocada. A insatisfação


dos guardas teria sido percebida no período inicial de sua formação, no recorte temporal
12
que se estende de 1831 a 1850. Quanto aos oficiais, chama atenção a fala do presidente
provincial em referência à observação de que muitos tinham pouco zelo e interesse pelo
serviço. Nota-se, aliás, que é recorrente nas falas dos presidentes de província a
denúncia a respeito de oficiais pouco cooperativos. No entanto, desde a lei de reforma
da Guarda, o posto de oficial deveria ser ocupado por homens que fossem afinados com
o governo central/provincial, tendo em vista que esta lei trouxe uma maior centralização
no controle desse cargo. Uma hipótese atribuída à demora dos presidentes de província
em disciplinar os comandantes pode estar associada às vinculações sociais e política dos

10
​Uma das justificativas mais recorrentes diz respeito aos relatos sobre “moléstias”. Outros, mais bem
relacionados, optavam por se valer das relações sociais para conseguirem as almejadas isenções, prática
de uma cultura política que estava posta: tratava-se de votantes que sabiam se aproveitar dessa condição
para barganhar apoio daqueles que podiam conseguir a sua dispensa.
11
Exposição à Assembleia Provincial Legislativa feita pelo presidente João Capistrano Bandeira de
Mello, 5 de maio de 1855. Disponível em: ​http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial​. Acesso: 10 de ago.
2018.
12
Para mais informações, ver- COSTA, Lidiana Justo da. ​Cidadãos do império, Alerta! A Guarda
Nacional na Paraíba oitocentista (1831-1850)​. ​João Pessoa: UFPB, 2013.
oficiais com a elite local, partindo do pressuposto de que desde a sua criação, a Guarda
sempre foi uma instituição controlada pelos homens influentes da província.
Como se pode perceber, a intenção da lei de reforma de 1850 teve que enfrentar
os comportamentos arraigados de autonomia dos comandantes da milícia, acostumados
a tirar vantagens pessoais e políticas do cargo. Isso acontecia porque a própria
nomeação que visava diminuir as ingerências dos chefes locais se tratava de “​ uma
decisão que, na prática, levava em consideração a estrutura de poder local à qual as
elites governantes encontravam-se ligadas pelas mais variadas redes” ​(MARTINS,
2007, p. 187). Quando, por exemplo, oficiais aliados ao governo provincial/central,
encontravam-se numa situação de terem que romper o acordo simbólico com seus
correligionários, para demonstrarem seu apoio ao dito governo, eles viam-se postos à
prova, sendo, portanto, possível que burlassem os decretos ou demorassem em
cumpri-los, algo que não seria estranho no contexto em análise.
Ainda no que tange à categoria em questão, é provável que as redes familiares e
suas relações sociais/políticas reforçassem a sua atuação, tendo em vista que existia toda
uma lógica clientelar marcada pela “amizade, parentesco, fidelidade, honra, serviço”
(MARTINS, 2007, p. 169) que dava sustentação a esses oficiais. De acordo com a
pesquisadora Serioja R. Mariano, as redes de relacionamentos da elite paraibana teve
sua origem nos casamentos endógamo, um dos importantes mecanismos de coesão dos
grupos/redes familiares, algo que sofreu uma alteração no século XIX, quando os
partidos políticos entraram em evidência e abriram espaços para os casamentos fora dos
13
círculos familiares.
Tracejando relações com a discussão sobre grupos familiares na província da
Paraíba, cabe mencionar um caso peculiar no que tange ao grupo político (liberal e
conservador). Trata-se do Major João José Botelho, dono do engenho Marés, localizado
14
na freguesia Nossa Senhora das Neves, deputado provincial por duas legislaturas e
casado com D. Maria Francisca Carneiro da Cunha, filha do político e senhor de

13
Ver: DOURADO, Larissa Begano; PEIXOTO, Thayná Cavalcanti. Os Carneiro da Cunha e os Souza
Rangel: culturas políticas e redes de sociabilidades na Paraíba Oitocentista. ​Revista Espacialidades
[online].​ 2017, v. 12, n. 2. p.1-18.
14
O Major João José Botelho integrou a 25º Legislatura (1884-1885) e a 26ª Legislatura (1886-1887).
Consultar: MARIZ, Celso. Memória da Assembleia Legislativa. João Pessoa: [s.n.], 1987
15
engenho, Manoel Maria Carneiro da Cunha . Um detalhe da história familiar de João
Botelho é que seu sogro tinha sido um dos fundadores do Partido Conservador da
província da Paraíba, em 1837 (ROCHA, 2009). O então Major, pelo que se pode
perceber, conseguiu transitar por espaços políticos divergentes, pois os ofícios e
correspondências têm mostrado que, em 1845, fora nomeado pelo presidente de
província Frederico Carneiro de Campo (vinculado ao Partido Liberal) para o comando
16
do Esquadrão de Cavalaria do Engenho de Santo André e, em 1866, foi designado para
exercer o cargo de Juiz Municipal da cidade da Parahyba, pelo vice-presidente Felisardo
Toscano de Brito (um dos mais destacados membros do Partido Liberal). Essa
convivência com pessoas de partidos políticos rivais era algo possível na província da
Paraíba, haja vista as teias familiares e também de amizade que ligavam alguns
membros desses partidos (GRAHAM, 1996).
Nos relatórios dos presidentes de província e nos jornais que circulavam na
província da Paraíba, houve registros sobre a intensa movimentação e organização do
envio de soldados para lutarem no ​front d​ a guerra, bem como dessas relações
turbulentas dos presidentes de província com os oficiais/comandantes da Guarda
17
Nacional. O jornal ​O Tempo em 28 de fevereiro de 1865, criticou o “pouco preparo
18
dos presidentes de província”. ​E em seguida, assim noticiou:

O soldado que marcha constrangido para a guerra, levando consigo o sentimento de agravos por
parte do governo, nunca poderá servir o paiz com a dedicação e
firmeza desejáveis.
Há meses passados, por instigações da Capitania dos Portos, fez-se uma correria nas praias
vizinhas, inclusive a do Cabo Branco, pr’endendo-se vários
19
recrutas.

15
Conforme analisou Serioja R. Mariano, os Carneiro da Cunha dominou durante muito tempo a política
no litoral açucareiro e ainda no ano de 1880 podia-se perceber sua influência no Partido Conservador e de
seus representantes, tais como Silvino Elvídio Carneiro da Cunha (Barão de Abiaí), Anísio Salatiel
Carneiro da Cunha e seus filhos.
16
Ofício de João Botelho Jr. ao Presidente da província, Frederico Carneiro da Cunha, agradecendo por
sua nomeação para o comando do Esquadrão de Cavalaria do Engenho do Engenho de Santo André, em
19 de junho de 1845. AHWBD/PB, Ano: 1845, Cx: 022.
17
O jornal ​O Tempo era de cunho conservador, tendo como proprietário e diretor Joaquim Moreira de
Lima. O periódico começou a ser veiculado no final de 1864, desaparecendo em 1866. (RÊGO FILHO,
1963:14-15).
18
Jornal ​O Tempo (1865-1899). ​Disponível em: ​http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/​. Acesso: 10 de
ago. 2017.
19
Jornal ​O Tempo (1865-1899). ​Disponível em: ​http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/​. ​Acesso: 10 de
ago. 2017.
Para o jornal, o governo da província fechava “os olhos [para os] desmandos e
20
injustiças,” praticados, segundo crítica elabora pelo ​O Tempo,​ por uma classe
dominante que, no intuito de perseguir desafetos políticos, promoviam uma verdadeira
caçada humana nas praias vizinhas, como mencionado anteriormente. Esses recrutas
alvos da ​violência do Estado, observava o jornal, jamais poderão “servir o paiz com a
21
dedicação e firmeza desejáveis”.
22
Ainda sobre o referido período, outro jornal, ​O Publicador, ​no dia 22 julho
1865, noticiou um episódio no qual o recrutador José de Britto Jurema, cidadão ilustre
do termo de Pilar, atendendo a petição do governo provincial no envio de homens para a
Guerra do Paraguai, conseguira a adesão de 50 voluntários para o 1º Corpo de
Voluntários da Pátria, no entanto, destacou a omissão da Guarda Nacional daquele
termo, que deveria fornecer 37 milicianos para o ​front de guerra. O fato é que diante do
comportamento não cooperativo dos milicianos, “forão todos elles presos pelo Sr.
23
Jurema e entregues à presidência”, provavelmente para serem encaminhados para o
campo de batalha.
Sobre o citado episódio, é importante ressaltar que os responsáveis pelo envio de
guardas nacionais para a guerra atrasaram-se em demasia, tendo em vista as
interferências ou “pouco caso” dos oficiais dispostos a não colaborar, ou, em outras
palavras, interessados em “salvar” seus correligionários, havendo ocorrências, como as
que foram relatadas pelo jornal, de guardas serem recrutados contra sua vontade e
mandados para o teatro de operações militares.

20
Jornal ​O Tempo (1865-1899). D​ isponível em: ​http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/​. ​Acesso: 10 de
ago. 2017. Grifos nossos.
21
Jornal ​O Tempo (1865-1899). D ​ isponível em: ​http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/​. Acesso: 10 de
ago. 2017. Mesmo com algumas ressalvas, tendo em vista que o jornal ​O Tempo se tratava de um órgão
oposicionista, vinculado ao partido conservador e querendo legitimar certo discurso, pesquisas recentes
sobre o recrutamento na província da Paraíba têm confirmado a violência e perseguições políticas no que
tange ao envio de soldados para a Guerra do Paraguai (RABELO, 2015).
22
O respectivo jornal era de cunho liberal progressista, tendo sido propriedade de José Rodrigues da Costa
e editado pelo padre Lindolpho José Correia das Neves. É importante destacar que o seu primeiro
exemplar foi publicado em 1 de setembro de 1862. O mesmo deixou de ser veiculado em 1886
(ARAÚJO, 1986, p. 37).
23
O Publicador (1864), disponível em: ​http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/diversos.html​. Acesso:
4 de set. 2017.
Esses cidadãos da Guarda Nacional, que até então eram isentos de servirem no
Exército, viram-se nas malhas do tão temível recrutamento. Sendo assim, a
documentação do período tem evidenciado que muitos oficiais adiaram ao máximo o
envio de guardas sob seu comando. Observa-se que numa sociedade marcada pelo
clientelismo (GRAHAM, 1997) era chegada a hora dos respectivos oficiais mostrarem
seu poder de influência/proteção, nem que para isso tivessem que ir de encontro às
ordens do governo central e provincial, ainda que fossem bem relacionados
politicamente com tais setores, como foi o caso de muitos comandantes considerados
24
pelos presidentes de província pouco cooperativos.
Sobre essas relações clientelísticas, os procedimentos dos oficiais/comandantes da
Guarda Nacional da Paraíba, encarregados de selecionar milicianos que deveriam ser
encaminhados para a corte do Rio de Janeiro e dali enviados para o teatro de operações
da guerra, fizeram parte dos discursos dos presidentes da província da Paraíba. Para este
breve artigo se tomará como exemplo o caso do presidente Odorico de Moura, que, em
25
1865, expôs, na Assembleia Provincial Legislativa da Paraíba, que no ​Alto Sertão, até
o término de sua administração, nenhum miliciano havia sido enviado para a capital da
província. Denunciando, em seguida, que o principal responsável pelo descumprimento
do decreto fora o tenente-coronel chefe do estado-maior, Cândido José de Assis, que,
segundo discurso do respectivo presidente, seria o principal responsável pelo
descumprimento das suas ordens, o qual se comportava de maneira “inconveniente e
26
desrespeitosa [em relação ao] presidente da província”.
É interessante notificar que ao mencionar os nomes dos comandantes não
cumpridores do decreto – o tenente-coronel chefe do Estado-maior, Cândido José de
Assis; o coronel João Dantas de Oliveira (Pombal); e o tenente-coronel Manoel Pereira
27
Borges (Pilar), – o presidente Odorico não dispensou elogios ​àqueles ​que chamou de

24
Relatório dos presidentes da província da Paraíba, Guerra do Paraguai (1865-1870). Disponível em:
http://www.crl.edu/brazil/provincial/para%C3%ADba​. Acesso: 10 de ago. 2018.
25
Exposição do presidente da província da Paraíba Odorico de Moura a 2 de julho de 1865, (u 501).
Disponível em: ​http://www.crl.edu/brazil/provincial/para%C3%ADba​. Acesso: 10 de ago. 2018.
26
Exposição do presidente da província da Paraíba Odorico de Moura a 2 de julho de 1865, (u 501).
Disponível em: ​http://www.crl.edu/brazil/provincial/para%C3%ADba​. Acesso: 10 de ago. 2018. Grifos
meus.
27
Exposição do presidente da província da Paraíba Odorico de Moura a 2 de julho de 1865, (u 501).
Disponível em: ​http://www.crl.edu/brazil/provincial/para%C3%ADba​. Acesso: 10 de ago. 2018.
28
“solícitos no fiel desempenho das ordens​” , que teriam sido: os tenentes-coronéis José
Gonsalves de Lima, João Cavalcante d’ Albuquerque Vasconcellos, Targino Candido
das Neves, Antonio Camillo de Hollanda, Antonio Quirino de Souza e José Fernandes
29
de Carvalho, . Tal constatação dá a entender que mesmo que houvesse os comandantes
pouco cooperativos, havia aqueles que eram solícitos no atendimento concernentes aos
interesses da pátria. Por outro lado, em nenhum momento, na exposição de sua
prestação de contas ao governo central, o presidente Odorico relatou qual teria sido a
punição adotada contra os oficiais que não colaboraram – afinal, tal medida seria uma
atribuição sua.
A despeito dos casos de comandantes pouco solícitos, a pesquisadora Aline
Goldoni (2010) analisou que durante a Guerra do Paraguai o relacionamento
cooperativo entre os potentados locais e o estado foi esgarçado. Afinal, “o governo
mudara seu comportamento no acordo informal que anteriormente garantia a
30
cooperação da milícia” (GOLDONI, 2010, p. 16).
Nos relatórios e ofícios dos presidentes de província da Paraíba, como ilustrou o
caso do presidente Odorico de Moura, houve muita insatisfação com a pouca
cooperação em relação ao envio de guardas nacionais para o conflito. Provavelmente, as
atitudes de alguns comandantes tinham uma razão, a intenção não era simplesmente
contrariar o governo, mas ao mesmo tempo, também não pretendiam deixar seus
correligionários descontentes. O que estava em jogo eram suas capacidades de
intervenção.
Em meio a esta disputa de forças entre presidentes de províncias e oficiais,
puderam ser identificados alguns casos de punições operados pelos conselhos de
disciplinas para os chamados de pouco cooperativos. Um deles ocorreu no ano de 1867,
com o capitão da 2ª Companhia do 4º Batalhão da Guarda Nacional, Francisco Luiz

28
Exposição do presidente da província da Paraíba Odorico de Moura a 2 de julho de 1865, (u 501).
Disponível em: ​http://www.crl.edu/brazil/provincial/para%C3%ADba​. Acesso: 10 de ago. 2018.
29
Exposição do presidente da província da Paraíba Odorico de Moura a 2 de julho de 1865, (u 501).
Disponível em: ​http://www.crl.edu/brazil/provincial/para%C3%ADba​. Acesso: 10 de ago. 2018.
30
Essa afirmação da autora corrobora com o que vinha acontecendo na província da Paraíba, sendo
possível que o comportamento dos comandantes da Guarda Nacional paraibana, responsáveis pelo
alistamento de milicianos para o Exército, tivesse sentido ao ver a “sua autoridade ameaçada por
demandas externas” (GOLDONI, 2010, p. 16).
Nogueira de Moraes, “pelos embaraços que o mesmo capitão opunha ao cumprimento
31
das ordens do governo, em bem da remessa do contingente de Guerra”. Situação
semelhante vivenciou o capitão João Cavalcanti Tavares de Mello, da 2ª Companhia do
32
Batalhão n. 25. Percebe-se que essas punições não aconteciam com ​frequência​, todavia
serviam como um alerta para os oficiais omissos no que tange ao envio de guardas
nacionais, bem como era uma forma dos presidentes se imporem a uma cultura política
clientelística que eles também conheciam e integravam.
O que se pode considerar a respeito dos comportamentos aqui apresentados é que
tais condutas justificam-se quando se percebe que o que estava em questão era a
afirmação social e política desses oficiais perante os seus concidadãos, também seus
correligionários. No entanto, tal proceder acabava ocasionando, como se pode ver,
conflitos com os interesses do governo local, que, por sua vez, sentia-se pressionado
pelo governo central para ser eficaz. Todavia, as teias de relacionamentos que ligavam
os oficiais aos seus concidadãos/correligionários, em determinados momentos, eram
33
provadas e tinham que garantir a proteção.
Os flagrantes documentais têm possibilitado uma reflexão sobre a ​Lei n. 602 de 19
de setembro de 1850​, no aspecto que procurou subordinar a milícia ao ministério da
justiça e presidente de província. Com a modificação, era evidente, da parte do governo
central, o interesse em ter nos comandos da guarda nacional oficiais afinados com o
governo central. Porém, o que se tem percebido é que na frincha do cotidiano paraibano,
não foi bem isso que ocorreu. As dificuldades relatadas pelas autoridades provinciais
devem ser consideradas - a respeito dos oficiais pouco colaborativos e leais, o contrário
do que se desejava. Por outro lado, é questionador o fato dos presidentes de província

31
Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial da Paraíba pelo presidente Almeida Mello.
22 abr. 1867. Disponível em: ​http://www.crl.edu/brazil/provincial/para%C3%ADba​. (503u). Acesso: 10
ago. 2018.
32
Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial da Paraíba pelo presidente Almeida Mello.
22 abr. 1867. Disponível em: ​http://www.crl.edu/brazil/provincial/para%C3%ADba​. (503u). Acesso: 10
ago. 2018.
33
​Cabe reforçar que o recrutamento se tratava de uma prática recomendada pelas autoridades, mas nem
todas as pessoas recrutáveis aceitavam-no passivamente. Nesse sentido, impedir que um
indivíduo/correligionário fosse isento do recrutamento denotava prestígio e poder por parte de quem o
conseguia (KRAAY, 1999; MENDES, 2010). Observa-se, dessa forma, práticas de uma cultura política,
seja na atitude dos comandantes de burlar a lei e proteger um guarda nacional, seja nos conflitos/embates
desses comandantes com o governo provincial.
terem uma postura pouco enérgica com “os poucos solícitos”, pois as fontes evidenciam
que um número reduzido de oficiais passaram pelo conselho de disciplina, sendo
revelador o fato de que isso pode estar ligado às relações entre os grupos sociais e
políticos por onde esses oficiais transitavam. É uma hipótese a ser aventada, haja vista
as teias de relacionamentos que eles estavam envolvidos, como bem ilustrou o caso do
Major João Botelho, o qual conseguia transitar pelos grupos liberal e conservador,
adquirindo cargos e privilégios.
As pesquisadoras Linda Lewin (1993) e Serioja Mariano (2005) corroboram nesse
entendimento quando analisaram que as relações sociais/políticas das elites paraibanas
passavam pelos arranjos e alianças familiares entre os grupos políticos. Graham (1997)
acrescentou ainda as relações de amizade. As alianças e estratégias construídas por
setores da elite paraibana para ocuparem cargos de prestígio e poder através de
casamentos intraelites acabavam trazendo benefícios futuros​, como cargos políticos e
até nomeações na Guarda Nacional. Dessa maneira, pode-se considerar que as possíveis
tentativas para se punir os oficiais pouco prestativos encontrassem empecilhos no que
tange às suas redes de influência política na província, já que estes postos eram
distribuídos pelo governo a pessoas influentes no intuito de garantir sua cooptação, algo
que funcionava, mas às vezes era burlado pelos oficiais, como se pode ver. Assim, ainda
que alguns presidentes de província tivessem a intenção de racionalizar a administração
local, eles chegavam a mesma conclusão que sobreveio ao vice-presidente Dr. Manoel
Clementino Carneiro da Cunha: “em geral parece, que se considera o serviço da Guarda
Nacional mais como um recurso para distribuir graças e favores [e] conseguir influência
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nas localidades”.
Notadamente, como se pode discutir até o momento, havia práticas de uma cultura
política paraibana marcada pelo clientelismo, com atitudes e comportamentos
partilhados entre membros de determinados segmentos sociais, como bem entendeu
Rodrigo Patto Sá Motta (2009). Afinal, era preciso dar continuidades aos arranjos,
pactos e mercês, alterar isso era perder apoio político e, consequentemente, atrair

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Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial da Paraíba pelo vice-presidente, Dr. Manoel
Clementino Carneiro da Cunha, em 1 de agosto de 1857. Disponível em:
http://www.crl.edu/brazil/provincial/para%C3%ADba​. Acesso: 10 ago. 2018.
prejuízos para a governabilidade. E, ao mesmo tempo, tinha-se, a partir das relações do
indivíduo com o Estado, vivências de cidadania construída e ordenada pelas teias de
cooptações políticas.
No caso da Guarda Nacional, os postos de oficiais/comandantes demarcavam a
influência política dos sujeitos que os ocupavam, exigindo deles que demonstrassem sua
capacidade de intervenção. Afinal, os seus concidadãos e correligionários inseridos
naquela sociedade oitocentista também barganhavam o seu apoio e lealdade, buscando
em troca ao menos a proteção. Os inúmeros reclames a respeito dos oficiais pouco
empenhados no cumprimento do envio de milicianos sob sua autoridade para a Guerra
do Paraguai são reflexos de uma prática política marcada pela não pretensão de romper
acordos simbólicos estabelecidos. Portanto, “[...] Clientelismo significava tanto o
preenchimento de cargos governamentais quanto a proteção de pessoas humildes,
mesmo os trabalhadores agrícolas sem terra [neste caso, os guardas cidadãos]”
(GRAHAM, 1997, p. 16 [Grifos nossos]).
REFERÊNCIAS

a) Fontes documentais e eletrônicas

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http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/diversos.html​. Acesso: 10 de ago. 2018.

Jornal ​O Tempo (1865-1899). ​Disponível em:


http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/​. Acesso: 10 de ago. 2018.

Relatórios dos presidentes de província da Paraíba. Disponível em:


http://www.crl.edu/brazil/provincial/para%C3%ADba​. Acesso: 10 de ago. 2018.

b) Referências bibliográficas

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Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
COSTA, Lidiana Justo da. ​Cidadãos do Império, Alerta! A Guarda Nacional na Paraíba
oitocentista (1831-1850)​. ​João Pessoa: UFPB, 2013.

GRAHAM, Richard. ​Clientelismo e Política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro:


UFRJ, 1997.

LEWIN, Linda. ​Política e Parentela na Paraíba:​ um estudo de caso da oligarquia de


base familiar. Tradução: André Villalobos. Rio de Janeiro: Record, 1993.

MARIANO, Serioja R. C. ​Gente opulenta e de boa linhagem​: família, política e


relações de poder na Paraíba. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 2005.

MOTTA, Rodrigo Pato (org.). ​Culturas Políticas na História​: novos estudos. Belo
Horizonte: Argumentum/FAPEMIG. 2009.

RABELO, Juliana. Resistência ao recrutamento militar na província da Paraíba durante


a Guerra do Paraguai (1864-1870). ​XXVIII Simpósio Nacional de História. Lugares dos
historiadores: velhos e novos desafios.​ 21 a 31 de julho de 2015. Florianópolis-SC.
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ROCHA, Solange. ​Gente Negra na Paraíba Oitocentista: população, família e
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