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Resenha: GRINBERG, Keila e SALLES, Ricardo. (Orgs.

) O Brasil Imperial
(1808-1889). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 1, pp. 175-206, 2009. Política
Indigenista no Brasil Imperial. Patrícia Melo Sampaio (UFAM)

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Karen Kristina Araújo Vasconcelos

O texto já inicia nos deixando a par de que, cabia aos missionários a tarefa
relativa à catequese e à educação dos indígenas, enquanto os outros funcionários
imperiais se encarregariam da vida cotidiana, incentivando o cultivo de alimentos,
monitorando os contratos de trabalho, mantendo a tranquilidade e polícia dos
aldeamentos, regulando o acesso de comerciantes, contactando índios ainda não-
aldeados. No mesmo momento em que o Estado sancionava ‘guerras ofensivas’ contra
os indígenas em diferentes cantos do país, reivindicava-se um passado comum, mestiço,
para destacar a identidade desta nova nação brasileira no contexto da separação política.
Tal plano jamais ficou pronto, porém, como disse Monteiro: “se algumas das posturas
enviadas como sugestões para um plano de civilização foram de fato incorporadas à
legislação que orientava a política indigenista do Império persistiria ainda por muito
mais tempo a cisão entre aqueles que defendiam políticas filantrópicas e outros que
subscreviam a práticas agressivas”.

De acordo com Marta Amoroso, entre 1845 e o início do século XX, “o


indigenismo brasileiro viveu uma fase de total identificação com a missão católica” e
será com as ordens religiosas que o Estado irá dividir os encargos relativos à questão
indígena. Em que pese o empenho da nova administração regencial, Beozzo ressalta que
a ação missionária nunca se interrompeu totalmente e, nas primeiras décadas do século
XIX, apesar do estado de “abatimento” das ordens, missionários carmelitas e
capuchinhos prosseguiram seu trabalho em aldeamentos espalhados em vários pontos do
Império, a autora acredita que, neste novo contexto, ao contrário do período colonial,
não havia vozes ou projetos dissonantes devido à expulsão das ordens religiosas ainda
na segunda metade do século XVIII. Tal definição está articulada à de indigenismo, isto
é, o “conjunto das ideias relativas à inserção dos povos indígenas em sociedades
subsumidas a estados nacionais, com ênfase especial na formulação de métodos para
tratamento das populações nativas operados, em especial, segundo uma definição do
que seja índio”. Afinal, do ponto de vista da legislação indigenista, desde finais do
século XVIII já não era mais possível olhar as populações indígenas aldeadas de modo

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Licencianda em História, na Universidade Federal do Acre, karen.vasconcelos@sou.ufac.br
homogêneo, supostamente envolvidas pelo manto da mesma ação estatal porque,
naquele momento, ocorreram mudanças importantes no cenário da política indigenista
colonial; Parte da historiografia já se dedicou a analisar, entre outros problemas, as
formas pelas quais esse corpus legal impactou a vida das populações nativas e também
suas muitas formas de reapropriação, ainda que efetivadas em contextos subordinados.

A Carta Régia de 12 de maio de 1798, mais que abolir o Diretório, inaugurou um


outro momento na legislação indigenista implantando novos modelos para regular as
relações entre as populações nativas (aldeadas ou não) e o mundo colonial, sendo ela
própria elaborada em 14 estreita consonância com as questões locais. Seu autor, o
governador do Grão-Pará e Rio Negro, Francisco de Souza Coutinho, ancorou a
proposta em várias observações sobre o cotidiano do Diretório, as demandas de índios,
moradores e outros agentes coloniais, além de suas próprias tentativas de intervenção na
questão do acesso regular ao trabalho indígena. As distinções político-administrativas
permitem chamar a atenção para o fato – ainda usualmente ignorado por certos setores
historiográficos – de que a colônia “brasileira” não se constituía em uma unidade no
século XVIII e nem nas primeiras décadas do século XIX, a decisão, tomada pelo
Imperador e seu Conselho de Procuradores durante a sessão n.º 16 em 23 de setembro
de 1822, e, posteriormente, transformada em decreto imperial, tal decisão pode
significar que o Diretório dos Índios só foi extinto no Brasil em 1822 após ter vigorado
por mais de duas décadas além do que se verificou no Grão-Pará. Se a decisão do
Conselho de Procuradores possuía alguma eficácia, as outras medidas legais, levadas a
cabo até aquele momento e que propugnavam a manutenção de mecanismos
administrativos do Diretório, podem ser consideradas ajustadas ao corpo legal do Brasil.
Quanto à circulação da Carta de 1798, esta foi a leitura feita a partir do Conde de Aguiar
que, em 24 de maio de 1811, registrou que ele a recebeu quando ainda estava no
governo da Bahia e acreditava que a tivessem recebido “todos os mais Governadores e
Capitães Generais do Brasil para que a executassem em tudo a que pudesse ser
aplicável”. A ênfase na diversidade das experiências nativas pode nos permitir
contextualizar melhor a profusão de normas, decretos, leis, regulamentos, entre outros
instrumentos normativos, de abrangência restrita ao âmbito das províncias que, de certa
forma, deram o tom da diversidade da legislação indigenista do século XIX e que não
perderam as conexões de diálogo com as diversas experiências coloniais.

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Licencianda em História, na Universidade Federal do Acre, karen.vasconcelos@sou.ufac.br
Lendo o Regulamento das Missões de 1845, embora os especialistas
reconheçam que o Regulamento se constituiu na espinha dorsal da legislação indigenista
do Brasil imperial, a emergência desta legislação que ainda permanece envolta na
obscuridade e, por esta mesma razão, excita a nossa curiosidade. Afinal, em várias
outras, os missionários assumiram integralmente as tarefas de gestão dos aldeamentos e
seria oportuno realizar uma leitura mais fina quanto aos impactos dessas novas
modalidades de intervenção combinando-as com as leituras correntes na historiografia a
respeito dos resultados da política indigenista imperial. De modo geral, uma das
principais características dos estudos existentes é a leitura verticalizada sobre
determinados grupos étnicos e/ou regiões do Império e a forma pela qual estas
populações agiram/reagiram no contexto mais amplo de execução do Regulamento de
1845.

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Licencianda em História, na Universidade Federal do Acre, karen.vasconcelos@sou.ufac.br

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