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23 a 26 de novembro de 2021
UFMA, São Luís (MA)
Evento online
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INTRODUÇÃO
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sofria influências múltiplas de vários reinos. Do ponto de vista de Cardoso (2011,
p.320)
esse território era quase sempre identificado como zona de transição, nem
propriamente parte formal do Estado do Brasil, nem ainda Índias de Castela.
Mesmo sem definição formal, estamos falando de uma área que
corresponderia mais ou menos aos atuais Estados ‘brasileiros’ de Pará,
Amazonas, Acre, Amapá, Tocantins, Piauí, Maranhão e Mato Grosso (ao
Norte do paralelo 16º). Além disso, em certos períodos do século XVII
também fazia parte do Maranhão o Ceará, este último considerado a
fronteira natural do Estado do Brasil. Quase toda essa região está
localizada a Oeste do meridiano de Tordesilhas, limite que começava a ser
francamente ignorado. (CARDOSO, 2011, p.320)
É importante destacar que o papel dos índios foi tema de debate desde
que os europeus desembarcaram nas Américas. Os posicionamentos e legislações
referentes aos nativos sempre foram ambíguas e aplicadas de acordo com o
entendimento de cada região. O Diretório (1757), assim como as disposições
anteriores, tentou integrar os indígenas e atender as demandas dos colonos ao
mesmo tempo, resultando em práticas diversas.
As reformas pombalinas podem ser divididas em duas etapas diferentes.
A primeira etapa refere-se à publicação de três legislações em 1755 que tratavam da
temática indígena. São elas: O Alvará de 4 de abril de 1755, que incentiva o
casamento entre índios e brancos, a Lei de Liberdades de 06 de junho de 1755, que
concedia plena liberdade aos índios com relação a suas pessoas, bens e comércio.
A última lei, e a mais presente no documento analisado, o Alvará de 07 de junho de
1755, aboliu o poder temporal dos missionários sobre os nativos, e determinou que
estes fossem preferidos para ocupar os cargos de vereadores e oficiais de justiça e
ordenança (MOREIRA, 2019, p. 145).
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Sobre essa legislação, avalia-se que a metrópole portuguesa tinha dois
objetivos principais: garantir a posse do território e tornar os índios iguais, ao menos
juridicamente, aos brancos. Esses dois objetivos estavam correlacionados, tendo
sido traçados após o Tratado de Madrid (1750). Como caracteriza Domingues (2019,
p. 135)
a validade das pretensões portuguesas sobre esses territórios dependia da
ocupação efetiva que sobre eles estivessem estabelecido. E isso só podia
acontecer através da promoção – e também da desejada transformação –
dos índios em verdadeiros vassalos, fiéis e úteis perante a evocação do
princípio jurídico de uti possidetis, ita possideatis, tal como estava previsto
no texto do Tratado de Madrid de 1750, dando-se assim legitimidade e
consistência a soberania portuguesa. (DOMINGUES, 2019, p. 135).
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APEM. Livro de Registros de Fundações, Ereções e Posses de Vilas (1757-1767), folha nº 10. Grifo
nosso.
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Tabela 1 – Substituição dos antigos nomes por nomes portugueses
Nome da Aldeia Nome da Vila Data de Fundação
Aldeia de Tutóia Viçosa de Tutoia 01/08/1758
Aldeia de Maracu Viana 08/07/1757
Aldeia de Carará Monção 16/07/1757
Aldeia da Doutrina Vinhais 01/08/1757
Aldeia da Fazenda Guaramiranga Guimarães 19/01/1758
Fonte: DORNELLES, 2021.
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ATJM. Autos Cíveis. Comarca de Viana. Autos de inventário da Índia Gertrudes. 06.04.1772
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Almeida (2010, p. 109) ressalta que o Diretório manteve as diretrizes
básicas das legislações anteriores, como a divisão dos índios nas categorias de
mansos e selvagens, a obrigação do trabalho compulsório para os aldeados e a
garantia das terras das aldeias para os índios.O Diretório retomou, também, a ideia
de que os índios precisavam de tutela, pois eram supostamente incapazes de se
autogovernarem. A tutela, que antes era religiosa, passou a ser temporal, e mais
uma vez os índios passaram a estar, juridicamente, sob o domínio de um diretor,
exterior a sua comunidade. Almeida (2010, p.112) ainda alega que
considerou-os rústicos, ignorantes e sem aptidão para o governo. Por essa
razão decidiu-se colocar em cada uma das povoações, enquanto os índios
não pudessem governar, um Diretor cuja função seria de dirigir todas as
atividades dos aldeados (ALMEIDA,2010, p.112).
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arroz, exportado para Portugal pela Companhia de Comércio do Grão Pará e
Maranhão, criada por Marquês de Pombal em 1755. Além disso, ao contrário do que
a historiografia tradicional generalizou como se tivesse sido uma realidade em todas
as capitanias, os africanos escravizados, trazidos pela Companhia de Comércio, não
substituíram de imediato a mão de obra indígena no século XVIII, que continuou
sendo a principal força de trabalho até o século XIX no Maranhão.
Inseridos em uma sociedade altamente hierarquizada do Antigo Regime,
os índios na capitania do Maranhão exerceram papéis bastante complexos. Ao
contrário do que a literatura clássica indigenista afirma, as experiências dos povos
indígenas nunca foram homogêneas e para além da divisão feita pelos
colonizadores entre “selvagens” e “aliados”, “escravizados” ou “livres”, muitos índios
se apropriaram das leis coloniais e através do trabalho se incluíam nas redes
econômicas.
No Livro de Registro de Notas da Comarca de Viana (1776-1791)do ATJM
é possível observar que os índios moradores da Vila de Viana realizavam transações
comerciais de bens diversos, inclusive tomavam posse de escravizados. Segundo
Dornelles (2021, p.14) “na escritura de venda da escrava Joana, do gentio de Cabo
Verde, o comprador foi o índio Lourenço Martins, que arrematou a mesma pela
quantia de r$ 90.000”. Esse aspecto revela um alto nível de inserção e articulação
dos nativos nas relações econômicas da sociedade colonial que se forjava, pois
adquirir escravos dentro dessa lógica significava ter poder. Já os autos de inventário
da índia Gertrudes revelam que esta possuía muitos bens, inclusive dívidas com
Felipa Pereira, também índia e moradora da Vila de Viana. Esse não é um caso
isolado em que índios compravam, vendiam e acumulavam bens, apesar de estarem
sob o regime de tutela, isso não impedia completamente suas movimentações e
negociações.
Questões sobre fronteiras, territórios e suas “rendas”, de suma
importância para a Coroa Portuguesa, também estão exemplificadas no Livro de
Registros a seguir
e.
Por ser conforme as Reaes ordens que S. Mag. foy servido e expedir para
ar.
o estabelecimento deste Est.º e conveniente ao bem comum e p dos
moradorez delle que se destinem terrenos competentes para oz
Logradouros das Povoações para as rendas das suas respectivas Cameras,
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para as cozas doz seus moradores, e para os Limitezdoz seus destrictos.
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APEM. Livro de Registros de Fundações, Ereções e Posses de Vilas (1757-1767). Folha nº 80.
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Desse modo, ao contrário do discurso sobre a inadaptabilidade indígena
nas vilas pombalinas que teve ecos na historiografia maranhense do século XX, é
possível constatar que a política do Diretório atraiu novos habitantes, índios e
brancos para as vilas. Estas vivenciaram momentos de prosperidade econômica
graças ao trabalho desempenhado pela mão de obra indígena. Como aponta
Dornelles, (2021, p.322)
(…) é possível observar que sujeitos e coletividades indígenas possuíam
destacado interesse nas atividades produtivas e mercantis da colônia. [...]
Assim, as comunidades indígenas parecem ter construído espaços de
considerável dinamismo econômico, de relativa prosperidade no universo
colonial, contrastando com os discursos de pobreza e de incapacidade para
a administração desses sujeitos defendida por atores contemporâneos e
ignorada pela historiografia maranhense. (DORNELLES, 2021, p. 322).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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objetivo da Nova História Indígena que nos últimos 40 anos têm procurado investigar
e trazer à tona a atuação dos indígenas, que foram sistematicamente apagados das
construções historiográficas nacionais, quando não viraram mitos. Relegados a um
passado eterno e imutável, os índios teriam sido completamente subjugados pelos
“poderosos” portugueses.
Ao analisar documentos primários, mesmo os já estudados, pode-se obter
um novo olhar sobre o papel que os povos originários desempenharam na formação
do Brasil e de sua identidade. Essa atuação era ativa e importante, ao contrário da
imagem passiva que parece imperar no senso comum. Os índios eram
indispensáveis para os planos de conquista das Coroas Ibéricas, foram as “muralhas
do sertão” que garantiram as fronteiras, que extraíam as “drogas do sertão”,
plantavam, colhiam e possibilitavam o enriquecimento de colonos, nobreza e reinós.
Reavaliar e reescrever a história indígena é redescobrir a própria história
do Brasil, encarando a real dimensão da participação de vários povos, que durante
muito tempo permaneceram indevidamente nas sombras de uma história que
exaltava os conquistadores europeus. Enquanto os povos nativos eram tachados de
preguiçosos e selvagens. A presente pesquisa permitiu vislumbrar, mesmo que
minimamente, quais eram os papéis dos indígenas na sociedade colonial que se
forjava.
REFERÊNCIAS
Fontes
Livro de Registro de Ereções, Fundações e Posses de Vilas (1757-1767). Arquivo Público
do Estado do Maranhão.
Arquivo do Tribunal da Justiça do Maranhão. Inventários e Testamentos Comarca de Viana.
Autos Cíveis. Comarca de Viana. Autos de inventário da Índia Gertrudes. 06.04.1772.
Livro de Registro de Notas da Comarca de Viana (1776-1791).
Bibliografia
ALMEIDA, Maria Celestino De. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: 2010.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Atuações dos indígenas na História do Brasil:
revisões historiográficas. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, 2017, v. 37 nº 75 .
págs. 17-38
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CARDOSO, Alirio. A conquista do Maranhão e as disputas atlânticas na geopolítica da
União Ibérica (1596-1626). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 31, n. 61, p. 317-
338, 2011. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rbh/a/pzKp7ZVSm4NZkHLB8JqvZGL/?format=pdf&lang=pt.. Acesso
em: 12 out. 2021.
COSTA, J. P. P. “Que fique a dita vila na mesma tranquila posse” : sobre a viabilidade
política e financeira das câmaras municipais de vilas de índios no Ceará
oitocentista. Sæculum – Revista de História, [S. l.], v. 26, n. 44, p. 423–440, 2021.
Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/srh/article/view/57207. Acesso em: 27
ago. 2021.
DIRETÓRIO que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará e Maranhão,
enquanto Sua Majestade não mandar o contrário. Diretório dos Índios 1757.
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