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I Fórum Internacional Indígenas na História

23 a 26 de novembro de 2021
UFMA, São Luís (MA)
Evento online

Simpósios Temáticos: História Indígena e os mundos do trabalho


PARTICIPAÇÃO INDÍGENA NAS VILAS POMBALINAS DA CAPITANIA DO
MARANHÃO (1767
(1767-1787): Protagonismo,Trabalho, Política e Economia

Mayara Silva Ferreira


Universidade Federal do Maranhão/Bolsista PIBIC
PIBIC-FAPEMA
FAPEMA

Louyse Sousa Silva


Universidade Federal do Maranhão/Voluntária PIBIC
PIBIC-FAPEMA
FAPEMA
Resumo

O protagonismo indígena nas Vilas de Índios da capitania do Maranhão na segunda


metade do século XVIII no contexto do Diretório pombalino caracterizam a temática
do presente trabalho. O Diretório pombalino foi uma das reformas implementadas
por Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, em 1757 tendo em
vista um maior controle e ocupação das fronteiras portuguesas após assinatura do
Tratado de Madrid (1750). Antigas aldeias e missões religiosas que mantinham a
tutela dos índios considerados “aliados” da Coroa portuguesa foram elevadas à
categoria de Vilas e Lugares segundo a nova legislação, que possuía 95 artigos
norteadores da política indigenista e do mundo colonial. Nesse contexto, é
imprescindível a adesão dos índios e sua conversão em súditos fiéis ao Rei
português, por isso a lei também previa que estes pudessem ocupar cargos políticos
nas câmaras municipais. Mas é nas principais atividades econômicas que a força de
trabalho indígena vai ser indispensável para que o empreendimento colonial avance.
Para entender os impactos da política pombalina nas relações econômicas, de
trabalho e sociais dos índios recorremos a fontes de cunho administrativo
encontradas no Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM) e no Arquivo do
Tribunal de Justiça do Maranhão (ATJM), que até então não tinham sido utilizadas
para este fim pela historiografia. O livro “Registros de Fundações, Ereções e Posses
de Vilas (1757-1767)”, fonte encontrada no APEM, demonstra que os índios
continuaram sendo explorados como mão de obra na agricultura, pecuária e
construção de embarcações nas Vilas e Lugares da Capitania do Maranhão. Por
outro lado, localizamos sujeitos indígenas ocupando cargos de vereadores em
câmaras municipais de diversas regiões. Sendo assim, é possível trazer à tona o
protagonismo indígena na história da formação de Vilas que mais tarde se tornaram
centros urbanos no estado. Essa reavaliação da atuação indígena está embasada
na Nova História indígena, abordagem surgida em meados dos anos 1980 que
busca tirar das sombras sujeitos tão atuantes na história do Brasil. A apresentação
dessas evidências também é fundamental para o reconhecimento dos territórios
indígenas e para o regaste de identidades étnicas que foram alvos do processo
assimilacionista da colonização.

Palavras-Chave: Vilas de Índios. Maranhão Colonial. Diretório Pombalino.


Protagonismo indígena.

2
INTRODUÇÃO

Primeiramente, destaca-se, que este trabalho é fruto de um projeto do


Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) coordenado pela
professora e doutora Soraia Sales Dornelles, entre agosto de 2020 e agosto de
2021. Os projetos de iniciação são fundamentais para a inserção dos graduandos no
universo da pesquisa acadêmica e para a renovação do conhecimento. O campo da
História não está isento de inovação e redescobertas, e o desenvolvimento desta
pesquisa é um exemplo. Posto isso, este trabalho teve como foco a participação dos
índios na formação de Vilas na Capitania do Maranhão, que antes eram aldeias e
missões jesuíticas, mas que foram transformadas pela política do Diretório
pombalino na segunda metade do século XVIII.
No universo administrativo da América Portuguesa o território brasileiro foi
subdividido, ainda no século XVII, em dois espaços: o Estado do Brasil e o Estado
do Grão Pará e Maranhão (anteriormente Maranhão e Grão Pará), que era
independente do vice-reinado do Brasil desde 1621 (DOMINGUES, 2019, p.132). Os
Estados também eram espaços subdivididos em cidades, vilas e lugares, que
podiam ter uma maior população branca, indígena ou mestiça. Com a ascensão de
D. José I ao trono de Portugal e suas possessões no ultramar, uma série de
reformas foram promovidas, a maioria delas foi liderada por seu secretário de
Estado, Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal.
Ainda Segundo Domingues (2019, p. 130), em concordância com Nuno
Leal Monteiro, as medidas reformistas se iniciaram ainda durante o reinado de D.
João V, quando foi criado o Conselho de Estado, e visavam uma concentração de
poderes, um Estado-nação unificado ao serviço da monarquia e prosperidade. Para
este fim, era indispensável o desenvolvimento da América Portuguesa e delimitação
de suas fronteiras, consequentemente precisavam do apoio dos povos indígenas e
sua assimilação dentro da sociedade colonial portuguesa. O tema das fronteiras
ganhou força com o Tratado de Madrid (1750), que garantia a posse do território
para a Coroa que conseguisse povoá-lo. Para assegurar a efetividade de seus
objetivos no Estado do Grão Pará e Maranhão, ele nomeou como governador seu
irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
Nesse contexto, foi promulgado em 1757, o Directório que se Deve
Observar nas Povoações de Índios do Pará e Maranhão enquanto Sua Majestade
3
não Determinar o Contrário. Assim como as disposições anteriores, tentou integrar
os indígenas e atender as demandas dos colonos ao mesmo tempo, resultando em
práticas diversas. Entre essas práticas, pode-se frisar, a expulsão dos jesuítas da
capitania, que até então eram responsáveis pela tutela dos índios aldeados, a
transferência do poder temporal para as câmaras municipais e a elevação das
antigas aldeias e missões religiosas à categoria de Vilas ou Lugares.
O Diretório resgatou o direito de tutela dos índios do Regimento das
Missões (1686) e criou o cargo de Diretor que devia exercer o controle dos nativos
até estes se tornarem supostamente civilizados o suficiente para se
autogovernarem. Por outro lado, o artigo nove do Diretório declarava que os índios
poderiam participar do governo civil e militar nas Vilas ocupando cargos de
vereadores, oficiais de justiça e Principais. Segundo Moreira (2019) a política
pombalina “pretendia justamente conquistar a adesão e a fidelização dos índios à
soberania portuguesa, em um momento de tensão e disputa entre as Coroas
Ibéricas acerca dos limites territoriais de suas colônias na América”. (MOREIRA,
2019, p. 149).
No âmbito econômico, o Diretor de índios também exercia a função de
garantir mão de obra indígena para atividades como a agricultura e prestação de
serviços aos demais moradores das Vilas, além de controlar as transações
comerciais que os índios realizavam, registrando tudo em livros de ata. Com a
ereção das Vilas e Lugares havia uma expectativa por parte da administração
colonial em consolidar e expandir a economia mercantil
Por último, as fontes que analisamos nos fornecem informações acerca
dos territórios ocupados pelas populações indígenas na longa duração. Sendo
assim, esse estudo pode influenciar em processos atuais de demarcação de
territórios indígenas e no resgate da identidade étnica por parte de seus moradores.

A CAPITANIA DO MARANHÃO E A POLÍTICA COLONIAL SETECENTISTA

Em um cenário que era inviável determinar de maneira exata as fronteiras


entre os países, os tratados eram responsáveis por formalizar os limites entre
regiões, até mesmo as desconhecidas. Inicialmente, o atual território brasileiro foi
delimitado pelo Tratado de Tordesilhas (1494), mediado pelo papa Alexandre VI,
logo tinha caráter religioso. O acordo determinava que as áreas localizadas a oeste
4
da linha de Tordesilhas, há 370 léguas de Cabo Verde, pertenciam a Castela e as
localizadas a leste pertenciam a Portugal.
Notoriamente, o Tratado de Tordesilhas não foi respeitado. A colonização
não foi um empreendimento executado facilmente, e, obviamente, recebeu oposição
tanto de nativos quanto de outras Nações interessadas nas riquezas do Novo
Mundo. Essa dificuldade de dominar o território e a população nativa, acabou
culminando na separação da colônia em duas regiões administrativamente
independentes que respondiam diretamente a coroa portuguesa. Na visão de
Oliveira (2011, p.9)
As dificuldades de comunicação marítima entre os estados do Maranhão e
os estados do Brasil, como Pernambuco e Bahia, e a maior facilidade de
comunicação entre os estados do norte com a Europa, sugeriu a idéia de
separação dos dois estados com governos independentes e recebendo
ordens diretas de Portugal. (OLIVEIRA,2011, p.9)

Essa separação derivou, também, do constante assédio de outros


reinados expansionistas do Velho Mundo ao litoral brasileiro e dos acordos
diplomáticos que faziam com as Nações indígenas. Devido ao temor de perder o
território, e por consequência os rendimentos que obtinha, Portugal precisava
garantir seu domínio sob as terras e as pessoas que lá habitavam. Como descrito
por Oliveira (2011, p.10)
A formação do Estado do Grão-Pará e Maranhão está ligada ao empenho
da coroa na expulsão dos franceses, holandeses e ingleses que insistiam
em ocupar o enorme território desde a segunda metade do século XVI e na
necessidade de superar as dificuldades de comunicação entre os governos
do Maranhão e Pará com o governo geral na Bahia, devido ao movimento
“contrário” das correntes marítimas na costa norte e a falta de um caminho
terrestre alternativo. (OLIVEIRA,2011,p. 10)

Os termos acordados no Tratado de Tordesilhas só seriam atualizados


em 1750, com a assinatura do Tratado de Madrid que se pautava pelo princípio
jurídico do Uti Posidetis, Ita Possideatis, isto é, seria dono da terra quem
conseguisse ocupá-la efetivamente. O Tratado de Madrid foi promulgado durante o
reinado de D. José I e foi resultado de uma aproximação entre as coroas portuguesa
e espanhola. Diferente do tratado anterior tinha um caráter jurídico e monárquico.
Nesse contexto, a região do Grão Pará e Maranhão era requerida para o
projeto expansionista e colonial português. Considerada desde início da colonização
como uma área de transição, era preciso povoar essa região mais afastada e que

5
sofria influências múltiplas de vários reinos. Do ponto de vista de Cardoso (2011,
p.320)
esse território era quase sempre identificado como zona de transição, nem
propriamente parte formal do Estado do Brasil, nem ainda Índias de Castela.
Mesmo sem definição formal, estamos falando de uma área que
corresponderia mais ou menos aos atuais Estados ‘brasileiros’ de Pará,
Amazonas, Acre, Amapá, Tocantins, Piauí, Maranhão e Mato Grosso (ao
Norte do paralelo 16º). Além disso, em certos períodos do século XVII
também fazia parte do Maranhão o Ceará, este último considerado a
fronteira natural do Estado do Brasil. Quase toda essa região está
localizada a Oeste do meridiano de Tordesilhas, limite que começava a ser
francamente ignorado. (CARDOSO, 2011, p.320)

Para garantir a soberania lusitana era necessário promover uma série de


reformas que impactavam diretamente a política indígena e indigenista. O recorte
temporal que nos interessa se deu durante o reinado de D. José I, que ficou
marcado pelas políticas reformadoras conduzidas por seu secretário de Estado,
Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal.
Moreira (2019, p. 137) afirma que
O reinado de D. José I (1750-1777) representa um marco importante na
história dos índios. [...] a Coroa expulsou os jesuítas da colônia, mandou
erguer vilas e povoados em antigos aldeamentos dirigidos pelos
missionários e operou uma profunda reforma no processo de governança
dos índios. (2019, p.137).

É importante destacar que o papel dos índios foi tema de debate desde
que os europeus desembarcaram nas Américas. Os posicionamentos e legislações
referentes aos nativos sempre foram ambíguas e aplicadas de acordo com o
entendimento de cada região. O Diretório (1757), assim como as disposições
anteriores, tentou integrar os indígenas e atender as demandas dos colonos ao
mesmo tempo, resultando em práticas diversas.
As reformas pombalinas podem ser divididas em duas etapas diferentes.
A primeira etapa refere-se à publicação de três legislações em 1755 que tratavam da
temática indígena. São elas: O Alvará de 4 de abril de 1755, que incentiva o
casamento entre índios e brancos, a Lei de Liberdades de 06 de junho de 1755, que
concedia plena liberdade aos índios com relação a suas pessoas, bens e comércio.
A última lei, e a mais presente no documento analisado, o Alvará de 07 de junho de
1755, aboliu o poder temporal dos missionários sobre os nativos, e determinou que
estes fossem preferidos para ocupar os cargos de vereadores e oficiais de justiça e
ordenança (MOREIRA, 2019, p. 145).

6
Sobre essa legislação, avalia-se que a metrópole portuguesa tinha dois
objetivos principais: garantir a posse do território e tornar os índios iguais, ao menos
juridicamente, aos brancos. Esses dois objetivos estavam correlacionados, tendo
sido traçados após o Tratado de Madrid (1750). Como caracteriza Domingues (2019,
p. 135)
a validade das pretensões portuguesas sobre esses territórios dependia da
ocupação efetiva que sobre eles estivessem estabelecido. E isso só podia
acontecer através da promoção – e também da desejada transformação –
dos índios em verdadeiros vassalos, fiéis e úteis perante a evocação do
princípio jurídico de uti possidetis, ita possideatis, tal como estava previsto
no texto do Tratado de Madrid de 1750, dando-se assim legitimidade e
consistência a soberania portuguesa. (DOMINGUES, 2019, p. 135).

Desse modo, converter as aldeias em Vilas e Lugares era, inicialmente,


uma questão de estabelecer posse e marcar aquele território como pertencente a
Portugal. Para tanto, as cerimônias de fundação e ereção eram essenciais. Enfatizar
que elas estavam sendo realizadas e que os habitantes participavam ativamente das
mesmas devia estar explícito nos livros de ata, a exemplo nos Registros se diz que
Ao que logo todos uniformente e o [...] P moradorez da mesma Villa, como
todaz as maiz pessoaz nomeadaz neste auto q a ella concorrerão para
referido e feito com as maiz vivaz demonstrações de gosto de obediência e
aleggria em altaz,e inleligiveiz vezez repetirão trez vezez viva El Rey e
logo deo a Infantaria q prezente estava em alaz trez cargas tudo em synal
1
dos mesmoz vivaz.

Outro ponto crucial para a retomada de posse e assimilação das aldeias


era a substituição de seus nomes nativos por nomes portugueses. Domingues
(2019, p. 135) reitera que
(…) transformar as missões com as suas denominações indígenas em
aldeamentos laicos, que posteriormente viriam a ser rebatizados com os
nomes de povoações reinóis [...] para, assim, recriarem e reproduzirem um
espaço reconhecidamente português fora de Portugal-reino. (DOMINGUES,
2019, p. 135).

Nos documentos analisados, essa característica é facilmente


reconhecível, seja com a adoção de nomes de vilas portuguesas ou de santos
católicos. Na tabela 1 é possível notar essas substituições:

1
APEM. Livro de Registros de Fundações, Ereções e Posses de Vilas (1757-1767), folha nº 10. Grifo
nosso.
7
Tabela 1 – Substituição dos antigos nomes por nomes portugueses
Nome da Aldeia Nome da Vila Data de Fundação
Aldeia de Tutóia Viçosa de Tutoia 01/08/1758
Aldeia de Maracu Viana 08/07/1757
Aldeia de Carará Monção 16/07/1757
Aldeia da Doutrina Vinhais 01/08/1757
Aldeia da Fazenda Guaramiranga Guimarães 19/01/1758
Fonte: DORNELLES, 2021.

Dornelles (2021, p. 311) afirma que, os nomes portugueses das novas


Vilas e Lugares do Maranhão fazem referência aos topônimos da região de origem
do governador da capitania à época, Gonçalo Pereira Lobato e Sousa. Monção, por
exemplo, era sua cidade natal.
A ação de rebatizar também era estendida aos índios e seus
descendentes. Assim, a tarefa de identificá-los nos Registros, torna-se ainda mais
complexa, apesar de em alguns momentos os escrivães indicarem o sinal do
principal ou sinal do índio como formas de assinatura daqueles que não sabiam
escrever. Ainda assim, no Livro de Registros localizamos nomes de indígenas, por
exemplo, na Vila de Viana, antiga aldeia de Maracu, estão registrados os nomes de:
Ignacio de Abreu Xicaxy, João Ribeiro Carahyba, Manoel FaleynPederneyra e
Fructuozo Xavier Xicaxy.
Vale ressaltar que os nomes registrados pela Secretaria de Governo da
Capitania do Maranhão eram de indígenas que faziam parte das Câmaras das Vilas
ou que tinham alguma posse, exemplo do Inventário da Índia Gertrudes2. O nome de
aldeados considerados comuns, dificilmente era registrado. Costa (2021,p.424)
afirma que “as lideranças indígenas teriam prioridade na ocupação dos cargos e
seriam responsáveis pela gestão do território, produção econômica e comércio da
vila”, por essa razão seus nomes ficaram documentados.
Tornar os índios juridicamente iguais aos brancos não foi bem aceito pela
sociedade colonial luso-brasileira, que considerava os indígenas inferiores e
incivilizados. Como descrito por Costa (2021, p.424) “no Antigo Regime português,
nenhum súdito era igual a outro”, logo dificilmente os nativos iriam adquirir um status
igualitário. Mauro Coelho (apud Almeida, 2010, p. 110) propõe a ideia de que o
Diretório de 1757 seria resultado de embates entre os atores sociais para adaptar as
leis de 1755 e garantir o trabalho compulsório dos índios.

2
ATJM. Autos Cíveis. Comarca de Viana. Autos de inventário da Índia Gertrudes. 06.04.1772
8
Almeida (2010, p. 109) ressalta que o Diretório manteve as diretrizes
básicas das legislações anteriores, como a divisão dos índios nas categorias de
mansos e selvagens, a obrigação do trabalho compulsório para os aldeados e a
garantia das terras das aldeias para os índios.O Diretório retomou, também, a ideia
de que os índios precisavam de tutela, pois eram supostamente incapazes de se
autogovernarem. A tutela, que antes era religiosa, passou a ser temporal, e mais
uma vez os índios passaram a estar, juridicamente, sob o domínio de um diretor,
exterior a sua comunidade. Almeida (2010, p.112) ainda alega que
considerou-os rústicos, ignorantes e sem aptidão para o governo. Por essa
razão decidiu-se colocar em cada uma das povoações, enquanto os índios
não pudessem governar, um Diretor cuja função seria de dirigir todas as
atividades dos aldeados (ALMEIDA,2010, p.112).

Apesar da figura do Diretor, sujeitos indígenas tiveram participação


política como se verificou nos documentos analisados.

AS VILAS POMBALINAS E O TRABALHO INDÍGENA

Na hipótese de considerarmos que a política indigenista tenha sido


ambígua durante todo o período colonial, o mesmo pode ser dito da política
indígena, isto é, a que foi promovida pelos próprios índios. Ainda que tenham sido
inegavelmente subjugados pelos “conquistadores” europeus, os sujeitos indígenas
traçaram estratégias que permitiram sua sobrevivência e até mesmo papéis de
destaque na sociedade colonial. Longe da imagem de seres mitológicos
pertencentes ao passado, relegados a um papel passivo pela historiografia
tradicional, os indígenas foram sujeitos de sua própria história e contribuíram
ativamente para a construção do que hoje chamamos de Brasil.
Um desses momentos determinantes foi à transformação das aldeias em
vilas pombalinas. A tentativa, de assimilar os índios, estimulando sua integração na
sociedade luso-brasileira promoveu grandes mudanças e ajudou a consolidar o
domínio português. Os indígenas adquiriram alguns direitos, que muitas vezes eram
ignorados, e conseguiram se inserir na política, economia e mundo do trabalho,
levando-nos a questionar a real efetividade das tentativas de assimilação.
Assim sendo, pode-se, também, conjecturar sobre os modos de trabalho
nas vilas pombalinas através dos instrumentos que foram listados nos inventários do
Livro de Registros das ereções, fundações e posse de vilas quando da transferência
9
do poder religioso para o poder temporal. É constante a presença de ferramentas de
construção como fornos para tijolo, colheres, alavancas e prumos. Isso se deve,
provavelmente, ao desejo expresso dos portugueses de construírem as Vilas no
espaço colonial a imagem das vilas metropolitanas.
Os instrumentos ligados a agricultura e pesca também são mencionados
como machados, ferros de canoas, plainas, redes, canoas, entre outros. As cabeças
de gado sejam, vacum ou cavalar, também estavam nas vilas de índios, tanto quanto
as casas de farinha e os engenhos para produção de açúcar e aguardente.
Conforme Dornelles (2021, p.319) em artigo que expõe as primeiras análises acerca
do Registros
As principais atividades perceptíveis pelos inventários eram a agricultura, a
criação de gado,vacum e cavalar,a produção de farinhas e o fabrico de
canoas. Além disso, a maior parte possuía ferrarias e marcenarias bem
equipadas. Além dessas atividades, outras aparecem com destaque para a
produção de arroz no caso da vila de Vinhais, e a existência de olarias,
como a vila de Guimarães e o lugar Lapela (DORNELLES, 2021,p. 319).

Infere-se, assim, que as aldeias das missões tinham atividades variadas,


que não foram esquecidas com sua transição para vilas pombalinas. Longe disso,
provavelmente, o Diretório e a expulsão dos jesuítas foi motivada, ao menos em
parte, pelo desejo dos colonos e da Coroa de usufruir dos lucros e produção dos
aldeamentos das missões.
O Livro de Registros também fornece subsídios para constatar que os
índios ainda eram a principal mão de obra no momento da ereção de Vilas e
continuaram sendo até o século XIX, exercendo atividades diversas como
agricultura, criação de gado, extrativismo e construção de canoas. Nesse sentido,
apresentado em 2020, o Trabalho de Conclusão de Curso “A Vila de Índios de
Vinhais e a produção de arroz: trabalho e protagonismo indígena na Capitania do
Maranhão (1770 – 1780)”, de Francisco Sousa é fruto da mesma linha de pesquisa.
Sousa Neto (2020) tomou como fonte o Livro de Atas e Acordão da
Câmara de Vinhais (1757-1814) e acerca do trabalho indígena constatou que “diante
da nova conjuntura indigenista, o emprego das novas Vilas e Lugares indígenas no
sistema econômico do período era imprescindível, pois, o trabalho indígena
respondia por uma parcela significativa da força de trabalho do Maranhão.”
O caso da Vila de Vinhais é exemplar para demonstrar que a
prosperidade econômica do lugar se dava graças ao trabalho indígena no cultivo do

10
arroz, exportado para Portugal pela Companhia de Comércio do Grão Pará e
Maranhão, criada por Marquês de Pombal em 1755. Além disso, ao contrário do que
a historiografia tradicional generalizou como se tivesse sido uma realidade em todas
as capitanias, os africanos escravizados, trazidos pela Companhia de Comércio, não
substituíram de imediato a mão de obra indígena no século XVIII, que continuou
sendo a principal força de trabalho até o século XIX no Maranhão.
Inseridos em uma sociedade altamente hierarquizada do Antigo Regime,
os índios na capitania do Maranhão exerceram papéis bastante complexos. Ao
contrário do que a literatura clássica indigenista afirma, as experiências dos povos
indígenas nunca foram homogêneas e para além da divisão feita pelos
colonizadores entre “selvagens” e “aliados”, “escravizados” ou “livres”, muitos índios
se apropriaram das leis coloniais e através do trabalho se incluíam nas redes
econômicas.
No Livro de Registro de Notas da Comarca de Viana (1776-1791)do ATJM
é possível observar que os índios moradores da Vila de Viana realizavam transações
comerciais de bens diversos, inclusive tomavam posse de escravizados. Segundo
Dornelles (2021, p.14) “na escritura de venda da escrava Joana, do gentio de Cabo
Verde, o comprador foi o índio Lourenço Martins, que arrematou a mesma pela
quantia de r$ 90.000”. Esse aspecto revela um alto nível de inserção e articulação
dos nativos nas relações econômicas da sociedade colonial que se forjava, pois
adquirir escravos dentro dessa lógica significava ter poder. Já os autos de inventário
da índia Gertrudes revelam que esta possuía muitos bens, inclusive dívidas com
Felipa Pereira, também índia e moradora da Vila de Viana. Esse não é um caso
isolado em que índios compravam, vendiam e acumulavam bens, apesar de estarem
sob o regime de tutela, isso não impedia completamente suas movimentações e
negociações.
Questões sobre fronteiras, territórios e suas “rendas”, de suma
importância para a Coroa Portuguesa, também estão exemplificadas no Livro de
Registros a seguir
e.
Por ser conforme as Reaes ordens que S. Mag. foy servido e expedir para
ar.
o estabelecimento deste Est.º e conveniente ao bem comum e p dos
moradorez delle que se destinem terrenos competentes para oz
Logradouros das Povoações para as rendas das suas respectivas Cameras,
3
para as cozas doz seus moradores, e para os Limitezdoz seus destrictos.

3
APEM. Livro de Registros de Fundações, Ereções e Posses de Vilas (1757-1767). Folha nº 80.
11
Desse modo, ao contrário do discurso sobre a inadaptabilidade indígena
nas vilas pombalinas que teve ecos na historiografia maranhense do século XX, é
possível constatar que a política do Diretório atraiu novos habitantes, índios e
brancos para as vilas. Estas vivenciaram momentos de prosperidade econômica
graças ao trabalho desempenhado pela mão de obra indígena. Como aponta
Dornelles, (2021, p.322)
(…) é possível observar que sujeitos e coletividades indígenas possuíam
destacado interesse nas atividades produtivas e mercantis da colônia. [...]
Assim, as comunidades indígenas parecem ter construído espaços de
considerável dinamismo econômico, de relativa prosperidade no universo
colonial, contrastando com os discursos de pobreza e de incapacidade para
a administração desses sujeitos defendida por atores contemporâneos e
ignorada pela historiografia maranhense. (DORNELLES, 2021, p. 322).

Perceptivelmente, a pesquisa sobre as vilas pombalinas na Capitania do


Maranhão ainda é incipiente. O número de pesquisas sobre a temática indígena e
sua relação com o antigo Estado do Grão Pará e Maranhão ainda não é suficiente
para formar um retrato mais completo daquele período. Para o preenchimento das
lacunas deixadas será necessária a continuidade da pesquisa até esgotarem as
fontes em abundância que existem nos arquivos do estado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história dos índios, no caso desta pesquisa mais especificamente do


Maranhão, exige esforços infinitos para ser reescrita de forma a apresentar o devido
protagonismo que estes desempenharam em nossa formação cultural e estrutura
econômica. Acerca das Vilas de Índios ainda há muito que ser pesquisado. O
presente trabalho abre espaço para muitas indagações que precisarão de mais
tempo e pesquisas para serem melhor desenvolvidas. A Pandemia da COVID-19
aprofundou as dificuldades já impostas aos pesquisadores, como a falta de
incentivo. Porém, as demandas sociais, inclusive do próprio Movimento Indígena em
processos de demarcação de territórios e reconhecimento de identidades étnicas,
exigem um maior compromisso na produção de conhecimento que proporcione uma
reparação histórica com os povos indígenas.
“Desconstruir ideias preconceituosas e discriminatórias” (ALMEIDA, 2017,
p. 17), é definido pela historiadora Maria Celestino de Almeida como o principal

12
objetivo da Nova História Indígena que nos últimos 40 anos têm procurado investigar
e trazer à tona a atuação dos indígenas, que foram sistematicamente apagados das
construções historiográficas nacionais, quando não viraram mitos. Relegados a um
passado eterno e imutável, os índios teriam sido completamente subjugados pelos
“poderosos” portugueses.
Ao analisar documentos primários, mesmo os já estudados, pode-se obter
um novo olhar sobre o papel que os povos originários desempenharam na formação
do Brasil e de sua identidade. Essa atuação era ativa e importante, ao contrário da
imagem passiva que parece imperar no senso comum. Os índios eram
indispensáveis para os planos de conquista das Coroas Ibéricas, foram as “muralhas
do sertão” que garantiram as fronteiras, que extraíam as “drogas do sertão”,
plantavam, colhiam e possibilitavam o enriquecimento de colonos, nobreza e reinós.
Reavaliar e reescrever a história indígena é redescobrir a própria história
do Brasil, encarando a real dimensão da participação de vários povos, que durante
muito tempo permaneceram indevidamente nas sombras de uma história que
exaltava os conquistadores europeus. Enquanto os povos nativos eram tachados de
preguiçosos e selvagens. A presente pesquisa permitiu vislumbrar, mesmo que
minimamente, quais eram os papéis dos indígenas na sociedade colonial que se
forjava.

REFERÊNCIAS

Fontes
Livro de Registro de Ereções, Fundações e Posses de Vilas (1757-1767). Arquivo Público
do Estado do Maranhão.
Arquivo do Tribunal da Justiça do Maranhão. Inventários e Testamentos Comarca de Viana.
Autos Cíveis. Comarca de Viana. Autos de inventário da Índia Gertrudes. 06.04.1772.
Livro de Registro de Notas da Comarca de Viana (1776-1791).

Bibliografia
ALMEIDA, Maria Celestino De. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: 2010.

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Atuações dos indígenas na História do Brasil:
revisões historiográficas. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, 2017, v. 37 nº 75 .
págs. 17-38

13
CARDOSO, Alirio. A conquista do Maranhão e as disputas atlânticas na geopolítica da
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