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OS CASOS DA
URBANIZAÇÃO DAS FAVELAS REAL PARQUE E JARDIM EDITE
IS THE GLOBAL CITY A CITY FOR ALL? THE UPGRADING CASES OF
FAVELAS REAL PARQUE AND JARDIM EDITE
VENTURA, Isabella
Mestre em Habitat pela Universidade de São Paulo
Arquiteta e Urbanista da Secretaria Municipal de Habitação
arq.isabella.ventura@gmail.com
ABSTRACT
In the global contest for economic, cultural, and political prominence, not all cities accomplish
protagonism. To get it, São Paulo is investing in urban megaprojects such as the Urban Operations, which
consolidate areas prone to the real-estate market exploration. In such case, actors from the global
financial market and city authorities are very active. In a possible collision course with these actors, lie the
people who live in favelas inside the intervention areas. In this paper, we will assess the participation of
those people in the global cities’ arena. Our hypothesis is that they are global passive players. We will also
discuss the rules of the game, as well as its outcomes for favela residents, and the social dynamics in these
areas.
KEYWORDS: global cities; urban operations; favelas; housing; urban development.
RESUMEN
Dentro de la competición global por prominencia económica, cultural y política, ni todas las ciudades
logran protagonismo. Para asegurarlo, São Paulo está invirtiendo en mega proyectos urbanos como las
Operaciones Urbanas, que consolidan áreas propicias a la exploración del mercado inmobiliario. En este
ejemplo, están agentes del mercado financiero mundial y de las autoridades municipales. En una posible
colisión con ellos, está la gente que vive en las favelas dentro de perímetros de intervención. En esta
ponencia, analizaremos la participación de esta gente en la arena de ciudades globales. Nuestra hipótesis
es que ellos son jugadores pasivos. Discutiremos las reglas de este juego, así como sus consecuencias para
los habitantes de favelas y para la dinámica social en esas áreas.
PALABRAS-CLAVE: ciudades globales; operaciones urbanas; favelas; vivienda; desarrollo urbano.
SASSEN (1991, p. 3) argumenta que a economia mundial, na qual essas cidades estão fortemente
inseridas, mudou a partir dos anos 1970, tornando-se “espacialmente dispersa” e “globalmente
integrada.” Ainda segundo a autora (Ibid., p. 5), as cidades globais de hoje passaram a produzir
“serviços e produtos financeiros altamente especializados”. Partindo-se do pressuposto que, de
fato, haja um fenômeno contemporâneo de integração global da produção especializada de
serviços e gêneros financeiros, podemos considerar que tal fenômeno se manifesta fisicamente
sobretudo nos grandes nós que interceptam os fluxos mundiais de pessoas, serviços e negócios.
Esses nós são as cidades denominadas “globais”. Vale dizer que o conceito de cidade global não
é encarado de maneira unânime entre os acadêmicos, não havendo sequer um acordo sobre
quais cidades podem ser chamadas de globais.
FERREIRA (2007, p. 115), por exemplo, afirma que, ainda que tenha havido nas últimas décadas
transformações que resultaram em novos arranjos financeiros globais, o conceito de “cidade
global” seria uma “tentativa de imposição ideológica de uma matriz urbanística por sobre
cidades subdesenvolvidas”. FIX (2007, p. 13), por sua vez, argumenta que São Paulo — uma das
“cidades subdesenvolvidas” a que se refere Ferreira — possui uma “face ‘globalizada’”. Nela, a
“financeirização” e a “internacionalização” (Ibid.) acabariam se manifestando por meio de
investimentos indutores da expansão do mercado imobiliário em uma área restrita — as
margens do Rio Pinheiros.
Tendo isso em vista, uma pergunta pertinente refere-se ao impacto da globalização nas
populações das aglomerações urbanas que chamaremos daqui em diante de ‘cidades globais
periféricas’. Qual é este impacto, em especial nas populações que têm menos voz no processo
global de produção e reprodução de riquezas?
Neste artigo, analisaremos o papel dos residentes de favelas no caminho de projetos vinculados
ao capital global. Através da pesquisa predominantemente qualitativa, utilizando os métodos
de pesquisa bibliográfica, documental e de campo nas áreas objeto de estudo, buscaremos
entender o impacto e as condições de participação das populações de favelas no âmbito de dois
projetos “globais” de inserção das cidades.
O “marketing urbano” é uma variante do planejamento estratégico que, inspirada nas teorias
de gestão empresarial, tem como objetivo induzir a “promoção” e “venda” das cidades para que
se tornem competitivas nesse novo cenário (Ibid., p. 28). Como forma de evidenciar e melhorar
a imagem das cidades, principalmente nos anos 90, ocorreu a multiplicação dos megaprojetos
em São Paulo com a presença de empresas estrangeiras do mercado imobiliário, como
construtoras, incorporadoras e escritórios de arquitetura.
Além disso, de acordo com FIX (2001, p. 116), os megaprojetos não dependem apenas dos
fatores já apontados, ligados ao setor privado, mas também de uma infraestrutura avançada, a
partir de grandes obras públicas tais como avenidas, túneis, entre outras, a serem providas pelo
Estado. Deste modo, o poder público atua como parceiro da iniciativa privada na renovação da
cidade, realizando os investimentos iniciais do empreendimento, como a instalação da chamada
“obra-âncora”, de que iremos tratar ao longo deste artigo.
Assim, no contexto das cidades globais periféricas, como construir uma relação benéfica entre
os diferentes interesses e atores? Ao promover toda infraestrutura, o Planejamento Estratégico
cria uma imagem de cidade positiva necessária para que ela se insira no cenário das cidades
mundiais, mas, concomitantemente, também promove a segregação social e territorial, já que
“ao invés de priorizar o caráter público e social dos investimentos municipais em uma cidade
com gigantescas carências, o governo municipal o fez de acordo com interesses privados”
(MARICATO, 2002, p. 27).
As OUCs foram definidas pelo Estatuto da Cidade, denominação da Lei 10.257 de 10 de julho de
2001, que regulamenta o capítulo "Política urbana" da Constituição Brasileira. Atualmente,
existem quatro OUCs em andamento em São Paulo: Água Branca, Água Espraiada, Centro e Faria
Lima.
A operação urbana é um instrumento autofinanciável, ou seja, faz com que não sejam utilizados
investimentos públicos para a realização de obras necessárias na cidade. No entanto, como as
Operações Urbanas ocorrem em locais onde já existe o interesse do setor privado, os
investimentos acabam ocorrendo em áreas que já são favorecidas, aumentando as disparidades
sociais e urbanas no município.
Além disso, como já mencionado, para atrair os investidores privados, o poder público acaba
sendo responsável por realizar os investimentos iniciais através de uma grande obra, a “obra-
âncora”. O principal problema disso é que se tem um grande gasto inicial para realizar todas
essas medidas e, dificilmente, consegue-se o retorno esperado. Afinal, mesmo que a operação
urbana naquela área obtenha sucesso, a arrecadação ocorre de médio ou longo prazo; ademais,
as estimativas sobre a viabilidade do empreendimento possuem implícito um caráter
especulativo.
Outra questão relevante é que não existe um projeto urbanístico que oriente as operações
urbanas para a melhoria do espaço urbano como um todo. Isso ocorre apenas do ponto de vista
imobiliário, de modo que equipamentos sociais, áreas verdes e espaços públicos acabem não
sendo implantados de forma eficiente, com o intuito de atender a quem realmente precisa.
Faria Lima
A Operação Urbana Consorciada Faria Lima (OUCFL), cuja obra-âncora foi a extensão da avenida
homônima, poderia ser vista como um projeto urbano de grande porte e bastante corriqueiro
para os padrões do Brasil recente2. Em primeiro lugar, como ocorre com outras intervenções,
esse é um projeto cuja implantação se arrastou por um longo período. Como relata FIX (2001),
os planos de extensão da Avenida Brigadeiro Faria Lima — que são anteriores à aprovação da
própria operação — datam da gestão Jânio Quadros (1985-1988). Em 1993, durante a gestão do
prefeito Paulo Maluf, a construção foi enfim anunciada e a inauguração dessa extensão viária
deu-se em outubro de 1995.
Além disso, assim como ocorreu com diversos grandes projetos cidade e país afora, as obras de
extensão da Faria Lima sofreram diversas alterações, com modificações no traçado original da
avenida e com um plano alternativo — recusado — para a intervenção.
Outra razão que coloca a OUCFL em uma posição aparentemente similar a tantos outros
megaprojetos no Brasil foi o imbróglio jurídico e político pelo qual a operação urbana passou.
Sua aprovação (como Operação Urbana Faria Lima) na Câmara Municipal de São Paulo ocorreu
em 1995 e teve de ser submetida a uma segunda aprovação em 2004 por conta de problemas
jurídicos como a necessidade de regulamentação após a entrada em vigor do Estatuto da Cidade,
em 2011 (SÃO PAULO, s/d; ROLNIK, 2015).
Há, no entanto, algumas características que conferem a esse megaprojeto um quê bastante
diferente em comparação aos outros megaprojetos urbanos no Brasil. O principal deles é o fato
de que, por se tratar de uma operação urbana, o projeto da Faria Lima foi uma das primeiras
empreitadas de grande porte autofinanciáveis (para uma explicação mais detalhada, ver
subitem acima).
No que se refere ao retorno financeiro do projeto, a OUCFL arrecadou com a venda de CEPACs
R$ 2,46 bilhões entre 2004 e outubro de 2019 (RODRIGUES, 2019). Tal cifra caracteriza o êxito
da operação sob o ponto de vista financeiro.
Dentre as diretrizes desse projeto, estava a obrigatoriedade de parte dos recursos arrecadados
na OUCFL serem direcionados à construção de Habitação de Interesse Social (HIS) em
assentamentos incluídos na operação urbana — como o Real Parque. Em 2015, o poder público
aprovou o Decreto nº 56.031, que determinou o destino de no mínimo 25% dos recursos
arrecadados desta OUC para HIS. A urbanização do Real Parque ficou com R$ 338,2 milhões das
arrecadações, que foram direcionadas para as fases 1 e 2 da obra de urbanização desse
assentamento (Ibid.)
1 Foram encontradas grafias variadas para algumas denominações, como Água Espraiada (ou Águas Espraiadas, das
Águas Espraiadas) e Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini (ou Luiz Carlos Berrini). Essa variação também ocorre em
projetos da prefeitura e de lei, assim, será adotada a grafia utilizada no Mapa Oficial da Cidade (FIX, 2001, Nota
introdutória)
2Para efeitos de comparação, ver o histórico de obras como a Linha 4 - Amarela do Metrô de São Paulo, o Rodoanel
Norte, a Linha 4 do Metrô do Rio de Janeiro e a construção do Veículo Leve sobre Trilhos de Cuiabá.
A história dessa região inicia-se em 1964, quando o prefeito Prestes Maia (1961-1965)
promulgou uma lei que desapropriou uma faixa ao longo do Córrego Água Espraiada para a
construção de uma avenida. Nessa ocasião, muitos terrenos habitados pela população de baixa
renda foram comprados por preços baixos, já que os moradores ainda não tinham ideia do valor
de suas propriedades com a infraestrutura que seria implantada.
Após suspensão do projeto da Operação Urbana Água Espraiada na gestão de Celso Pitta (1997-
2000) — principalmente para não haver concorrência com outra área de empreendimentos em
expansão, a da Operação Urbana Faria Lima —, a OUCAE foi retomada. No início da gestão da
prefeita Marta Suplicy (2001-2004)3, houve modificações principalmente relativas aos aspectos
sociais, garantindo atendimento à população afetada diretamente pelas intervenções.
Uma das intervenções previstas foi a ligação da Avenida Jornalista Roberto Marinho com a
Rodovia dos Imigrantes e um parque linear ao longo dos setores Americanópolis e Jabaquara.
Além disso, também existia a previsão da construção de 8.500 unidades de habitação de
interesse social - HIS, para as famílias removidas das diversas favelas da região.
O Real Parque (ver Figura 2) é uma favela localizada em uma área nobre do sudoeste de São
Paulo. Mais precisamente, o assentamento fica no Distrito Morumbi, do lado oposto a uma área
de expansão imobiliária relativamente recente: a Avenida Luís Carlos Berrini e seu entorno. A
ocupação do Real Parque provavelmente data dos anos 1950 e o assentamento já foi alvo de
3 A Operação Urbana Consorciada Água Espraiada (Lei nº 13.260/2001 e Lei 15.416/2011) já nasceu como
“consorciada”, utilizando plenamente os dispositivos da lei federal. Outro aspecto importante, como cita Castro
(2006), foi a regulamentação dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACS) pelo Estatuto da Cidade.
Dessa forma, a área de abrangência da operação urbana foi ampliada, aumentando a captação dos recursos
necessários para as obras, por essa ser uma área de grande interesse do mercado imobiliário.
Figura 2: Favela Real Parque antes da urbanização iniciada em 2010. Fonte: SEHAB-SP, 2019.
Já a ocupação da favela Jardim Edite (ver Figura 3) inicia-se durante a década de 1970, quando
as terras onde a favela se ergueu foram desapropriadas pelo Departamento de Estradas de
Rodagem (DER) para a construção de vias. Nessa ocasião, a área ainda possuía baixa ocupação
residencial, com vegetação nativa e pouca interferência humana. Dessa forma, conforme relata
FIX (2001), a formação e o adensamento das favelas no local acompanhou um fenômeno
característico da época: o esgotamento do padrão de urbanização periférico, que combinava
loteamentos (muitos deles clandestinos) em terras baratas na periferia, sem infraestrutura e
transportes, com a construção da moradia pelo próprio trabalhador.
A favela cresceu e, já com 3 mil famílias, passou a ocupar um terreno de 68.000 m², o que
acabava tornando-se um entrave para os incorporadores e promotores imobiliários, fazendo
com que parte dela fosse retirada de forma violenta para a construção da Avenida Água
Espraiada, como mencionado anteriormente. E essas remoções continuaram em outras gestões
municipais.
Em 2008, as remoções foram suspensas devido a uma liminar judicial, promovida por um grupo
de moradores da favela que reivindicava sua permanência na área. Depois de grande luta da
O projeto para o Jardim Edite I foi concluído apenas em 2013 e as obras demoraram a ser
iniciadas tendo em vista que, em meados de 2012, ainda permanecia o último morador na
favela. Após diversas revisões de projeto, a versão executada possui uma área total construída
de 25.714m² que contempla 252 unidades habitacionais e três equipamentos públicos: uma
creche, uma UBS e um restaurante-escola, este último solicitado pelos próprios moradores,
devido à oferta de empregos na região (ver Figura 4).
No caso do Jardim Edite, durante o trabalho de pré-ocupação realizado pela equipe social da
Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), houve a formação do conselho gestor das ZEIS,
como estabelece o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (PDE), de 2014 (SÃO
PAULO, 2014). Além disso, por se tratar de uma intervenção no âmbito de uma Operação Urbana
Consorciada, foi formado o grupo gestor, conforme a lei nº 13.260, de 28 de dezembro de 2011,
do qual faziam parte lideranças do local, além das principais secretarias e órgãos envolvidos.
No entanto, em ambos os casos, é notório que esses conselhos não conseguiram ter um papel
efetivo na decisão das intervenções, gerando problemas quanto à pós-ocupação desses
empreendimentos.
Entendemos que a melhoria física das favelas pode causar uma escalada de preços de aluguéis
nessas áreas. Para se viabilizar a permanência de famílias de baixa renda nos assentamentos
urbanizados, uma alternativa é garantir que haja emprego e renda suficientes para essas
famílias.
Uma questão que, ao nosso ver, marcou a implementação dessa alternativa na urbanização do
Real Parque foi a implantação e gestão de boxes comerciais destinados a moradores da antiga
favela. O projeto original já previa a construção de cerca de 70 unidades comerciais no térreo
de condomínios ao longo das ruas Paulo Bourroul e Conde de Itaguaí (ver Figura 5). Segundo
uma assistente social do Real Parque, havia antes da urbanização cerca de 100 unidades
comerciais informais no assentamento (FORMICKI, 2019). Isso demonstra que nem todas as
famílias detentoras de pontos comerciais puderam ser contempladas com os boxes, o que, em
última análise, criou obstáculos à geração de renda e de empregos para algumas famílias do Real
Parque que dependiam do comércio na área antes da urbanização. Vale explicar que, de acordo
com uma arquiteta da SEHAB envolvida na urbanização do assentamento, algumas famílias não
puderam ser contempladas, uma vez que o tipo de comércio que elas possuíam era incompatível
com o espaço disponível no térreo dos condomínios. Por exemplo, havia casos de moradores da
favela que tinham negócios dedicados à reciclagem que não puderam ser adaptados aos boxes
oferecidos (Ibid.).
Outra questão foi a manutenção e fiscalização desses espaços. À época da conclusão das obras,
não ficou claro qual deveria ser a agência pública que se responsabilizaria pela regulamentação
dos boxes comerciais. Nesse sentido, houve desentendimentos entre a Agência de
Abastecimento da cidade de São Paulo e a Secretaria Municipal de Trabalho e
Empreendedorismo (Ibid.).
Quanto à fiscalização do uso dos boxes, pessoas ligadas ao tráfico de drogas local opuseram-se
à presença de funcionários da Prefeitura que deveriam cumprir essa função. Como
consequência, atualmente a facção atuante na região controla esses espaços.
Tanto a oferta de boxes comerciais aos moradores do Real Parque quanto a perda de controle
da Prefeitura sobre essa área apontam para a falha em uma tentativa promissora, que poderia
dar alento econômico a pelo menos parte das famílias de baixa renda no assentamento.
No Real Parque, não houve déficit habitacional. O cadastro no assentamento realizado em 2008
identificou 1.110 domicílios para o atendimento habitacional (SÃO PAULO; DIAGONAL, 2008) e
a SEHAB entregou 1.246 unidades depois de concluídas as obras de urbanização da favela.
Conforme uma fonte da prefeitura explicou, o saldo positivo deveu-se à inclusão de algumas
famílias que se recusaram a receber a equipe que fez o cadastro de 2008.
No Jardim Edite, o saldo quanto ao atendimento habitacional não foi tão positivo. As opções de
atendimento se deram através da realização de uma enquete, na qual, 252 famílias escolheram
receber uma unidade no Jardim Edite, 244 famílias optaram pelo recebimento da verba
habitacional (no valor de 5 mil reais), 130 entraram em financiamento para adquirir um imóvel
popular, uma família escolheu a obtenção de carta de crédito, 118 mudaram-se para o
empreendimento Campo Limpo da CDHU e 54 preferiram aguardar em auxílio aluguel, até a
conclusão do conjunto residencial Estevão Baião. Além disso, 69 famílias foram atendidas no
Jardim Edite II, entregue em 08 de agosto de 2017.
E, mesmo com todas essas questões, o caso do Jardim Edite ainda é uma exceção no cenário do
atendimento habitacional da OUCAE, por ainda atender parte das famílias no mesmo local que
habitavam.
Já nos condomínios do Jardim Edite I, conforme relata Ventura (2019), a despesa mensal
corresponderia a 30% da renda familiar, sendo, aproximadamente, 40 reais com o gás, 60 reais
com a água, 200 reais com energia elétrica e no mínimo 150 reais do Termo de Permissão de
Uso (TPU). Quanto ao valor do condomínio, o mesmo varia de acordo com o bloco, entre
R$100,00 à R$130,00 reais.
Aí está uma face severa do chamado “desenvolvimento urbano”: o aumento das despesas nas
áreas sujeitas a melhorias urbanas e à formalização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme relatamos ao longo do trabalho, ainda que o instrumento da OUC tenha viabilizado
uma nova centralidade financeira e imobiliária junto a setores paulistanos, é notória a falta de
participação da população de baixa renda no processo. Nesse contexto, as favelas tornaram-se
um obstáculo na realização dos projetos vinculados ao capital global e na competição entre as
cidades.
Ao observamos o tratamento dado às favelas Real Parque e Jardim Edite, percebemos que,
embora a substituição total por conjuntos habitacionais tenha trazido uma mudança positiva
quanto à melhoria da infraestrutura e habitabilidade, as novas despesas com moradia em um
local extremamente valorizado impactaram bastante no orçamento das famílias. Naturalmente,
o surgimento dessas despesas dificultou a permanência da população nessas áreas. Além disso,
a intervenção caracterizada pela remoção total pode ser questionada à medida que teve como
grande objetivo a manutenção do potencial de valorização dessas regiões da cidade. Tudo isso
torna evidente a forma como a questão habitacional é em grande medida tratada em São Paulo:
em conformidade com os interesses do mercado.
Mesmo com a construção dos edifícios no mesmo local das favelas, nota-se que a habitação não
foi prioridade no contexto das operações urbanas. A prioridade foi dada às grandes obras viárias
e de infraestrutura, que tiveram como finalidade atrair os investidores para essas regiões. Nas
intervenções realizadas no âmbito das OUCs concluímos que não houve uma proposta para a
Assim, fica evidente a dificuldade de o poder público realizar ações que favoreçam a
permanência da população de baixa renda nas áreas valorizadas da cidade. Vemos, por fim, que
os recursos públicos e privados têm sido canalizados no plano para uma cidade global e não para
uma cidade voltada a todos.
REFERÊNCIAS
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Vozes, 2002
RODRIGUES, Artur. “SP quer vender área superior à de 100 shoppings em créditos de construção”. Folha
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<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/sp-quer-vender-area-superior-a-de-100-shoppings-
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SASSEN, Saskia. The Global City: New York, London, Tokyo. Princeton University Press, 1991.
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