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LITERATURA NORTE-AMERICANA

MODERNIZAÇÃO DOS
PADRÕES ESTÉTICOS
E AS MANIFESTAÇÕES
ARTÍSTICAS NA
LITERATURA
Autoria: Ma. Anay Cardoso Miranda

Revisão técnica: Ma. Raquel Rossini Martins Cardoso


Introdução

Você conhece o percurso que levou os norte-americanos a alcançarem fama


mundial como excelentes contistas, poetas e dramaturgos? Além disso, você
sabe como era a literatura estadunidense quando o país passava por conflitos
armados? Essas perguntas podem ser respondidas quando observamos os
trajetos percorridos pelos Estados Unidos da América ao longo dos anos, que
saíram de uma produção rural e localizada e caminharam rumo ao seu
reconhecimento como uma grande potência mundial capitalista.
O percurso dos estadunidenses durante os conflitos foi árduo, mas pôde ser
registrado pelos autores norte-americanos, que se esforçaram em apresentar
aos próprios conterrâneos e ao mundo o que se passou no país na saída dos
últimos anos do século XIX até os primeiros sessenta anos do século XX. Desse
modo, nesta unidade, você poderá conferir esse percurso empreendido pelo
povo por meio das obras literárias e pela visão dos autores modernistas.
Também poderá analisar como essas obras manifestaram a diversidade das
visões de mundo em diferentes épocas do Modernismo americano, observando,
finalmente, o modo como essas visões foram propagadas pelo mundo.
Com isso, ao final desta unidade, você terá compreendido a importância do
Modernismo para a determinação do lugar da cultura e da literatura norte-
americana no mundo ocidental, tendo acesso ao vasto leque de possibilidades
experimentais que foi possível verificar na poesia e na prosa, e explorando seus
meandros por meio da palavra escrita. De igual modo, você refletirá sobre as
diferentes formas com que o ser humano histórico pode ser analisado, e, por sua
vez, verá como a realidade pode ser diferente para o ser humano histórico.
Bons estudos!

Tempo estimado de leitura: 41 minutos.

3.1 Modernismo e a experimentação


O Modernismo norte-americano esteve em voga nas primeiras décadas do
século XX e, portanto, abrange o período histórico relativo à Primeira Guerra
Mundial (1914-1918) e à Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Nesses anos é
que se viu florescer a experimentação, despertada pela vocação particularmente
vivaz da criatividade e pela busca pela liberdade de expressão, bastante
exercitadas no século XX. Os autores norte-americanos do Modernismo tinham
uma profissão definida afora a de escritores e tal fato pode ter levado para o
texto escrito uma grande parte dos projetos de experimentação realizados por
esses autores.
Com a inserção das emendas à Constituição Americana e com o trabalho
incessante dos políticos, já no século XX, percebeu-se que o trabalho nas
cidades não combinava com o uso de bebidas alcoólicas, e logo a Lei Seca
(1920-1939), definida pela 18ª Emenda, iria modificar em muito as relações
comerciais nas cidades. Nos períodos pós-guerras, ainda, os jovens americanos,
enriquecidos pela moeda forte e experimentando a modernidade que emergia,
passaram a viver bem e a viajar frequentemente pela Europa, expondo-se às
novas tendências estéticas, como o Expressionismo e o Simbolismo.
Figura 1 - Constituição Americana (1789)
Fonte: Mike Flippo, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Fotografia de um papel sobre uma mesa. No
papel, que simula a Constituição Americana
assinada em 1789, é possível ler, em letras
cursivas e em destaque, a expressão “We the
people”. O papel está amarelado, representando
que é mais velho.

Autores como Gertrude Stein (1874-1946), William Carlos William (1883-1963),


Francis Scott Key Fitzgerald (1896-1940) e William Faulkner (1897-1962)
realizaram experiências com outras manifestações artísticas, revelando a
relação estética das diversas artes com a literatura e apresentando essas
interseções de modo definitivo, fato que os consagrou como grandes
representantes da literatura norte-americana do século XX.

TESTE SEUS CONHECIMENTOS


(ATIVIDADE NÃO PONTUADA)

“Os americanos dos incríveis anos 20 se apaixonaram por outras diversões


modernas. A maioria ia ao cinema uma vez por semana. Embora a Lei Seca — o
banimento nacional da produção, transporte e venda de álcool instituída pela 18ª
Emenda à Constituição Americana — tenha iniciado em 1919, proliferavam os
bares clandestinos e as boates apresentando jazz, coquetéis e ousados
modismos de roupa e dança [...]. As mulheres americanas, em particular,
sentiam-se liberadas”.

VANSPANCKEREN, K. Perfil da literatura americana. [S. l.]: Departamento de


Estado dos Estados Unidos da América, 1994. p. 60.

Diante do contexto apresentado, é correto afirmar que muitos jovens norte-


americanos e futuros autores da literatura modernista:

a) viveram de modo boêmio, pois as cidades cresciam e havia


grande necessidade de trabalhadores jovens nas fábricas
abertas no país.

b) viveram a dura realidade do isolamento social e se


afugentaram em seus próprios mundos, buscando vilas e
bosques no interior do país.

c) passaram a ter condições de comprar diversos itens de


consumo que facilitaram suas vidas nos Estados Unidos,
evitando que saíssem desse território.
d) tiveram que disputar espaços nas cidades repletas de
imigrantes e pessoas mais pobres e em núcleos familiares
diversos, pois suas famílias estavam no campo.

e) foram morar na Europa e lá puderam viver de modo


confortável, voltando posteriormente para os Estados Unidos e
produzindo, então, sua própria literatura.

VERIFICAR

Diante desse contexto inicial, na sequência, aprofundaremos nossos estudos


sobre o Modernismo norte-americano, analisando algumas produções
importantes desse período.

3.1.1 Poemas “The love song of J. Alfred Prufrock” e “Stopping


by woods on a snowy evening”
A poesia ganhou no Modernismo um brilho excepcional não apenas pelos seus
representantes, mas também pela riqueza de temas e de técnicas empregadas
em sua composição. Thomas Sterns Eliot, ou simplesmente T. S. Eliot (1888-
1965), foi um desses autores que respeitaram a tradição daquele momento, e
por ter morado na Europa, reforçou suas raízes que se assentavam na produção
de grandes poetas ingleses.
Em 1915, Eliot escreveu “The love song of J. Alfred Prufrock”, que trata de um eu-
lírico, denominado J. Alfred Prufrock, que deseja “cantar” o amor por uma
mulher.

Let us go then, you and I,

When the evening is spread out against the sky

Like a patient etherized upon a table;

Let us go, through certain half-deserted streets,


The muttering retreats
Of restless nights in one-night cheap hotels

And sawdust restaurants with oyster-shells:

Streets that follow like a tedious argument

Of insidious intent

To lead you to an overwhelming question ...

Oh, do not ask, “What is it?”

Let us go and make our visit.

(Vamos então, você e eu,


Quando a noite se espalha em
contraste com o céu
Como um paciente eterizado
sobre uma mesa;
Vamos, por certas ruas
semidesertas,
Os murmúrios recuam
De noites agitadas em hotéis
baratos de uma noite
E restaurantes de serragem
com conchas de ostra:
Ruas que seguem como uma
discussão tediosa
De intenção insidiosa
Para levá-lo a uma questão
esmagadora ...
Oh, não pergunte: “O que é?”
Vamos fazer a nossa visita.)
(ELIOT, 2021, on-line, tradução
nossa).

Em termos de técnica, Eliot escolheu um tipo de poema muito apreciado no


período vitoriano, o dramatic monologue (monólogo dramático), escrito como se
fosse realmente um monólogo, como se houvesse um discurso para um outro
eu, um público ou uma plateia. O poema na língua original foi escrito para ser
lido em voz alta e isso é importante, pois marcará o esquema de rimas, que não
foi construído aleatoriamente.
Como Eliot apenas presume expectadores de sua tentativa de conquista, ele faz
referência a “eles” e encerra o poema de um modo formal, lembrando um soneto,
com rimas marcadas.

I have seen them riding seaward on the waves

Combing the white hair of the waves blown back

When the wind blows the water white and black.

We have lingered in the chambers of the sea

By sea-girls wreathed with seaweed red and brown

Till human voices wake us, and we drown.

(Eu os vi cavalgando em
direção ao mar nas ondas
Penteando os cabelos brancos
das ondas sopradas de volta
Quando o vento sopra a água
branca e preta.
Nós nos detivemos nas
câmaras do mar
Por garotas do mar envoltas em
algas vermelhas e marrons
Até que vozes humanas nos
acordassem e nos
afogássemos.)
(ELIOT, 2021, on-line, tradução
nossa).

Eliot também é conhecido por “The hollow man”, de 1925. Como em outros de
seus poemas, este trata da mente humana e de suas perturbações frente aos
outros e ao mundo. Já Old possum’s book of practical cats, de 1939, é uma
seleção de poemas escritos para seus afilhados sobre a vida dos gatos.
Outro poeta de grande expressividade entre os americanos e conhecido
mundialmente é Robert Lee Frost (1874-1963). Para Peter High (2000), Frost
também foi um tradicionalista que inovou, ou seja, ele utilizou técnicas
tradicionais de produção do verso, porém, com tons modernistas, visto que
apresentava ironia, aprofundamento filosófico e muitas vezes simplicidade para
tratar de temas universais como a vida e a morte. Um dos mais conhecidos
poemas desse autor é “Stopping by woods in a snowy evening”, de 1923.

Whose woods these are I think I know.

His house is in the village though;

He will not see me stopping here

To watch his woods fill up with snow.

My little horse must think it queer

To stop without a farmhouse near


Between the woods and frozen lake

The darkest evening of the year.

He gives his harness bells a shake

To ask if there is some mistake.

The only other sound’s the sweep

Of easy wind and downy flake.

The woods are lovely, dark and deep,

But I have promises to keep,

And miles to go before I sleep,

And miles to go before I sleep.

(De quem são esses bosques


que acho que conheço.
Apesar de a casa dele ficar no
vilarejo;
Ele não me verá ficar aqui
Para ver os bosques dele se
encherem de neve.

Meu cavalinho deve pensar que


é esquisito
Não parar próximo a uma casa
de fazenda
Entre a floresta e o lago
congelado
Na

mais escura noite do ano.
Ele dá uma sacudida no chicote
ressonante
Para perguntar se há algum
engano.
O único outro som é do arrasto
Do vento leve e dos flocos
felpudos.

O bosque é adorável, escuro e


profundo,
Mas tenho promessas que
guardo,
E milhas a percorrer antes de
dormir,
E milhas a percorrer antes de
dormir.)
(FROST, 2021, on-line, tradução
nossa).

Esse poema revela a presença da tradição também seguida por Frost, como
ocorre em Eliot. A frequência no uso das rimas marca o tetrâmetro iâmbico, isto
é, versos de quatro pés, alternando sílabas fortes e fracas, o que caracteriza,
nesse poema, o movimento realizado pelo eu-lírico enquanto ele aprecia a
paisagem.
Figura 2 - Imagem do escritor Robert Lee Frost em um selo
Fonte: Mirt Alexander, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Imagem de um selo comemorativo em preto e
branco do poeta norte-americano Robert Lee
Frost, já idoso, olhando para a direita. Na parte
inferior do selo, está escrito: American poet.

Vanspanckeren (1994) ressalta que Frost ganhou popularidade por conta dos
temas abordados e de sua técnica, que agradaram ao público. De fato, Frost é
internacionalmente conhecido por sua empatia e pelo aprofundamento singelo
de suas obras, demonstrando, por outro lado, também preocupações
existenciais que perpassam a modernidade. Esta está repleta de eventos
históricos marcantes e que representam a constituição de indivíduos que se
preocupam com a discussão sobre a vida, a sociedade, o mundo e as
convenções.

VOCÊ SABIA?
A música “Memory”, de 1981, foi inspirada em poemas de Eliot:
“Preludes”, escrito entre 1910 e 1911, e “Rhapsody on a windy night”, de
1911. Trevor Nunn escreveu a letra da música em 1981, e, posteriormente,
Andrew Lloyd Weber a musicou. A partir dos poemas mencionados, os
artistas produziram Cats (1981), musical que até hoje faz sucesso e que
também foi levado ao cinema, tanto em 1998 quanto em 2019.

Como já afirmado, tanto Eliot como Frost seguiram uma tradição composicional
marcada pela herança europeia. Suas fontes são essas, porém, como estão
localizados em tempos modernos, acrescentam elementos e estendem suas
composições a novos e profundos limites.

3.1.2 O romance The old man and the sea


Ernest Miller Hemingway (1899-1961) foi um escritor norte-americano que
também trabalhou na Cruz Vermelha e como jornalista. Entre seus maiores
trabalhos estão The sun also rises (1926), que trata da ida de pessoas de Paris
para o Festival de São Firmino, em Pamplona, na Espanha, e For whom the bell
tolls (1940), que narra a história de um americano voluntário na Espanha no
período da Guerra Civil espanhola (1936-1939). A ambientação e os fatos dessa
obra pressupõem um leitor conhecedor da situação espanhola, porém, define os
limites entre os poderes em jogo no conflito.
Entretanto, foi com The old man and the sea (1952) que Hemingway foi
amplamente reconhecido, tendo recebido, por essa obra, o prêmio Pulitzer em
1953 e o Nobel de Literatura em 1954. Na história, um velho pescador, Santiago,
junto de um jovem amigo chamado Manolin, está em Cuba, em alto-mar. Ao
longo do livro, Santiago luta para pescar um peixe que, no entanto, resiste.
VOCÊ QUER VER?
O filme The old man and the sea, de 1958, dirigido por John Sturges, foi
baseado no romance homônimo de Hemingway. A fotografia e a trilha
sonora foram premiadas, e Spencer Tracy, o protagonista, ganhou o Óscar
de melhor ator em 1959. Vale a pena conferir esse filme que apresenta
um roteiro adaptado de grande força e beleza.

Hemingway viveu em Cuba entre 1940 e 1950 e pescou enquanto esteve lá,
portanto, sua percepção da realidade e sua crítica social, expressas na obra, se
entrelaçam às experiências pessoais que ele viveu no país e denotam o caráter
realista de The old man and the sea.

3.2 Poesia experimental e a antitradição

Na poesia americana do Modernismo, especialmente após a Segunda Guerra


Mundial, como reforça Vanspanckeren (1994), houve um momento de quebra
com a tradição e as produções poéticas passaram à liberdade de caracterizar a
unicidade dos momentos vividos pelo ser humano. Isso significa, segundo a
autora, que a originalidade foi o ponto-chave. Assim, temos autores como
William Carlos William (1883-1963), Edward Estlin Cummings (1894-1962) e Ezra
Weston Loomis Pound (1885-1972), que realizaram grandes feitos relacionados
à arte poética no século XX.
William Carlos William experimentou a visualidade em suas produções, pois seu
gênio o manteve próximo ao imagismo, utilizando uma linguagem direta na
representação de imagens de modo a buscar uma descrição precisa de coisas
casuais. Ele escreveu, por exemplo, em 1934, “This is just to say”, que se trata de
uma confissão sobre ter comido ameixas. De imediato, parece algo bastante
inoportuno para uma poesia, porém, é o modo como o autor apresenta a
confissão que faz a diferença, como se o eu-lírico estivesse escrevendo um
bilhete para alguém avisando sobre o que ocorreu.
Edward Estlin Cummings, ou E. E. Cummings, assim como Emily Dickinson
(1830-1886), outra importante escritora norte-americana, produzia diariamente,
como se esse fosse um exercício não apenas de escrita, mas de expressão pura.
Além disso, guardadas as diferenças entre os autores, à semelhança de
Dickinson, ele feria a sintaxe e procurava experimentar diferentes formas de
dinamizar a linguagem, como um exercício de eloquência.
Figura 3 - Imagem da residência de Cummings em Greenwich Village, Manhattan, New York
Fonte: Massimo Salesi, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Fotografia externa do prédio em que residia o
poeta estadunidense Cummings, onde se
reuniam inúmeros outros poetas do
Modernismo americano. Na imagem, está o
prédio com três andares, em vista frontal, sendo
que cada andar tem quatro janelas nessa parte
do edifício. Há também uma escada de incêndio
à frente do prédio.
Já Ezra Weston Loomis Pound, como William Carlos William, foi adepto do
imagismo. Foi um exemplo didático para muitos autores e influenciou
enormemente Eliot, com quem tinha amizade e cujas obras lia, oferecendo seu
ponto de vista sobre elas. Viveu na Europa até sua morte, porém, foi muito
participativo quanto aos problemas e às conquistas dos Estados Unidos,
acompanhando-os de longe.

Seguindo a divisão de Vanspanckeren (1994), os poetas do campo experimental


são incluídos em escolas, a saber, Escola de Black Mountain, Escola de São
Francisco e Escola de Nova Iorque, nas quais se destacaram muitos nomes
importantes da produção literária americana, elencados a seguir, que atuaram
localmente influenciando outros escritores.

Edward Estlin Cummings (1894-1962).

Charles Olson (1910-1970).

Kenneth Koch (1925-2002).

Frank O'Hara (1926-1966).

John Ashbery (1927-2017).

Gary Snyder (1930-).


Esses autores relacionaram diferentes experiências com a música e com a
pintura, bem como se destacaram como poetas de vanguarda, do pós-
Modernismo ou da segunda geração do Modernismo, posto que existem
inúmeras denominações, dependendo da orientação seguida em relação aos
anos compreendidos entre 1930 e 1970.
A seguir, conheceremos com detalhes cada uma das escolas do campo
experimental, como destacadas por Vanspanckeren (1994).

3.2.1 Caracterização das escolas de Black Mountain, de São


Francisco e de Nova Iorque
A Escola de Black Mountain está relacionada aos autores que atuaram no Black
Moutain College, fundado no ano de 1933 em uma localidade próxima a
Asheville, no estado da Carolina do Norte. Antes do fechamento dessa
instituição, em 1957, ainda nos anos 1950, Charles Olson (1910-1970), poeta
que morou no Greenwich Village, em Nova Iorque, local habitado por outros
autores, como Cummings, foi um grande defensor de uma linguagem poética
voltada para o ritmo da respiração mais que pelo uso da sintaxe ou da métrica. O
manifesto de Olson, denominado Projective verse (1950), trouxe à tona a
orientação de que a poesia deveria basear sua composição no som, como
abertura do verso, e não mais na métrica tradicional.
Robert Edward Duncan (1919-1988), por seu turno, também associado à Escola
de São Francisco, escreveu The opening of the field (1960), uma coleção de
poemas que refletia, em versos livres e elaborados como se fossem uma prosa
poética, a vivência impessoal, mística e sacerdotal que o autor experimentou na
produção.
Robert White Creeley (1926-2005), finalmente, era amigo dos dois outros
autores da escola, Charles Olson e Robert Duncan, porém, divergia deles no que
se referia à estética. O poema “The hero”, da coletânea Collected poems,
publicada em 1982, apresenta um número fixo de sílabas nos versos,
evidenciando um formalismo bem marcado. Por esse fato, esse autor destoava
do grupo, tendo nele permanecido, contudo, por amizade e fidelidade aos
amigos.
No que se refere à Escola de São Francisco, esta levou para a literatura nacional
uma influência oriental e o foco na conexão com a natureza, presente na
geografia da instituição que sedia a escola, Sierra Nevada Mountains. As
montanhas são, assim, um local de apreensão dos sentimentos e onde se
situam esses poemas. São representantes dessa escola Gary Snyder (1930-) e
Diane di Prima (1934-2020).

Associou o budismo à produção poética e elevou


Gary a questão da força da natureza e da
Snyder espiritualização do ser humano. Também
participou do movimento Beat, com Allen
Ginsberg. Entre seus trabalhos, temos Myths &
texts (1960), que trata da filosofia budista em
colaboração com um espiritualismo ameríndio.
Além disso, essa obra apresenta a consciência
da terra e do pertencimento a ela.

Também associada ao movimento Beat, di Prima


tinha convicções semelhantes às de Snyder,
evidenciando sua adesão à espiritualização e
Diane aos aspectos mitológicos que perpassam a
di religiosidade mística. Sua poesia é desafiadora e
Prima
forte, apresentando uma formalidade relativa e
mantendo um aprofundamento realmente
desafiador dos aspectos mitológicos que
apresenta.

Finalmente, a Escola de Nova Iorque é diferente das demais, uma vez que se
engajou nas questões políticas mais que nas questões espirituais. Seus maiores
representantes são John Ashbery (1927-2017), Frank O'Hara (1926-1966) e
Kenneth Koch (1925-2002).
John Ashbery apresenta uma sintaxe livre em seus poemas, apimentada com
um pouco de humor e tentando conciliar a tradição fortemente presente na
literatura americana com a inovação característica dos períodos modernista e
pós-modernista. Escreveu, entre outras muitas produções premiadas, “The
skaters”, da coletânea Rivers and Mountains, de 1964. Tal coletânea é composta
por poemas longos que usam a técnica do pastiche, isto é, da imitação, com
formalismo repetido de outros autores da tradição, porém, muito elaborados na
retórica, fazendo com que a técnica seja esquecida.
VOCÊ O CONHECE?
Irwin Allen Ginsberg (1926-1997) foi um escritor e poeta norte-americano
que participou dos Beat Poets juntamente com Jack Kerouac. Ele foi,
além de autor, filósofo e ativista da contracultura. Em 1956, escreveu
“Howl”, que gerou muitos conflitos para ele, visto que se trata de um
poema dedicado a Carl Solomon (1928-1993), autor americano que
denunciou o tratamento de pacientes com eletrochoques. Ginsberg
morou no Harlem, Nova Iorque, e em São Francisco, onde conheceu seu
companheiro Peter Orlovsky (1933-2010), ator e poeta americano.

Frank O’hara teve grande influência da música, do Surrealismo e do


Expressionismo. Foi curador e crítico de arte e escreveu um manifesto
denominado Personism: a manifesto (1959), no qual ele indica que o
personalismo não tem a ver com filosofia e sim com arte, sendo mais humano
que linguístico no sentido de que há a necessidade de interpretar mais que de
representar.
Figura 4 - Imagem de uma placa em São Francisco, Califórnia, alusiva ao escritor Jack Kerouac
Fonte: Paul Juser, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Fotografia de uma placa que faz alusão a um dos
Beat Poets americanos, Jack Kerouac. A placa é
metálica e apresenta, na parte superior, a
inscrição “end”, em maiúsculas, e na parte
inferior, a inscrição, “adler” também em letras
maiúsculas, mas menores. No centro, está o
nome do escritor.

Em união com a Escola de São Francisco, surgiram os poetas Beats nos anos
1950. Nesse grupo, verifica-se, sobremaneira, a experimentação da música, em
particular do jazz americano. Como influência das outras escolas, nota-se
também uma inspiração oriental no que era produzido por esse grupo. Entre os
representantes dos Beats, temos Jack Kerouac (1922-1969), cuja obra mais
conhecida é o romance On the road (1957), adaptado para o cinema; Gregory
Corso (1930-2001), que se destacou pelo poema “Marriage” (1960); e Allen
Ginsberg (1926-1997), do qual destacamos o poema “Howl” (1956).

VAMOS PRATICAR?

A partir do que você leu sobre as escolas de


Black Mountain, de São Francisco e de Nova
Iorque, escolha dois autores de escolas
diferentes e procure analisar um poema de cada
autor, observando no que eles se assemelham e
no que se distanciam. Analise não apenas rimas,
ritmos e métricas, mas também figuras de
linguagem, jogos de palavras, sintaxe, temas,
relações entre as produções e a sociedade, entre
outros aspectos constitutivos dos poemas.

3.2.2 Surrealismo e Existencialismo


Segundo Vanspanckeren (1994), o Surrealismo, movimento que iniciou na
Europa após a Primeira Guerra Mundial, só pôde ter maior acolhida nos Estados
Unidos a partir dos anos 1960 e mais especificamente por ocasião da Guerra do
Vietnã (1955-1975).
O Surrealismo espanhol foi uma inspiração para os autores estadunidenses. Ele
iniciou nos anos 1920 e ganhou grande abrangência nas artes e na literatura,
chegando à América posteriormente, com grande força. Sua principal
característica era justapor a realidade e o sonho, o que gerou empatia entre os
estadunidenses.
Autores como Robert Elwood Bly (1926-) e Mark Strand (1934-2014) são nomes
de surrealistas conhecidos nos Estados Unidos. Bly, por exemplo, enalteceu
vigorosamente, na prosa, o movimento de mitopoética dos homens, isto é, da
compreensão de que os homens necessitavam, desde muito jovens, ser guiados
rumo ao amadurecimento.
Bly escreveu uma vasta obra, que inclui tanto poesia quanto prosa, além de ter
traduzido inúmeras outras obras. Ele trabalhou com os mitos e com os
arquétipos, seguindo uma linha mais espanhola, e criticou duramente alguns
escritores americanos que seguiam modelos europeus, como Eliot. Entre suas
coletâneas, destaca-se Morning poems (1997), que contém uma série de
poemas do autor.
Mark Strand, por sua vez, seguiu um caminho mais voltado para o Surrealismo
francês ou orientado pela visualidade e pela escrita automática. Sua poesia traz
nostalgia e imagens difusas, sem rima ou métrica definida. Como Bly, produziu
muitos escritos, entre poesia e prosa, assim como foi um tradutor. Dele, destaca-
se o livro The story of our lives (1973), também uma série de poemas de Strand.
Figura 5 - Quadro O grito (1893), de Evard Munch (1863-1944)
Fonte: Arif_S, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Imagem do quadro O grito, de 1893, do pintor
norueguês Edvard Munch (1893-1944). A pintura
retrata uma imagem distorcida de um homem
gritando em uma paisagem que, pelas cores,
remete ao pôr do sol.

Enquanto o Surrealismo produziu fecundos frutos na poesia e na prosa


estadunidense, o Existencialismo, movimento de origem controversa, mas
convencionada à figura do filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980), recebeu
acolhida após a Segunda Guerra Mundial. Nos Estados Unidos, autores como
Walker Percy (1916-1990) e John Gardner (1933-1982) representaram muito bem
esse movimento.

Percy apresenta o ser humano como deslocado de seu tempo, ou seja, ele
evidencia o modo como as pessoas lidam com a não identificação com o
momento em que vivem. No romance The moviegoer (1961), ele apresenta Jack
“Binx” Bolling, que sofreu na infância sulista e na Guerra da Coreia e que, por
isso, decidiu alienar-se do mundo por meio do cinema. Já Gardner pregava um
Existencialismo cristão, voltado para os valores morais e éticos como expressão
da essência divina do ser humano.

TESTE SEUS CONHECIMENTOS


(ATIVIDADE NÃO PONTUADA)

“[...] Nos Estados Unidos, a geração surgida após Walt Whitman e Mark Twain
voltou seu olhar para uma face do país que se desenhava com a industrialização
e a urbanização, expondo a realidade sofrida dos despossuídos da sociedade
capitalista. Nas primeiras décadas do século XX, uma efervescência cultural de
amplitude inédita deu origem ao Modernismo”.

FERRO, J. Introdução às literaturas de língua inglesa. 2. ed. Curitiba:


InterSaberes, 2015. p. 269.

Sobre o Modernismo estadunidense, analise as afirmativas a seguir.


I. Se os problemas do ser humano comum podem ser descritos no Modernismo,
uma simples proposição, como a escrita em um bilhete, também pode ser
considerada poesia.
II. As tendências modernistas abrangiam histórias de estrangeiros que se davam
bem no país e que cooperavam para o projeto de industrialização nacional.
III. Foi possível experimentar muitas formas de expressão no Modernismo,
mesmo que houvesse, inicialmente, o ferir das regras tradicionais de escrita para
fins de liberdade.
IV. O cenário político era muito explorado no Modernismo como tema e havia
entre os autores o consenso de que essa realidade tinha que ser mostrada.
V. As poesias continham somente elementos concretos que se justapunham
para formar um único aglomerado de imagens difusas características da era em
que se inseriam os autores.
Está correto apenas o que se afirma em:

a) I, II e V.

b) I e III.

c) II, III e IV.

d) I, III, IV e V.

e) II, IV e V.

VERIFICAR

3.3 Prosa americana no Realismo e na


experimentação

A prosa americana muito produziu dentro de um estilo realista, que começou a


se constituir no século XIX e que ganhou enorme força no século XX, sobretudo
em virtude dos conflitos armados, dos avanços tecnológicos e em decorrência
de um ser humano que manifestava grande temor frente aos rápidos
acontecimentos dos primeiros cinquenta anos do século XX.
Com a chegada da televisão e do cinema, a literatura procurou entender essas
novas linguagens e passou a incorporá-las em um movimento contrário ao que
ocorreu nos primeiros anos do século XX. O estilo realista, então, atravessou as
décadas sendo refinado de uma descrição crua dos fatos, separada da
percepção humana desses episódios — o que ocorria em Mark Twain, por
exemplo, com as histórias de Tom Sawyer e de Huckleberry Finn (de 1976 e de
1884, respectivamente) —, a um Realismo pós-moderno — como o de Tennessee
Williams (1911-1983), dramaturgo americano que escreveu A street car named
desire (1947) —, para uma visão do ser humano como deslocado de seu grupo
mesmo vivendo em sociedade.

Nos anos primeiros anos do século XX, William Dean Howells


(1837-1920) foi a maior expressão do Realismo americano.

Sua estética representou a life-like, ou seja, a representação


ficcional da realidade.

Em sua vasta produção, apresentou personagens que


fracassavam diante dos desafios morais impostos pela
sociedade corrupta.

Contemporâneo a Howells, Ambrose Bierce (1842-1914) foi um veterano da


Guerra Civil americana (1861-1865) que se opôs ao Realismo de Howells, na
medida em que pregava que o ser humano é que desvirtuaria a sociedade. Em
seu livro Tales of soldiers and civilians (1891), Bierce apresenta, muitas vezes
com ironia e de modo muito violento, duas partes da realidade da guerra: os
soldados e os civis.
Outro autor muito importante desse momento é John Steinbeck (1902-1968),
que demonstrou grande poder em retratar a realidade dos agricultores afetados
pela seca em Grapes of wrath (1939). Nesse romance, com pano de fundo ligado
ao período da Grande Depressão americana (1929-1930), temos uma descrição
realista com um maior engajamento político, revelando um Realismo consciente
da relação do ser humano com o mundo. Ele descreveu as decepções de seu
povo, retratando a vida dos habitantes do país em busca de trabalho e de
condições de vida em outros lugares.
Figura 6 - Selo relativo ao romance Grapes of wrath, do romancista John Steinbeck
Fonte: rook76, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Selo relacionado a um dos romances do autor
americano John Steinbeck, Grapes of wrath.
Nele, consta uma família americana, um
caminhão e uma paisagem de seca ao fundo.
Também há, no canto superior esquerdo do selo,
a imagem do autor dentro de um círculo.

Finalmente, Tennessee Williams foi um dramaturgo realista que teve como fonte
de inspiração para seus personagens e temas as suas próprias relações
familiares. Ele apresentou um Realismo com maior tom freudiano, ou seja, de
exploração das emoções e do inconsciente humano. Entre seus escritos,
possivelmente A streetcar named desire (1947) tem a maior importância, pois
descreve a história de uma família cujas mulheres vivem realidades distintas:
uma é esposa de um homem vigoroso, mas violento, e a outra é uma mulher
solteira e frágil.

Se o Realismo atravessou muitas décadas, a experimentação de novas técnicas


no Modernismo americano também o fez. Para Vanspanckeren (1994), os
poetas da experimentação negaram as formas e as determinações que vinham
da tradição literária americana. Altamente influenciados pela oralidade e pela
mídia, desenvolveram novas formas de expressar a realidade, convencidos de
que assim era o novo moderno, disperso das ideologias do Modernismo e mais
próximos da representatividade do performático popular, como apresentado na
poesia experimental e na antitradição.

VAMOS PRATICAR?

A partir do que você leu sobre o Modernismo


americano, escreva um resumo crítico sobre o
momento, apresentando como os autores e
suas obras retrataram a situação dos
estadunidenses que viveram entre os anos 1920
a 1960. Escolha, para essa tarefa,
representantes que, em sua opinião,
caracterizaram, da melhor forma possível, os
momentos mais marcantes da história norte-
americana.

CONCLUSÃO
Nesta unidade, você pôde constatar que o Modernismo, no que se refere à
literatura norte-americana, provocou a ascensão da cultura e da produção escrita
nacional e sua projeção para o mundo. Certamente, o contexto em que viviam os
homens e as mulheres durante as primeiras décadas do século XX foram
determinantes para que esse movimento ganhasse força.
Além disso, como foi possível notar, os conflitos armados e a grande
prosperidade advinda da industrialização não trouxeram a paz e a satisfação a
todos os estadunidenses, como apresentado na literatura. Muito pelo contrário,
houve a descoberta da fragilidade humana e o desvendar de uma nação que
passou a abrigar um caldeirão de culturas e de manifestações religiosas.
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

analisar as relações entre literatura e sociedade,


desenvolvendo uma postura crítica embasada;

analisar criticamente poemas da época modernista;

compreender o contexto histórico e social do


desenvolvimento da poesia experimental, ligada à
antitradição;

compreender o contexto histórico e social do surgimento


das escolas de Black Mountain, de São Francisco e de
Nova York;

reconhecer as principais características do Surrealismo e


do Existencialismo;

identificar as características da prosa americana no


Realismo e na experimentação.

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Referências
ELIOT, T. S. The love song of J. Alfred Prufrock . Poetry Fundation,
Chicago, 2021. Disponível em:
https://www.poetryfoundation.org/poetrymagazine/poems/44212/the-
love-song-of-j-alfred-prufrock
(https://www.poetryfoundation.org/poetrymagazine/poems/44212/the-
love-song-of-j-alfred-prufrock). Acesso em: 15 maio 2021.

FERRO, J. Introdução às literaturas de língua inglesa. 2. ed. Curitiba:


InterSaberes, 2015.

FROST, R. Stopping by woods on a snowy evening. Poetry Fundation,


Chicago, 2021. Disponível em:
https://www.poetryfoundation.org/poems/42891/stopping-by-woods-on-
a-snowy-evening
(https://www.poetryfoundation.org/poems/42891/stopping-by-woods-on-
a-snowy-evening). Acesso em: 15 maio 2021.

HIGH, P. An outline of american literature. Londres: Longman, 2000.

O VELHO e o mar. Direção: John Sturges. Burbank: Warner Bros.


Entertainment, 1958. 1 fita de vídeo (87 min), VHS, son., color.

VANSPANCKEREN, K. Perfil da literatura americana. [S. l.]: Departamento


de Estado dos Estados Unidos da América, 1994.

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