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LITERATURA NORTE-AMERICANA

A
CONTEMPORANEIDAD
E NA LITERATURA
NORTE-AMERICANA
Autoria: Ma. Anay Cardoso Miranda

Revisão técnica: Ma. Raquel Rossini Martins Cardoso


Introdução

Você sabia que muitos best-sellers norte-americanos, adaptados ou não para o


cinema ou para a televisão, foram escritos no século 20? Você poderia
determinar o quanto os conflitos armados podem marcar a vida de um povo?
Tais considerações caracterizaram, de fato, a produção literária nos Estados
Unidos naquele século e no presente, e definiram como o povo foi capaz de
acolher tantos homens e mulheres vibrantes, além de suas personagens.
Nesta unidade, você acompanhará o panorama histórico, literário e cultural que
definiu a contemporaneidade do povo norte-americano nos anos anteriores às
guerras e posteriores a elas. Você será apresentado(a) a autores renomados
mundialmente e que fazem parte de um cânone muito peculiar relacionado às
vivências de uma nação que abriga uma diversidade local e cultural. Você verá
que o lugar e as tradições passaram a ser valorizados novamente, com o pós-
modernismo e com a desconstrução da história desse povo, que erigiu muitos
alicerces com a massa popular e evidenciando o lugar da mulher e da força
inovadora.
Evidentemente, você poderá verificar como os autores e as autoras norte-
americanos encararam temas como a violência, a discriminação étnica e o
preconceito, entre os anos 1950 e o início do século 21, na poesia e na prosa,
com acréscimos de contribuições muito significativos para o enriquecimento da
produção e da cultura identitária.
Desse modo, ao final da unidade você terá identificado, reconhecido e analisado
fatos, eventos e obras que caracterizam essa produção, ora regional, ora
confessional, ora alegórica, interpretando como ela se manifestou em palavras e
imagens.
Bons estudos!

Tempo estimado de leitura: 43 minutos.

4.1 Poesia contemporânea norte-americana


A poesia nos Estados Unidos tem uma herança fortemente atribuída aos
primeiros anos do século 20, porém muito se pode definir sobre essa poesia a
partir da segunda metade do século, quando se firmam a poesia do eu e a
poesia do mundo.
Kathryn Vanspanckeren (1994) sugere uma divisão didática para compreender
como os poetas do século 20 trabalharam seus versos.
O que a autora denomina de poesia do “eu” (VANSPANCKEREN, 1994, p. 124)
pode ser compreendida como uma expressão da alma, em último estágio, mas
se diferencia por apresentar-se como um monólogo com apelo ao discurso
direto ou, ainda, um diálogo com a mente humana. Ela destaca alguns poetas
importantes nesse tipo de expressão do eu-lírico, como William Stanley Merwin
(1927-2019). Exemplificamos a poesia The Judgement of Paris (In: The Carrier of
ladders, 1970), que faz dialogar sobre que o ser humano, por si só, é destrutivo e
inabilitado a fazer escolhas, pois a poesia tratava do desafio do príncipe Páris,
de Troia, em relação às deusas do Olimpo: Hera, Atena ou Afrodite, para a
escolha da mais bela.
Ainda, Vanspanckeren (1994) nos apresenta a “poesia de lugar”
(VANSPANCKEREN, 1994, p.127). Aqui, não há, simplesmente, uma descrição de
lugar, como se pode pensar, mas uma apreensão da alma do lugar, como sugere
a autora. Vanspanckeren exemplifica tal expressão com o poeta Charles Wright
(1935-) e destacamos o poema The Woodpecker pecks, but the hole does not
appear (In: Scar tissue, 2007), no qual se pode perceber as imagens criadas
sobre um lugar (Montana, USA), onde paira um espírito próprio daquele ambiente
em que se encontram peculiares aspectos como as bog lillies (lírios do pântano),
orange finch, yellow finch, dun finch (os tentilhões, pássaros, laranja, amarelo e
pardo).
Figura 1 - Mapa dos Estados Unidos da América
Fonte: Maps Expert, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
A figura mostra o mapa dos Estados Unidos da
América com abreviatura dos estados. É possível
verificar a localização desses estados e a da
capital, Washington DC. Também, verifica-se a
inserção do Alasca e do Havaí, que não fazem
parte fisicamente do país, porém contabilizam,
juntamente com os 48 estados contíguos, a
nação estadunidense.

A “poesia do mundo”, destacada por Vanspanckeren (1994), simboliza a


exclusão e o pessimismo frente às perspectivas hostis que acercam o mundo
exterior. Como representantes, Vanspanckeren destaca entre os mais velhos
Richard Hugo (1923-1982), Gwendolyn Brooks (1917-2000) e Phil Levine (1928-
2015). Ressaltamos Philipe Levine, que revelou seu pessimismo em termos dos
ideais estadunidenses, pois, como filho de judeus, experimentou o
antissemitismo de religiosos de Detroit, onde a família morava. A coletânea The
Mercy (1999) faz alusão à viagem da mãe do poeta para os Estados Unidos. 
VOCÊ SABIA?
A literatura norte-americana tem muitos autores de origem judia. Alguns
deles são extremamente conhecidos pelos estadunidenses e até pelos
brasileiros, como: Isaac Asimov (1920-1992), que escreveu ficção
científica com uma vasta obra, inclusive com o conto I, Robot (1950);
Gertrude Stein (1874-1946), poeta, escritora e dramaturga, muito influente
no meio artístico e literário; Paul Auster (1947-), escritor e diretor, criador
de Mr. Vertigo (1994), que trata da história de um órfão, Walt. 

Robert Trail Spence Lowell IV, ou Robert Lowell (1917-1977), foi um dos mais
influentes poetas da contemporaneidade, vindo a influenciar inúmeros outros
poetas. Difere dos poetas do “eu” e “do mundo”, na divisão de Kathryn
Vanspanckeren (1994), pois ele iniciou trabalhando os versos dentro do
tradicionalismo, com métrica marcada e revendo a chegada dos primeiros
colonos, e das atrocidades por eles realizadas, no Período Colonial.
Figura 2 - Selo comemorativo à autora Gwendolyn Elizabeth Brooks (1917-2000), poeta e professora
Fonte: Olga Popova, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Imagem de selo comemorativo à autora
estadunidense Gwendolyn Elizabeth Brooks
(1917-2000), negra, que escreveu poesias desde
criança. No selo, a autora está de óculos,
sorrindo e a imagem dela está centralizada.

Após essa fase, ele passou a ver os fatos mais próximos dele em nível histórico
e iniciou inúmeros protestos contra a Segunda Guerra Mundial e contra a Guerra
do Vietnã. Sofreu imensamente a influência da poesia experimental dos anos
1950, quando reformulou seu estilo de escrita, optando por versos livres e por
formas mais mistas.
Se Robert Lowell representou grandes feitos na poesia, Sylvia Plath (1932-1963),
embora tenha vivido pouco tempo, também estabeleceu uma empatia grande
entre os leitores. Ela é considerada por Kathryn Vanspanckeren (1994) como
uma poeta idiossincrática, ou seja: “[com]   estilos ímpares a partir da tradição,
estendendo-a porém para novos campos, com um sabor distintamente
contemporâneo” (VANSPANCKEREN, 1994, p. 84).
Assim, Sylvia Plath, que foi aluna de Lowell, dominava uma métrica formal e
tradicional; entratanto, com o desenvolvimento de sua criação artística, ela foi
apresentando uma familiaridade com as palavras, criando imagens muito vívidas
de seu quadro conjuntural: mulher independente, porém presa às convenções
dos anos 1950, do padrão de esposa passiva. Plath suicidou-se aos trinta anos,
mas deixou poemas inesquecíveis em Ariel (1965), por exemplo, Morning song. 

Figura 3 - Selo comemorativo à autora Sylvia Plath (1932-1963), poeta, romancista e contista
Fonte: Olga Popova, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Selo comemorativo à autora estadunidense
Sylvia Plath (1932-1963). A autora foi fotografada
de lado, com um sorriso discreto. Ela estava bem
jovem na imagem, pois cometeu suicídio aos
trinta anos.

Se o tom, às vezes perturbador de uma mulher afetada pelo tempo surge nos
versos de Sylvia Plath, Adrienne Cecile Rich, ou Adrienne Rich, (1929-2012),
também criticou padrões rígidos em relação às mulheres. Rich reiterou a
questão de as mulheres viverem em uma sociedade patriarcal que as tolhe na
qualidade de indivíduos ativos e criativos. 
VOCÊ QUER LER?
Muitas poesias e obras em ficção não estão traduzidas para a língua
portuguesa, porém a vasta autoria norte-americana pode ser apreciada
em diferentes mídias na internet, bem como em livros autênticos e em
obras traduzidas. Há um poema muito marcante de um autor
estadunidense, cujos pais eram judeus e imigrantes e cuja
representatividade focaliza a poesia do mundo, modalidade que
evidencia, com tom naturalista-realista, muitas vezes na defesa da
perspectiva das minorias marginalizadas das cidades. Você poderá ler na
íntegra, em inglês, e também ouvir o poema The Mercy, do autor Philip
Levine (1928-2015). 

Acesse (https://www.poemhunter.com/poem/the-mercy/)

Desse modo, em uma apresentação geral, esses homens e essas mulheres que
escolheram a poesia como labor artístico tiveram espaço para produzir, sendo,
com frequência, premiados por isso. Esse é o legado significativo do século 20 e
do desenvolvimento da literatura norte-americana, que também promoveu uma
maior inserção de textos nos jornais, por exemplo, aprimorando as vivências dos
leitores e permitindo um acesso fácil, ainda por meio da difusão de gêneros
textuais distintos, que se ramificaram à medida que avançavam os meios de
comunicação nos Estados Unidos da América e no mundo, até que as fronteiras
físicas já não mais existissem por conta da difusão da produção escrita e pela
globalização.

4.2 Literatura contemporânea americana

Na ficção, a produção refletiu um percurso também evidentemente fértil e que


deu lugar ao amadurecimento de autores importantes para a literatura universal.
Foi perceptível a apreciação deles e seu reconhecimento por parte de um público
nacional e internacional, consumidor de textos, que também permitiu que
houvesse o deslocamento das histórias para terras estrangeiras, bem como
maior disseminação de traduções de e para a língua inglesa. Assim, nos jornais,
nas livrarias, nas bibliotecas, nas aulas, nas rodas de amigos ou ainda em
clubes, houve uma entrada importante de textos de diversos gêneros e tipos
para efetivar a consagração da expressão escrita na sociedade americana.   
Kathryn Vanspanckeren destaca muito bem, em seu livro Outline of American
literature, como se pode interpretar esse momento de contemporaneidade: “Não
há espaço nesta breve pesquisa para fazer justiça à fascinante diversidade da
literatura americana contemporânea” (VANSPANCKEREN, 1994, p. 139). De fato,
a progressão com que as décadas decorreram, antes e após os conflitos
armados dos quais os Estados Unidos participaram, elevaram em muito a
quantidade e a qualidade dos trabalhos produzidos pelos autores norte-
americanos, além da marca mais profunda desse legado não completamente em
um espaço de um volume somente.
Um fato também pertinente à contemporaneidade foi aliar a literatura ao
jornalismo, o que já começou a acontecer no Modernismo, quando alguns
autores eram também jornalistas. Acrescente-se a isso o número de revistas que
publicavam poemas e partes de textos ficcionais e não ficcionais. Estes últimos,
inclusive, denotam histórias reais que utilizam elementos e técnicas dos
romances de ficção, porém com bases notórias manifestadas por técnicas como
o diálogo e os pontos de vistas diferentes. Um exemplo desse gênero foi
fornecido pelo autor Truman Streckfus Persons, ou Truman Capote (1924-1984),
que o trouxe ao público em In cold blood (1966), que trata do assassinato de
uma família em Holcomb, no Kansas. Essa obra inaugurou o que foi denominado
mais tarde New jornalism, que, segundo Kathryn Vanspanckeren, abarcava: “[...]
volumes de não-ficção que uniam jornalismo e técnicas de ficção ou que
frequentemente brincavam com os fatos, moldando-os para aumentar a
dramaticidade e imediatismo da história” (VANSPANCKEREN, 1994, p. 109).
Desse modo, houve, a partir de Capote, uma série de autores que elegeram esse
gênero. Entre eles, temos Thomas Kennerly Wolfe Jr. (1930-2018), com trabalhos
no New jornalism, como The right stuff (1979); Os Eleitos, que trata da história
real dos sete astronautas selecionados para o projeto Mercury: Alan Shepard,
Gus Grissom, Gordon Cooperow, Wally Schirra, Deke Slayton, John Glenn e Scott
Carpenter, que empreenderam muitos esforços como os primeiros astronautas
selecionados para o programa espacial, ainda no ano 1959.
Se o New jornalism gerou trabalhos brilhantes, a metaficção também forneceu
um ganho para a produção contemporânea. Esse gênero diz respeito à “[...]
ficção sobre a ficção” (VANSPANCKEREN, 1994, p. 110), isto é, autorreflexiva e
que espelha o processo pelo qual a ficção é construída e lida. Um exemplo é
Thomas Ruggles Pynchon Jr. (1937-), escreveu seus romances como histórias
dentro de histórias, evidenciando aspectos muitas vezes não decorrentes da
história oficial, como em Mason & Dixon (1997), que trata da demarcação de
Charles Mason e Jeremiah Dixon, nos anos do Período Colonial, entre 1763 e
1767, separando Maryland, Pennsylvania, Delaware e West Virginia, recontada
por um clérigo denominado Rev. Wicks Cherrycoke, que teria testemunhado os
eventos sobre Mason e Dixon apresentando os fatos sobre eles supostamente
vividos
Nesse sentido, os novos gêneros também conviveram com gêneros mais
tradicionais, a saber: 

Os contos.

Os romances.

Uma das contistas bem influentes foi Katherine Anne Porter (1890-1980),
jornalista, ensaísta, ativista  e também escritora de contos que marcaram o
gosto pelo gênero e esse gênero, realmente, produziu grandes frutos nos
Estados Unidos.  
Figura 4 - Selo comemorativo à autora Katherine Anne Porter (1890-1980)
Fonte: Olga Popova, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
A imagem mostra o selo comemorativo à autora
contemporânea Katherine Anne Porter (1890-
1980). Ela foi retratada jovem ainda e se
encontra olhando para a esquerda. Atrás da
autora, existe a imagem de um navio, o qual se
refere a uma de suas obras, Ship of fools (1962).

Entretanto, a cultura do romance iniciado nos EUA, por conta da ascensão de


uma cultura burguesa, continuou muito presente no século 20, porém agora com
uma marcação distinta, ou seja, com uma estrutura de composição mais
complexa, como ressalta Peter High: “Os autores mais importantes dos anos
sessenta e setenta, incluindo Nabokov [...] tornam difícil para nós a leitura de
seus romances de modo habitual” (HIGH, 2000, p. 197, tradução nossa).
 Vladimir Nabokov (1899-1977), por exemplo, escreveu Lolita (1955), que trata da
história de um homem adulto, de suposto nome Humbert, que se apaixona por
uma menina de 12 anos de idade, filha de sua companheira. 
VOCÊ O CONHECE?
Vladimir Vladimirovich Nabokov (1899-1977) foi um autor russo de
nascimento, que recebeu naturalização estadunidense em 1945, após
alguns anos de serviços como professor de russo e de literatura em
Wellesley College, Massachusetts. Escreveu uma parte de sua obra na
língua materna e outra parte na língua inglesa. Um dos mais famosos
romances do autor é Lolita (1955). Nabokov escreveu em russo desde
1926 até 1939. Além de escritor e professor, ele também foi tradutor,
especialmente de suas obras. Redigiu contos e peças, inclusive com
publicações póstumas.

Se pensamos em pós-modernidade, temos uma visão muito diversa sobre estilo


e liberdade de expressão, como um fenômeno que atingiu a todos a partir dos
anos 1950 nos Estados Unidos. Essa diversificação traduz como o grande
caldeirão cultural precisou crescer para abranger toda uma gama de ideias e
fontes de inspiração artística que conduzem a literatura contemporânea para
uma das mais ricas e veneradas produções que já pôde ser descrita no mundo
ocidental. 

4.2.1 Pós-modernismo e os traços identitários e culturais


A pós-modernidade manifestada na literatura apresenta uma dimensão bem
vasta nos Estados Unidos porque muitos autores abraçaram essa visão, que,
para Linda Hutcheon: “Não é um retorno nostálgico; é uma reavaliação crítica, é
um diálogo irônico com o passado da arte e da sociedade, a ressureição de um
vocabulário de formas arquitetônicas criticamente compartilhado” (HUTCHEON,
1991, p. 20).
Como assevera Peter High com relação ao romance factual: “Aqui, o autor usou
os ‘fatos’ da história para criar formas de ficção novas e fora do normal” (HIGH,
2000, p. 196, tradução nossa). Ele ainda acrescenta o exemplo de William Styron
(1925-2006), romancista e ensaísta, que escreveu The Confessions of Nat Turner
(1967), que mostra a narrativa de Nat Turner, um afro-americano que liderou uma
rebelião de quatro dias em 1831, buscando os fluxos de pensamento desse
escravo para evidenciar suas percepções e razões na realização de seus feitos.
Em contraposição a esse traço específico, no mesmo ano, temos o lançamento
de Snow White (1967) de Donald Barthelme (1931-1989), autor de contos,
romances e peças no estilo de curta duração, trazendo a fragmentação do
discurso e visões pessoais, invertendo o conhecido conto, apresentando uma
versão moderna do ponto de vista dos anões, da Branca de Neve e da própria
madrasta. A história inicia com a morte do suposto príncipe, Paul, amado de
Branca de Neve (Snow White), que bebeu o veneno destinado à amada. Essa
perspectiva alternativa demonstra que a visão da pós-modernidade prima pela
transposição e pela experimentação de novas formas de criar e de ler.
Mais produtivos ainda são os relatos e visões das Guerras e os conflitos
armados pelos quais passaram os estadunidenses. Da Segunda Guerra Mundial,
temos, por exemplo, Norman Mailer (1923-2007), com The Naked and the dead
(1948), que trata parcialmente de suas experiências na Guerra e relata os
movimentos de um pelotão em fluxos de pensamento e ações bem arquitetadas,
como se fossem cenas cinematográficas. A narrativa toda demonstra um
realismo beirando o naturalismo, em que as personagens lidam com a solidão, a
morte, a desumanização, o poder e, também, com a masculinidade e a
homossexualidade, cujos traços significativamente temáticos marcarão outras
produções ulteriores.
Da mesma linha e ano, temos The Young lions (1948), do escritor Irwin Shaw
(1913-1984), que envolve “guerras” pessoais enfrentadas por três homens
diferentes, soldados, na Segunda Guerra Mundial. Cada um deles vai à Guerra
para lutar contra o inimigo e contra suas próprias lutas interiores: um, simpático
à causa nazista; outro, judeu; e o outro, ainda sem uma diretriz específica ou
motivação. Esses homens verão que suas expectativas e lutas serão
sobrepujadas frente às atrocidades que a Guerra apresenta a cada um, cujo
maior desafio pessoal será sobreviver.
Figura 5 - Foto da infantaria americana adentrando Saint Lo (Normandia, Comuna francesa), no ano de
1944, por ocasião da Segunda Guerra Mundial
Fonte: Everett Collection, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
A foto retrata uma imagem da infantaria
americana aliada entrando na Comuna francesa
de Saint Lo, Normandia, no dia 18 de julho de
1944. Na imagem, há muita destruição na cidade
por conta da invasão nazista.

A identidade estadunidense não é única. Ela foi sendo constituída à medida que
diferentes povos promoveram não apenas a ocupação do território físico, mas
também à proporção que suas conquistas e avanços puderam ser percebidos
até chegarmos a um multiculturalismo. A chegada de imigrantes a partir do
século 19 trouxe não somente uma leva de aspectos culturais importantes como
criou a ideia dos crossbreeds (mestiços), que se ambientaram de modo bastante
conflitante, pois seus pais diferiam em ancestralidade.
Desse modo, a literatura escrita por afro-americanos tinha como princípios
fundamentais a luta pelos direitos humanos e sociais. Um marco dessa autoria
foi William Edward Burghardt Du Bois, ou W.E.B. du Bois, (1868-1963), cujo
bisavô nasceu na África no século 18 e seus pais viviam em uma área onde a
população negra era livre, Great Barrington, Massachusetts. Ele escreveu The
Souls of black folk (1903), acima de tudo um trabalho documental sobre ser
negro nos Estados Unidos. Segundo Peter High: “Também, pela primeira vez na
literatura americana, descreve-se a cultura especial dos americanos negros”
(HIGH, 2000, p. 211, tradução nossa). 

VOCÊ QUER VER?


O filme The Little foxes (1941), ou Pérfida, título em português, da
escritora Lillian Hellman (1905-1984) e dirigido por William Wyler (1902-
1981), apresenta a história da família Giddens, ricos proprietários do Sul.
Os Hubbard, da família de Regina (Bette Davis), protagonista casada com
Horace Giddens (Herbert Marshall), estão prestes a morrer e não aceitam
as negociações dos irmãos de Regina. 

Na produção de poesias e prosa afro-americanas, temos inúmeros trabalhos


autobiográficos e estudos profundos sobre a tradição, a cultura e a identidade
negras estadunidenses, que nos remetem à riqueza na produção: dos versos de
Gwendolyn Elizabeth Brooks (1917-2000); à raiva contida nas peças de Amiri
Baraka, ou Everett Le Roi Jones, (1934-2014) como na peça Slave ship (1967),
falada por vez em swahili, língua banta africana, uma peça em um ato que se
passa em vários momentos da história dos negros, da África para a América,
reforçando a cultura por meio da identidade negra; à belíssima The Color purple
(1982), de Alice Walker (1944-), que narra, em nível epistolar, por meio de cartas,
que Celie, protagonista, escreve para Deus e para a irmã, Nettie.     
Tanto quanto os negros, os judeus também lutaram bastante para expressar sua
cultura e seus traços identitários por meio da literatura. Um deles foi Bernard
Malamud (1914-1986), o qual escreveu uma obra curiosa, denominada The
Tenants (1971), que trata da rivalidade de dois escritores: um judeu e o outro
afro-americano. Ambos moram em uma construção que está condenada e eles
pensam que são os únicos que permaneceram no lugar, até ouvirem o som das
máquinas de escrever um do outro. Cada um deles deve terminar seu trabalho,
embora tenham de vencer, inicialmente, os preconceitos que foram construídos
durante suas vidas.
TESTE SEUS CONHECIMENTOS
(ATIVIDADE NÃO PONTUADA)

Os escritores nesse movimento foram influenciados pelos


estilos experimentais europeus e da literatura americana. Eles
tentaram usar essas formas para falar da experiência das
pessoas negras na sociedade americana. Os melhores
escritores na Harlem Renascença foram capazes de criar
trabalhos de alta qualidade artística.

HIGH, P. An outline of American Literature. Londres: Longman,


2000. p. 212. Tradução nossa.

Com base na leitura do fragmento, avalie as seguintes


asserções e a relação proposta entre elas:
 
I.   Os negros levaram o jazz do Sul para o Norte e foram
responsáveis por um movimento artístico e cultural muito
importante denominado Harlem Renaissance.
PORQUE
II. Os negros passaram a ter mais expressividade por meio de
trabalhos como os de W.E.B du Bois.
Agora, assinale a alternativa correta:
a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma
justificativa da I.

b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é


uma justificativa da I.

c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma


proposição falsa.

d) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição


verdadeira.

e) As asserções I e II são proposições falsas.

VERIFICAR

Um tema visitado também nos Estados Unidos é o holocausto. Um autor judeu


que soube retratar esse tema de modo respeitoso e sutil foi Isaac Bashevis
Singer (1902-1991). Em Enemies, a love story  (1972), Singer trata da história de
três refugiados em Nova York, sendo que o protagonista se vê envolvido com
três mulheres que passaram desde o período da Guerra até sua vida presente,
repleta de fantasias e de mentiras. Ele parece estar sempre se escondendo,
como na Guerra, vivendo como um inimigo de si mesmo e das mulheres a quem
ele engana.
Se a identidade vem da origem, muitos autores, inclusive de textos do teatro,
proclamaram essas origens muitas vezes com aspectos não muito agradáveis
de suas peculiaridades. Um exemplo claro dessa questão é a escritora Lillian
Hellman (1905-1984), que escreveu uma peça marcante chamada The Little
foxes (1939). Na peça, a autora retrata a vida de uma família do Sul dos Estados
Unidos, seus interesses e vicissitudes em comparação com a hombridade e a
fragilidade de algumas raízes ainda boas dessa tradição, as quais sucumbem
frente à perfídia dos poderosos; uma crítica também aos anos 1920, quando as
mulheres não podiam tomar conta de suas vidas financeiras e quando os
casamentos eram arranjados.   
Desse modo, a consolidação da cultura e da identidade estadunidenses não são
fáceis de depreender, pois são vários aspectos que estiveram em jogo desde o
começo do século 20 até os nossos dias. A identidade americana teve várias
ondas de entrelaçamentos que provocaram, também, uma reação contrária
voltada à unificação e à identificação, tarefa nada fácil em uma nação repleta de
raízes originais fortes, conforme mostramos. Por meio da língua e da literatura,
podemos compreender que esses traços identitários e culturais se revelam cada
vez mais genialmente distintos, provocando a revisão constante da história e do
registro escrito pelos homens e pelas mulheres que habitam aquele país.

VAMOS PRATICAR?

A partir da ficção norte-americana e do


panorama marcado por essa produção, foi
possível verificar que houve uma crescente
popularização de formas e de conteúdos
diversificados, empregados por escritores a
partir dos anos 1950 e 1960. No processo de
constituição dessa nova determinação, que
autores chamaram sua atenção? Explique suas
escolhas em um texto com, no mínimo dois
parágrafos, apresentando os nomes desses
autores e suas obras. Se desejar, realize uma
pesquisa mais apurada na bibliografia sugerida
e forneça mais exemplos. 

Na sequência, vamos ver o regionalismo na literatura de ficção americana


contemporânea.
4.3 Regionalismo na literatura de ficção
americana contemporânea

A contemporaneidade não foi capaz de dissolver os reflexos da força


regionalista que se propagou, levando suas tradições para o conhecimento de
todos por meio das imagens e de cores próprias, e, mais especialmente,
descentralizando a ambientação.
Como expressa bem Kathryn Vanspanckeren (1994, p. 142): “[...] escritores
recorrem ao Sul da Guerra Civil, ao Oeste Selvagem do rancheiro, à vida
arraigada do agricultor do Meio Oeste, à terra natal tribal do Sudoeste e a outras
es­feras localizadas onde o real e o mítico se misturam”. Um exemplo desse tipo
de autores é Sue Miller (1943-), romancista e escritora de contos, que situa suas
personagens ao Norte do país, com a perspectiva de relações até certo ponto
perigosas como descritas em The Good mother (1986) e em While I was gone
(1999), cujas vidas são repletas de distrações que podem transformar a vida de
pessoas normais.
Também Washington D.C., além de Nova York, ambientou bastantes romances
políticos ou de temas relacionados a assuntos controversos, como os assuntos
militares, por exemplo como fez Christopher Buckley (1952-), autor de Little
green men (1999). Como a ficção regionalista define, o autor trata de John O.
Banion, um guru de um show de televisão, supostamente abduzido por
alienígenas e que passa a convencer seus amigos de Washington a mudarem.
Na verdade, Banion estava vivendo uma farsa pregada para pessoas que ficam
em evidência na capital. A história é uma sátira às pessoas públicas e às suas
perspectivas sobre a vida e as pessoas.
Entretanto, uma das regiões também mais exploradas na literatura norte-
americana foi o Sul, não apenas por sua abrangência, mas provavelmente por
uma tradição imensamente visitada por autores e estudiosos da história no país.
Um exemplo que podemos destacar é Octavia Butler (1947-2006), escritora que
explorou muito bem o ambiente e criou uma ficção científica que não apenas
explora os aspectos ontológicos mas que postula a questão do preconceito e do
racismo, ao voltar seu olhar para os escravos do Sul. Outra expressão da energia
do Sul foi Margaret Walker (1915-1998), poeta e escritora, participante do
movimento de renascimento negro de Chicago (anos 1930 e 1940). Sua Being
female, black and free (1997) apresenta o percurso dela em décadas de
pesquisas e trabalhos, por exemplo, com poesias e ensaios em prosa, que
tratam bastante sobre a identidade e a cultura negra de seu tempo, sobre como
é viver no Sul, a política e os costumes.
A ficção norte-americana não apresentou apenas análises profundas sobre o
homem e sobre seu tempo. O tom popular e o consumo de objetos artísticos
mais leves também foram muito aceitos pelos estadunidenses, que apreciavam
o humor, o inesperado e o fantástico. O humor também fez parte da ficção e um
exemplo vem do cartunista e escritor James Thurber (1894-1961), o qual
escreveu, entre outros contos e livros, The Secret life of Walter Mitty (1939), que
trata de um homem comum que gasta parte de seu tempo em sonhos,
imaginando-se como um caubói, e que tenta convencer os outros de que ele é
alguém melhor. Eis o humor do texto: a irrealidade e as imagens. A vida de
Walter Mitty em Connecticut não basta para aliviar suas tensões e ele, como
outras personagens de Thurber, fantasia.
Se a fantasia permeia o humano, H. P. Lovecraft (1890-1937), escritor mais
voltado ao gênero de terror, criou o Cthulhu, monstro híbrido, que faz parte do
imaginário de Lovecraft e da literatura. Em At the mountains of madness (1931),
o autor trata de uma expedição ao continente Antártico, na qual são relatados
eventos estranhos, em especial quando o líder da expedição, Dr. William Dyer,
leva seu assistente para as montanhas e eles encontram uma cidade que dataria
de anos antes dos humanos, o que sugere uma civilização jamais documentada.
Figura 6 - Ilustração do monstro chamado Cthulhu, criado por H. P Lovecraft em 1926
Fonte: Christos Georghiou, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Ilustração do monstro em forma de polvo,
denominado Cthulhu, personagem do autor
americano H. P. Lovecraft (1890-1937), do conto
O chamado de Cthulhu (1928).

Se a ficção criou raízes e fantasias curiosas, ela também deu vazão a um gênero
que foi de algum modo iniciado no Romantismo americano, com Edgar Allan Poe
(1809-1849), com The Murders of the Rue Morgue (1841): a ficção das histórias
de detetive. Para Peter High (2015), dos anos 1920 até os primeiros anos da
década de 1950, houve a Golden age [Era de Ouro] dessas histórias (HIGH,
2000). Um exemplo é Mary Roberts Rinehard (1876-1958) que constrói uma
ficção apresentando uma mulher inteligente que segue as pistas em casas
antigas e trabalha sozinha, como em The Circular staircase (1908), com a
personagem Rachel Innes, que frustra uma série de crimes contra seus
sobrinhos enquanto eles estão de férias com ela.
TESTE SEUS CONHECIMENTOS
(ATIVIDADE NÃO PONTUADA)

Uma sensibilidade regionalista generalizada ga­nhou força na


literatura americana nas últimas duas décadas. A
descentralização expressa a condição pós-moderna americana,
tendência mais evidente na literatura de ficção; não existe mais
um ponto de vista ou código capaz de expressar com sucesso a
nação. Nenhuma cidade define os movimentos artísticos como
o fez a cidade de Nova York em outros tempos.

VANSPANCKEREN, K. Perfil da literatura americana. [S. l.]:


Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, 1994.
p. 142.

A partir do excerto, pode-se compreender que os autores: 

a) Tardiamente privilegiaram o presente em detrimento de um


passado tradicional.

b) Compuseram obras que seriam muito reconhecidas pela


generalidade dos temas.

c) Passaram a valorizar os mitos e os aspectos históricos e


peculiares de suas regiões.
d) Sentiram a necessidade de documentar experiências
marcantes do presente.

e) Demonstraram grande interesse em relação à arte de outros


países do mundo. 

VERIFICAR

Com Isaac Asimov (1922-1992), russo de nascimento, mas que se naturalizou


americano, a ficção e o gênero de história de detetives ganhou um status mais
científico. Elijah Bailey, personagem de vários livros do autor, como em The
Caves of steel (1954), apresenta outros tipos de humanos que vivem três mil
anos à frente da época. Quando ocorre o assassinato de um desses novos
humanos, denominados spacers, Elijah Bailey é chamado para investigar. Todas
as tramas do autor estão pautadas em ciência, imaginação e maestria, razão
pela qual sua obra completa é uma das mais importantes no gênero.
VAMOS PRATICAR?

A partir da seção Regionalismo na literatura de


ficção americana contemporânea, escreva um
resumo da seção, apresentando em, no mínimo
dois parágrafos, as informações que você julga
serem mais relevantes. Apresente autores e
obras que você acredita que são mais
importantes e, se desejar, realize uma pesquisa
mais apurada de acordo com a bibliografia
sugerida e forneça mais exemplos. 

Assim, chegamos ao fim desta disciplina, esperando que tenha contribuído para
sua formação. Boa sorte em seu percurso acadêmico!

CONCLUSÃO

A pós-modernidade que expressa a literatura contemporânea nos Estados


Unidos definiu seus traços mais marcantes como ligados ao homem e ao
mundo. Nessa perspectiva, temos um homem historicamente associado ao seu
tempo e à sua origem, em constante revisão e avaliação da história e de suas
vivências. 
Desse modo, as palavras e as imagens criadas pela literatura reforçam a
criatividade e a liberdade conquistada por anos de muitas lutas pessoais e
coletivas advindas de uma historiografia bastante rica. Pensar na literatura
contemporânea nos Estados Unidos é saber que ela não caberia completamente
em uma revisão tão breve de suas nuances, porém, ao destacar autores
significativos, é possível criar um quadro, mesmo que inicial, desse tempo e de
sua expressão, a partir do século 20 e de suas manifestações refletidas no
século 21. 
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

identificar e reconhecer as características da poesia


contemporânea norte-americana;

compreender o contexto histórico e social do pós-


modernismo;

identificar e reconhecer as características do regionalismo


na literatura de ficção norte-americana contemporânea;

identificar, interpretar e reconhecer o panorama da


literatura norte-americana estudado;

avaliar e criticar os diversos enfoques do fenômeno


literário no panorama da sociedade norte-americana da
perspectiva sociopolítico-histórica e cultural;

interpretar as peculiaridades de cada estilo nas diferentes


épocas abordadas, sob viés sociopolítico-histórico.

Clique para baixar conteúdo deste tema.

Referências
HIGH, P. An outline of American Literature. Londres: Longman, 2000.

HUTCHEON, L. Poética do pós-modernismo: história, teoria, ficção.


Tradução Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991. 

VANSPANCKEREN, K. Perfil da literatura americana. [S. l.]: Departamento


de Estado dos Estados Unidos da América, 1994.

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