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BOA VISTA, RR
2019
JACKSON DE SOUZA FÉLIX
BOA VISTA, RR
2019
JACKSON DE SOUZA FÉLIX
_____________________________________
Prof. Dr. Vilso Junior Chierentin Santi – UFRR
Orientador
______________________________________
Profª. Dra. Leila Adriana Baptaglin – UFRR
Membro
______________________________________
Prof. Dr. Maurício Zouein – UFRR
Membro
______________________________________
Prof. Dr. Roberto Mibielli – UFRR
Suplente
BOA VISTA, RR
2019
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................13
2. OS MOVIMENTOS SOCIOCULTURAIS.......................................................24
2.1. Movimentos Sociais no Brasil e América Latina........................................26
2.2. Os Movimentos Culturais.............................................................................28
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................76
REFERÊNCIAS..................................................................................................80
À minha mãe, Nelcy de Souza Pereira (in
memorian) que em vida sempre lutou para
que eu tivesse educação de qualidade e
uma formação digna.
AGRADECIMENTOS
Obrigados a todos!
RESUMO
O Movimento Roraimeira....................................................................................63
Os Festivais de Música de Roraima...................................................................70
14
INTRODUÇÃO
formada pelos artistas Zeca Preto1, Neuber Uchôa2 e Eliakin Rufino3, realizada entre
julho e agosto de 2019, bem como, através da correlação de informações de outros
agentes culturais responsáveis pelos outros dois festivais, sendo eles Joemir
Guimarães4 e Manoel Villas Boas5.
A proposta de pesquisa, surgiu como resultado da admiração e, ao mesmo
tempo, da curiosidade pela cultura roraimense, despertada ao longo de cinco anos
de exercício profissional, atuando como jornalista em um portal de notícias de
Roraima. Tal exercício possibilitou o contato com diversos artistas locais e a
aproximação com a cultura roraimense – também viabilizado com as atividades do
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Roraima (PPGL
– UFRR).
Para alcançar os objetivos traçados, numa primeira fase procedeu-se a uma
revisão da literatura relativa a eventos e festivais, no sentido de fornecer um quadro
de referência conceitual, tendo como principais referências, Mello (2003) e Pelicano
(2009). Também foram analisadas literaturas sobre a teoria dos movimentos
socioculturais com o aporte teórico de Gohn (1997) e Tarrow (1994), bem como uma
discussão geral sobre cultura com base nos conhecimentos de Eagleton (2011),
Canclini (2015), Bauman (2005), Hall (2005) e outros.
Com o presente trabalho, os pesquisadores acima citados provocaram a
academia, ao dar margem para a investigação de outros assuntos que não somente
a questão identitária, por esse motivo exploramos em nossa discussão a relação dos
festivais de música com os movimentos socioculturais, no sentido de revelar outros
1José Maria de Souza Garcia, conhecido artisticamente como Zeca Preto, nasceu em Belém do Pará,
em 10 de outubro de 1950. Também escritor ele é um artista conhecido como regionalista e ativo
multiplicador dos valores e costumes amazônicos tradicionais.
2 Neuber Francisco Melo Uchôa, conhecido artisticamente como Neuber Uchôa, nasceu Boa Vista
em 23 de janeiro de 1959. É considerado um dos líderes do Movimento Cultural Roraimeira e vive a
música desde os três anos de idade sem interrupção. O artista tem 11 trabalhos gravados, entre
discos de vinil e discos CD, dos quais seis são produções solo.
3 Eliakin Rufino de Souza, conhecido artisticamente como Poeta Eliakin, nasceu em Boa Vista, em 27
de maio de 1956. O artista tem poemas publicados em antologias e sites de poesia, nacionais e
internacionais. Além de escritor, é músico, cantor, compositor, filósofo, produtor cultural e jornalista.
4 Joermir Guimarães de Souza, mais conhecido como Joemir Guimarães é um cantor e compositor
paraibano, que vive em Roraima deste os anos 80. Formado em Engenharia Civil pela Universidade
Federal de Roraima, ele também atua como apresentador em um programa na rádio 93.3 FM.
5 Manoel Alberto Rolla Vilas Boas, também chamado de Manoel Rolla, é vocalista da banda Mr.
Jungle, diretor do Coletivo Canos Cultural e Conselheiro Estadual de Cultura. Ele atual também como
professor de biologia na rede estadual de ensino.
16
potenciais desenvolvidos pelo Roraimeira, mas que não tiveram a mesma atenção,
como a que foi tratada até aqui.
Para dar cabo desta tarefa, vamos abordar em cada uma dos capítulos
adiante, diferentes temas como cultura, movimentos sociais, festivais e o Movimento
Roraimeira. Numa primeira etapa vamos discorrer sobre o conceito de cultura e
identidade; já na segunda seção vamos explicar também como se dão os
movimentos sociais e de que forma eles se constituem. Em seguida falamos do
Roraimeira, como ele surgiu e o que já foi registrado sobre ele, ao mesmo tempo em
que discutimos os festivais, e por fim, a nossa discussão se desenvolve em torno da
apresentação dos três festivais de música, aqui já mencionados, e a partir de uma
análise conteúdo tentamos explicar o que foi observado com a realização deste
estudo.
17
Mas “foi Herder quem nos abriu os olhos sobre outras culturas”, conforme
citado por Cuche (2002, p. 28), ao tomar partido da diversidade cultural de diferentes
povos ao mesmo tempo em que se opunha ao universalismo iluminista, que ele
considerava empobrecedor, visto que defendia que “cada povo, através de sua
cultura própria tem um destino específico a realizar. Pois cada cultura exprime à sua
maneira um aspecto da humanidade”, (CUCHE, 2002, p. 27).
A partir então, cultura se aproxima cada vez mais ao conceito de nação ao se
constituir como um conjunto aquisições intelectuais, morais e artísticas pertencentes
a um lugar de origem.
19
plenamente desenvolvida capaz de ser definida em sua amplitude por sua própria
natureza”.
Gott (1986), conforme citado por Featherstone (1995, p.17-18), diz que o novo
período poderia facilmente ser entendido como um conjunto de diferentes
expressões artísticas resultantes do reacionarismo político vivido no final século XIX
e início do XX no mundo ocidental, ou seja, para ele “é muito mais confortável ver o
pós-modernismo com um reflexo mecânico e reacionário das mudanças sociais e
pôr a culpa nos acadêmicos e intelectuais por cunharem o termo, como parte de
seus jogos de distinção”.
Ao defender a constituição do pós-moderno, os autores citados esclarecem
ainda que criação do termo não se deu somente dentro do meio acadêmico, como
também foi impulsionado pelos movimentos artísticos e por esse motivo o pós-
modernismo está bastante relacionado à música, artes plásticas, literatura, cinema,
teatro fotografia, as artes no geral, assim como é aplicado no século XXI.
Enquanto isso, Jameson (1984) apesar de resistir ao conceber o pós-
modernismo como a mudança de um período histórico, o descreve como “o
dominante cultural ou a lógica cultural da terceira grande etapa do capitalismo – o
capitalismo tardio – cuja origem está na era posterior à Segunda Guerra Mundial”
(apud, FEATHERSTONE, 1995, p. 21).
Já Eagleton (2011, p. 28), na sua profunda discussão sobre cultura, retoma a
questão antropológica e da ciência social, onde ele reconhece que o pensamento
pós-moderno imprime o pluralismo que consequentemente se cruza com a
autoidentidade. Assim sendo, a cultura “em invés de dissolver identidades distintas,
ele as multiplica”. Em seguida, ao citar Said (1993), o autor sugere, que “todas as
culturas estão envolvidas umas com as outras, nenhuma delas é isolada e pura,
todas são híbridas, heterogêneas, extraordinariamente diferenciadas e não
monolíticas” (EAGLETON, 2011, p. 28-29).
Assim como dissemos na subseção anterior, a cultura está muito ligada às
questões relacionadas ao tempo, dessa forma, no período pós-moderno não poderia
ser diferente. Aí o vocábulo se aproxima ainda mais das artes, desta forma ficando
mais conectado a ideia geral que se tem cultura nos tempos atuais. Neste ponto da
nossa pesquisa o entendimento acerca do hibridismo e da questão identitária é de
extrema relevância para que possamos compreender mais adiante o que levou a
criação do Movimento Roraimeira, tendo o Femur como principal referência, e em
22
cima disso, extrair os ideais almejados pela corrente artística a fim de perceber suas
transformações dentro de um período de quase 40 anos.
contínuo que cabe somente ao tempo responder, mas que ela não será possível,
enquanto a ideia de “pertencimento” continuar sendo uma solução para um indivíduo
ter uma identidade. Ou seja, além de tempo, o espaço é um importante elemento da
formação identitária.
2. OS MOVIMENTOS SOCIOCULTURAIS
por parte dos estadistas, que estavam preocupados com o direito do estado e com a
necessidade de uma união nacional, quando deveriam estar focados nas
articulações inter-regionais no âmbito social. “O conjunto de regiões é que forma
verdadeiramente o Brasil. Somos um conjunto de regiões antes de sermos uma
coleção arbitrária de ‘Estados’, uns grandes, outros pequenos, a se guerrearem
economicamente”, diz Freyre (1996, p. 02) em um trecho do documento.
A proposta geral era o que país fosse administrado por meio das regiões,
porém, todas sob um mesmo governo, indo contra o ideal separatista
proferido pelo então presidente da época Artur Bernardes, onde “a cultura
brasileira, do mesmo modo que a natureza; o homem da mesma forma que
a paisagem; regionalmente devem ser considerados como os problemas de
economia nacional e os de trabalho” (FREYRE, 1996, p. 02).
Hall (1992), na qual ele afirma que eventos são acontecimentos não rotineiros, que
marcam e identificam realidades sociais coletivas e individuais, podendo atuar como
registro histórico.
Segundo Getz (1997) conforme citado por Pelicano (apud, 2009, p. 08),
mesmo com período limitado “as pessoas sabem que os eventos têm, e esperam
que tenham, um final, e é deste fato que resulta o seu maior atrativo”. Além disso, os
eventos podem adquirir um caráter “especial”, podendo ser realizados uma única
vez ou com frequência reduzida, e que proporcionam aos seus consumidores uma
oportunidade social e de lazer que não é possível ser satisfeita no dia-a-dia, como
sustentam Jago e Shaw (1998).
Dessa forma, podemos perceber alguns elementos em comum que
constituem um evento, são eles: a duração, temática, ação regional e os
participantes. Outro ponto a ser considerado é que o evento pode ser considerado
agente beneficiador da região em que ele ocorre, como defendem Mossberg (2000)
e Hall (1992). Nesse sentido, ele tem como objetivo de satisfazer as necessidades
dos participantes, podendo beneficiar a região/comunidade que o acolhe, através
dos impactos positivos.
Postas as definições aplicáveis à generalidade dos eventos faz-se necessário
refletir sobre as diferentes classificações de eventos para chegarmos à definição de
festival. Consoante a Pelicano (2009), a realização dos eventos está concentrada
em três grandes grupos: as organizações públicas; organizações privadas; e,
associações sem fins lucrativos. Feita esta divisão, é importante considerar que
cada uma destas entidades acaba por priorizar a realização de um determinado tipo
de evento.
As organizações públicas, por exemplo, representada por atores sociais na
esfera nacional, regional e local, vai apresentar diferentes atividades para cada uma
delas em uma espécie de subcategoria do evento, sendo caracterizada pelas
celebrações cívicas e comemoração de teor nacionalista. Já as organizações
privadas e associações, tem a sua atenção voltada geralmente para atividades
étnicas e multiculturais, que tem como objetivo a promoção turística, por exemplo, e
podem ser identificadas através de evento comunitários, festivais e feiras locais.
Logo, percebemos que o festival é um tipo de evento desenvolvido por
determinada entidade, podendo ser privada, com ou sem fins lucrativos, ou mesmo
de origem da esfera pública. Mello (2003) por sua vez nos traz duas concepções
36
Com isso o autor nos leva a entender que o modelo competitivo contempla
basicamente o setor musical, mas esclarece que não há exclusividade da vertente
artística, podendo se estender ao cinema e ao teatro, no qual os festivais de música
foram inspirados. O fato é que festival de canções se estabeleceu nos anos 1960
com I Festa da Música Popular Brasileira e se consolidou oficialmente cinco anos
depois com em evento transmitido pela extinta TV Excelsior.
Não era uma ruptura com a bossa nova, nem uma corrente contrária, e sim
uma decorrência de uma estrutura harmônica da bossa nova. Arrastão
passou a ser um divisor de águas, provocando o surgimento de uma música
popular moderna, abreviada na sigla MPM (MELLO. 2003, p. 67).
alinhava mais a ela, se tornando uma música nova, moderna como que parecia
aproveitar ao mesmo tempo a suavidade do repertório da bossa nova, o carisma das
tradições regionais e o cosmopolitismo de canções americanas, desembarcadas no
Brasil por meio dos filmes de Hollywood. Nascia aí a Música Popular Brasileira.
[…] uma série de festivais de música realizados a partir dessa época e que
consideramos fundamentais como meios de ampliação da audiência para os
artistas locais. Foram festivais organizados pelo governo com o objetivo de
demonstrar boa vontade e angariar aprovação social. Com o objetivo de
registrar os resultados de tais festivais tivemos algumas gravações,
realizadas com o patrocínio do governo do Território Federal e da Prefeitura
de Boa Vista (SOUZA, 2017, p. 54).
9 Entrevista concedida por RUFINO, Eliakin. Entrevista I. [jul. 2019]. Entrevistador: Jackson de Souza
Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. OGG (79 min.).
46
10 Fusão de distintos ritmos e instrumentos amazônicos e latinos. O referido ritmo insinua um pouco
de salsa, merengue e forte influência indígena, ou seja, um mix rítmico que proporciona ao ouvinte,
além do prazer, uma ideia das vozes das diversas influências confluentes no local (OLIVEIRA;
WANKLER e SOUZA, 2009, p. 29).
47
11 Entrevista concedida por RUFINO, Eliakin. Entrevista I. [jul. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. OGG (79 min.).
12 Entrevista concedida por UCHÔA, Neuber. Entrevista III. [set. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. MP4 (64 min.).
48
Dessa forma dá-se entender que se enterrou o movimento nos moldes como
ele foi pensado ou era praticado, com a produção de arte essencialmente
regionalista e manteve-se viva a ideologia, através um tratamento mais sutil e
natural sobre a temática local.
Zeca Preto também que a nova geração de artistas locais reproduz o
regionalismo por puro modismo sem se importar com a essência ou mensagem que
a música deve passar, focando dessa forma em outros estilos capazes de gerar
rentabilidade. “A gente vê que acabou o encanto. Até os próprios festivais. Vejo
muita gente fazendo o regional por modismo, mas isso tem que ser espontâneo e
verdadeiro” (informação verbal)13.
Logo, pode-se dizer que Preto (2019) partilha da ideia de uma nova dinâmica
cultural em emersão no contexto roraimense.
13 Entrevista concedida por PRETO, Zeca. Entrevista II. [ago. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. MP4 (62 min.).
49
14 Uma rede de coletivos juvenis complexa, por desenvolver processos dinâmicos, que envolve
pessoas de diversos segmentos das artes, de forma bastante ampla e diversa. Uma rede de coletivos
voltada a organizar eventos musicais a partir de recursos públicos e privados por meio de editais e
outras formas criativas de financiamento (BRASIL, 2015, p. 30).
51
15 Entrevista concedida por VILLAS BOAS, Manoel. Entrevista V. [ago. 2019]. Entrevistador: Jackson
de Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. M4A (72 min.).
52
Fotografia 2 - Integrantes do Coletivo Canoa Cultural durante a primeira edição 2011 do Circuito
Cultural do SEBRAE-RR
16 Entrevista concedida por VILLAS BOAS, Manoel. Entrevista V. [ago. 2019]. Entrevistador: Jackson
de Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. M4A (72 min.).
17 _________.
55
O que é regional? Acho que a pessoa que toca numa banda de Roraima é
rock regional. O mundo está integrado e eu respeito demais as culturas, os
movimentos locais, mas acho que cada um na sua praia. A maior bandeira
nossa é dizer que o Tomarrock é de Roraima, por isso ele leva dois erres. A
gente não estava falando de músicas de teor regional, nem só de rock,
podia tocar samba (informação verbal)18.
Isso é uma coisa nova. Porque aqueles festivais [na TV] eram outra época.
Mas hoje os festivais não têm o mesmo apelo. A televisão é outra coisa, e
hoje tem ainda mais a internet. Ou seja, não faz mais sentido aquele modelo
de festival. O apelo é outro. Por isso o que proliferou foram esses festivais
de mostras. O apelo se tornou mercadológico. Os tempos são outros, os
apelos também e tem que se atualizar mesmo. Essa reciclagem eterna tem
mesmo que acontecer (informação verbal)19.
18 Entrevista concedida por VILLAS BOAS, Manoel. Entrevista V. [ago. 2019]. Entrevistador: Jackson
de Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. M4A (72 min.).
19 Entrevista concedida por UCHÔA, Neuber. Entrevista III. [set. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. MP4 (64 min.).
56
Mesmo sem saber ao certo os anos, o cantor garante que participou de três
edições do FEMUR e afirma que o evento foi um grande passo para democratização
da música roraimense, tendo e vista a participação de artistas dos mais variados
estilos, um dos motivos pelo qual idealizou Canto Forte.
O Festival Canto Forte surgiu em 2009, de forma independente e financiada
pela Lei de Incentivo à Cultura, do Governo do Estado de Roraima, com o objetivo
de estimular e difundir a produção musical local, bem como descobrir novos talentos
e promover o estreitamento das relações entre compositores, intérpretes e o público
em geral. Canto Forte é o título de uma música do próprio idealizador do evento,
composta há mais de 30 anos, que segundo ele mostra a força das melodias e a
garra dos intérpretes roraimenses.
A primeira edição do festival foi realizada em 2009 no Palácio da Cultura,
localizado no Centro de Boa Vista e teve como vencedora a música Capoeira, de
Euterpe e Eliakin Rufino e como melhor intérprete, a cantora Euterpe, que já se
apresentou em vários estados do Brasil. Os vencedores recebiam prêmios em
dinheiro.
De 2009 a 2018 foram realizadas sete edições do evento, não sendo feito nos
anos de 2012, 2016, 2018 por descompromisso da gestão pública, segundo
Guimarães (2019) – ao fazer referência a não publicação dos editais da Lei de
incentivo à Cultura.
58
próprios artistas locais estavam habituados a desenvolver este tema, tanto que parte
das canções vencedoras tratavam especificamente sobre Roraima.
20 Entrevista concedida por GUIMARÃES, Joemir. Entrevista IV. [jul. 2019]. Entrevistador: Jackson
de Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. M4A (77 min.).
21 _________.
60
Movimento Roraimeira
força militar, mas de se opor aos valores socioculturais pregados pelo Governo
Central cujo, objetivos era unificar a identidade do sujeito local e agregá-la a do resto
do Brasil, como bem explicou Souza (2017) em outra seção.
Ainda conforme Souza (2017), a flexibilização da gestão militar se deu em
meio a um período, já na década de 1980, em que o governo almejava aprovação
social – motivo pelo qual incentivou a realização de festivais de músicas, mesmo de
forma desordenada, mas com a mesma inspiração nas competições de canções que
eram transmitidas pela TV desde os anos 1960.
Conforme a tríade fundadora muito do que se pretendia produzir tinha como
base o cenário local, representado sobretudo na imagem do indígena que aqui
habitava a região enquanto povo nativo. Nesse sentido, a identidade cultural
roraimense, como uma proposta social e de união do próprio Movimento Roraimeira,
somou a identidade imigrante a indígena, fazendo dela uma só, como uma forma de
por fim a questão da crise identitária que havia sido criada. Naquela época tal crise
se originou em decorrência, não somente da política nacionalista, mas também da
não aceitação dos índios como parte da sociedade, pela classe branca vinda de
outros lugares do país para colonizar a região.
As declarações de Preto (2019) e Rufino (2019) convergem, sendo possível
notar a menção aos indígenas nos dois quadros, respectivamente, enquanto a
alegação de Uchôa (2019) apresenta uma ideia de identidade a partir da canção
Makunaimando. A canção contém vários elementos regionalistas e uma das mais
populares do grupo, que segundo Uchôa, gera uma identificação entre os cidadãos
de Roraima, garantido dessa forma, o reconhecimento da arte regionalista através
de suas obras.
Em 2015, a então governadora Suely Campos, sancionou a lei que oficializou
a música Roraimeira como hino cultural do estado. A norma de número 1007/15 de
autoria do deputado Oleno Matos (PDT), prevê a execução do hino em cerimônias
públicas e eventos culturais. Diante disso, próprio autor da música Zeca Preto disse
que não entendeu a escolha da canção como hino, tendo em vista Makunaimando
era mais popular.
deputados aqui em casa, uns dois anos depois da constituinte e não aceitei.
Disse quem tinha que decidir o hino era o próprio público. Aí outras pessoas
ligadas a governadora Suely Campos, me procuraram, mas eu não apoiava
a gestão dela, apesar de ela ser regional, e também já havia trabalhado com
ex-governador Anchieta, na produção de jingles. Na época me ligaram e
disseram que haviam feito uma enquete com mais de mil pessoas
aprovando a canção Roraimeira como a hino cultural do estado e me
questionei por que Makunaimando não havia sido escolhida. (informação
verbal)22.
Com isso podemos afirmar que esse reconhecimento das canções, produzidas nos
festivais, se tornou uma marca da identidade cultural roraimense, seja ela
Makunaimando ou Roraimeira. A ideia do movimento em promover a identidade a
partir de figuras do cenário local parece que foi então muito bem absorvidas pelos
cidadãos que aqui vivem.
Na categoria seguinte, que trata sobre a Divisão do movimento, conforme as
fases indicadas por Oliveira, Wankler e Souza (2009), o Grupo Roraimeira a
reconhece como evidente. Uchôa (2019) afirma que ambas as fases foram
determinantes durante o seu período vigente.
Na primeira fase se buscava definir a identidade Roraimense, e a segunda era
voltada para uma produção mais livre da mensagem Roraimeira, sem a exclusão da
essência regionalista. Este é um período ainda em exercício, não finalizado,
sinalizando uma atualização da arte Roraimeira a partir da interação com novos
artistas e com outras referências musicais.
22 Entrevista concedida por PRETO, Zeca. Entrevista II. [ago. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. MP4 (62 min.).
23 Entrevista concedida por UCHÔA, Neuber. Entrevista III. [set. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. MP4 (64 min.).
68
Rufino (2019) e Preto (2019), por sua vez, atestam que o Movimento
Roraimeira terminou após o recebimento do prêmio do Mérito Cultural da
Presidência da República, ao atestar a importância do Movimento na construção da
cultura brasileira. “A gente não poderia chegar numa satisfação maior, não só o
reconhecimento aqui na nossa terra”, alega Rufino (2019). Diante de tal afirmação,
ainda é cedo para concordar ou não com tais declarações, tendo em vista que as
análises das demais categorias se fazem necessárias para que possamos apontar
algo em relação ao encerramento do Movimento.
Na categoria Festivais chegamos em ponto determinante da pesquisa, tendo
em vista que o tema também será objeto de análise no tópico a seguir. Aqui
trazemos mais uma vez diferentes pontos de vista acerca deste tipo de evento. Já
no primeiro momento Preto (2019) deixa claro, que o Festival FEMUR foi decisivo
para criação do movimento, tendo em vista, que graças a ele houve uma articulação
em voltada da criação de uma canção e aglutinação em torno de um grupo. Isto
posto, podemos considerar definitivamente o festival como um instrumento social a
ser utilizado por esta sociedade, conforme um objetivo proposto.
Por outro lado, Rufino (2019) e Uchôa (2019), trazem a esta discussão para a
atualidade e afirmam que os novos modelos deste tipo de evento se configuram
como algo novo. Rufino (2019), por exemplo, diz que houve um a adequação do
modelo competitivo para o de amostra com outros conceitos, sobretudo
mercadológico, cujo objetivo final é a venda da música e dos outros produtos
apresentados no evento.
Seguindo a mesma linha de pensamento, Uchôa (2019) vê esta mudança como
uma forma de reciclagem do modelo, na qual TV abre espaço para Internet, não
para a realização no concurso de música, mas para transmissão de show,
quebrando a barreira espacial e aproximando ainda mais o público do evento, tudo
fruto da globalização.
A televisão é outra coisa, e hoje em ainda mais a internet, ou seja, não faz
mais sentido aquele modelo de festival, o apelo é outro, por isso o que
proliferou foram esses festivais de amostras. O apelo se tornou
mercadológico. Os tempos são outros, os apelos também e tem que se
atualizar mesmo. Essa reciclagem eterna tem mesmo que acontecer
(UCHÔA, 2019).
69
dos festivais não o suficiente para dizermos que o modelo competitivo, fundamental
na constituição do Movimento Roraimeira, venha a ser extinto, uma vez que ele
ainda estimula a produção artística em diversos níveis.
71
Nunca na história desse país, a cultura teve tanta voz quando o Lula entrou,
em 2003. Então ele colocou o Gilberto Gil como ministro da Cultura e depois
o Juca Ferreira, que foi um dos mentores da Cultura Viva. Então você tinha
os Pontos de Cultura bombando e o Governo Federal pela primeira vez
passou a lidar com cultura como uma obrigação do poder público. Porque a
gente fala de cultura, não diretamente do produto, mas estou falado de
cultura como produto imaterial e as formas artísticas de o ser humano se
expressar (informação verbal)25.
A Dilma Rousseff fez o que ninguém ainda tinha feito, que foi reconhecer a
música gospel como Música Popular Brasileira e antes disso, o gospel não
podia concorrer em festivais nem receber recurso por meio da Lei de
Incentivo à cultura, tanto que no Canto Forte tinha concorrentes de música
gospel, pra você ver tamanha abertura do festival (informação verbal) 26.
24 Entrevista concedida por RUFINO, Eliakin. Entrevista I. [jul. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. OGG (79 min.).
25 Entrevista concedida por VILLAS BOAS, Manoel. Entrevista V. [ago. 2019]. Entrevistador: Jackson
de Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. M4A (72 min.).
26 Entrevista concedida por GUIMARÃES, Joemir. Entrevista IV. [jul. 2019]. Entrevistador: Jackson
de Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. M4A (77 min.).
74
27 Entrevista concedida por RUFINO, Eliakin. Entrevista I. [jul. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. OGG (79 min.).
75
Villas Boas (2019), por sua vez também afirma que o Tomarrock não foi criado
pensado em desenvolver a temática regionalista, mas sim de incentivar a produção
de música local como um todo, seja ela rock ou samba. Assim como Preto (2019)
define Roraimeira como todo tipo de arte produzida em Roraima, Villas Boas
defende que o regionalismo está relacionado não somente a característica de
determinada região, mas o espaço e sua produção cultural como um todo.
Essa discussão quanto a regionalidade nos leva a categoria seguinte, a
abrangência. Enquanto o Femur e o Canto Forte estavam voltados apenas pera
Roraima, o Tomarrock abre as portas para participação de artistas de outras
localidades, também da cena independente cujo um dos objetivos é promover a
interação com os músicos do estado, para que eles também possam ganhar
visibilidade e assim chegar a outras regiões levando arte roraimense na bagagem. O
festival promoveria uma espécie de networking entre os artistas.
Muito da questão da visibilidade está diretamente relacionada ao formato em
que o festival é realizado, como podemos observar nesta última categoria. O Canto
Forte e o Femur, por exemplo, se enquadram no modelo de competição tendo em
vista que cada cantor compete para a escolha da melhor música. Neste modelo, em
geral, se apresentam intérpretes e compositores iniciantes, podendo ser uma boa
oportunidade de mostrar o próprio trabalho e assim, torná-lo reconhecido, tendo em
vista que os vencedores são premiados com dinheiro e gravação de músicas.
Enquanto isso, no modelo de amostra temos artistas já conhecidos pelo público, que
buscam através do evento ganhar ainda mais notoriedade.
No caso do Tomarrock, enquanto festival independente, o objetivo de cada
banda ou artista individual é ganhar o reconhecimento à nível de gravadora e assim
se tornar comercial. Aqui, o apelo é puramente financeiro. Logo, temos dois
processos diferentes, um inicial de entrada na música, e outro de lucro a partir da
produção cultural e divulgação própria e/ou a vinculação a uma gravadora.
Mas onde entram os Movimentos Socioculturais nestas análises? Ao longo de
toda investigação podemos perceber que os festivais integram um momento muito
marcante da história do Brasil, como à época da ditadura militar. Diante disso
podemos afirmar que os movimentos, sejam eles sociais ou musicais, nascem de
contextos específico e não de fatores isolados. Nesse sentido, podemos afirmar a
validade do Movimento Roraimeira, frente às pautas de defesa, sobretudo
indigenista, sendo ele um importante Movimento Sociocultural local.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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