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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS


MESTRADO EM LETRAS

JACKSON DE SOUZA FÉLIX

O MOVIMENTO RORAIMEIRA NA ERA DOS FESTIVAIS: MÚSICA E


REGIONALISMO NA FORMAÇÃO DA CULTURA RORAIMENSE

BOA VISTA, RR
2019
JACKSON DE SOUZA FÉLIX

O MOVIMENTO RORAIMEIRA NA ERA DOS FESTIVAIS: MÚSICA E


REGIONALISMO NA FORMAÇÃO DA CULTURA RORAIMENSE

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Letras, da
Universidade Federal de Roraima, como
parte dos requisitos para obtenção do
título de Mestre em Letras – linha de
pesquisa em Literatura, Artes e Cultura
Regional.

Orientador: Vilso Junior Chierentin Santi

BOA VISTA, RR
2019
JACKSON DE SOUZA FÉLIX

O MOVIMENTO RORAIMEIRA NA ERA DOS FESTIVAIS: MÚSICA E


REGIONALISMO NA FORMAÇÃO DA CULTURA RORAIMENSE

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Letras, da
Universidade Federal de Roraima, como
parte dos requisitos para obtenção do
título de Mestre em Letras – linha de
pesquisa em Literatura, Artes e Cultura
Regional.

Defendida em 16/12/2019 e avaliada pela


seguinte banca examinadora:

_____________________________________
Prof. Dr. Vilso Junior Chierentin Santi – UFRR
Orientador
______________________________________
Profª. Dra. Leila Adriana Baptaglin – UFRR
Membro
______________________________________
Prof. Dr. Maurício Zouein – UFRR
Membro
______________________________________
Prof. Dr. Roberto Mibielli – UFRR
Suplente

BOA VISTA, RR
2019
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................13

1. UMA DISCUSSÃO SOBRE CULTURA.........................................................16


1.1 Conceituação de cultura...............................................................................16
1.2. Cultura na Pós-Modernidade.......................................................................19
1.3. Hibridismo e Identidade Cultural.................................................................21

2. OS MOVIMENTOS SOCIOCULTURAIS.......................................................24
2.1. Movimentos Sociais no Brasil e América Latina........................................26
2.2. Os Movimentos Culturais.............................................................................28

3. OS (DES)CAMINHOS DO MOVIMENTO RORAIMEIRA..............................31


3.1. Os Festivais de Música no Brasil................................................................35
3.2. Contexto histórico local e o regionalismo....................................................38
3.3. O FEMUR e o Movimento Roraimeira.........................................................41

4. NOVOS TEMPOS, NOVOS FESTIVAIS?......................................................48


4.1. O Festival Tomarrock..................................................................................49
4.2. O Festival Canto Forte.................................................................................55

5. ANÁLISE DOS DADOS.................................................................................61


5.1. O Movimento Roraimeira.............................................................................63
5.2. Os Festivais de Música de Roraima............................................................70

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................76
REFERÊNCIAS..................................................................................................80
À minha mãe, Nelcy de Souza Pereira (in
memorian) que em vida sempre lutou para
que eu tivesse educação de qualidade e
uma formação digna.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a esse ser divino, que embora possua variadas


denominações, mas é um só: Deus – fonte de luz e vida, motivo pelo qual vim à terra
para cumprir minha missão junto aos outros seres encarnados. Ele que é fonte
inesgotável de conhecimento. Agradeço a ele por me permitir viver e proporcionar
esta oportunidade de chegar aqui, à conclusão de uma pós-graduação. Por me fazer
acreditar que sou capaz de vencer na vida de forma honesta por meio do meu
esforço e trabalho para que eu me torne um ser evoluído.
Ao meu orientador Prof. Dr. Vilso Junior Santi, que acreditou em mim desde o
começo desta trajetória e me auxiliou com os subsídios necessários para que eu
concluísse mais esta etapa tão importante da minha vida. Pelas palavras de apoio e
até mesmo pelos momentos de exigência que fizeram que eu e me esforçasse para
concluir esta pesquisa.
Além dele, agradeço também os outros professores que compõem o
Programa de Pós-graduação em Letras (PPGL) da Universidade Federal de
Roraima (UFRR), que foram essenciais na minha formação até aqui, em especial os
docentes Roberto Mibielli e Leila Baptaglin por contribuírem para a construção desta
dissertação durante a banca de qualificação.
Aos amigos que fiz durante o mestrado e me deram forças e incentivaram
para que chegássemos juntos a esta etapa concluinte, embora uns já tenham
concluído e outros não, são eles: Eduany Siqueira, Antônio Lisboa, Vanessa
Brandão, Edgar Borges e Daniele Fernandes.
Às minhas amigas de profissão Valéria Oliveira, Inaê Brandão, Emmily Melo,
Bruna Cássia e Emily Costa que me incentivaram a realização da Pós-graduação
em Letras e sempre me deram apoio, quando necessário.
À minha família, que carinhosamente me acolheu e fez que eu me tornasse a
pessoa que eu sou hoje, em especial a minha tia Francisca das Chagas Félix
Cavalcante e a meu tio Valério Pinho Cavalcante, que me resgataram ainda criança
e investiram na minha educação como a dos próprios filhos, os primos que eu tanto
amo, Victor e Valéria Félix Cavalcante.
Agradeço também ao meu pai Augusto César, que apesar das circunstâncias
da vida contribuiu para o meu crescimento, assim como meu irmão Maxwell Pereira
e seus filhos Luiz Eduardo, Emanuel e Marx, aos quais também dedico este
trabalho.
Ao meu amigo e companheiro Matheus Santiago, por dar palavras de
sabedoria, incentivo e acalanto nos momentos que fraquejei. Por acreditar no meu
potencial e ser tão paciente comigo.
Por fim, as pessoas mais importantes da minha vida, minha amada mãe Nelcy
de Souza Pereira, mulher guerreira que me deu à luz, por ter me educado e sempre
ter feito o possível para que nada me faltasse. Enfrentou os males do câncer e da
diabetes e desencarnou logo que entrei na faculdade e infelizmente não pôde ver
em vida o sonho de ver o filho formado. Ela foi minha fonte de inspiração e
motivação para que chegasse vencedor até aqui.
Agradeço também a minha avó, vítima do câncer de mama, por ter
contribuído para formação do homem que hoje sou.

Obrigados a todos!
RESUMO

Na presente dissertação busco realizar um estudo sobre as contribuições dos


festivais de música de Roraima na formação da cultura local, a partir da organização
de movimentos sociais em torno destes eventos. O objetivo é identificar se assim
como Femur, responsável pelo surgimento do Movimento Roraimeira, novas
manifestações culturais do mesmo gênero também são motivaram a criação de
outros movimentos. Além disso, investigo as influências do Roraimeira nos artistas
da nova geração, pós anos 2000 que compõem a cena musical do Estado. Dentro
deste contexto, procuro analisar, a partir da observação direta das entrevistas
realizadas, quais são as estratégias discursivas presente no debate contemporâneo
roraimense sobre festivais e como elas dão sentido as articulações de ações
coletivas que geram os movimentos socioculturais. Diante disso, também
desenvolvo um debate sobre a questão regionalista e identitária a partir destes
eventos musicais, de modo a verificar se a temática se mantém presente na
produção artística musical como forma de reivindicação ou resistência.

Palavras-chaves: festival de música; Movimento Roraimeira, regionalismo.


ABSTRACT

In this research I seek to conduct a study on the contributions of Roraima music


festivals in the formation of local culture, from the organization of social movements
around these events. The goal is to identify if as well as Femur, responsible for the
advent of Roraimeira Moviment, new cultural manifestations of the same genre are
also authors of movements. In addition, I investigate the influences of Roraimeira on
the artists of the new generation, post years 2000's that compose the state music
scene. Within this context, I seek to analyze, from the direct observation of the
presented interviews, what are the discursive strategies present in the contemporary
brazilian debate about festivals and how they give meaning to the articulations of
collective actions that generate the movements, whether social or cultural. Given this,
I also develop a debate on the regionalist and identity from these events, in order to
verify if the theme remains present in artistic production as a form of claim.

Keywords: music festival, Roraimeira Movement, regionalism.


LISTA DE SIGLAS

CAF – Centro Amazônico de Roraima


CCBB – Centro Cultural do Banco do Brasil
Femur – Festival de música de Roraima
Fecani - Festival da Canção de Itacoatiara
FdE – Fora do Eixo
MPB – Música Popular Brasileira
MPM – Música Popular Moderna
UFRR – Universidade Federal de Roraima
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fotografia 1 - Trio Roraimeira na cerimônia de entrega da Ordem do Mérito Cultural


................................................................................................................................47
Fotografia 2 - Integrantes do Coletivo Canoa Cultural durante a primeira edição 2011
do Circuito Cultural do SEBRAE-RR..................................................................51
Fotografia 3 - Terceira edição do Festival Tomarrock em 2010........................52
Fotografia 4 - 9ª Edição do Festival (2017), no Parque Anauá..........................55
Fotografia 5 - 1ª Edição do Canto Forte no Palácio da Cultura.........................57
Fotografia 6 - Euterpe vence o primeiro Canto Forte.........................................57
Fotografia 7- Cantora Leka Dez durante apresentação na 5ª Canto Forte no CAF
................................................................................................................................60
LISTA DE QUADROS

O Movimento Roraimeira....................................................................................63
Os Festivais de Música de Roraima...................................................................70
14

INTRODUÇÃO

Os Festivais de Música de Roraima foram um marco na história cultural do


estado, pois ajudaram a revelar novos artistas, criar movimentos e reconfigurar toda
cultura local, tal como foram os festivais transmitidos pela televisão entres as
décadas 1960 e 1970, no sudeste do Brasil. Talvez se não fosse por isso,
continuaríamos sem uma referência do que é ser roraimense, já que o Movimento
Roraimeira, fruto de um dos eventos aqui estudado,(o Festival de Música de
Roraima), reuniu em suas obras, características sólidas de identificação regional.
A passagem temporal e as atualizações dos modelos de se fazer festivais
também foram muito importantes para a cena musical de Roraima, ainda mais na
virada do século XX para o século XXI, com otimização do uso dos meios de
comunicação e nos modos de se consumir e produzir música e arte, principalmente,
quanto a recepção da temática regionalista por parte da nova geração de jovens
adultos, pós anos 2000.
Isto posto. Nosso objetivo é identificar se assim como Femur, responsável
pelo surgimento do Movimento Roraimeira, novas manifestações culturais do mesmo
gênero também são motivaram a criação de outros movimentos.
Diante disso, partimos das seguintes problemáticas: a) Levando em consideração
que o Movimento Roraimeira surgiu dentro de um festival de música e tomando o
movimento como base para a discussão da nossa pesquisa, é possível afirmar que
outros festivais, do mesmo gênero, realizados no estado, também foram
responsáveis por encabeçar novos movimentos?; b) O Roraimeira sempre se apoiou
na temática regionalista para referenciar a sua arte. Se tratado de música, ainda é
possível notar a difusão desse mesmo tema entre os novos artistas da cena local?
Para responder tais questionamentos, elegemos três grandes eventos que
ocorreram no estado em diferentes momentos da história a fim de chegar uma
resposta para cada uma de nossas perguntas, são eles: Festival de Música de
Roraima (Femur); o Festival Tomarrock e o Festival Canto Forte.
Nossos resultados foram obtidos por meio das análises de conteúdo extraídas
de entrevistas gravadas em áudio com a tríade fundadora do movimento Roraimeira,
15

formada pelos artistas Zeca Preto1, Neuber Uchôa2 e Eliakin Rufino3, realizada entre
julho e agosto de 2019, bem como, através da correlação de informações de outros
agentes culturais responsáveis pelos outros dois festivais, sendo eles Joemir
Guimarães4 e Manoel Villas Boas5.
A proposta de pesquisa, surgiu como resultado da admiração e, ao mesmo
tempo, da curiosidade pela cultura roraimense, despertada ao longo de cinco anos
de exercício profissional, atuando como jornalista em um portal de notícias de
Roraima. Tal exercício possibilitou o contato com diversos artistas locais e a
aproximação com a cultura roraimense – também viabilizado com as atividades do
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Roraima (PPGL
– UFRR).
Para alcançar os objetivos traçados, numa primeira fase procedeu-se a uma
revisão da literatura relativa a eventos e festivais, no sentido de fornecer um quadro
de referência conceitual, tendo como principais referências, Mello (2003) e Pelicano
(2009). Também foram analisadas literaturas sobre a teoria dos movimentos
socioculturais com o aporte teórico de Gohn (1997) e Tarrow (1994), bem como uma
discussão geral sobre cultura com base nos conhecimentos de Eagleton (2011),
Canclini (2015), Bauman (2005), Hall (2005) e outros.
Com o presente trabalho, os pesquisadores acima citados provocaram a
academia, ao dar margem para a investigação de outros assuntos que não somente
a questão identitária, por esse motivo exploramos em nossa discussão a relação dos
festivais de música com os movimentos socioculturais, no sentido de revelar outros

1José Maria de Souza Garcia, conhecido artisticamente como Zeca Preto, nasceu em Belém do Pará,
em 10 de outubro de 1950. Também escritor ele é um artista conhecido como regionalista e ativo
multiplicador dos valores e costumes amazônicos tradicionais.

2 Neuber Francisco Melo Uchôa, conhecido artisticamente como Neuber Uchôa, nasceu Boa Vista
em 23 de janeiro de 1959. É considerado um dos líderes do Movimento Cultural Roraimeira e vive a
música desde os três anos de idade sem interrupção. O artista tem 11 trabalhos gravados, entre
discos de vinil e discos CD, dos quais seis são produções solo.

3 Eliakin Rufino de Souza, conhecido artisticamente como Poeta Eliakin, nasceu em Boa Vista, em 27
de maio de 1956. O artista tem poemas publicados em antologias e sites de poesia, nacionais e
internacionais. Além de escritor, é músico, cantor, compositor, filósofo, produtor cultural e jornalista.

4 Joermir Guimarães de Souza, mais conhecido como Joemir Guimarães é um cantor e compositor
paraibano, que vive em Roraima deste os anos 80. Formado em Engenharia Civil pela Universidade
Federal de Roraima, ele também atua como apresentador em um programa na rádio 93.3 FM.

5 Manoel Alberto Rolla Vilas Boas, também chamado de Manoel Rolla, é vocalista da banda Mr.
Jungle, diretor do Coletivo Canos Cultural e Conselheiro Estadual de Cultura. Ele atual também como
professor de biologia na rede estadual de ensino.
16

potenciais desenvolvidos pelo Roraimeira, mas que não tiveram a mesma atenção,
como a que foi tratada até aqui.
Para dar cabo desta tarefa, vamos abordar em cada uma dos capítulos
adiante, diferentes temas como cultura, movimentos sociais, festivais e o Movimento
Roraimeira. Numa primeira etapa vamos discorrer sobre o conceito de cultura e
identidade; já na segunda seção vamos explicar também como se dão os
movimentos sociais e de que forma eles se constituem. Em seguida falamos do
Roraimeira, como ele surgiu e o que já foi registrado sobre ele, ao mesmo tempo em
que discutimos os festivais, e por fim, a nossa discussão se desenvolve em torno da
apresentação dos três festivais de música, aqui já mencionados, e a partir de uma
análise conteúdo tentamos explicar o que foi observado com a realização deste
estudo.
17

1. UMA DISCUSSÃO SOBRE CULTURA

Nossa pesquisa se construiu apoiada nos estudos culturais, campo de


estudos, no qual, disciplinas variadas se interseccionam no estudo de aspectos
culturais da sociedade contemporânea, em outras palavras, “área onde diferentes
disciplinas interagem, visando o estudo de aspectos culturais da sociedade”
(ESCOSTEGUY, 2004, p. 28). Conforme Escosteguy, o campo de estudo pode ser
identificado como o da política cultural a partir da relação com os movimentos
sociais. Esta ideia aplicada ao nosso objeto expande nosso campo de investigação,
uma vez que relacionamos a realização do Festival de Música de Roraima (FEMUR)
de música ao surgimento de um movimento sociocultural, o Movimento Roraimeira.
De um lado os festivais de música aparecem como um elemento fundamental
na formação da cultura local, pois foi através dele que músicos locais se
organizaram em torno de um movimento a fim de promover ações culturais e outras
esferas político-sociais, mesmo que de forma inconsciente. O Roraimeira buscava aí
desenvolver uma identidade regionalista baseada nas figuras do índio e do imigrante
de forma sutil, uma vez que sofria as pressões do contexto histórico-social de
caráter nacionalista e conservador da ditadura militar, a qual censurava grande parte
da produção artística de maneira geral.

1.1 Conceituação de cultura

A complexidade em torno da palavra cultura nos motivou não somente a


buscar compreender o termo, como também a estudá-lo dentro de um contexto
espaço-temporal. Nesse sentido, buscamos desenvolver um debate sobre a cultura
roraimense, tomando como base da nossa exploração os festivais e o Movimento
Roraimeira.
O conceito de cultura, segundo Thompson (1995) vem do latim culter e era
utilizado inicialmente na esfera agrícola para se referir ao cultivo de grãos e a
criação de animais. A partir do século XVI, o vocábulo passar a ser usado no sentido
de desenvolvimento humano. Por muitas vezes a palavra também foi utilizada como
sinônimo de “’civilização’ para descrever um processo progressivo humano, um
movimento em direção ao refinamento e à ordem, por oposição à barbárie e a
selvageria” (THOMPSON, 1995, p. 167-168).
18

Eagleton (2011, p. 10) afirma que a “’cultura’ denotava de início um processo


completamente material, que foi depois metaforicamente transferido para questões
do espírito”. Nota-se então a mudança histórica de uma sociedade
predominantemente rural no final período feudal para o contexto urbano, ou seja,
civilizado e culto. O autor diz ainda que a polissemia da palavra abriu margem para
diversas interpretações, uma vez que podia significar qualquer coisa, desde cultivar,
adorar, proteger e habitar, ganhando espaço também dentro da religião.
Na idade moderna, associado aos ideais iluministas da época, o termo foi
ressignificado pelos alemães se distanciando da definição adotada pelo resto da
Europa, sobretudo da França e Inglaterra, que tratavam cultura e civilização como
uma única coisa. Para os alemães, a diferença entre a civilização e a cultura estava
ligada ás normas de estratificação social.
Assim sendo, Kant apud Thompson (1995, p. 170) afirma que a cultura era
adquirida por meio da ciência e das artes, o que contribuiu para com concepção
clássica da palavra, como sendo um “processo de desenvolvimento e enobrecimento
das faculdades humanas, um processo facilitado pela assimilação de trabalhos
acadêmicos e artísticos ligados ao caráter progressista da era moderna”; enquanto
que a civilização se dava pela aquisição de refinamentos sociais.

[...] A civilização era abstrata, alienada, fragmentada, mecanicista,


utilitária, escrava de uma crença obtusa no progresso material; a
cultura era holística, orgânica, sensível, autotélica, recordável. O
conflito entre cultura e civilização, assim, fazia parte de uma intensa
querela entre tradição e modernidade. (EAGLETON, 2011, p. 23).

Mas “foi Herder quem nos abriu os olhos sobre outras culturas”, conforme
citado por Cuche (2002, p. 28), ao tomar partido da diversidade cultural de diferentes
povos ao mesmo tempo em que se opunha ao universalismo iluminista, que ele
considerava empobrecedor, visto que defendia que “cada povo, através de sua
cultura própria tem um destino específico a realizar. Pois cada cultura exprime à sua
maneira um aspecto da humanidade”, (CUCHE, 2002, p. 27).
A partir então, cultura se aproxima cada vez mais ao conceito de nação ao se
constituir como um conjunto aquisições intelectuais, morais e artísticas pertencentes
a um lugar de origem.
19

Porém a integração da palavra cultura à antropologia – estudo comparativo da


cultura – no final do século XIX, ganha um novo sentido ao se distanciar das suas
conotações etnocêntricas e se concentrar na explicação das práticas, costumes e
crenças de outras sociedades, que não as europeias. Nesse sentido percebemos a
sobreposição do etnocentrismo em relação ao eurocentrismo, que era a visão de
mundo até então dominante naquela época.
Sendo assim, o método etnográfico permitiu a concepção descritiva de
cultura, por meio da qual a classe científica buscou dar uma abordagem mais ampla
e ao mesmo tempo sistemática do desenvolvimento humano, baseadas no
conhecimento de Gustav Klemm e E. B Taylor, através da análise dos “costumes,
habilidades, artes, ferramentas, armas, práticas religiosas […] de povos e tribos em
todo o mundo” (THOMPSON, 1995, p. 171).
Se antes o conceito de cultura se aproximava de civilização para descrever
um sujeito cosmopolita e desenvolvido, após isto ela passa a se configurar como
tribal.

Ironicamente, “cultura” descreve os modos de vida dos “selvagens” e não


dos civilizados. Numa curiosa inversão, os selvagens possuem uma cultura,
mas os civilizados não. Mas se “cultura” pode descrever uma ordem social
“primitiva”, também pode servir para idealizar a nossa própria ordem social
(EAGLETON, 2011, p. 25).

Porém voltado para outra concepção, Thompson (1995) baseado em Geertz


(2008), defende a cultura como sendo uma ciência interpretativa em busca de
significados, diz que cultura está relacionada a “um padrão de significados nas
formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos
de vários tipos” – o que também podemos descrever como manifestações artísticas
como músicas, poesias, pinturas, ou seja, expressões artísticas de uma maneira
geral.
Willians (2007, p. 119) por sua vez, diz que a variação do significado de
cultura era definida de acordo com o idioma em que o termo era utilizado o que
reafirma as outras ideias aqui já apresentadas. No inglês, por exemplo, a cultura era
entendida como um movimento social e intelectual, enquanto no francês ele
permanecia com acepção de cultivo.
20

O Willians afirma ainda, que a cultura também era percebida de duas


maneiras diferentes, a primeira como sendo um “substantivo independente e
abstrato, que descreve um processo desenvolvimento intelectual, espiritual e
estético a partir do século XVIII”, voltada para o ideal iluminista e positivista, e a
segunda como apenas um substantivo independente e “usado de modo geral ou
específico indicando um modo particular de vida, quer seja de um povo, de um
período, um grupo ou da humanidade em geral”, como era estudado na antropologia
(WILLIANS, 2007, p.121).
Willians (2007) reitera que a primeira concepção evolui no sentido de a cultura
também abraçar as práticas da atividade artística, fazendo desta forma que nós
conhecêssemos a definição de cultura utilizada comumente atualmente.
Somadas a ideias dos autores acima apresentados, definimos cultura como
um conjunto de ações adotadas por comunidades, como costumes, crenças e
diferentes manifestações, que descrevem o comportamento coletivo de uma
sociedade e ao mesmo tempo traduzem as atitudes mais íntimas de cada indivíduo
como uma forma de plano de fundo pessoal, que remete uma matriz história do
sujeito, sempre desenvolvendo o sentido inicial do termo em cultivar determinadas
ações.
Tal fenômeno se dá através da interação social de um grupo de pessoas, seja
de uma mesma localidade ou não, neste último caso sendo responsável pela
hibridização da cultura a partir do contato com o outro e formando assim novas
culturas. Logo, a cultura, mesmo com características sólidas e primitivas, sempre
está em constante movimento, ou seja, transformação, principalmente em questões
relacionadas ao tempo.

1.2 Cultura na Pós-Modernidade

A aproximação da ideia de cultura com a de pluralidade, fez com que palavra


adquirisse uma nova significação na pós-modernidade. Featherstone (1995, p. 19),
afirma que esta nova fase da história surge em oposição ao modernismo, como um
movimento de ruptura com o passado e negação do moderno, tornando-se dessa
forma num termo indefinido, uma vez que “estamos apenas do limiar do alegado
deslocamento, e não em posição de ver o deslocamento como uma positividade
21

plenamente desenvolvida capaz de ser definida em sua amplitude por sua própria
natureza”.
Gott (1986), conforme citado por Featherstone (1995, p.17-18), diz que o novo
período poderia facilmente ser entendido como um conjunto de diferentes
expressões artísticas resultantes do reacionarismo político vivido no final século XIX
e início do XX no mundo ocidental, ou seja, para ele “é muito mais confortável ver o
pós-modernismo com um reflexo mecânico e reacionário das mudanças sociais e
pôr a culpa nos acadêmicos e intelectuais por cunharem o termo, como parte de
seus jogos de distinção”.
Ao defender a constituição do pós-moderno, os autores citados esclarecem
ainda que criação do termo não se deu somente dentro do meio acadêmico, como
também foi impulsionado pelos movimentos artísticos e por esse motivo o pós-
modernismo está bastante relacionado à música, artes plásticas, literatura, cinema,
teatro fotografia, as artes no geral, assim como é aplicado no século XXI.
Enquanto isso, Jameson (1984) apesar de resistir ao conceber o pós-
modernismo como a mudança de um período histórico, o descreve como “o
dominante cultural ou a lógica cultural da terceira grande etapa do capitalismo – o
capitalismo tardio – cuja origem está na era posterior à Segunda Guerra Mundial”
(apud, FEATHERSTONE, 1995, p. 21).
Já Eagleton (2011, p. 28), na sua profunda discussão sobre cultura, retoma a
questão antropológica e da ciência social, onde ele reconhece que o pensamento
pós-moderno imprime o pluralismo que consequentemente se cruza com a
autoidentidade. Assim sendo, a cultura “em invés de dissolver identidades distintas,
ele as multiplica”. Em seguida, ao citar Said (1993), o autor sugere, que “todas as
culturas estão envolvidas umas com as outras, nenhuma delas é isolada e pura,
todas são híbridas, heterogêneas, extraordinariamente diferenciadas e não
monolíticas” (EAGLETON, 2011, p. 28-29).
Assim como dissemos na subseção anterior, a cultura está muito ligada às
questões relacionadas ao tempo, dessa forma, no período pós-moderno não poderia
ser diferente. Aí o vocábulo se aproxima ainda mais das artes, desta forma ficando
mais conectado a ideia geral que se tem cultura nos tempos atuais. Neste ponto da
nossa pesquisa o entendimento acerca do hibridismo e da questão identitária é de
extrema relevância para que possamos compreender mais adiante o que levou a
criação do Movimento Roraimeira, tendo o Femur como principal referência, e em
22

cima disso, extrair os ideais almejados pela corrente artística a fim de perceber suas
transformações dentro de um período de quase 40 anos.

1.3 Hibridismo e Identidade Cultural

Dando continuidade à discussão de cultura na pós-modernidade, o estudioso


argentino Nestor Garcia Canclini (2015) defende que o período não encerrou o
modernismo, pois sustenta o seu caráter antievolucionista bem como valorizava a
heterogeneidade multicultural, mesmo que durante a década de 1990 o pensamento
pós-moderno tenha sido reduzido no âmbito das ciências sociais, para dar espaço a
globalização, a qual o autor designou “segunda modernidade”, com uma fase onde
as formas de hibridação ocorrem com maior facilidade devido aos processos
comunicacionais e o apagamento das fronteiras.
Mas, antes de estender o debate sobre globalização, Canclini (2015, p. 19)
aponta o hibridismo como “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas
discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas
estruturas, objetos e práticas” e que uma das formas para se chegar a ele é o
processo imigratório imprevisto, seja ele turístico ou econômico.
Este pensamento podemos aplicar ao atual contexto roraimense, tento em
vista a condição fronteiriça do estado que hoje conta com a população aproximada
de 25 mil venezuelanos vivendo só na capital, em Boa Vista – o equivalente a 7,5%
da população local, conforme um levantamento da prefeitura realizado em junho de
20186.
É claro, que ao longo do trabalho também tratamos da imigração antes da
crise venezuelana, bem como da imigração guianense para explicar as influências
culturais dos povos adjacentes ao movimento sociocultural que problematizamos,
tendo em vista que o processo imigratório no contexto de Roraima é histórico é
ininterrupto. Esta combinação sociocultural é responsável não somente pela
hibridização, como também pela dinâmica proporcionada por ela – a qual gera as
transformações culturais em nível local.

6. Informações obtidas no portal de notícias da Globo - G1 Roraima. Disponível em:


<https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/mapeamento-aponta-que-25-mil-venezuelanos-vivem-em-
boa-vista-diz-prefeitura.ghtml>. Acesso em: 26 de fev. 2019.
23

A “transformação cultural” é um eufemismo para o processo pelo qual,


algumas formas e práticas culturais são expulsas do centro da vida popular
e ativamente marginalizadas. Em vez de simplesmente “caírem em desuso”
através da Longa Marcha para a modernização, as coisas foram ativamente
descartadas, para que outras pudessem tomar seus lugares (HALL, 203, p.
248).

A fusão de estruturas por meio da hibridação promove ainda o que Canclini


(2015) chama de reconversão da cultura, um conjunto de saberes e técnicas que
são reinseridos em novas condições de produção e mercado. Baseado nisto, nos
apoiamos neste termo para explicar as transformações identificadas no cenário
cultural de Roraima e de que forma elas se apresentam nos dias atuais,
principalmente no que diz respeito aos festivais que analisamos, para que assim
possamos dizer de que modo eles se configuram e com qual objetivo.
Os diferentes processos que levam ao hibridismo e a modificação cultural,
tendem a relativizar a noção identidade, segundo Canclini (2015, p. 23), por
entender que a definição de identidade através da abstração de características
específicas, como o idioma, as tradições e outras particularidades, nega na maioria
das vezes história de formação de tal característica, e ela volta ser essencializada,
enquanto que “em um mundo tão fluidamente interconectado, as sedimentações
identitárias organizadas em conjuntos históricos mais ou menos estáveis (etnias,
nações, classes) se reestruturam em meio a conjuntos internéticos, transclassistas e
transnacionais”.
Assim como Canclini (2015), Hall (2011, p. 14) reitera que "[…] a questão da
identidade está relacionada ao caráter da mudança na modernidade tardia", mas
principalmente à “globalização e seu impacto sobre a identidade cultural”. Assim
sendo, ele defende que o sujeito pós-moderno é aquele indivíduo fragmentado
composto não de uma única, mas de várias identidades “formadas e transformadas
pela continuidade em relação às formas pelas quais somos apresentados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam”.
Dessa forma elas são constituídas historicamente não biologicamente. "O
sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não
são unificadas ao redor de 'eu' coerente" (HALL, 2011, p. 12-13).
A partir de uma perspectiva mais atual, Bauman (2005) complementa o
pensamento de Hall (2011) ao declarar que a busca por identidade é um processo
24

contínuo que cabe somente ao tempo responder, mas que ela não será possível,
enquanto a ideia de “pertencimento” continuar sendo uma solução para um indivíduo
ter uma identidade. Ou seja, além de tempo, o espaço é um importante elemento da
formação identitária.

[…] As pessoas em busca de identidade se veem invariavelmente diante da


tarefa intimidadora de “alcançar o impossível”: essa expressão genérica
implica, como se sabe, tarefas que não podem ser realizadas no tempo real,
mas que serão presumivelmente realizadas na plenitude do tempo – na
infinitude (BAUMAN, 2005, p. 16-17).

Para que possamos compreender melhor, o autor desenvolve o conceito de


identidade nacional a partir da condição do imigrante e refugiado, sujeitos que têm a
própria identidade posta em risco, uma vez que uma pessoa tem uma identidade
nacional própria, mas devido a alguma circunstância foi despido dela. Então ao
mesmo em tempo em que ela se entende como um sujeito de características
unívocas, que fazem dela quem ela é, esta pessoa, paralelamente, também tem a
necessidade de se encaixar socialmente no lugar ao qual agora pertence, o que
possivelmente, resultaria em uma “nova identidade”.
Com isto posto frisamos que o hibridismo cultural vem colaborar para que
tenhamos uma compreensão ampla acerca da formação da cultura roraimense, que
trataremos mais a frente, no que se refere a miscigenação de diferentes aspectos.
Na sequência vamos ampliar esta discussão levando conta toda a condição
fronteiriça de Roraima e os últimos episódios de migração, para melhor entender de
que forma estas trocas culturais proporcionam ao estado a configuração de sua
identidade cultural a partir de uma visão mais atual.
25

2. OS MOVIMENTOS SOCIOCULTURAIS

Outra discussão fundamental neste trabalho para que possamos alcançar os


nossos objetivos, é a conceituação de “Movimento Social”, para que por meio deste
consigamos refletir e discutir se de fato, o Roraimeira pode ser chamado de
Movimento Sociocultural.
Maria da Glória Gohn (1997, p. 13), ao teorizar sobre os movimentos sociais,
a partir de uma visão ampla, apresenta o movimento como uma ação inovadora que
ocorre em espaços não consolidados de organizações sociais, que na maioria das
vezes questionam estas estruturas e propõem “novas formas de organização à
sociedade política”.
Até aqui, ainda é precipitado dizer que o Roraimeira é um Movimento Cultural. Por
mais que ele estivesse organizado através da classe artística, o coletivo não
objetivava a reorganização política da sociedade local.
Porém, Gohn (1997) garante que não há um conceito de movimento, mas
vários deles, conforme o paradigma a ser analisado, tendo em vista os recortes
extraídos dele. Para um melhor discernimento do tema, a autora categorizou os
paradigmas dos Movimentos Sociais através de outros temas tão complexos como
cultura, identidade, autonomia, subjetividade, atores sociais, cotidiano,
representações, interação política, etc., para além da ideia de movimento por si só.
Dentro do contexto iluminista, por exemplo, a ideia de movimento está
relacionada ao progresso e ligada diretamente às ciências sociais, na qual, ele surge
pelo anseio da mudança e pelo desenvolvimento da comunidade, na qual a
sociologia foi buscar formas de entender estas modificações dentro da sociedade. O
próprio sujeito deveria descobrir por si só o comportamento que deveria ser adotado
para se viver nela.
Diante disso, a autora esclarece que o conflito era considerado “natural e
inevitável, decorrente do choque entre as culturas e as diferentes realidades”
(GOHN, 1997, p. 30), que mais tarde viriam a resultar nos movimentos. A concepção
clássica de Blumer (1939), conforme citado por Gohn (1997, p. 31), diz que
movimentos sociais são “empreendimentos coletivos para estabelecer uma nova
ordem de vida” que “surgem de uma situação de inquietação social, derivando suas
ações dos seguintes pontos: insatisfação com a vida atual, desejo e esperança de
novos sistemas e programas de vida”.
26

Semelhante ao que já foi apresentado, Tarrow (2009, p. 19), defende que os


movimentos sociais são resultados de uma ação coletiva e do confronto, sobretudo,
político que promove a interação entre os opositores que são estimulados por meio
de símbolos culturais, pois é a ação coletiva o “principal e quase sempre único
recurso que as pessoas comuns têm contra opositores”.
Mas engana-se quem pensa em Movimento Social como uma expressão de
extremismo, com atos de violência, pelo contrário, Tarrow (2009, p. 21) deixa claro
que os movimentos são “bem mais definidos como desafios coletivos baseados em
objetivos comuns e solidariedade social numa interação sustentada com as elites,
opositores e autoridade”, em um contexto em que eles podem ser formados a partir
de ideais apolíticas, enquanto focalizam nas suas próprias dinâmicas internas ou a
de seus membros.
No campo da cultura, a discussão ganha corpo com a interpretação das
ações coletivas, no contexto em que “a linguagem, as ideias, os símbolos, as
ideologias, as práticas de existência cultural [...] passam a ser vistas como
componentes dos conflitos expressos nos discursos”, (GOHN, 1997, p. 70).
A cultura parte de um processo em que ela é entendida como não sendo algo
finalizado ou constituída da incorporação em um determinado sistema de relações,
mas sim, nascida e recriada “a partir de um conjunto de representações no
desenrolar das ações coletivas, levando à formação da consciência coletiva
(FANTASIA, 1995, apud, GOHN, 1997, p. 73). Ou seja, os Movimentos Sociais têm
também construído representações simbólicas, responsáveis por criar identidades
para grupos que antes eram tidos como desorganizados (GOHN, 2011, p. 336).
A partir de uma perspectiva mais contemporânea, a percepção de
movimentos sociais vai sendo encaixada na ideia de constituição do Movimento
Roraimeira, tendo em vista que mais atualmente, os movimentos buscam promover
a inclusão de novos sujeitos por meio do reconhecimento da diversidade cultural e
cada vez mais questões de diferença e multiculturalidade têm sido incorporadas
para a construção da própria identidade cultural dos movimentos.
Segundo Gohn (2011), os movimentos de cunho popular no Brasil, ficaram
conhecidos entre as décadas de 1970 e 1980 por grupos de oposição ao regime
militar e foram de extrema relevância para a história do país, pois contribuíram
decisivamente para as conquistas dos direitos sociais registrada na constituição de
1988.
27

Na década seguinte, em 1990, o cenário político modifica as formas de


organização dos movimentos, que passam a ser institucionalizados, a fim de
solucionar os problemas sociais, através da definição de metas e objetivos. Dentre
tantos movimentos surgidos nesta época, também se destacam os movimentos
socioculturais, encabeçados pela comunidade jovem, principalmente na área da
música, que hoje, atuam por meio da internet, com o auxílio das redes sociais e
ultrapassando as fronteiras da esfera local.
Esta reestruturação dos movimentos também possibilitou a criação de novas
ações de suporte impressas, por exemplo, no campo da música, através de festivais.
Assim sendo, percorremos este caminho até aqui para mostrar como as temáticas
cultura, identidade, hibridismos e manifestações culturais (como os festivais)
acabam se relacionando, para que mais frente tenhamos um melhor entendimento
sobre o estudo aqui apresentado.

2.1 Movimentos Sociais no Brasil e América Latina

No contexto latino-americano após a década de 1970, os movimentos sociais


ganharam formas a partir das questões de habitação popular, assentamentos em
áreas de favelas, movimentos das mulheres e da classe estudantil, dos moradores,
mobilizações populares decorrentes do regime militar, ou seja, se tornaram
movimentos populistas (GOHN, 1997, p. 220).
As peculiaridades políticas e econômicas dos países latino-americanos
fizerem com que a distribuição dos movimentos pela América Latina ocorresse de
forma diferenciada se concentrando nos grandes centros, no caso de países mais
industrializados e organizados em sindicatos, igrejas ou em partidos de oposição ao
regime político da época; e, por outro lado, estruturando-se em pequenas vilas, no
caso de países com base econômica agrária. Neste último caso, as ações se
aproximavam dos modelos clássicos de rebeliões populares.
No Brasil, estavam concentrados grande parte dos movimentos sociais nas últimas
três décadas, possivelmente pela extensão territorial, população e grau de
desenvolvimento industrial do país.
Mesmo com todas as diferenças econômicas e culturais entre os países,
Gohn (1997) nos mostra através do percurso histórico, que a vivência na realidade
latino-americana, mais se assemelha do que se difere. Nesse sentido, ela destaca
28

como exemplo o passado colonial, escravocrata e de servidão indígena, nos países


latinos, com a economia baseada na exploração de recursos naturais.
Outro ponto destacado no âmbito político foi a constituição do Estado
Nacional, resultante de lutas internas, na qual as elites políticas sempre
representaram os interesses econômicos do capital internacional. Ou seja, a
sociedade civil e o Estado dos países latinos foram marcados por regras autoritárias,
subjugadas à dominação dos países hegemônicos da Europa e América do Norte.
Além disso, Wefort (1978) conforme citado por Gohn (1997), afirma que, após
a Segunda Guerra e na década de 1960, a América Latina se tornou palco dos
regimes populistas baseado, no modelo clientelista, através das trocas favores entre
políticos e massa popular que ascendeu do cenário social por meio do voto. Período
este que foi responsável por gerar políticas sindicais atreladas ao governo, além de
outras transformações.
Neste mesmo período, a cultura política latino-americana ganhou novas
perspectivas apoiadas na visão dos direitos sociais coletivos de grupos oprimidos e
discriminados, fato que se deu graças à resistência e oposição às formas de
dominação. A diversidade dos movimentos sociais, as formas de organização,
propostas, tipos de lideranças e diferentes projetos políticos entre eles são
considerados alguns dos principais elementos para a formulação do paradigma
latino-americano para os movimentos sociais (GOHN, 1997, p. 228). Por meio disso,
a autora explica que diferente dos antigos movimentos sociais, que estavam
pautados no movimento operário (europeu), os novos (como os latino-americanos)
estão mais preocupados em tratar das questões de gênero, raça e classe social.
Diante do que foi colocado, utilizaremos a ideia de movimento como sendo
um coletivo formado por um grupo de pessoas com ideias e objetivos em comuns,
quer sejam eles políticos ou não, uma vez que podem se organizar de diferentes
maneira e em diferentes esferas, podendo estar representados através de
manifestações culturais como festivais, mais precisamente.
Todo o contexto histórico apresentado até aqui acerca dos movimentos
sociais nos serve como guia para uma maior compreensão do Roraimeira nas
seções seguintes, tendo em vista as pautas defendidas pelo movimento, no caso: os
povos originários que eram dominados pela oligarquia de produtores rurais que
viviam no Estado durante o período, pauta esta que se encaixa nas demandas
levantadas pelos (novos) movimentos sociais latino-americanos.
29

2.2 Os Movimentos Culturais

A Semana de Arte Moderna de 1922, no Brasil, foi um marco não somente na


arte contemporânea do país, como também ressignificou as estruturas da cultura
brasileira, com a derrubada dos cânones que legitimavam a criação artística,
inaugurando por meio deste, um movimento de resistência a recepção passiva da
produção artística exterior ao mesmo tempo em que buscava uma estabilização de
uma consciência criadora nacional7.
Podemos então dizer que ação dos artistas, da época dava início naquele
momento a um movimento cultural, uma vez que os movimentos (sociais) podem ser
definidos como ações coletivas organizadas pela sociedade civil, compartilhadas por
pessoas com objetivos comuns em um sistema de solidariedade mútua de natureza
sociopolítica e cultural, com base nos conhecimentos difundidos por Tarrow (1997) e
Gohn (2000), conforme citado por Santi e Araújo (2019).

Dentro do modernismo brasileiro também surgiu outro importante


movimento, o Regionalista, em 1926, que auxiliou na consolidação de
outras movimentações socioculturais em várias partes do país, como sendo
uma ação de “reabilitação dos valores regionais e tradicionais” (FREYRE,
1996, p. 01)8.

Apesar de criado no Recife, com base no contexto nordestino, pelo sociólogo


Gilberto Freyre (1996), o movimento, almejava ao mesmo tempo despertar o
sentimento regionalista em outras partes do país, de forma que ele não fosse
abraçado e entendido somente pela perspectiva dos estados que compreendem o
Nordeste do Brasil, levando em consideração que a identidade regionalista, segundo
Freyre (1996) não estava ligada somente ao pertencimento geográfico a
determinado lugar, mais ao sentimento do sujeito.
O manifesto de Freyre (1996) esclarece ainda que o movimento regionalista
pretendia inspirar uma nova organização social no país, uma vez que a
desorganização deste era atribuída principalmente pelo esquecimento das regiões
7 Informações obtidas no site Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo359/modernismo-no-brasil>. Acesso em: 28 de fev. 2019.

8 Numeração da página referente ao arquivo em PDF do Manifesto Regionalista. Disponível em


<http://www.ufrgs.br/cdrom/freyre/freyre.pdf>. Acesso em: 10 de mar. 2019.
30

por parte dos estadistas, que estavam preocupados com o direito do estado e com a
necessidade de uma união nacional, quando deveriam estar focados nas
articulações inter-regionais no âmbito social. “O conjunto de regiões é que forma
verdadeiramente o Brasil. Somos um conjunto de regiões antes de sermos uma
coleção arbitrária de ‘Estados’, uns grandes, outros pequenos, a se guerrearem
economicamente”, diz Freyre (1996, p. 02) em um trecho do documento.

A proposta geral era o que país fosse administrado por meio das regiões,
porém, todas sob um mesmo governo, indo contra o ideal separatista
proferido pelo então presidente da época Artur Bernardes, onde “a cultura
brasileira, do mesmo modo que a natureza; o homem da mesma forma que
a paisagem; regionalmente devem ser considerados como os problemas de
economia nacional e os de trabalho” (FREYRE, 1996, p. 02).

Assim como Roraimeira, que tematizamos, o movimento regionalista era


formado por intelectuais de diferentes áreas do saber, que estavam empenhados na
defesa dos valores históricos daquela região, e também buscavam dar “sentindo
regional ao ensino, à organização universitária e a cultura, bem como resguardavam
a valorização da paisagem, da vida nos seus aspectos rurais ou folclóricos”
(FREYRE, 1996, p. 02). Dessa forma se trona possível afirmar que Roraimeira
abraçou o regionalismo para se desenvolver enquanto movimento sociocultural.
Mesmo depois de 1940, após o manifesto regionalista, a mobilização artística
no Brasil seguiu ativa, tanto é que em 1967, com a exposição de obra Tropicália de
Hélio Oticica no Museu de Arte Moderna e com o Festival da Música Popular
Brasileira daquele mesmo ano, do qual participaram Caetano Veloso, Gilberto Gil e
os Mutantes, nasceu o Movimento Tropicalista.
Segundo Carvalho (2009, p. 66) o tropicalismo mais se caracterizou como um
“momento” do que um movimento organizado em si, se comparado com outros
movimentos sociais de resistência daquela época. Um momento pelo qual a
convergência entre pensamentos a produção artística brasileira apresentava novas
forma de se relacionar por meio das artes com o público e a política, na busca por
uma identidade nacional.
Com isso, o movimento resgatou o ideal antropofágico de Oswald de Andrade
e voltou a se apropriar de influências estrangeiras, no sentido de transformá-las a
partir do contexto local, na tentativa de apresentar sobre novos moldes a formação
da identidade nacional. Ou seja, por meio disso o movimento buscava se ligar as
tendências, principalmente norte-americanas.
31

O contexto histórico do Brasil dos anos 1960, em meio a ditadura militar


refletiu na produção cultural, uma vez que os artistas se viram pressionados a adotar
políticas contra a perseguição e a censura, o que se abateu de forma reacionária na
cultura, dando origem a trabalhos mais relacionados à crise do que questões
formais. (CANONGIA, 2005, p. 49-50, apud, CARVALHO, 2009, p. 67). Se tratando
de Roraima, podemos notar mais adiante, que o regime militar também moldou o
cenário cultural, sendo o ele, uma espécie de movimento inconfidente da cultura
local diante do regime político da época.
Já um dos mais recentes dos movimentos culturais brasileiros o Mangue
Beat, encabeçado por Chico Science, Fred O4 e Renato L, integrantes do grupo
Nação Zumbi, em 1990, integra os dois movimentos anteriores com a proposta de
retomar mais uma vez a dinâmica antropofágica e experimentalista do tropicalismo,
porém com uma perspectiva mais contemporânea, através da mistura de diferentes
ritmos musicais exportados de outros países, mesclados ao contexto recifense.
Um dos principais objetivos do grupo era destacar a cidade como polo de
produção artística e musical para que ela pudesse ser percebida em escala global,
além de enaltecer o mangue como uma marca indenitária daquela região, como
também símbolo de riqueza e fonte geradora de energia vital e criativa. Ou seja, o
contato entre o global e regional, no processo da operação antropofágica, na
dinâmica musical ocorria no sentido de mesclar conceitos e momentos diferente, não
privilegiando o elemento folclórico enquanto algo erudito, mas fazendo dele algo
moderno (VARGAS, 2002, p. 88).
Nesse mesmo sentido, podemos notar o propósito do Roraimeira aos se
aproxima do Mangue Beat, na tentativa de também tornar Roraima uma referência
cultural não apenas no âmbito regional, mas global. Além disso, essa dinâmica
tende a ganhar força com o Festival Tomarrock, que traz uma linguagem mais atual
com misturas não apenas musicais, mas sociais, através da integração da
comunidade jovem e globalizada.
32

3. OS (DES)CAMINHOS DO MOVIMENTO RORAIMEIRA

Antes de apresentar o rumo tomado pelo Movimento Roraimeira ao longo de


sua trajetória vamos discutir alguns aspectos gerais acerca da diferenciação
conceitual entre Evento e Festival para depois falar dos Festivais de Música no
Brasil até encontrar o Movimento Roraimeira em seu contexto local e regionalista.
Na composição da estratégia metodológica da investigação (SAGGIN;
FERREIRA; CORNETI, 2017) também buscamos, como o estado da arte, delinear
um mapa do caminho já percorrido pelas investigações sobre a temática Roraimeira
na academia, com especial destaque às produções levadas a cabo na UFRR e no
PPGL.
Nesta tarefa evidenciamos que a história do Roraimeira se confunde com a
dos festivais de música do estado, tendo em vista que nasceram praticamente na
mesma época. Este movimento foi fundamental no processo de construção deste
trabalho, servindo de base teórica sobre o tema. Já em um segundo momento
estabelecemos a relação entre as duas temáticas por meio da análise do conteúdo
das entrevistas realizadas com nossos sujeitos de pesquisa.
O levantamento bibliográfico principal desta fase foi realizado no repositório
de dissertações do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade
Federal de Roraima (UFRR), onde foram localizadas pesquisas que tratam sobre as
temáticas aqui estudadas. As consultas também se estenderam a outros centros
investigativos da instituição, o que resultou na localização de uma monografia do
Curso de História e um artigo científico produzido por três docentes da UFRR,
totalizando em cinco pesquisas, utilizadas como base das nossas apurações.
Durante a sondagem, buscamos identificar por meio do resumo de cada obra
se estas abordavam o Movimento Roraimeira, tendo em vista a sua relação com os
festivais de músicas, como tema central da análise, e/ou se estas se comprometiam
a estudar a cultura regional, além outros temas como identidade, representação,
artes, música e literatura. Assim sendo, organizamos as referências nos parágrafos
seguintes.
Na investigação de Elieser Rufino de Souza (2017), “A retórica regionalista da
poética Roraimeira”, o autor se propõe a analisar as letras das músicas produzidas
pela Trio Roraimeira, responsável por encabeçar o Movimento Cultural homônimo
surgido nos anos 1980, no disco intitulado Roraima (1992), a fim de verificar de que
33

maneiras as canções e poemas contribuíram para a constituição de identidade


regional do estado na época que ainda era território federal.
Já Suênia Kdidija Araújo Feitosa (2014) fez um mapeamento da recepção da
produção lítero-musical do Movimento Roraimeira, nas escolas públicas de Boa
Vista-RR, entre alunos do ensino médio, no estudo intitulado “Recepção do
Movimento Roraimeira: identificação, apropriação e construção identitária”. A ideia
proposta era levantar e identificar entre o público-alvo o conhecimento acerca da
produção cultural de Roraima, para que fosse possível dimensionar abrangência das
representações identitárias entre os jovens do estado passada a primeira década do
século XXI.
Na pesquisa “Lugar e identidades em Ben Charles e Neuber Uchôa”, Glaciele
Harr de Souza (2013) também buscou compreender como os músicos Ben Charles
e Neuber Uchôa – o último um dos fundadores do Roraimeira – resinificam Roraima
enquanto espaço geográfico dentro do contexto da corrente artística Roraimeira, que
visava a construção de uma identidade cultural local. Para isso, a autora analisou 16
textos poéticos, sendo oito de cada músico. Ou seja, o trabalho propôs uma
discussão entre as produções poéticas destes artistas e as questões identitárias
locais encontradas nelas, porém com novos sentidos.
Jessica Carla da Silva (2013), por sua vez, discutiu questões relacionadas à
cultura e a identidade roraimense, tomando como cerne da sua análise o Movimento
Roraimeira. O trabalho “Roraima na década de 1980: o debate artístico e cultural”
traz uma visão ampla sobre o movimento cultural e desenha a trajetória dele por
meio da análise de notícias publicadas em periódicos como o objetivo identificar os
fatores artísticos e culturais da década de 1980 e a identidade representada através
deles.
Não muito diferente disso Rafael da Silva Oliveira, Cátia Monteiro Wankler e
Carla Monteiro de Souza (2009), em “Identidade e poesia musicada: panorama do
Movimento Roraimeira a partir da cidade de Boa Vista como uma das fontes de
inspiração”, também traçam um panorama do movimento, desde o seu surgimento,
as mudanças e as contribuições do movimento cultural para a construção e
divulgação da identidade roraimense a partir da análise de algumas poesias
musicadas que falam sobre a cidade de Boa Vista.
A partir deste levantamento, foi possível notar o empenho dos pesquisadores
em explorar e ao mesmo tempo tentar extrair a identidade local da produção
34

artística, após o surgimento do Roraimeira, conforme havia sido proposto pelo


movimento que perdurou ao longo das duas últimas décadas do século XX.
Por outro lado percebemos também, que a concentração do estudo sobre o
Movimento Roraimeira deixa algumas lacunas em aberto, por exemplo, no que se
refere ao contexto histórico e social de sua formação e vigência ao longo dos anos,
tendo em vista que esta é uma informação necessária para que possamos
compreender o que foi esta ação coletiva na sua completude.
Souza (2017), é um dos poucos estudiosos que se aprofundam na história do
território e na conjuntura social da época a fim de explicar o verdadeiro motivo do
Movimento Roraimeira em almejar incidir sobre a tão sonhada identidade local. Já
Oliveira, Wankler e Souza (2009), não apenas nos mostram os recortes entre os
anos 1980 e 2000, como inovam na abordagem do Movimento ao dividi-lo em duas
fases, mostrando que cada período tem uma peculiaridade que reflete na produção
artística.
Isto posto, iniciamos uma discussão em torno do termo evento, o qual vem a
se somar a esta pesquisa, dentro de uma definição incompleta para designar
festivais, na qual Pelicano (2009) se utiliza dos conceitos de outros autores para
melhor representá-lo. Acrescido disso, também trazemos as ideias exposta pelo
jornalista e historiador brasileiro, Zuza Homem de Mello (2003) com a finalidade de
desenvolver a nossa própria concepção de festival para que assim possamos fazer
uma relação com as demais propostas mencionadas nesta pesquisa.
Em uma breve discussão sobre o que é evento, Mossberg (2000), apresenta
duas visões do que pode vir a significar o termo. Na primeira ele afirma que o evento
é um acontecimento, ou seja, ocorre uma única vez. Já na segunda visão, ele
defende que o evento pode ser uma ação recorrente, a qual pode ocorrer por um
período limitado. Nos dois âmbitos, o evento deve ser aberto ao público em geral e
os participantes são considerados um elemento fundamental para existência dele
(apud PELICANO, 2009, p. 08).
Quanto a estruturação, o evento deve possuir um tema e comissão
organizadora, ou seja, um programa definido, conforme atesta o autor. Os eventos
podem ser de diferentes naturezas, como esportiva, cultural, religiosa, comercial ou
turística, mas sempre terá como objetivo a projeção da imagem, notoriedade e
atrativos da região ou destino, bem como contribuir para o seu desenvolvimento
econômico e turístico (MOSSBERG, 2000). A autora expõe também a concepção de
35

Hall (1992), na qual ele afirma que eventos são acontecimentos não rotineiros, que
marcam e identificam realidades sociais coletivas e individuais, podendo atuar como
registro histórico.
Segundo Getz (1997) conforme citado por Pelicano (apud, 2009, p. 08),
mesmo com período limitado “as pessoas sabem que os eventos têm, e esperam
que tenham, um final, e é deste fato que resulta o seu maior atrativo”. Além disso, os
eventos podem adquirir um caráter “especial”, podendo ser realizados uma única
vez ou com frequência reduzida, e que proporcionam aos seus consumidores uma
oportunidade social e de lazer que não é possível ser satisfeita no dia-a-dia, como
sustentam Jago e Shaw (1998).
Dessa forma, podemos perceber alguns elementos em comum que
constituem um evento, são eles: a duração, temática, ação regional e os
participantes. Outro ponto a ser considerado é que o evento pode ser considerado
agente beneficiador da região em que ele ocorre, como defendem Mossberg (2000)
e Hall (1992). Nesse sentido, ele tem como objetivo de satisfazer as necessidades
dos participantes, podendo beneficiar a região/comunidade que o acolhe, através
dos impactos positivos.
Postas as definições aplicáveis à generalidade dos eventos faz-se necessário
refletir sobre as diferentes classificações de eventos para chegarmos à definição de
festival. Consoante a Pelicano (2009), a realização dos eventos está concentrada
em três grandes grupos: as organizações públicas; organizações privadas; e,
associações sem fins lucrativos. Feita esta divisão, é importante considerar que
cada uma destas entidades acaba por priorizar a realização de um determinado tipo
de evento.
As organizações públicas, por exemplo, representada por atores sociais na
esfera nacional, regional e local, vai apresentar diferentes atividades para cada uma
delas em uma espécie de subcategoria do evento, sendo caracterizada pelas
celebrações cívicas e comemoração de teor nacionalista. Já as organizações
privadas e associações, tem a sua atenção voltada geralmente para atividades
étnicas e multiculturais, que tem como objetivo a promoção turística, por exemplo, e
podem ser identificadas através de evento comunitários, festivais e feiras locais.
Logo, percebemos que o festival é um tipo de evento desenvolvido por
determinada entidade, podendo ser privada, com ou sem fins lucrativos, ou mesmo
de origem da esfera pública. Mello (2003) por sua vez nos traz duas concepções
36

diferentes quanto a significação do que vem a ser um festival, mais próximas do


entendimento do senso comum.

A primeira é uma forma de reunir exibições artísticas durante um certo


período, tendo como denominador comum um gênero musical, como
samba, ou determinada área artística, como o teatro. Nesse modelo de
festival não existe competitividade, sendo assim mais uma feira de amostras
do setor da arte. Seu objetivo é oferecer, em curto espaço de tempo, a
oportunidade de acesso a novas tendências, as novas obras (MELLO,
2003, p. 13).

Diferente do pensamento citado, o outro ponto de vista acerca dos festivais de


música é a busca por novas manifestações, sendo marcado pela competitividade,
como podemos ver no exemplo a seguir:

Essa é grande diferença. Os festivais de cinema de Cannes e Veneza, que


não deixam de ser festivais, são eventos de competição. Por mais que
disfarcem, os concorrentes buscam a vitória. Ora como em música popular,
novas manifestações geralmente implicam em obras inéditas, quando se
fala de festival de música popular no Brasil, a ideia é mesmo de uma
competição de canções (MELLO, 2003, p. 13).

Dessa forma, a partir deste entendimento, definimos festival como um evento,


com acontecimento e duração limitada, organizado por um grupo responsável por
elencar uma temática na qual se baseiam as atividades a serem desenvolvidas em
uma determinada localidade. Além disso, a sua finalidade é satisfazer as
necessidades dos participantes e ao mesmo tempo proporcionar uma ação positiva
e benéfica à região onde o evento é sediado. Pode ser de caráter competitivo ou
não.

3.1 Os festivais de música no Brasil

Os festivais de música no Brasil nascem dentro no contexto de violência


vivida durante a ditadura militar no país, período em que os artistas encontraram na
música uma nova forma de se posicionar pelos diferentes ritmos e grupos, o que
resultou em um engajamento inédito. Até meados dos anos 1960, a música
brasileira passava por um bom momento graças a exportação da bossa-nova
consagrada durante aquele período em que surgiu em oposição a jovem guarda.
37

Nesse período as canções eram mais autênticas, pois, reproduziam o sentimento de


patriotismo e pertencimento.
O sentimento de brasilidade alegrava não só o artista, mas também o público,
tendo em vista que as canções nocionais passaram a competir em pé de igualdade,
na programação das rádios, com o repertório estrangeiro. Mello (2003) afirma que o
sentimento de pertencimento e o contexto de violência foi o responsável por
transformar a música popular em objeto de disputa e de calorosa torcida originando
o modelo de espetáculos competitivos, também conhecido como festivais.
Como já mencionado antes pelo próprio autor, aos festivais podem ser
competitivos ou de amostras. No primeiro segmento, o pioneiro no Brasil foi Festival
da Velha Guarda, realizado em 1954, pela Rádio Record, no Teatro Colombo, em
São Paulo. O evento contou com apresentações de Pixinguinha, João da Baiana,
Donga e outros músicos notáveis de década anteriores. Nesse modelo também se
destacaram o Festival de Teatro de Curitiba e o Free Jazz Festival (MELLO, 2003, p.
13).
Mas autor garante que o projeto festival surgiu bem antes, e no modelo
competitivo, por meio dos concursos de música carnavalesca da década de 1930 no
Rio de Janeiro. Segundo Mello (2003):

Quando se fala em música popular no Brasil, a ideia é mesmo de uma


competição de canções. […] Não é, pois, uma competição entre grupos,
entre bandas ou intérpretes. Os concorrentes são de fato os autores das
obras, os compositores e letristas. (MELLO, 2003, p. 13-14).

Com isso o autor nos leva a entender que o modelo competitivo contempla
basicamente o setor musical, mas esclarece que não há exclusividade da vertente
artística, podendo se estender ao cinema e ao teatro, no qual os festivais de música
foram inspirados. O fato é que festival de canções se estabeleceu nos anos 1960
com I Festa da Música Popular Brasileira e se consolidou oficialmente cinco anos
depois com em evento transmitido pela extinta TV Excelsior.

Os concursos ganharam um novo layout e se transformaram em festivais.


Os célebres Festivais da Música Popular Brasileira. Nem todos se lembram
que o primeiro festival competitivo de canções na história da música popular
brasileira foi promovido no final de 1960 pela rádio e TV Record. Embora
38

sem grande repercussão, esse é que foi cronologicamente o número um


entre os de âmbito nacional com a participação de compositores de outros
estados (MELLO, 2003 p. 17).

A partir de então os festivais se firmaram como os maiores celeiros de


músicas de vanguarda do Brasil. Foi por meio deles que artistas como Elis Regina,
Jair Rodrigues, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gal Cost, Beth
Carvalho, Ivan Lins entre outros, conquistaram a devida notoriedade. Em especial,
por meio do Festival da Música Popular Brasileira, criado para a TV Excelsior. Entre
1965 e 1975, outros festivais se espalharam pelo Brasil, como a Bienal do Samba,
de 1968, e uma dúzia de festivais universitários, ao longo dos anos 1970.
Os festivais de música no Brasil são criados a partir de uma experiência
antropofágica, na qual Solano Ribeiro e Manoel Carlos tiveram como inspiração o
Festival de Sanremo, na Itália, que reproduzia nas rádios as canções de maior
destaque no festival. Inicialmente o concurso ocorria nas gravadoras de rádio, mas
logo migrou para TV. Após o sucesso dos primeiros programas para a música, em
especial Brasil 60, exibido na TV Excelsior, os produtores decidiram que era
chagado do momento de criar um festival brasileiro.
O primeiro Festival Nacional de Música Popular Brasileira foi realizado em
março de 1965, no Guarujá, interior de São Paulo, com patrocínio da Rhodia, uma
divisão têxtil de origem francesa. À época se inscreveram os cantores iniciantes
Wilson Simonal, Claudete Soares, Geraldo Vandré, além dos já consagrados
Agnado Rayol, e Cauby Peixoto. A grande vencedora foi a canção “Arrastão”, de
Edu Lobo e Vinícius de Moraes, interpretada por Elis Regina.
Segundo Mello (2003, p 73.) a canção teve tanta repercussão que “deu um
novo rumo para a música popular brasileira e foi ponto de partida da música da
televisão”, um espaço que antes não existia.

Não era uma ruptura com a bossa nova, nem uma corrente contrária, e sim
uma decorrência de uma estrutura harmônica da bossa nova. Arrastão
passou a ser um divisor de águas, provocando o surgimento de uma música
popular moderna, abreviada na sigla MPM (MELLO. 2003, p. 67).

A sigla inicialmente usada para identificar canções que pareciam representar


um gênero impreciso, que embora não fosse na contramão da bossa nova, já não se
39

alinhava mais a ela, se tornando uma música nova, moderna como que parecia
aproveitar ao mesmo tempo a suavidade do repertório da bossa nova, o carisma das
tradições regionais e o cosmopolitismo de canções americanas, desembarcadas no
Brasil por meio dos filmes de Hollywood. Nascia aí a Música Popular Brasileira.

3.2 Contexto histórico local e o regionalismo

Assim como todo começo, a história da música em Roraima tem um longo


percurso, mas, segundo Oliveira e Duarte (2007), conforme citados por Silva (2015),
os primeiros registros datam do século XVIII, com a colonização da região do Rio
Branco, após a chegada das expedições missionárias Carmelitas, responsáveis por
introduzir os conceitos de música europeia aos indígenas através da catequização.

Para os homens brancos, a música indígena interessava não somente como


uma curiosidade para os livros de viagens exóticas, mas também para se
conhecer melhor os costumes dos índios e, com isso, saber lidar com eles.
Por outro lado, a música europeia foi inicialmente cantada pelos índios
também como curiosidade, mas sem saberem que com esta música
estavam se entregando à culturação e à catequese (CASTAGNO, 2010, p.
09, apud SILVA, J, 2016, p. 02).

Nesse primeiro momento, com base em uma breve análise do discurso,


observa-se, que além da questão histórica, a cultura dos povos originários, neste
caso os índios, é intrínseca à cultura roraimense. Por outro lado, em outro momento
da história do Brasil, a idealização de um sujeito essencialmente brasileiro, excluiu a
figura do índio desse processo de formação indenitária.
Souza, E. (2017) afirma que durante a década 1940, por exemplo, época em
que o Estado era Território Federal, a difusão desse pensamento era incisiva, uma
vez que o Governo Central não considerava as particularidades dos povos
minoritários e até julgava a cultura local imprópria e distante dos interesses
nacionais. A ideia, no entanto, era alinhar a imagem do cidadão autóctone à
identidade nacional.
40

Produtos culturais recém-chegados – considerados duvidosos pelas


opiniões dos regionalistas roraimeira – eram, muitas vezes, abertamente
patrocinadas e promovidas por gestores nomeados pelo Governo Central.
Promovia-se oficialmente a noção de que qualquer coisa que fosse
importada era de melhor qualidade que as produzidas localmente – tudo
que é de fora, é bom. Havia uma ideologia, muito difundida, declarando que
aqui não tem nada que preste (SOUZA,E, 2017, p. 48).

A discussão da questão identitária aqui faz-se fundamental para o


entendimento da preservação da pauta regionalista que estaria por vir. Nesse
sentido, Souza, E (2012, p.18) defende que a construção da identidade brasileira
entre os habitantes de Roraima se deu através de projetos de governo em dois
diferentes momentos, o primeiro datado de 1943, com a criação do Território Federal
do Rio Branco, até o golpe militar de 1964, que “tinha como objetivo a inserção dos
indivíduos na nação”, e o segundo que se estendeu até a década de 1970, que
“pensava a suposta participação desse mesmo indivíduos no processo de
construção da nação brasileira”.
Mas voltando para a cena musical, além de canções indígenas e litúrgicas, o
Estado apresentava muita influência do Nordeste brasileiro através de ritmos de
xote, xaxado e baião. Ainda em 1940, aparecem os primeiros cantores corais de
música gospel com a chegada do primeiro órgão harmônico com foles movidos a
pedal, trazidos pelos missionários americanos, como afirma Souza, E (2017, p. 49).
Neste mesmo período, surge a Banda de Música da Guarda Territorial e
consequentemente o ensino de música na capital Boa Vista, o que contribuiu a partir
daí para o surgimento de artistas locais.
Outro fato muito importante foi o serviço de alto-falantes em Boa Vista, que
funcionava como uma espécie de rádio, com uma programação limitada a mandar
recados, dedicar canções e fazer propaganda para os comerciantes locais. Porém, a
difusão de canções nacionais e internacionais até então desconhecidas pelo público,
só foi acontecer em 1957 com a inauguração da Rádio Roraima.
Três anos mais tarde, em 1960, a manifestação artística e musical ganha
ainda mais força com os programas de auditórios e concursos de calouros, mesmo
que os participantes reproduzissem somente as canções de sucesso do eixo Sul-
Sudeste do Brasil, sem produção autoral. Mesmo pequeno, este foi um movimento
muito importante para dar início ao festival que estava por vir na década seguinte,
41

tendo em vista a formação de cantores e compositores que a cidade já dispunha na


época, aptos a participarem do evento.
Com uma classe artística já formada na década 1980, a temática regionalista
se torna o centro da discussão identitária em Roraima e passa a ter mais visibilidade
do que nos anos anteriores, através das obras de arte, sobretudo a música e a
poesia, responsáveis por difundir a cultura local por meio das palavras. Fato este
que veio a se consolidar a partir de 1984 com a criação do Movimento Roraimeira,
que surgiu não somente por conta da inconformidade ou ausência de uma
identidade local, mas como uma manobra de resistência à dominação do Governo
Central.
Para tratar especificamente sobre Roraimeira, tomaremos com base os
recursos teóricos desenvolvidos por Oliveira, Wankler e Souza (2009, p. 29), os
quais definem o movimento como ação coletiva que atuou na construção cultural de
uma identidade local amparada, sobretudo, nos elementos da cultura e da paisagem
local.
O movimento reuniu músicos, escritores, dançarinos, poetas, fotógrafos e
artistas de outras vertentes, tendo como fundadores o Trio Roraimeira formado pelos
cantores Eliakin Rufino, Neuber Uchôa e Zeca Preto. É importante destacar que a
expressão Roraimeira surgiu a partir de uma canção homônima de Zeca Preto,
considerada entre os artistas locais, como a primeira a falar sobre o povo e a
paisagem de Roraima.

O apelido, a princípio pejorativo, foi adotado informalmente pelo grupo e o


conjunto das atividades por eles desenvolvidas veio a ser conhecido –
também informalmente – como Movimento Cultural Roraimeira. Os estilos e
maneiras do grupo de olhar e vivenciar a região começaram a ser
divulgados por diferentes meios – gravações fonográficas, espetáculos,
documentários, entrevistas, artigos e publicações, entre outros. Podemos
dizer que, com o passar do tempo, a palavra ‘roraimeira’ veio também a
fazer referência a uma ideia mais difusa de comportamento social – ou de
estilo de vida – adotado pelos participantes deste discurso, moldado no
conflito das diferenças e dos embates presentes na situação sociocultural
de Roraima (SOUZA, E. 2017, p. 09).

Também faz necessário pontuar que a música conquistou a segunda


colocação na segunda edição do Festival de Música de Roraima (FEMUR) em 1984,
ocasião em que Zeca Preto, Eliakin e Neuber Uchôa sinalizavam a criação do
42

movimento. Com isso consideramos, no contexto de Roraima, os festivais de música


como manifestações artísticas também responsáveis pela criação de movimentos
sociais e culturais, dada a relevância deste tipo de evento na consolidação da
Música Popular Brasileira e Roraimense.
Sua organização em torno de uma ação conjunta e com objetivos em comum
em um sistema de solidariedade, com base nas reflexões teórico-metodológicas de
Tarrow (1997) e Gohn (2000), foi o que ajudou a definir o movimento enquanto um
movimento sociocultural, uma vez que o Roraimeira reconhecia na figura do índio, o
principal sujeito para delineamento da identidade local, tento em vista que também
defendia a associação de imigrantes como elemento fundamental na formação da
cultura roraimense.
Porém, o mais interessante disso tudo, é perceber que o próprio governo foi
quem acendeu a fagulha para a chama do Movimento Roraimeira enquanto um ato
político, por meio da realização de festivais de música, uma vez que estes eventos
eram organizados e promovidos por autoridades militares.

[…] uma série de festivais de música realizados a partir dessa época e que
consideramos fundamentais como meios de ampliação da audiência para os
artistas locais. Foram festivais organizados pelo governo com o objetivo de
demonstrar boa vontade e angariar aprovação social. Com o objetivo de
registrar os resultados de tais festivais tivemos algumas gravações,
realizadas com o patrocínio do governo do Território Federal e da Prefeitura
de Boa Vista (SOUZA, 2017, p. 54).

3.3 O FEMUR e o Movimento Roraimeira

Seguindo a discussão de maneira cronológica, o primeiro festival de música


realizado no Estado, que se tem registro, aconteceu em 1974 na sede do Iate Clube
de Boa Vista, organizado pelo Governo, para uma audiência limitada de pessoas,
formada pelas elites sociais locais. A vencedora, foi a cantora Zelite Andrade, com a
canção Roraima força e amor.
O evento apesar de amplamente divulgado pelos meios oficiais foi
considerado mais uma festa do que mesmo um festival. Conforme Eliakin Rufino,
citado por Souza (2017), toda as canções expostas no festival exaltavam Roraima,
43

bem como discursos de protesto à situação mineradora no estado. O próprio artista


reafirma isso em entrevista, conforme consta no apêndice A desta dissertação.
Neste evento houve também uma canção de protesto contra a presença do
recém-inaugurado Monumento ao Garimpeiro, na Praça do Centro Cívico. A letra
dizia que mais justiça teria sido homenagear os vaqueiros das fazendas, estes sim,
mais importantes que os garimpeiros para o desenvolvimento do vale do Rio Branco
(RUFINO, Eliakin, 2009, apud, SOUZA, 2017, p. 52).
Seis anos depois, em 1980, a prefeitura de Boa Vista, sob a gestão de Major
Alcides, realiza a primeira edição do Festival de Música de Roraima (FEMUR) no
período entre 7 e 9 de julho daquele mesmo ano, no Ginásio de Esportes Hélio
Campos, coordenado pelo Tenente Peixoto. O vencedor foi o compositor roraimense
Ricardo Nogueira com a canção Marchando. O segundo colocado foi Zeca Preto
com a canção Macuxana e o terceiro foi Neuber Uchôa com Ave.
É importante observarmos que o plano de fundo da época só corrobora com a
finalidade dos festivais proposta pelos militares, uma vez que o modelo político e
administrativo era gerido por eles, como já foi apresentado. Seguindo a mesma
perspectiva Pelicano (2009, p. 23) alega que os governos criam eventos por razões
sociais, culturais, turísticas e econômicas, pelo fato de na maioria das vezes se
beneficiarem de subsídios e apoios.
Mais adiante, em 1984, o governador do até então Território Federal,
Brigadeiro Otomar de Souza Pinto, promove o 2º FEMUR. No mesmo ano foi
fundado o Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e pela segunda vez
consecutiva, Ricardo Nogueira é consagrado o vencedor com a canção Guerra.
Zeca Preto ficou na segunda posição com a canção Roraimeira e Cícero Augusto
em terceiro com a canção Viajando pelo Território. Após isso, dá-se início ao
Movimento Cultural Roraimeira.
Um pouco diferente das duas primeiras edições, o 3º FEMUR, realizado em
1987, foi organizado pelo produtor da iniciativa privada, Santos Silva, mas apoiado
pelo Governo do Território. O ganhador desta edição foi o compositor Josué Araújo
com a canção Eliana.
Em 1990, ocorre outro evento musical, desta vez em comemoração ao
centenário da cidade de Boa Vista, no qual a prefeitura da capital realiza o Festival
do Centenário, e teve como vencedor o compositor Eliakin Rufino com a canção
Cidade do Campo.
44

No ano seguinte, em 1991, quando seria realizado o 4º Festival de Música de


Roraima, o Departamento de Cultura do Estado resolveu que os festivais deveriam
ser contados e nomeados a partir do primeiro festival de música realizado em 1974,
desse modo, a quarta edição passa a ser denominada como 6º FEMUR. Nesta
edição, a canção vencedora foi Viagem do compositor amazonense Aníbal Beça, e
interpretada pelo cantor Célio Cruz. Já as canções Réquiem de Alcides Lima e
Zigomar Maia e Correntes, de George e Cacá Farias, levam o segundo e terceiro
lugar, respectivamente.
Já firmado enquanto grupo e movimento cultural, o Roraimeira participou do
evento, mas ficou na sétima posição, com a música Makunaimando, na contramão
disso, a canção obteve grande sucesso e popularidade.

A partir do festival, o termo ‘roraimeira’ começou também a denominar um


grupo de artistas que viviam na cidade de Boa Vista que, naquela mesma
época, deram início à produção de uma série de espetáculos e exibições
com temática regionalista. Os espetáculos eram predominantemente
musicais, mas as vezes também incluíam números de dança e cenários
diferenciados. A cada show, diversos artistas convidados eram incluídos.
Em paralelo, foram realizadas exposições de artes plásticas e de fotografia,
sempre com temas e imagens regionalistas (SOUZA, 2017, p. 09).

Apresentada a matriz dos grandes eventos musicais em Roraima, por meio do


Festival de Música de Roraima, não fica claro, se as músicas produzidas na época
se preocupavam com questão da identidade cultural roraimense, ou eram criadas
apenas para satisfazer o idealismo militar, tendo em vista o regime político vivido
naquele tempo.
O próprio Eliakin Rufino, um dos fundadores do Movimento Roraimeira,
garante que o aglomerado de artistas locais se constitui como um movimento
sociocultural.

É um movimento sim, que é um desdobramento do movimento Modernista,


de 1922. Como o Brasil é muito grande, essas ideias modernistas só
chegaram aqui em Roraima em 1984. Sessenta anos depois, nós
estávamos operando aqui o mesmo movimento […] ainda com a vantagem
que de sucessivos movimentos do século, também de inspiração
modernista, vão nos inspirar como é o caso do Tropicalismo, o Clube da
Esquina. O Roraimeira é com certeza o último movimento cultural do século
45

XX [da região Norte], porque está também na última fronteira (informação


verbal)9.

Rufino completa dizendo que, acima de tudo, o Roraimeira é um movimento


de resistência ao se mostrar pró-índio e pró-turismo por meio das produções
artísticas, uma vez elas que não eram bem-vistas pela elite local. O discurso
favorável aos indígenas, adotado pelo grupo, a discussão da identidade cultural e o
espaço geográfico nos faz refletir um pouco sobre o entrelugar, de Homi Bhabha
(1998), a fim de compreender as influências das delimitações espaço físico
proporcionado pela fronteira do estado, e ao mesmo tempo no plano abstrato, por
meio relações sociais que foram e são responsáveis pela formação da identidade
cultural roraimense.
Nesse sentido, o movimento aborda também a teoria pós-colonialista ao
tomar o indígena como referência e dar voz a este sujeito que durante tanto tempo
esteve à margem da sociedade, passando defender o cidadão roraimense como
fruto da miscigenação entre os povos nativos e migrantes.
A partir daí estava definido o propósito do Roraimeira, sem que houvesse um
ativismo explícito nas obras dos artistas que faziam parte do movimento, ou seja, a
defesa dos povos originários e desse sujeito emergente (o roraimense) se dava de
maneira sutil através da estética local, como afirma Neuber Uchôa (2019) ao dizer
que os roraimeiras optaram “pela estética no sentido de não ser agressivo enquanto
artista”.
Levantada a discussão quanto a abordagem do regionalismo pelos artistas
locais, bem como as demandas político-sociais do novo século, a tríade fundadora
do movimento optou por um fim, uma vez que a proposta inicial do grupo, no caso a
construção da identidade regional, havia sido alcançada e a valorização da estética
local não era mais o foco da produção, sobretudo, musical. Dessa forma:

A partir de 2000 passou-se a se chamar de arte Roraimeira qualquer


expressão ou linguagem que tenha Roraima como tema central. Desde
então a preocupação estética, através da super valoração da paisagem
natural deu espaço a novas tendências abordando temas voltados para
reflexões mais críticas da atual situação do estado e, em especial, suas
contradições (OLIVEIRA; WANKLER e SOUZA, 2009, p. 30).

9 Entrevista concedida por RUFINO, Eliakin. Entrevista I. [jul. 2019]. Entrevistador: Jackson de Souza
Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. OGG (79 min.).
46

Entendemos que após esse período, o Roraimeira passou ser composto de


duas fases. A primeira, de 1984 a 2000, fundamental para a construção da
identidade local, e a segunda pós-2000 com destaque à pluralidade de
manifestações e a adoção de criticidade aos problemas da Amazônia.
No primeiro período o movimento concentrava fortes influências de
expressões indígenas, preocupação em divulgar as potencialidades turística e os
costumes dos povos nativos, ao mesmo tempo em que promovia a idealização de
uma cidade sem problemas.
Já o segundo, reflete sobre os problemas esquecidos pela primeira fase,
principalmente aqueles associados a questão ambiental. Além disso, as expressões
artísticas ganham uma relevância a nível global e o movimento passa a ter uma
preocupação multiescalar, por meio de turnês com shows na Europa em países
como Portugal e Alemanha (SILVA, 2013, p. 16). Outro destaque é utilização do
Makunaimeira10 em canções regionais, porém sem exclusividade, por parte músicos
de Roraima.
Oliveira, Wankler e Silva (2009) garantem que a segunda fase do Roraimeira
ainda se encontra em desenvolvimento, quase 20 anos depois do fim da primeira,
que teve uma duração de 16 anos. O diferencial deste segundo momento, conforme
os autores, foi a adoção da pluralidade artística e a retratação do índio a partir de
uma perspectiva urbana.
Dada a divisão proposta pelos autores, o trio fundador, reconhece a
separação do Roraimeira em dois diferentes momentos, mas os artistas divergem
quando questionados sobre o fim da segunda fase e/ou a sinalização para uma
manifestação inédita. Dessa forma, com base na análise de entrevistas dos artistas
aqui citados, buscamos colher declarações acerca do atual cenário cultural do
Estado a fim de identificar os apontamentos aqui levantado.
Eliakin Rufino (2019), por exemplo, defende que o Roraimeira se encerrou em
2014, com a comemoração aos 30 anos do movimento com um grande espetáculo
do trio no Centro Amazônico de Fronteira (CAF) da Universidade Federal de
Roraima (UFRR), mas o fechamento do ciclo só veio a acorrer de fato, quatro anos

10 Fusão de distintos ritmos e instrumentos amazônicos e latinos. O referido ritmo insinua um pouco
de salsa, merengue e forte influência indígena, ou seja, um mix rítmico que proporciona ao ouvinte,
além do prazer, uma ideia das vozes das diversas influências confluentes no local (OLIVEIRA;
WANKLER e SOUZA, 2009, p. 29).
47

depois, em 2018, com o recebimento do prêmio de Ordem do Mérito Cultural,


concedido pela presidência da república e considerada a maior honraria no campo
da cultura do país.

É importante que o estado reconheça a relevância de contribuição à cultura


brasileira e isso encerra o movimento. A gente não poderia chegar numa
satisfação maior, não só o reconhecimento aqui na nossa terra. As viagens
nos levaram a um reconhecimento nacional (informação verbal)11.

Ele completa, ainda, dizendo que a cultura roraimense, sobretudo a música,


pós-2000 configura-se como algo novo que está além do Roraimeira, que a
produção artística e fonográfica não pode e não deve ser reduzida a temática
regionalista. “Existe música boa produzida aqui, em todas as áreas, com outros
temas. O Roraimeira é só mais uma que ganhou essa importância toda por estar
ligada a questão da identidade, mas as outras são igualmente importantes”
(RUFINO, 2019).
Neuber Uchôa (2019), por sua vez, acredita ser um pouco das duas coisas, já
que enquanto artista solo e representante do movimento afirma ter aproveitado o
contato com a nova geração de músicos locais para introduzir a suas canções no
atual mercado fonográfico, fazendo com que elas fossem reproduzidas por
diferentes movimentos musicais como o rock e o forró, no caso da canção Casinha
de Abelha.
Para ele, ao mesmo tempo que se tem a sinalização para um novo
movimento, o Roraimeira se mantém vivo através das influências regionais, a qual
ele diz ser “um símbolo da evolução pela qual passamos para poder dialogar com
essa nova geração”, no sentido de que “ser regionalista nada mais é do que ser
universal” (informação verbal)12. Conforme suas afirmações isso gera no ouvinte
uma identificação adequada a região em que ele vive, independente de pertencer ou
não a Roraima.
Já Zeca Preto (2019) garante que a segunda fase do Roraimeira segue em
desenvolvimento e que ainda deve levar um bom tempo até o surgimento de novo

11 Entrevista concedida por RUFINO, Eliakin. Entrevista I. [jul. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. OGG (79 min.).

12 Entrevista concedida por UCHÔA, Neuber. Entrevista III. [set. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. MP4 (64 min.).
48

movimento sociocultural, em virtude das constantes atividades que ele e outros


representantes do Roraimeira continuam a desenvolver. Ao mesmo tempo ele
reconhecesse o fim do Roraima em 2018.

Fotografia 1 - Trio Roraimeira na cerimônia de entrega da Ordem do Mérito Cultural

Fonte: Reprodução/Flickr/Hiran Gongalves

Dessa forma dá-se entender que se enterrou o movimento nos moldes como
ele foi pensado ou era praticado, com a produção de arte essencialmente
regionalista e manteve-se viva a ideologia, através um tratamento mais sutil e
natural sobre a temática local.
Zeca Preto também que a nova geração de artistas locais reproduz o
regionalismo por puro modismo sem se importar com a essência ou mensagem que
a música deve passar, focando dessa forma em outros estilos capazes de gerar
rentabilidade. “A gente vê que acabou o encanto. Até os próprios festivais. Vejo
muita gente fazendo o regional por modismo, mas isso tem que ser espontâneo e
verdadeiro” (informação verbal)13.
Logo, pode-se dizer que Preto (2019) partilha da ideia de uma nova dinâmica
cultural em emersão no contexto roraimense.

13 Entrevista concedida por PRETO, Zeca. Entrevista II. [ago. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. MP4 (62 min.).
49

4. NOVOS TEMPOS, NOVOS FESTIVAIS?

Com a chegada do século XXI, o processo de formação cultural ganha um


novo rumo em meio as inovações tecnológicas, principalmente com a massificação
do uso da internet, responsável por ultrapassar as barreiras geográficas e moldar a
identidade da geração que estava por vir, principalmente por conta da globalização.
Hall (2005, p. 69), define esse fenômeno como “um movimento de
distanciamento de uma sociedade como um sistema bem delimitado e sua
substituição por uma perspectiva que se concentra na forma de vida social”, fazendo
dessa forma com que as identidades se tornem híbridas, tendo em vista a anulação
do espaço físico para a interação social.
Desse modo, fica fácil compreender que a formação identitária de um sujeito
se dá de maneira ininterrupta que se molda ao tempo, e não mais ao espaço dada a
interação virtual, ou seja, o ser roraimense, também resultado da mistura entre
índios e migrantes, ganhou um novo componente. Assim sendo, nesta nova era, o
regionalismo deixa de ter o mesmo valor que tinha durante o Movimento Roraimeira
e abre espaço para um debate global, dada a facilidade de interação social
proporcionada pelos meios de comunicação e novas mídias digitais.
Diante da formação deste novo indivíduo, a produção cultural também adquire
um novo sentido baseada nas novas tendências, que são observadas aqui, a partir
da realização de outros festivais de música – manifestação que desde o primeiro
momento adotamos como ferramenta crucial no processo de formação de um
movimento sociocultural aqui discutido.
Isto posto, identificamos no período de quase 20 anos, a existência dos seguintes
festivais: Tomarrock; Canto Forte; Canta Roraima; Fest Rock; Yamix; Cultura Gospel
e o R3 RAP RR – a maioria com característica muito distintas na temática, mas
semelhante no modo de se produzir o evento.
Para a produção desta seção elegemos os festivais Canto Forte e Tomarrock
com a finalidade de apresentar de que forma a temática regionalista se apresenta
nestes tipos de evento, bem como traçar um paralelo entre eles o Festival de Música
de Roraima (Femur), já citado anteriormente, tendo em vista que ele teve um papel
muito importante para constituição do Movimento Roraimeira.
Nesse sentido, buscamos identificar se essas novas manifestações culturais
também se comportam enquanto um Movimento Sociocultural. Para isso, trazemos
50

primeiro um pouco da história de cada um destes festivais na tentativa de criar uma


imagem no inconsciente do receptor desta mensagem para a melhor compreensão
das comparações e apontamentos que virão a ser realizados nas análises finais.

4.1 O Festival Tomarrock

Nesta seção falamos sobre o surgimento do Festival Tomarrock, seus


objetivos e demais atividades realizadas no estado. Para isso, contamos com o
apoio de Manoel Villas Boas, vocalista da banda Mister Jungle e diretor do Coletivo
Canoa Cultural, órgão responsável pela realização do festival. Para a obtenção
destas informações foi necessário a realização de uma entrevista, a partir da qual
fizemos alguns apontamentos conforme as declarações do artista.
Passada primeira metade do século XXI, com o Movimento Roraimeira em
baixa, o cenário musical roraimense ainda caminhava muito timidamente em relação
a produção de canções autorais. Nesse sentido, os artistas locais, principalmente do
segmento do rock estavam limitados a reproduzir músicas de outras artistas já
conhecidos nacional e internacionalmente.
Como forma de reverter essa situação, Manoel Villas Boas propôs a
realização de eventos de bandas independentes, a fim de incentivar a produção
autoral de música em Roraima. A ideia surgiu em 2006, período de ebulição dos
festivais independentes. A Mister Jungle participou um show em Rondônia, onde o
grupo teve contato com Coletivo Fora do Eixo (FdE) 14. No ano seguinte, a banda,
acompanhada de outros grupos locais de rock, criou o Tomarrock como espécie de
coletivo composto somente por bandas de rock.
O primeiro evento extraoficial do coletivo foi realizado no dia 07 de setembro
de 2007, no Festival da Independência, justamente por conta da data e por se tratar
de bandas independes. Já, o primeiro evento oficial como Tomarrock, foi no
celebrado no dia 27 de novembro daquele mesmo ano intitulado “Tomarrock na
praça”, com a participação de bandas de Boa Vista e de Manaus.
Dois anos após a formação do coletivo, os próprios integrantes perceberam
que Roraima ainda necessitava de mais iniciativas capazes de contribuir com todos

14 Uma rede de coletivos juvenis complexa, por desenvolver processos dinâmicos, que envolve
pessoas de diversos segmentos das artes, de forma bastante ampla e diversa. Uma rede de coletivos
voltada a organizar eventos musicais a partir de recursos públicos e privados por meio de editais e
outras formas criativas de financiamento (BRASIL, 2015, p. 30).
51

os segmentos da cultura regional, não somente no âmbito da música, neste caso em


específico, o rock regional. A partir daí o grupo planejou a produção e gestão de
atividades, interligando vários segmentos culturais como a música, dança, artes
visuais, artes cênicas, literatura, cinema e comunicação. A proposta era justamente
fomentar a cultura local, auxiliar artistas e profissionais a fazerem a autogestão de
seus trabalhos e reunir jovens a fim de promover a cultura por meio de projetos
voltados ao bem-estar social.
Villas Boas (2019) explica que a escolha do nome Tomarrock não tem ligação
estritamente com o rock’n’roll nem com o Roraima, mas buscou através do termo
desenvolver uma identificação entre o ritmo e o regionalismo:

O nome Tomarrock surgiu, porque tomarrock é uma machadinha indígena


de uma tribo americana e também é o nome de um míssil, então a ideia era
fazer algo que fosse chocante e que lembrasse. Não era uma tribo indígena
roraimense, mas remetia aos índios, e o lance do tomarock com dois “Erres”
por conta de Roraima e todo mundo concordou com a ideia. […] O nome
Tomarrock não era só pra bandas de Rock, era pra bandas autorais de
qualquer estilo, mas que eram essencialmente rock, eu não queria fechar as
portas, nem nada (informação verbal)15.

Com isso é possível perceber, que apesar de nascer com um estilo


específico, o coletivo se preocupou a abraçar outros estilos como forma de
enriquecer o cenário musical roraimense, assim como também outros tipos de arte.
Um pouco diferente do Movimento Roraimeira, o coletivo não era formado somente
por artistas, mas por pessoas que diferentes áreas como direito administração,
arquitetura, fotógrafos, professores, jornalista que estavam ligados à cultura.

15 Entrevista concedida por VILLAS BOAS, Manoel. Entrevista V. [ago. 2019]. Entrevistador: Jackson
de Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. M4A (72 min.).
52

Fotografia 2 - Integrantes do Coletivo Canoa Cultural durante a primeira edição 2011 do Circuito
Cultural do SEBRAE-RR

Fonte: Reprodução/Blog Canoa Pop

A primeira edição do Tomarrock ocorreu no Sesc Centro, durante duas noites


com a participação de grupos locais e de Manaus e reuniu ao todo
aproximadamente 400 pessoas em dois dias de festa. O evento foi realizado sem
ajuda de patrocinadores, sendo promovido com base na economia solidária,
“espécie de moeda social, como uma forma de escambo, diferente das relações
salariais e capitalistas convencionais” (BRASIL, 2015, p. 85) – proposta formatada
pelo coletivo Fora do Eixo, a quem o Coletivo Canoa Cultural está vinculado. Ou
seja, tudo foi realizado baseado na troca de serviços, diferente do FEMUR ou outros
festivais que foram financiados pelo próprio estado, como pudemos notar nas
seções anteriores.
53

Fotografia 3 - Terceira edição do Festival Tomarrock em 2010

Fonte: Reprodução/Blog Canoa Pop

Nesse sentido, Nascimento (2012, p. 86), afirma que a cena independente, de


um modo geral, tanto local como nacional são pouco conhecidas pelo grande público
e até mesmo na academia, mesmo havendo movimentação cultural em todos os
estados brasileiros com recursos simbólicos e materiais muitos significativos. Neste
caso, são os “festivais que constituem a forma principal de disseminação dessas
dinâmicas nas cenas independentes”.
Villas Boas (2019) garante que o Festival Tomarrock vem sendo uma das
principais representações multiculturais do estado que cresce a cada ano,
oferecendo shows musicais, esquetes teatrais, mostras de vídeos regionais e
fotografia, além de oficinas diversas e mesas redondas que discutem temas
variados, com a participação de agentes locais e nacionais. A última edição ocorreu
entre os dias 20 e 22 de abril de 2017, no Parque Anauá, em Boa Vista. Ao todo, o
festival contou com 14 atrações musicais, sendo oito delas locais.

[Nosso objetivo é] ser referência em qualidade em plataforma para a música


independente em Roraima, servindo de oportunidade para trocas de
54

experiências entre artistas e profissionais de várias partes do país, além de


apresentar para a população roraimense, de forma gratuita, um evento de
nível nacional (informação verbal)16.

No sentido de integração das artes, apresentado pelo Tomarrock,


percebemos que os festivais obedecem a uma “dramaturgia específica”,
“caracterizada por uma unidade de tempo, de lugar e de ação, que cria modalidades
de escuta muito diferentes do concerto e do teatro musical” (FLÉCHET, 2011, p.
262). Isso vai ao encontro a ideia de evento de artes performativas, no qual o festival
se enquadra, conforme defende Pelicano (2009), que podem ser caracterizados por
eventos de dança, música, teatro e cinema.

Durante um festival, o público vive uma experiência musical concentrada no


tempo e caracterizada pela justaposição de propostas sonoras distintas. Por
outro lado, a fronteira entre os artistas e o público é muito mais plástica do
que durante um show tradicional, pois os músicos não somente fazem show
como também escutam os outros artistas e aparecem tanto no palco quanto
na plateia (FLÉCHET, 2011, p. 262).

Aqui a autora reflete sobre a relação entre o público e os artistas envolvidos


no evento. Semelhante a isso, Villas Boas (2019) garante e a interação entre os
artistas locais e os de foras é ocorre com o objetivo de promover o intercâmbio de
experiências para que o roraimense venha alcançar outros públicos além da faixa
geográfica de Roraima.

A gente fez as ações com ferramentas de transformação social e os


músicos eram utilizados para isso. O público era um dos alvos da gente,
não só aos artistas, que a gente tinha que tentar dar o melhor evento
possível para ele se apresentar. 17Eles faziam oficinas para que houvesse
essa troca de experiências com as bandas locais (informação verbal).

Questionado quanto à parte regionalista do festival, ele alega que Tomarrock


foi criando sem a pretensão de desenvolver a temática nas canções, mesmo
reconhecendo no Movimento Roraimeira e no FEMUR a importância para o
fortalecimento da cultura local.

16 Entrevista concedida por VILLAS BOAS, Manoel. Entrevista V. [ago. 2019]. Entrevistador: Jackson
de Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. M4A (72 min.).

17 _________.
55

O que é regional? Acho que a pessoa que toca numa banda de Roraima é
rock regional. O mundo está integrado e eu respeito demais as culturas, os
movimentos locais, mas acho que cada um na sua praia. A maior bandeira
nossa é dizer que o Tomarrock é de Roraima, por isso ele leva dois erres. A
gente não estava falando de músicas de teor regional, nem só de rock,
podia tocar samba (informação verbal)18.

Diante de tal colocação, os próprios Roraimeiras concordam com Villas Boas:


Rufino (2019) ao dizer que a música produzida em Roraima não pode ser reduzida à
estética local e Uchôa (2019), ao afirmar a transcendência do regionalismo ao
universal. O cantor completa dizendo que o novo modo de se fazer festival decorre
da adequação aos novos tempos.

Isso é uma coisa nova. Porque aqueles festivais [na TV] eram outra época.
Mas hoje os festivais não têm o mesmo apelo. A televisão é outra coisa, e
hoje tem ainda mais a internet. Ou seja, não faz mais sentido aquele modelo
de festival. O apelo é outro. Por isso o que proliferou foram esses festivais
de mostras. O apelo se tornou mercadológico. Os tempos são outros, os
apelos também e tem que se atualizar mesmo. Essa reciclagem eterna tem
mesmo que acontecer (informação verbal)19.

Logo, percebemos que a adoção do novo modelo promoveu a conversão de


valores sociais e culturais em econômicos, fazendo assim, com que estes se
reorganizassem enquanto ação coletiva a fim de alcançar um novo objetivo comum.
Neste caso, o reconhecimento, a promoção das bandas locais independentes e o
fomento da industrial fonográfica – e não mais a valorização das belezas naturais
com a preocupação de definir o roraimense.
Encerramos esta seção com a reflexão de Villas Boas (2019) a respeito da
importância na realização dos festivais. Na concepção do artista os festivais são
culminâncias de ações anuais, independente do segmento, mas que isso não ocorre
diante da atual conjuntura da política do Brasil. Tendo em vista que o estímulo para
realização deste tipo de evento pode gerar e ao mesmo tempo transformar a
realidade de um determinado espaço, que seja no âmbito político, econômico, social
oi cultural.

18 Entrevista concedida por VILLAS BOAS, Manoel. Entrevista V. [ago. 2019]. Entrevistador: Jackson
de Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. M4A (72 min.).

19 Entrevista concedida por UCHÔA, Neuber. Entrevista III. [set. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. MP4 (64 min.).
56

Figura 4 - 9ª Edição do Festival (2017), no Parque Anauá

Fonte: Reprodução/Facebook/Festival Tomarrock

5.2 O Festival Canto Forte

Outro festival que selecionamos para a composição da nossa análise foi o


Canto Forte idealizado pelo cantor e compositor Joemir Guimarães, contemporâneo
ao Tomarrock, sendo esse um dos principais motivos da nossa escolha, além da sua
dimensão e abrangência. Como método para produção de inferências também
utilizamos a entrevista oral, a fim de obter a maior quantidade de informações
possíveis acerca do evento e identificar as suas contribuições para formatação da
cultura roraimense.
Antes mesmo de pensar em criar o Canto Forte, Guimarães (2019) garante
que sua experiência com festivais de músicas ultrapassa 40 anos, tendo início no
final da década de 1960 com participação em mesas julgadoras de eventos
universitários na Paraíba, seu estado de origem – lá partilhou dessa experiência ao
lado de Elba Ramalho – além da participação em diferentes edições do Festival da
Canção de Itacoatiara (Fecani), no Amazonas.
57

Mesmo sem saber ao certo os anos, o cantor garante que participou de três
edições do FEMUR e afirma que o evento foi um grande passo para democratização
da música roraimense, tendo e vista a participação de artistas dos mais variados
estilos, um dos motivos pelo qual idealizou Canto Forte.
O Festival Canto Forte surgiu em 2009, de forma independente e financiada
pela Lei de Incentivo à Cultura, do Governo do Estado de Roraima, com o objetivo
de estimular e difundir a produção musical local, bem como descobrir novos talentos
e promover o estreitamento das relações entre compositores, intérpretes e o público
em geral. Canto Forte é o título de uma música do próprio idealizador do evento,
composta há mais de 30 anos, que segundo ele mostra a força das melodias e a
garra dos intérpretes roraimenses.
A primeira edição do festival foi realizada em 2009 no Palácio da Cultura,
localizado no Centro de Boa Vista e teve como vencedora a música Capoeira, de
Euterpe e Eliakin Rufino e como melhor intérprete, a cantora Euterpe, que já se
apresentou em vários estados do Brasil. Os vencedores recebiam prêmios em
dinheiro.
De 2009 a 2018 foram realizadas sete edições do evento, não sendo feito nos
anos de 2012, 2016, 2018 por descompromisso da gestão pública, segundo
Guimarães (2019) – ao fazer referência a não publicação dos editais da Lei de
incentivo à Cultura.
58

Figura 5 - 1ª Edição do Canto Forte no Palácio da Cultura

Fonte: Reprodução/ Facebook/ Canto Forte Joemir Guimarães

Figura 6 - Euterpe vence o primeiro Canto Forte

Fonte: Reprodução/ Facebook/ Canto Forte Joemir Guimarães

Quanto a questão regionalista, Guimarães (2019) garante o festival tinha uma


proposta multitemática, no sentido de selecionar outras canções distantes do tema
regional, até mesmo de outros estilos musicais como o gospel. Mas, ocorria que os
59

próprios artistas locais estavam habituados a desenvolver este tema, tanto que parte
das canções vencedoras tratavam especificamente sobre Roraima.

O festival, queira ou não, impulsionou os compositores a criarem várias


letras, que falam de Roraima, Boa Vista e isso foi muito importante, porque
deu uma tendência regionalista. A gente via que não tinha obrigatoriedade
dessas composições e 50% eram regionalistas e as outras falam do
cotidiano, do social, da questão ecológica, então variava muito. Então o
festival deu essa dosagem para que o pessoal fizesse e aguçasse esse lado
poeta regional (informação verbal)20.

Diante disso, o cantor diz que apesar de vivenciar o Movimento Roraimeira,


ele não influenciou a criação do Canto Forte, apesar de ele objetivar a formação da
identidade musical do estado, o que certa maneira configura como uma forma
regionalização. Ou seja, de encontrar características que somadas rementem a
música roraimense. Ele afirma ainda que durante da década de 1980 a produção
autoral no estado era quase inexistente e só veio a ser reconhecida, de fato, com a
canção Casinha de Abelha de Neuber Uchôa.

O roraimense veio ter mais reconhecimento com a música Casinha de


Abelha, do Neuber cantada pela banda Remela da Gato. Não foi nem ele
que emplacou, foi uma banda de forró. Se duvidar ela é mais conhecida que
a própria música Roraimeira (informação verbal)21.

A demora a aceitação da música regional e a recepção do público através de


uma banda de forró se deu justamente por conta da população nordestina que vive
no estado de Roraima, e que foram atraídos por um ritmo nativo na sua região.
“Existia uma barreira muito grande da música regional”, diz (GUIMARÃES, 2019),
justamente por conta dessa miscigenação de pessoas que não estavam abertas
naquele momento a consumir algo nativo de Roraima.
Além disso, o artista lembra que a gestão do estado influenciava também no
gosto musical da população, tendo em vista que o poder estava concentrado nas
mãos de pessoas indicadas pelo governo central as decisões sobre quais as
manifestações culturais apoiar e/ou realizar.

20 Entrevista concedida por GUIMARÃES, Joemir. Entrevista IV. [jul. 2019]. Entrevistador: Jackson
de Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. M4A (77 min.).

21 _________.
60

No tocante ao surgimento de novos artistas Fléchet (2011, p. 264), defende


que os festivais resultaram de uma ação conjunta de vários agentes, privados e
públicos, onde entre os idealizadores, encontram-se muitos amantes da música e
músicos amadores, o que contribui para a valorização do não só do evento, mas do
sujeito enquanto artista.
“Além de preservar e estimular a nossa cultura por gerações e gerações os
festivais são a janela para conhecer o mundo”, aponta Guimarães (2019). O artista
deposita nesta declaração a importância da manutenção e realização dos festivais,
que além do enriquecimento cultural, também são responsáveis pelo
desenvolvimento econômico da localidade em que ele é realizado. Como exemplo,
ele cita o próprio Canto Forte na geração de emprego e renda, através das pessoas
envolvidas direta e indiretamente no evento.
De acordo com as concepções de festival apontadas por Mello (2003), o
Canto Forte se encaixa na segunda propositura, a qual trata de um evento de
música competitivo, modelo este que se assemelha ao FEMUR. Temos aqui, outro
ponto em comum entre dois dos festivais selecionados para a nossa análise, que
será melhor desenvolvida na seção seguinte.
Guimarães (2019) atesta, que neste modelo, a competitividade do evento é o
que garante a qualidade dele – diferente do Tomarrock, que se encaixa na categoria
amostra – uma vez que os competidores almejam alcançar o nível mais alto do
concurso, enquanto a amostra é lida apenas com uma vitrine de artistas do mesmo
nível.
61

Figura 7 - Cantora Leka Dez durante apresentação na 5ª Canto Forte no CAF

Fonte: Reprodução/ Facebook/ Canto Forte Joemir Guimarães


62

5. ANÁLISE DOS DADOS

Nesta última seção nos dedicamos a analisar as entrevistas dos artistas


selecionados para a pesquisa a fim de responder alguns questionamentos que
levantamos no começo da dissertação no âmbito da contribuição dos festivais de
música para a formação do cenário cultural de Roraima.
Dessa forma, tomando o Femur como exemplo desta manifestação artística,
nos indagamos se é possível afirmar que outros eventos do mesmo gênero,
realizados no Estado, também foram responsáveis por encabeçar novos
movimentos culturais locais. Além disso, nossa preocupação foi também entender
como seu deu e ainda se dá a difusão da ideologia Roraimeira entre o meio artístico.
É possível notar essa influência entre os novos artistas da cena local?
Na busca por estas repostas nos valemos de algumas categorias da análise
de conteúdo, as quais Bardin (1997, p. 42) descreve como “um conjunto de técnicas
das análises comunicacionais visando obter, por procedimentos sistemáticos e
objetivos a descrição do conteúdo das mensagens”. Somado a isto fazemos alguns
comentários e observações buscando, quando possível, descrever a explicar as
sentenças proferidas pelos entrevistados.
Como também já mencionamos, a intenção de estudar os festivais de música
surge primeiro de uma curiosidade individual, transposta para investigação, a qual
passa a ser observada de forma crítica a fim de conseguir identificar elementos que
nos ajudem a comprovar se os festivais podem ser considerados manifestações
culturais e/ou instrumento de mobilização social, política e cultural.
Para isso selecionamos para entrevistas um universo de cinco pessoas
ligadas diretamente aos festivais de músicas que foram e ainda são realizados em
Roraima, são eles: Eliakin Rufino; Neuber Uchôa; Zeca Preto; Joemir Guimarães; e,
Manoel Villas Boas. A escolha dos entrevistados se deu em decorrência dos festivais
selecionados para composição do corpus de análise desta investigação: o Femur; o
Canto Forte; e, o Tomarrock – considerados os eventos musicais de maior destaque
no cenário local na visão deste pesquisador.
Os três primeiros citados foram escolhidos por participarem como competidores
do Femur, festival pioneiro que deu origem não só a este tipo de evento em
Roraima, mais foi responsável pelo surgimento do Movimento Roraimeira.
63

Consideramos que o Movimento foi/é representado na figura destes artistas. Em


seguida escolhemos o também cantor e compositor Joemir Guimarães, responsável
pela idealização e organização do Festival Canto Forte. O mesmo ocorreu com
Manoel Villas Boas, encarregado pela realização do Tomarrock.
Em um estudo multidisciplinar como este, a escolha das categorias de análise
esteve alinhada com a perspectiva e com o lugar que o pesquisador ocupa ao
abordar o tema ou assunto. Tendo isso em vista, tratamos de escolher as categorias
que melhor se ajustaram para se obter os resultados mais pertinentes às questões
levantadas pela nossa problemática. Escolhemos as categorias que nos auxiliaram
estudar mais a fundo sobre o Movimento Roraimeira e os festivais do texto
examinado.
Assim sendo, a análise foi dividida em dois movimentos, a partir de dois
diferentes quadros interpretativos. O primeiro esteve concentrado no Movimento
Roraimeira. Neste movimento foram analisadas as seguintes categorias: Conceito;
Motivação/Pautas/Objetivos; Contexto Histórico; Identidade Cultural; Divisão do
Movimento; Festival; e, Recepção do Roraimeira (pós anos 2000). O propósito aí era
compreender a motivação que levou a criação desse Movimento tão relevante para
cultura do estado.
Já no segundo movimento analisamos os três festivais aqui selecionados (o
Femur; o Canto Forte; e o Tomarrock) a partir das categorias: Ano; Objetivo;
Formato; Temática e Abrangência, na esperança conceber o festival como
manifestação cultural e instrumento de transformação social em nível local.
As entrevistas utilizadas como base foram realizadas entre julho e setembro
de 2019, em diferentes datas e locais, de acordo com a disponibilidade de cada
entrevistado. Cada conversa teve em média uma hora de duração. As contribuições
foram salvas nos formatos OGG, MP4 e M4A para depois serem transcritas. A
integra das transcrições pode ser conferida nos apêndices A, B, C, D e E deste
trabalho, em caso de consulta para obtenção de informações complementares.
64

5.1 O Movimento Roraimeira

Esclarecido isso, partimos para análise do primeiro quadro que trata do


Movimento Roraimeira. Nele elencamos sete pontos com o objetivo de melhor
entender essa ideologia regionalista e de que maneira esse movimento sociocultural
se configura. Para isso selecionamos algumas declarações em comum da tríade
fundadora do movimento, como podemos verificar a seguir:

Movimento Roraimeira

Eliakin Rufino Zeca Preto Neuber Uchôa


É um movimento artístico e fazem Defino como todo bom trabalho feito O movimento Roraimeira está
parte dessas linguagens a fotografia, em Roraima de preferência dentro intimamente ligado com o
as artes visuais de um modo geral, da arte. Um belo quadro, uma modernismo lá em 1922, que fizeram
Conceito desde a serigrafia até a escultura e música, poesia, que se tornou uma em relação ao Brasil, o mesmo que
artes plásticas, o teatro, a dança, a identidade cultural, para se referir fizemos em Roraima.
literatura. aos artistas.
Era um lugar onde se vinha garimpar O makunaimeira é essa batida Dar uma basta na cultura importada
e nós vamos reagir a isso. Ser alegre para gente calcar em cima da e passar a divulgar a nossa própria.
Motivação/Pautas/O Roraimeira, são os pontos turísticos, cultura indígena.
bjetivos é o povo, com foco na valorização do
que é nosso e não mostrar a
desgraça.
Nós vinhamos de anos de território Não sei se Roraima tinha a mesma A gente mal tinha notícias. O que a
federal de governadores civis rigidez do regime militar na época gente sabia era de todo a estrutura
nomeados. Quando entra na que eu estava em Belém, mas governamental era dominada pelos
Contexto histórico ditadura em 1964, continuam sendo quando vim para cá em 1975 a militares, mas não me lembro de
nomeados com a diferença de que realidade era totalmente diferente, nenhuma repressão e também tinha
ditadura dividiu os territórios com as existia mais liberdade artística. movimento [pra ir contra o regime].
forças armadas.
Cultura brasileira, representada Nossa maior característica é ser [Makunaimando] foi o grande trunfo
pelos brasileiros que vieram pra cá, puro na confecção do nosso ritmo, que todo mundo que canta essa
cultura indígena. É o estado mais fruto de uma antropofagia. É a música coloca no coração esse
Identidade Cultural
indígena do país proporcionalmente, cultura indígena, uma mistura apelo. A gente foi saber depois que
e a questão da fronteira. brasileira. ser regionalista nada mais é do que
ser universal.
O fim do movimento aconteceu em O ciclo do Roraimeira se fechou com Naquele momento lá[ nos anos 80],
2018 quando nós recebemos o recebimento do prêmio do mérito a gente precisava se definir. A gente
Divisão do maior prêmio cultural país que foi a cultural recebido ano passado pela chega em um momento que abre
movimento ordem do mérito cultural da presidência. mão de tudo o que atrapalha o nosso
presidência da república. caminho.
[O festival] foi se adequando aos Com certeza, [enxergo como o Isso é uma coisa nova. Hoje os
novos tempos. Nos tempos dos festival como responsável pela festivais não têm o mesmo apelo,
Festival festivais, a música ganhava e ia criação do movimento] até porque a por isso o que proliferou foram esses
gravar um disco, ia pra rádio e tinha música roraimeira que foi lançada festivais de mostras.
um caminho depois. em um festiva.
É reduzido esse público. Na verdade Eu percebo os novos artistas [As influências do Movimento
Recepção do tem um pessoal do contra porque o cantando e compondo muito bem, Roraimeira atingem esses novos
Roraimeira pós movimento é pró-índio. mas não tem a mesma essência de artistas], inclusive nas amizades dos
anos 2000 se fazer alguma coisa mais meus filhos. A gente nota isso.
rebuscada atualmente
65

Na primeira categoria, Conceito, podemos notar, que os artistas apresentam


individualmente a sua própria visão do vem a ser o Movimento Roraimeira. Rufino
(2019) e Uchôa (2019) refere-se a ele como movimento artístico e plural de modo a
contemplar outras vertentes, enquanto Preto (2019) refere-se a ele não como ação
coletiva, mas sim como corrente artística, a qual tem Roraima como tema principal,
mostrando uma visão mais ampla do termo. Segundo Preto (2019), o próprio criador
do vocábulo Roraimeira, a designação foi elabora justamente nesse sentido, para
indicar toda e qualquer tipo de arte produzida em Roraima.
Em Motivação, pautas e objetivos buscamos mapear aquilo que teria
incentivado a criação do Movimento Roraimeira. Nesta categoria selecionamos três
perspectivas diferentes, mas complementares. A primeira na qual Uchôa (2019) é
objetivo ao dizer que a ideia principal do movimento era a produção de uma cultura
essencialmente roraimense. Ao mesmo tempo Rufino (2019) garante que o
movimento buscava reagir a toda e qualquer tipo de exploração proporcionada pelo
garimpo, que segundo ele, não se limitou somente a extração de minérios, mas
também de empregos, terras e oportunidades. Outra finalidade destacada por Preto
(2019) foi a instituição do ritmo makunaimeira.
Com base nas declarações dos artistas é possível afirmar que a duas
propostas iniciais foram alcançadas, enquanto a última não sem tem uma ideia
fechada. Tendo em vista o fator tempo, cremos que ainda não foi o suficiente para
instituir o makunaimeira como um ritmo oficial do estado, como almejava o grupo.
Em outro momento Preto (2019) afirma: “[...] é ousadia chamar de ritmo, que não é
ainda, mas quem sabe um dia venha a se tornar”, deixando claro, que somente o
tempo poderá confirmar tal alegação, tendo em vista o seu período de prática.
O terceiro ponto destacado é o Contexto histórico. Aí, o principal é
compreendemos o fator social e que levou os artistas se organizarem em grupos
para lutar em prol de uma causa, como já pudemos notar no tópico antes citado.
Aqui, todos citam a ditadura militar como pano de fundo importante ao frisar que o
Estado, na época era pertencente ao Governo Central, então chamado de Território
Federal e governado por militares.
Apesar do período de repressão ainda mais sobre a classe artística, Uchôa
(2019) e Preto (2019) afirmam que este tipo de situação não se aplicava a Roraima.
A resistência nesse sentido operava em termos não de combater a censura ou a
66

força militar, mas de se opor aos valores socioculturais pregados pelo Governo
Central cujo, objetivos era unificar a identidade do sujeito local e agregá-la a do resto
do Brasil, como bem explicou Souza (2017) em outra seção.
Ainda conforme Souza (2017), a flexibilização da gestão militar se deu em
meio a um período, já na década de 1980, em que o governo almejava aprovação
social – motivo pelo qual incentivou a realização de festivais de músicas, mesmo de
forma desordenada, mas com a mesma inspiração nas competições de canções que
eram transmitidas pela TV desde os anos 1960.
Conforme a tríade fundadora muito do que se pretendia produzir tinha como
base o cenário local, representado sobretudo na imagem do indígena que aqui
habitava a região enquanto povo nativo. Nesse sentido, a identidade cultural
roraimense, como uma proposta social e de união do próprio Movimento Roraimeira,
somou a identidade imigrante a indígena, fazendo dela uma só, como uma forma de
por fim a questão da crise identitária que havia sido criada. Naquela época tal crise
se originou em decorrência, não somente da política nacionalista, mas também da
não aceitação dos índios como parte da sociedade, pela classe branca vinda de
outros lugares do país para colonizar a região.
As declarações de Preto (2019) e Rufino (2019) convergem, sendo possível
notar a menção aos indígenas nos dois quadros, respectivamente, enquanto a
alegação de Uchôa (2019) apresenta uma ideia de identidade a partir da canção
Makunaimando. A canção contém vários elementos regionalistas e uma das mais
populares do grupo, que segundo Uchôa, gera uma identificação entre os cidadãos
de Roraima, garantido dessa forma, o reconhecimento da arte regionalista através
de suas obras.
Em 2015, a então governadora Suely Campos, sancionou a lei que oficializou
a música Roraimeira como hino cultural do estado. A norma de número 1007/15 de
autoria do deputado Oleno Matos (PDT), prevê a execução do hino em cerimônias
públicas e eventos culturais. Diante disso, próprio autor da música Zeca Preto disse
que não entendeu a escolha da canção como hino, tendo em vista Makunaimando
era mais popular.

Foi a música Roraimeira que se tornou o hino cultural do estado de


Roraima. A primeira vez eu não aceitei, porque era muito cedo. Vieram dois
67

deputados aqui em casa, uns dois anos depois da constituinte e não aceitei.
Disse quem tinha que decidir o hino era o próprio público. Aí outras pessoas
ligadas a governadora Suely Campos, me procuraram, mas eu não apoiava
a gestão dela, apesar de ela ser regional, e também já havia trabalhado com
ex-governador Anchieta, na produção de jingles. Na época me ligaram e
disseram que haviam feito uma enquete com mais de mil pessoas
aprovando a canção Roraimeira como a hino cultural do estado e me
questionei por que Makunaimando não havia sido escolhida. (informação
verbal)22.

Com isso podemos afirmar que esse reconhecimento das canções, produzidas nos
festivais, se tornou uma marca da identidade cultural roraimense, seja ela
Makunaimando ou Roraimeira. A ideia do movimento em promover a identidade a
partir de figuras do cenário local parece que foi então muito bem absorvidas pelos
cidadãos que aqui vivem.
Na categoria seguinte, que trata sobre a Divisão do movimento, conforme as
fases indicadas por Oliveira, Wankler e Souza (2009), o Grupo Roraimeira a
reconhece como evidente. Uchôa (2019) afirma que ambas as fases foram
determinantes durante o seu período vigente.
Na primeira fase se buscava definir a identidade Roraimense, e a segunda era
voltada para uma produção mais livre da mensagem Roraimeira, sem a exclusão da
essência regionalista. Este é um período ainda em exercício, não finalizado,
sinalizando uma atualização da arte Roraimeira a partir da interação com novos
artistas e com outras referências musicais.

Naquele momento lá, a gente precisava se definir, é como um animal que


está demarcando o seu território. A gente chegar em um momento que abre
mão de tudo o que atrapalha o nosso caminho nesse sentido de lançar a
nossa mensagem, e Makunaimando é um retrato daquela época. Já hoje nos
anos 2000, essa nova era é representada por “Casinha de Abelhas”. Há dez
anos compus essa música e ela representa a época em que eu estava
dialogando com essa nova geração de rock, e outras pessoas que
frequentam a minha casa e cantam as minhas músicas. A música Casinha
de Abelha reflete a sabedoria de passar uma mensagem de uma maneira
simples. Isso é um símbolo da evolução pela qual passamos e poder
dialogar com essa nova geração (informação verbal) 23.

22 Entrevista concedida por PRETO, Zeca. Entrevista II. [ago. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. MP4 (62 min.).

23 Entrevista concedida por UCHÔA, Neuber. Entrevista III. [set. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. MP4 (64 min.).
68

Rufino (2019) e Preto (2019), por sua vez, atestam que o Movimento
Roraimeira terminou após o recebimento do prêmio do Mérito Cultural da
Presidência da República, ao atestar a importância do Movimento na construção da
cultura brasileira. “A gente não poderia chegar numa satisfação maior, não só o
reconhecimento aqui na nossa terra”, alega Rufino (2019). Diante de tal afirmação,
ainda é cedo para concordar ou não com tais declarações, tendo em vista que as
análises das demais categorias se fazem necessárias para que possamos apontar
algo em relação ao encerramento do Movimento.
Na categoria Festivais chegamos em ponto determinante da pesquisa, tendo
em vista que o tema também será objeto de análise no tópico a seguir. Aqui
trazemos mais uma vez diferentes pontos de vista acerca deste tipo de evento. Já
no primeiro momento Preto (2019) deixa claro, que o Festival FEMUR foi decisivo
para criação do movimento, tendo em vista, que graças a ele houve uma articulação
em voltada da criação de uma canção e aglutinação em torno de um grupo. Isto
posto, podemos considerar definitivamente o festival como um instrumento social a
ser utilizado por esta sociedade, conforme um objetivo proposto.
Por outro lado, Rufino (2019) e Uchôa (2019), trazem a esta discussão para a
atualidade e afirmam que os novos modelos deste tipo de evento se configuram
como algo novo. Rufino (2019), por exemplo, diz que houve um a adequação do
modelo competitivo para o de amostra com outros conceitos, sobretudo
mercadológico, cujo objetivo final é a venda da música e dos outros produtos
apresentados no evento.
Seguindo a mesma linha de pensamento, Uchôa (2019) vê esta mudança como
uma forma de reciclagem do modelo, na qual TV abre espaço para Internet, não
para a realização no concurso de música, mas para transmissão de show,
quebrando a barreira espacial e aproximando ainda mais o público do evento, tudo
fruto da globalização.

A televisão é outra coisa, e hoje em ainda mais a internet, ou seja, não faz
mais sentido aquele modelo de festival, o apelo é outro, por isso o que
proliferou foram esses festivais de amostras. O apelo se tornou
mercadológico. Os tempos são outros, os apelos também e tem que se
atualizar mesmo. Essa reciclagem eterna tem mesmo que acontecer
(UCHÔA, 2019).
69

Nesta última seção nos propomos a analisar a recepção da Ideologia


Roraimeira pós anos 2000 na tentativa de identificar de que maneira ela pode ser
percebida no cenário atual, já que estamos prestes a entrar na segunda década do
século XXI. Assim sendo, Rufino (2019) garante que o público que consome o
Roraimeira ainda é reduzido, justamente por conta da temática indígena e da
influência cultural externa. Enquanto isso, os outros dois cantores declaram que há
sim a utilização do Roraimeira entre os novos artistas.
Apesar disso, Preto (2019) acredita que a reprodução da temática regionalista
não ocorre da mesma maneira como nos tempos áureos do Movimento – o que se
manifestava através de uma canção melhor elabora. Segundo ele, a preocupação
dos jovens cantores hoje é puramente mercadológica, sem uma atenção voltada
para a mensagem, sobretudo regionalista.
Preto (2019) alega ainda que o que existe de Roraimeira nos tempos atuais
se dá graças a ele e demais artistas que compuseram o Movimento, que continuam
em exercício, desenvolvendo os seus trabalhos, seja na música ou em outras áreas.
Uchôa (2019), por sua vez, afirma que tal influência pode ser notada em algumas
bandas do Estado tais como Jamrock, Urutu e Bodó Valorizado.
De forma sintética podemos dizem então que o Roraimeira, foi um movimento
artístico, social e cultural baseado na valorização da cultura regional, através da
estética local, que incentivou a produção da arte roraimense e reivindicou não
somente a instituição da identidade cultural, mas também lutou pela inserção do
índio na sociedade na figura de cidadão.
Tal luta só foi possível em razão de um festival de música (o FEMUR) que
ajudou articular um grupo de pessoas em favor das causas indigenistas e demais
pautas regionais em meio ao período de ditadura militar. Mesmo que tenha ocorrido
de forma coincidente, o festival figurou como instrumento para transformação social
atestada pela comparação de a sua relevância com da de outros festivais nacionais
na criação da Música Popular Brasileira (MPB) – como festival de 1965, realizado no
estado de São Paulo.
Como evidenciado a adoção do festival de amostras também faz parte do
novo contexto temporal, no qual os artistas se apresentam não mais em auditórios,
mas em estádios com shows que vão para além da TV, passando pela internet e
atingindo diversas plataformas multimídias. O fato é que essa adequação do modelo
70

dos festivais não o suficiente para dizermos que o modelo competitivo, fundamental
na constituição do Movimento Roraimeira, venha a ser extinto, uma vez que ele
ainda estimula a produção artística em diversos níveis.
71

5.2 Quadro de análise II – Os Festivais de Música de Roraima

Apresentado o quadro sobre o Movimento Roraimeira, partimos para análise


de um segundo quadro comparativo entre os Festivais Femur, Canto Forte e
Tomarrock, buscando identificar característica em ambos os eventos que remetam a
identidade cultural do estado.

Festivais de Música de Roraima

Femur Tomarrock Canto Forte

Coletivo Canoa Cultura


Iniciativa individual do cantor
Idealizador Estado representado por Manoel Villas
Joemir Guimarães
Boas

Ano 1974 – 1991 2009 – 2017 2009 – 2017

Estimular a prudução da Promoção da música


Objetivo Estimular a produção da local
música local independente

Temática Variada Variada Variada

Abrangência Local Outras regiões Local

Formato Competição Amostra Competição

Aqui analisamos os festivais acima mencionados a partir de seis categorias,


são ela: Idealizador; Ano; Objetivo; Formato; Temática e Abrangência, na tentativa
de descobrir qual a contribuição de cada um destes para a formação da cultura do
estado de Roraima para além do Movimento Roraimeira (ou não). Ao mesmo tempo
buscamos investigar se outros dois eventos criados pós anos 2000 abordam a
temática regionalista com o mesmo fervor do Movimento Roraimeira. Por último,
72

apuramos a influência que estes festivais tiveram/têm na formação de (outros)


movimentos, sejam eles musicais, sociais, políticos ou de outros gêneros.
Com podemos observar na seção sobre festivais, este tipo de evento no
Brasil surgiu praticamente ao mesmo tempo em que a ditadura militar e teve o seu
auge na televisão. Aí o contexto histórico aparece como determinante para que
possamos notar na mudança hoje para o modelo que é o mais praticado – no caso
são as amostras musicais.
Segundo Mello (2013) a era dos festivais na TV chegou ao fim em 1972, logo
após a realização do VII Festival Internacional da Canção Popular, quando a TV
Globo acabara de inaugurar a programação em cores no Brasil. Mas em uma
tentativa de conter gastos, a emissora reduziu o número de participantes, sendo que
mesmo assim teve um prejuízo milionário ao final do evento, havendo então um
desinteresse pelos festivais.
O fato é que após esse período os eventos continuaram existindo até os anos
2000, porém fora da TV e sem a mesma repercussão. Diante disso, trazemos uma
reflexão do psicanalista, jornalista e teatrólogo Roberto Freire, que participou do
primeiro e último festival transmitido pela televisão, como uma forma de orientar a
nossa análise no que diz respeito a importância dos festivais de música no Brasil.

Os festivais foram um acontecimento importantíssimo na vida brasileira.


Primeiro porque mobilizaram o povo a participar da criação e da renovação
da música brasileira. Segundo porque com a tecnologia da televisão
puderam abranger um número muito maior de pessoas da divulgação e no
debate sobre música brasileira. Terceiro porquê tem o significado de um fato
histórico com uma importância bem superior ao que se imaginava. Os jovens
não sabem que Chico Buarque nasceu em um festival e é preciso que eles
saibam a força que isso teve, qual foi a luta, única no mundo, para se operar
essa revolução da música popular brasileira. Sinto que no Brasil os fatos
acontecem e a história só registra o que interessa ao poder. É muito triste.
Os jovens universitários precisam saber que foram universitários brasileiros
que derrubaram a ditadura. Não foram os operários que vieram muito depois.
Os estudantes lutaram permanentemente contra a ditadura, foram presos,
torturados, mortos e mantiveram a luta. Os universitários de hoje precisam
saber disso (FREIRE, apud MELLO, 2013, p. 434 – 435).

Assim sendo, na primeira categoria que manejamos atentamos para os


responsáveis pela criação e manutenção dos eventos em nível local. No primeiro
quadro da esquerda para a direita temos o Femur, realizado pelo Estado,
representado nas figuras do Governo e da Prefeitura de Boa Vista.
73

Em 1980 quando acontece o primeiro festival [FEMUR], o governador é o


brigadeiro, o prefeito é um major e o organizador do festival é um sargento.
Então antes de 1980, há esse domínio muito grande da ditadura de 1964
em diante, que sufoca qualquer pressão artística [local] (informação
verbal)24.

Em seguida temos o Tomarrock e o Canto Forte, idealizado pelos cantores


Manoel Villas Boas e Joemir Guimarães, respectivamente. Apesar da iniciativa
própria, ambos eventos obtiveram recursos através da Lei de Incentivo à Cultura,
mais conhecida como Lei Rouanet Estadual.
Além destes recursos o Tomarrock se manteve baseado na economia
solidária, ou seja, por meio de troca de favores entre a gestão, as pessoas do evento
e as empresas. Aí, o período histórico já era outro, com Gilberto Gil a frente do
Ministério da Cultura (entre 2003 e 2008), o qual Villas Boas se refere como um bom
período para liberdade artística. Tanto é que em 2012 a presidente Dilma Rousseff
reconheceu a música como manifestação cultural, podendo ela ser beneficiada com
a Lei Rouanet.
Segundo Villas Boas (2019):

Nunca na história desse país, a cultura teve tanta voz quando o Lula entrou,
em 2003. Então ele colocou o Gilberto Gil como ministro da Cultura e depois
o Juca Ferreira, que foi um dos mentores da Cultura Viva. Então você tinha
os Pontos de Cultura bombando e o Governo Federal pela primeira vez
passou a lidar com cultura como uma obrigação do poder público. Porque a
gente fala de cultura, não diretamente do produto, mas estou falado de
cultura como produto imaterial e as formas artísticas de o ser humano se
expressar (informação verbal)25.

Guimarães (2019) ainda complemente afirmando:

A Dilma Rousseff fez o que ninguém ainda tinha feito, que foi reconhecer a
música gospel como Música Popular Brasileira e antes disso, o gospel não
podia concorrer em festivais nem receber recurso por meio da Lei de
Incentivo à cultura, tanto que no Canto Forte tinha concorrentes de música
gospel, pra você ver tamanha abertura do festival (informação verbal) 26.

24 Entrevista concedida por RUFINO, Eliakin. Entrevista I. [jul. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. OGG (79 min.).

25 Entrevista concedida por VILLAS BOAS, Manoel. Entrevista V. [ago. 2019]. Entrevistador: Jackson
de Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. M4A (72 min.).

26 Entrevista concedida por GUIMARÃES, Joemir. Entrevista IV. [jul. 2019]. Entrevistador: Jackson
de Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. M4A (77 min.).
74

Nota-se que a questão política foi bastante importante no âmbito da cultura


tendo em vista o incentivo da produção e o reconhecimento de outras
manifestações. Soma-se a esta categoria o ano de realização de cada um dos
eventos. O primeiro período, de 1974 a 1991, levava em consideração as
determinações do Governo do Estado de plantão, que contabilizou e nomeou Femur
todos os festivais realizados após 1974. Ao todo foram realizadas seis edições.
O Tomarrock apesar de ter surgido em 2007 como um coletivo, só foi existir
como festival partir de 2009, tendo a sua última edição realizada em 2017. Durante
esse período foram realizadas nove edições do evento. Já o Canto Forte foi
realizado no mesmo período de 2009 a 2017, com um total de sete edições.
Quanto ao indicado na terceira categoria, os objetivos são basicamente os
mesmos para os três festivais: a produção de música local, independente da
temática adotada. No caso do Tomarrock, a finalidade está na promoção, sobretudo,
da música independente. Diante disso, podemos perceber que essa atitude em
querer promover o cenário musical do estado se coaduna com a ideia Roraimeira de
valorização cultura Roraimense, tendo em vista que são produtos artísticos nativos
do estado, mesmo sem a abordagem explicita da temática regionalista.
Relacionado isso, passamos para categoria temática, a fim dar mais fluidez
ao assunto. Aqui, os três organizadores são unânimes e definem o tema dos
festivais como sendo variado. Para entendermos melhor, Rufino (2019) explica que
no Femur, por exemplo, não havia uma temática delimitada, sendo assim, o
intérprete poderia cantar qualquer tipo de música, mas ocorria que a composição e
interpretação de canções com o conteúdo regional se dava de forma natural.
Segundo ele:

O objetivo era revelar e aumentar o acervo de composições locais, não


somente sobre o estado, tanto que nesses festivais, em nenhum deles,
adotavam a temática regional, teve apenas umas das edições que foi
temática, mas nós boicotamos esse, porque a gente achou que não podia
obrigar a pessoa a cantar Roraima (informação verbal)27.

27 Entrevista concedida por RUFINO, Eliakin. Entrevista I. [jul. 2019]. Entrevistador: Jackson de
Souza Félix. Boa Vista, 2019. 1 arquivo. OGG (79 min.).
75

Villas Boas (2019), por sua vez também afirma que o Tomarrock não foi criado
pensado em desenvolver a temática regionalista, mas sim de incentivar a produção
de música local como um todo, seja ela rock ou samba. Assim como Preto (2019)
define Roraimeira como todo tipo de arte produzida em Roraima, Villas Boas
defende que o regionalismo está relacionado não somente a característica de
determinada região, mas o espaço e sua produção cultural como um todo.
Essa discussão quanto a regionalidade nos leva a categoria seguinte, a
abrangência. Enquanto o Femur e o Canto Forte estavam voltados apenas pera
Roraima, o Tomarrock abre as portas para participação de artistas de outras
localidades, também da cena independente cujo um dos objetivos é promover a
interação com os músicos do estado, para que eles também possam ganhar
visibilidade e assim chegar a outras regiões levando arte roraimense na bagagem. O
festival promoveria uma espécie de networking entre os artistas.
Muito da questão da visibilidade está diretamente relacionada ao formato em
que o festival é realizado, como podemos observar nesta última categoria. O Canto
Forte e o Femur, por exemplo, se enquadram no modelo de competição tendo em
vista que cada cantor compete para a escolha da melhor música. Neste modelo, em
geral, se apresentam intérpretes e compositores iniciantes, podendo ser uma boa
oportunidade de mostrar o próprio trabalho e assim, torná-lo reconhecido, tendo em
vista que os vencedores são premiados com dinheiro e gravação de músicas.
Enquanto isso, no modelo de amostra temos artistas já conhecidos pelo público, que
buscam através do evento ganhar ainda mais notoriedade.
No caso do Tomarrock, enquanto festival independente, o objetivo de cada
banda ou artista individual é ganhar o reconhecimento à nível de gravadora e assim
se tornar comercial. Aqui, o apelo é puramente financeiro. Logo, temos dois
processos diferentes, um inicial de entrada na música, e outro de lucro a partir da
produção cultural e divulgação própria e/ou a vinculação a uma gravadora.
Mas onde entram os Movimentos Socioculturais nestas análises? Ao longo de
toda investigação podemos perceber que os festivais integram um momento muito
marcante da história do Brasil, como à época da ditadura militar. Diante disso
podemos afirmar que os movimentos, sejam eles sociais ou musicais, nascem de
contextos específico e não de fatores isolados. Nesse sentido, podemos afirmar a
validade do Movimento Roraimeira, frente às pautas de defesa, sobretudo
indigenista, sendo ele um importante Movimento Sociocultural local.
76

Já com o Tomorrock, apesar de uma organização coletiva, não notamos o


levantamento de nenhuma bandeira ou causa social. Lá a intenção e puramente
cultural, na busca por manter acessa chamar da produção artística local, tendo em
vista que trata de um festival de artes integradas e não apenas de música. Dessa
maneira não sabemos dizer se seria correto defini-lo como um movimento artístico.
Acreditamos que sim devido ao seu caráter colaborativo e solidário, mas as suas
características precisão ser mais bem definidas e estudadas.
No Canto Forte percebem que uma tentativa de se tornar um movimento
musical uma vez que o festival objetiva a criação de uma identidade sonora para o
estado. Enquanto isso não ocorre, ficamos a acompanhar tais acontecimentos para
que tenhamos as respostas necessárias para sanar estas dúvidas que permanecem.
77

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando iniciei esta investigação sobre a temática dos festivais de música


como eventos que podem servir de instrumento da sociedade para reivindicar uma
causa, não somente cultural, mas também social e política, privilegiei abordas os
processo de formação coletiva, responsáveis por dar corpo aos movimentos,
levando em consideração o sua força capacidade de transformação social.
Neste estudo, pude constatar que o contexto histórico é muito importante
durante todo o processo de realização de um festival, sendo ele encarregado de
traçar o caminho a ser percorrido por um grupo, como consequência do plano de
fundo no período em que ele foi realizado. Logo, os festivais refletem os atos de
determinada época e depender do contexto ele pode assumir outros valores, que
não somente culturais, ao qual ele está relacionado no primeiro momento, no sentido
de entretenimento.
O Festival de Música de Roraima (Femur) tinha como background a ditadura
militar, a crise identitária, a migração e diversos outros fatores, que todo modo
podiam ser percebidos desde a organização do evento ao produto final, que eram as
canções do artistas locais, ou seja, um relato daquela época e ao mesmo tempo
uma resposta a toda pressão política e social daquele período. Enquanto os festivais
Tomarock e Canto Forte foram constituídos em um contexto democrático e de maior
liberdade artística. Período em que os festivais de música independente começam a
se espalhar pelo Brasil trazendo propostas inovadoras tanto modo de se produzir
como de consumir arte, de certo modo convertendo os valores sociais em
econômico.
Acredito que isso se deu justamente por conta da diferente entre o modelo
competitivo e o de amostra. As formas de organização de cada um deles está ligada
ao objetivo de se fazer o festival. O competitivo geralmente financiado por algum
órgão público ou privado, com a finalidade de revelar um novo artista, enquanto o
festival de amostra funcional como uma vitrine, para a divulgação e venda do
trabalho de um músico.
Dessa forma do decorrer desta investigação, desenvolvi reflexões visando,
sobretudo responder aos questionamentos iniciais: a) Levando em consideração que
o Movimento Roraimeira surgiu dentro de um festival de música e tomando ele como
base para a discussão da nossa pesquisa, é possível afirmar que outros eventos, do
78

mesmo gênero, realizados no estado, também foram responsáveis por encabeçar


novos movimentos?; b) O Roraimeira sempre se apoiou na temática regionalista
para referenciar a sua arte. Se tratado de música, ainda é possível notar a difusão
desse mesmo tema entre os novos artistas da cena local? Assim propus uma
análise dos festivais relacionada ao Movimento Roraimeira, na tentativa de encontrar
outros movimentos a partir dos outros dois festivais aqui estudados.
Na primeira seção pude me dedicar a construir uma reflexão em torno da
discussão de cultura, a partir da conceituação da palavra, seguido do debate sobre
cultura na pós-modernidade, hibridismo e identidade cultural, para me auxiliar no
entendimento da cultura local e formação do povo roraimense.
Na segunda seção desta dissertação, pude compreender sobre a organização
dos movimentos sociais, bem como a sua atuação desenvolvida a partir de grupos
com objetivos em comum, de forma que todo movimento de caráter social também
pode configurar como cultural, a partir do estudo sobre a temática no Brasil e na
América Latina.
Já na terceira seção, o discurso percorreu pela relação entre o Festival de
Música de Roraima (Femur) e o Movimento Roraimeira. Nela pude compreender a
razão pela qual o movimento foi criado e posso afirmar que o festival foi
determinante, uma vez que reuniu os artistas em torno dele. Também pude notar,
que apesar de se definir como um movimento cultural, o Roraimeira levantava
pautas sociais importantes além da valorização indígena, tendo em vista que ia na
contramão da ideologia pregada pelo governo da época, se configurando então
também como um movimento de resistência, sobretudo, regionalista.
Na quarta seção levantamos uma reflexão sobre os festivais realizados pós
anos 2000, levando em consideração as inovações tecnológicas e todo o processo
de globalização que poderia influenciar nestes eventos. Descobrimos que apensar
dos novos tempos, modelos competitivos são mantidos e de também relevância para
a produção de arte local.
Na quinta e última seção fizemos uma análise em dois diferentes momentos,
a primeira sobre o Movimento Roraimeira, para o entendido da temática regionalista,
sua organização em torno de um coletivo e sua influência para a cultura local. Já na
segunda, fiz um comparativo entre os festivais Femur, Tomarrock e Canto Forte,
para apurar a relação entre os eventos.
79

No primeiro momento, por exemplo, notei que a ideologia regionalista


proposta no Roraimeira vem perdendo força. Como o próprio Zeca Preto (2019)
mencionou, a temática se mantem viva através dos artistas que participaram do
movimento e poucos artista de hoje não têm interesse pelo tema, possivelmente por
não se enquadrar aos padrões do mercado fonográfico atual, mas ainda assim
Roraima conta com grupos de jovens que reproduzem o regionalismo. Eliakin Rufino
(2019), acredita que abordagem de outros temas, não regionais, faz parte de um
processo de atualização do cenário musical que deve ser respeitado, até porque no
meu entendimento, independente do tema, a obra continuará sendo roraimeira,
tendo em vista que foi criada dentro do estado por um artista nativo.
No segundo momento da análise percebi que apesar de diferentes formatos,
abordagens e objetivos, os três têm o regionalismo em comum, ou seja, todos
buscam incentivar produção de música no estado, além do que a o desenvolvimento
da temática acaba sendo um processo natural dos artistas, principalmente nos
modelos competitivo como o Femur e o Canto Forte. Já o Tomarrock foca na
temática universal enquanto o seu regionalismo está contido no sujeito, ou seja, o
artista.
O estudo teve como proposta contribuir como a academia não limitando
novas discussões sobre o tema. Dessa forma não se pode negar que a realização
manifestações como os festivais de músicas contribuiu e continua contribuindo
significativamente para o crescimento cultural do estado como, também, econômico
e social, em virtude da capacidade de plural em reunir várias vertentes artísticas em
um único evento. Os recentes estudos sobre estes fenômenos nos fazem observar
que a partir deles é possível surgir grandes atores de transformação política e
também em vários outros âmbitos da sociedade, organizados em movimentos.
O Roraimeira adquiriu o seu status pois foi o único movimento, que se tem
registro, a reivindicar e demandar determinadas pautas socioculturais, e a conseguir
consolidar os seus ideais através das artes que ele pretendia transmitir desde o
começo. Dessa forma, alcançado o objetivo proposto, os representantes do
movimento reconhecem que é chegado momento de se reinventar e produzir coisas
novas distantes da temática do regionalismo, uma vez que ser regional é inerente a
cada indivíduo, logo, independente do tema, toda obra produzida em Roraima é
considerada arte regional.
80

Ao nosso entender, o Roraimeira adquiriu uma posição de corrente artística,


semelhante a uma vanguarda, podendo ou não ser adotada por algum artista no
modo de se produzir arte. Neste caso, percebemos que isso ocorre por parte de um
pequeno grupo da nova geração de artista, sendo assim, podemos considerar o
atual momento uma fase de ainda indefinida, ao passo de se aproximar cada vez
mais de uma temática universal e que facilita a comercialização da música enquanto
produto. Nesse sentido, o regionalismo deixa de ser protagonista na temática da
obra e assume o papel principal através do artista, por meio do sentimento de
pertencimento exercido pelo cantor ou compositor roraimense.
A partir disso, os novos festivais caracterizados como eventos festivos de
elaboração de uma “cultura globalizada” têm um papel fundamental na formação do
cidadão roraimense, tendo em vista a participação de pessoas de várias partes do
Brasil e do mundo. Além disso, a imigração e a entrada de venezuelanos no país,
bem como de outros imigrantes tende a ser crucial durante este processo. Enquanto
isso, ficamos a observar a fim de registrar outro momento tão importante para
história cultural de Roraima.
81

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