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LITERATURA NORTE-AMERICANA

PRIMEIRAS
MANIFESTAÇÕES DA
LITERATURA NORTE-
AMERICANA
Autoria: Ma. Anay Cardoso Miranda

Revisão técnica: Ma. Raquel Rossini Martins Cardoso


Introdução

Caro(a) estudante, você já ouviu falar sobre os povos colonizados e sobre a


fascinante saga dos americanos que habitam os Estados Unidos? Você sabia
que muito do que se conhece historicamente sobre esses povos foi expresso na
literatura? Desde a colonização do país até a Revolução Americana, muitos
foram os textos que demonstraram o espírito extremamente fiel e comprometido
dos habitantes locais com os valores religiosos e idealistas.

Nesta unidade, você irá compreender os aspectos mais peculiares a respeito da


literatura norte-americana a partir do povo americano, bem como poderá
identificar as características das obras dos primeiros períodos de produção
literária. Assim, como você verá, o período colonial e o revolucionário abrem uma
tradição de muitos escritos significativos, para os quais houve um olhar atento
quando os estados americanos se uniram e proclamaram a independência do
colonizador britânico. Com isso se fizeram muitas narrativas interessantes,
muitos poemas repletos de emoção e vastos documentos de diferentes ordens,
nos quais se imprimiu a vida desse povo nos séculos XVII e XVIII.

Ao final da unidade, você terá verificado os fatos acima mencionados, como


também poderá analisar a produção literária dos períodos descritos. Leia tudo
com muito interesse a fim de desbravar um território repleto de muitas histórias!
Bons estudos!

Tempo estimado de leitura: 44 minutos.

1.1 Primeiras manifestações da literatura norte-


americana

A colonização dos Estados Unidos, ocorrida no século XVII, revelou o


nascimento de uma tradição literária com a marca de um povo que lutou por
liberdade desde a Inglaterra. Nesse sentido, a literatura dos primeiros anos
daquele século manifestou a religiosidade e a devoção a Deus advindas do
puritanismo, que tomou conta dos fiéis britânicos que chegaram à América do
Norte. Esses peregrinos que vieram no Mayflower em 1620 enfrentaram muitas
adversidades antes de se consolidarem como colonos realmente motivados a
lutar para formar uma nação.

Assim, conforme você verá ao longo deste tópico, os primeiros autores da


literatura norte-americana compuseram documentos importantes de registros
políticos e pessoais a partir da fé puritana e do ideal de criar um novo mundo
com liberdade.

1.1.1 Introdução à literatura norte-americana


A história da América do Norte, um subcontinente onde se encontram o Canadá,
o México, a Groenlândia e os Estados Unidos, apresentou um quadro estrutural e
constituinte a partir de populações autóctones, que se mudaram para a região
em tempos remotos e iniciaram um processo de assentamento, e de
colonizadores de diferentes partes do planeta, em sua grande maioria vindos da
Europa. Dessa forma, não foi somente com o colonizador que se iniciou o
povoamento do território; muito pelo contrário: os primeiros europeus a
chegarem à América descobriram que havia nativos que habitavam o continente.

A esse respeito, quando surgiram na costa leste da América do Norte, local que
hoje conhecemos como os Estados Unidos, os primeiros colonizadores
britânicos verificaram que não estavam sozinhos, pois já havia muitos povos
indígenas habitando aquela região e, além disso, esses povos já mantinham, em
nível de oralidade, o repasse da tradição cultural de seus ancestrais para as
novas gerações.

Para Vanspanckeren (1995, p. 5), os povos que habitavam o território onde


aportaram os britânicos “[...] mantinham sua própria religião [...]. Os sistemas de
governo incluíam democracias, conselhos de anciãos e até teocracias. Essas
variações tribais aparecem também na literatura oral”. Portanto, a tradição
literária e a cultura dos Estados Unidos não iniciaram com a colonização, tendo
sido constituídas, na verdade, com os povos indígenas autóctones, com os
escravizados que chegaram com os europeus e até com os povos colonizadores
que em diferentes épocas contribuíram para a formação dessa nação.

Figura 1 - Selo comemorativo da chegada do Mayflower


Fonte: chrisdorney, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Imagem contendo um selo comemorativo da
chegada do Mayflower e dos pilgrims
(peregrinos) a Plymouth, no atual estado de
Massachusetts, Estados Unidos, no ano de 1620.
No selo, à esquerda, estão sete peregrinos,
sendo duas mulheres, dois homens, uma criança
e dois bebês de colo. À esquerda, está o
Mayflower, navio que aportou no país naquele
ano.

Embora a colonização dos Estados Unidos tenha sido marcada por povos
distintos, como pelos franceses, pelos holandeses e pelos espanhóis, a chegada
dos britânicos foi significativa porque estes saíram da Inglaterra para povoar as
colônias naquele Novo Mundo e para cultivar a liberdade de profetizar sua
religião. Por perseguição dos Reis James I e Charles I, alguns britânicos
decidiram partir de seu país natal para enfrentar, mesmo com adversidades, os
perigos do mar e o desconhecido em uma nova terra.

A seguir, observe a cronologia dos assentamentos britânicos nos Estados


Unidos.

Figura 2 - Cronologia dos assentamentos britânicos


Fonte: Elaborada pela autora, 2021.

#PraCegoVer
Esquema apresentando a cronologia dos
primeiros assentamentos estabelecidos nos
atuais Estados Unidos. Da esquerda para a
direita, constam o assentamento de Roanoke, de
1585; o assentamento de Jamestown, de 1607; e
o assentamento de Plymouth Colony, de 1620.

Cada um dos primeiros assentamentos teve uma história distinta. No


assentamento da Ilha Roanoke (1585), os colonos desapareceram ou sofreram
assimilação por povos indígenas, como indica Vanspanckeren (1995). O fato é
que não há registros suficientes que possam comprovar uma ou outra hipótese.
Já no caso do assentamento de Jamestown (1607), verificam-se registros
menos controversos, uma vez que o Capitão John Smith e seus antecessores
descreviam os fatos que se seguiam no assentamento, como a passagem do
cultivo de milho para a cultura de tabaco.

É dessa época também a conhecida história de Pocahontas, filha do chefe


Powhatan, que se casou com um dos colonos chamado John Rolfe em 1614,
convertendo-se ao catolicismo e favorecendo um tempo de paz entre indígenas
e colonos brancos. Finalmente, o assentamento dos peregrinos (pilgrims),
Plymouth Colony, foi o segundo mais importante após o de Jamestown, bem
como será realmente decisivo para constituição de uma produtiva parte da
história do povo americano.

1.2 Período colonial


A partir da concessão de fretamentos, empreendida desde 1606 pelo Rei James
I da Inglaterra, houve muitas viagens até o denominado Novo Mundo, o que
provocou uma crescente movimentação de pessoas e circulação de textos
escritos, fossem eles de ordem política ou literária, em seu sentido amplo e
restrito.

O chamado período colonial se estende, portanto, desde a chegada dos


primeiros colonos, efetivada pelas companhias Plymouth Company e London
Company, entre os séculos XVI, XVII e XVIII, até a Independência dos Estados
Unidos, idealizada por intelectuais que foram não apenas políticos, mas também,
em parte, literatos.

1.2.1 Literatura de exploração


Para compreender como se deu a produção literária nos Estados Unidos, ainda
em tempos em que não existia um país, é fundamental saber que antes da
chegada dos colonos pelo Mayflower (1620), eles haviam assinado, a caminho
do Novo Mundo, um documento denominado Mayflower compact, no qual se
estabelecia uma ordem governamental a fim de que todos que aportassem
estivessem cientes dos termos definidos por eles em viagem. Tal documento,
bem como inúmeros outros, participaram da constituição da literatura colonial,
produzida por homens e mulheres.

Assim, com o passar dos anos, outros escritos foram aparecendo com um tom,
inicialmente, de literatura de exploração, associada às impressões dos autores, e
de relatos pessoais, escritos em diários. Além disso, foram produzidos relatórios
de viagens empreendidas nas colônias ou mesmo relatos para celebrar a fé em
Deus ou para evidenciar a vida dos peregrinos puritanos.

VOCÊ SABIA?
O puritanismo se refere a um movimento de reforma da fé. Entre meados
do século XVI até o início do século XVII, os ingleses renovaram a crença
em Deus por meio de uma orientação Calvinista e pela devoção à Bíblia
Sagrada, considerando-a, muitas vezes, literalmente. A disciplina, a
conversão, a autorregulação, o zelo religioso e a veemência de uma
teocracia (poder político nas mãos da religião) puritana a fim de purificar
a Igreja inglesa foram decisivos para que o puritanismo se estabelecesse
entre grupos de religiosos que, frente a questões políticas, decidiram
praticar suas crenças e levá-las para o Novo Mundo.

Autores como John Smith (1580-1631) e William Bradford (1590-1657)


produziram uma literatura de propaganda como descrito por High (2000), no
sentido de que esses autores apresentavam fatos reais e, às vezes, fantasiosos
sobre o Novo Mundo. Foi por meio do legado de ambos que a produção artística
se confundiu com a produção cotidiana, posto que nesse período verificamos
uma escrita voltada para documentar, narrar e orientar sobre como era a vida
nas colônias.

1.2.2 A produção literária nas colônias da Nova Inglaterra


A produção escrita nas colônias da Nova Inglaterra (área nordeste) representou
um grande avanço para a constituição da literatura norte-americana. Tanto nos
relatos de John Smith — The general history of Virginia, A description of New
England e The summer isles, publicados juntos em 1624 — e de William Bradford
— que escreveu Of Plymouth plantation, em 1651, obra composta de diários
produzidos em um espaço de anos de observação e de vivências na colônia —,
como também na elaboração do Mayflower compact, demonstrou-se já a grande
força das colônias do norte, o que corrobora com o exposto por Vanspanckeren
(1995): muitos colonos que habitavam a região buscavam a instrução a ponto de
serem tão intelectualizados quanto os que viviam na própria Inglaterra.

Entretanto, não houve apenas homens a produzirem escritos na Nova Inglaterra.


Anne Bradstreet (1612-1672), inglesa, puritana e poeta, teve uma grande
importância para a literatura, deixando uma produção voltada ao amor a Deus e
ao marido e que versava, além disso, sobre sua vida pessoal. Um dos episódios
narrados por ela se refere ao incêndio ocorrido em sua casa:

And when I could no longer look,

I blest His grace that gave and took,

That laid my goods now in the dust.

Yea, so it was, and so 'twas just.

It was his own; it was not mine.

Far be it that I should repine.

(E quando eu não mais


conseguira olhar

Honrei Tua graça que me deu e


me tomou,

Que dispôs de meus bens ora


em cinzas.

Sim, assim se deu, e assim foi


justo.

Não era nem dele, não era nem


meu.

Longe de mim lamentar).

(BRADSTREET, 1666, on-line,


tradução nossa).

Muitos outros autores, citados por High (2000), trataram sobre New England,
sobre a vida religiosa do fiel, sobre a devoção às leis puritanas, sobre a teocracia
puritana e muito se escreveu, ainda, sobre a libertação por meio da fé
desatrelada à política ou que a fé estava ameaçada pela bruxaria e pela
superstição.

Nomes como John Winthrop (1587/8-1649), Edward Johnson (1598-1672),


Thomas Hooker (1586-1647), John Cotton (1585-1652), Roger Williams (1603-
1683), William Peen (1644-1718), Richard Mather (1596-1669), Cotton Mather
(1663-1728), Michael Wigglesworth (1631-1705) e Edward Taylor (1645-1729)
produziram diários (journals), declarações (statements), trabalhos completos
(works), livros religiosos (religious books) e sermões (sermons), nos quais foram
abordadas as temáticas anteriormente mencionadas em um espaço de tempo
de mais de cinquenta anos.

Nas produções das colônias, foram os sermões que se destacaram, em especial


nas colônias do norte. Já nas colônias do sul, como afirma High (2000), essas
produções tiveram um menor destaque. Isso porque nestas havia muito mais
interesse pelo trabalho agrícola, com grandes propriedades de terra e com um
grande número de trabalhadores escravizados.

VOCÊ O CONHECE?
Jonathan Edwards (1703-1758) foi um pregador, filósofo e missionário
puritano que, diferentemente de todos os autores anteriormente citados,
nasceu no Novo Mundo. Filho de religiosos fervorosos, o jovem Edwards
cursou a universidade muito cedo, passando em seguida a um mestrado
e, posteriormente, a ministrar aulas, juntamente com as atividades da vida
religiosa como pastor da Igreja Congregacional (de gerência autônoma e
independente). Foi por meio de sermões e de pregações que ele
participou de um movimento denominado The Great Awakening (O
Grande Despertar/Grande Avivamento, em português). Um dos sermões
mais famosos desse autor se chama Sinners in the hand of an angry God
(Pecadores nas mãos de um Deus irado, em português), de 1741, no qual
ele apresenta as imagens infernais a que o ser humano está sujeito
quando se afasta do amor e da disciplina de Deus.

Nesse contexto, foram também os sermões que alavancaram a propagação da


concepção puritana, ou seja, com o crescimento econômico das áreas
colonizadas, com o intenso fluxo de pessoas chegando e saindo, e,
evidentemente, com a criação dos núcleos de educação (como os colleges, a
exemplo do Harvard College, criado em 1638), a partir de 1636, as concepções
puritanas foram se fortalecendo. Contudo, é preciso observar que, por outro
lado, com todo esse crescimento, também se tornaram mais evidentes as
fragilidades dos sistemas religiosos, visto que as pessoas ficaram mais críticas
e passaram a identificar esses problemas com maior seguridade.

A crescente disseminação dos sermões e das pregações, muitas vezes


realizados ao ar livre, bem como a divisão crucial dos religiosos entre new lights
(de novas luzes, ou awakening, renovadores ou despertados) e old lights (de
velhas luzes), gerou, entre os anos de 1730 e 1740, uma liberdade de
proliferação de grupos religiosos. O movimento de avivamento fomentou a
popularização da fé cristã, o que permitiu que houvesse uma grande produção
escrita voltada à religião nas colônias do norte e do sul, definindo a literatura da
época como relativa à conversão do ser humano e da purificação deste frente ao
desenvolvimento da ciência e da política e economia do século XVIII.

TESTE SEUS CONHECIMENTOS


(ATIVIDADE NÃO PONTUADA)

“O grande modelo de escrita, fé e conduta era a Bíblia, numa tradução inglesa


autorizada já há muito desatualizada quando foi finalmente divulgada. A idade
da Bíblia, maior que da Igreja Romana, dava a ela autoridade aos olhos
puritanos. Os puritanos da Nova Inglaterra apegavam-se às histórias dos judeus
do Velho Testamento, crendo que eles, como os judeus, eram perseguidos por
sua fé, eram os únicos a conhecerem o Deus verdadeiro e eram os eleitos para
fundar a Nova Jerusalém – o paraíso na Terra. [...].  Os mundos coloniais tendem
a ser arcaicos e a Nova Inglaterra certamente não foi exceção. Seus puritanos
eram arcaicos por opção, convicção e circunstância”.
VANSPANCKEREN, K. Perfil da literatura americana. [S. l.]:
Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, 1994.
p. 10-11.

Considerando essas informações e seus estudos sobre o tema, analise as


asserções a seguir e a relação proposta entre elas.

I. Os puritanos criaram escritos, leis e formas de governo baseados na fé por seu


Criador.

PORQUE

II. Os puritanos sentiam que eram os eleitos para salvar o povo de Deus.

Agora, assinale a alternativa correta.

a) As asserções I e II são proposições falsas.

b) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma


proposição falsa.

c) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição


verdadeira.

d) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma


justificativa da I.

e) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é


uma justificativa da I.

VERIFICAR

Para os puritanos, era voluntário viver naquela terra distante, e a literatura norte-
americana manteve, em grande aspecto, no período colonial, a influência das
vitórias e derrotas desses fiéis, bem como suas vivências e suas convicções
impressas nas páginas produzidas por seres humanos de grande religiosidade. É
fundamental compreender também que os puritanos liam muito e que a
impressão de livros estrangeiros era permitida no Novo Mundo, desde 1630.
Porém, o que era lido passava por líderes que buscavam conduzir a leitura dos
habitantes das colônias.

Desse modo, tanto aqueles que eram denominados de pilgrims (peregrinos), que
chegaram a partir de 1620, quanto os puritanos que se instalaram na Baía de
Massachusetts, a partir de 1630, abraçaram uma vida rigorosa no Novo Mundo,
pois devido à grande apreensão pela qual passaram na terra natal, suas
inclinações agora demandavam tão pouco, e, ainda, embora houvesse grandes
adversidades, aos poucos, a vida nas colônias passou a ser mais aprazível.

VOCÊ QUER VER?


O filme As bruxas de Salém, inspirado na peça do teatrólogo americano
Arthur Miller (1915-2005), apresenta uma visão interessante e bem
retratada do período colonial. Ele revela como se deu o episódio de
Salém, em Massachusetts, no ano de 1692, quando jovens acusavam
pessoas de bruxaria em um tempo em que tal prática levaria à execução.
Foi um dos piores eventos registrados na história americana. O filme foi
dirigido por Nicholas Hytner e exibido em 1996. Vale a pena conferi-lo e
verificar fatos significativos a respeito dos puritanos e de sua vida nas
colônias, bem como sobre quais foram as circunstâncias que levaram aos
julgamentos por bruxaria naquele lugar.

Havia muitas peculiaridades no estilo de vida dos colonos do norte, do centro e


do sul, de modo que, com os passar das décadas do século XVIII, houve um
distanciamento de interesses. Nesse contexto, Vanspanckeren (1995) afirma
que, em alguns locais, o foco das produções recaiu sobre os padrões
aristocráticos britânicos do sul, parâmetros trabalhados na Europa, enquanto em
outras colônias escrevia-se sobre o trabalho duro, a devoção e a natureza.
Exemplos das escolhas distintas de temas podem ser observados em William
Byrd (1674-1744), autor que satirizou a vida na Nova Inglaterra, e em John
Woolman (1720-1772), habitante do norte que decidiu escrever seus ensaios
com temáticas contra a escravidão.

Essas peculiaridades, as inúmeras restrições impostas aos colonos, o regime de


imposição de taxas impagáveis e a difusão de ideias sobre o materialismo
mundano em contraposição à espiritualidade casta provocou a efervescência de
um ambiente propício para um processo de revolução e de independência,
conforme veremos com mais detalhes na sequência.

1.3 Período revolucionário

Nas últimas décadas do século XVIII, cresceu a revolta dos colonos contra o
colonizador britânico a ponto de provocar inúmeros episódios sangrentos. De
igual modo, os interesses distintos das colônias provocaram brigas internas, o
que também dificultava a luta contra os franceses e espanhóis que também
habitavam as regiões ocupadas pelos colonos. Assim, a coroa britânica enviou
mais efetivo militar para as áreas em conflito, aumentando ainda mais a
animosidade.

A partir de então, verifica-se um desafiador quadro estrutural que irá provocar a


iniciativa de homens de grande saber filosófico, político, econômico e
revolucionário para o bem não só de seus interesses pessoais, mas também
para a contemplação de uma nova realidade advinda da intolerância da presença
do colonizador.

1.3.1 O Iluminismo
Denominado American Enlightenment, o Iluminismo Americano se estendeu
pelos séculos XVII, XVIII e XIX e teve grande influência do Iluminismo Europeu,
em voga a partir do século XVII. Nesses séculos, houve ênfase à razão em
contraposição à fé cega, uma vez que as ideias de Isaac Newton (1643-1727) e
de John Locke (1632-1704) chegaram com grande energia nas colônias do sul e
do centro. Diferentemente do que ocorria nas colônias do norte, havia, no sul e
no centro, muito maior abertura para novos preceitos. Assim, a entrada dessas
ideias e dos ideais de liberdade já pensados por líderes intelectuais culminaram
em uma forte resistência à coroa britânica, pois já não se podia aceitar suas
imposições.

O Iluminismo Americano teve suas raízes nos colleges e em


universidades criadas nas colônias, a saber, King’s College,
The College of New Jersey, Harvard College, College of William
and Mary e University of Pennsylvania.

Seus principais representantes são chamados por muitos


autores de “os pais fundadores”, visto que basearam seus
escritos e críticas no aprofundamento da condição dos
moradores das colônias e iniciaram o processo de
independência do colonizador.

São considerados “pais fundadores” pensadores como John


Adams (1735-1826), Benjamin Franklin (1706-1790), Alexander
Hamilton (1755-1804), John Jay (1745-1829), Thomas
Jefferson (1743-1826), James Madison (1751-1836) e George
Washington (1732-1799).

Assim, as ideias de John Locke, relacionadas ao liberalismo, bem como as ideias


de John Adams, referentes ao republicanismo, edificaram as produções escritas
que conduziram os autores anteriormente mencionados a elaborarem a
Declaração de Independência (1776). Desse modo, ambos, cada um em seu
tempo e espaço — uma vez que John Locke era inglês e John Adams era
americano —, contribuíram para influenciar outros pensadores a imaginar a
liberdade e os direitos dos cidadãos.
Juntam-se também aos “pais fundadores” os iluministas Hector St. John de
Crèvecoeur (1735-1813) e Thomas Paine (1737-1809). O primeiro pintou uma
imagem importante de que todos os povos caberiam nas colônias, porque não
haveria um lugar de tanta diversidade cultural como a América do Norte. Já o
segundo, com sua produção panfletária, foi responsável por levar ao movimento
de independência o fervor da escrita de fato revolucionária. São dele as palavras
a seguir:

A autoridade da Grã-Bretanha
sobre esse continente é uma
forma de governo que mais
cedo ou mais tarde deve ter um
fim: e uma mente séria não
pode extrair qualquer prazer
verdadeiro em olhar para
frente, sob dolorosa e positiva
convicção que possa
denominar de “a presente
constituição” que é meramente
temporária (PAINE, 1776, on-line,
tradução nossa).

Entretanto, foi Benjamin Franklin quem mais se destacou, juntamente com


Thomas Jefferson, nesse período. Franklin foi inventor, filósofo e escritor, tendo
deixado ensaios voltados à disciplina e à rigidez da proposição, ou seja, à grande
resolução de o ser humano deixar a preguiça e a ignorância. Em termos literários
mais restritos, é em seu livro intitulado Autobiography (1791) que Franklin
apresentou razões para se tornar uma pessoa virtuosa, motivada, organizada e
participativa. Tal produção é considerada uma obra literária, pois se trata de um
relato autobiográfico, gênero da literatura assim como outras autobiografias que
se encontram descritas.

Thomas Jefferson, por sua vez, foi o grande responsável pela Declaração de
Independência dos Estados Unidos, região que a partir de então já pode ser
denominada como uma nação. Jefferson, ao escrever a declaração, deixou
aspectos literários muito definidos, relacionados a apelos emocionais,
demonstrando clareza e racionalidade, de modo a conferir ao documento uma
grande importância documental e artística.

Figura 3 - Benjamin Franklin (1706-1790) em uma imagem do experimento da pipa, realizado em 1752
Fonte: Everett Collection, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Ilustração colorida de Benjamin Franklin junto
de uma criança. Ambos estão à frente de uma
casa do campo e o céu está nublado. Franklin
empina uma pipa, ação que fez parte de seus
experimentos para a invenção do para-raios.

Embora a escrita política estivesse fortemente presente no período


revolucionário, também foi possível verificar, naquele momento, uma produção
literária na épica e na poesia. Entre os representantes da produção épica,
destaca-se a obra The conquest of Canaan (1785), de Timothy Dwight (1752-
1817), que traz, em uma narrativa poética, George Washington na figura de
Josué durante as empreitadas combativas. Também é possível mencionar Philip
Freneau (1752-1832), que produziu poemas sobre liberdade e fazendo menção a
ideias democráticas. Freneau ainda escreveu sobre a natureza e suas imagens
ora expressivas, ora líricas, demonstrando grande sensibilidade.

VOCÊ QUER LER?


Um documento muito importante para a literatura e para a história dos
Estados Unidos é a Declaração de Independência. Confira na íntegra esse
documento acessando o site National Archives (2021).

Acesse (https://www.archives.gov/founding-docs/declaration-transcript)

Com Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e Jonathan Edwards, verificamos a


verdadeira identidade de um povo que erigiu de uma produção religiosa e que
culminou em uma produção política madura e significativa para a constituição
de um país, que foi edificado, portanto, em alicerces construídos no decorrer de
poucos séculos. Foi particularmente por causa de suas iniciativas que esses
grandes homens definiram o espírito norte-americano.

1.3.2 A obra de ficção e a revolução americana


A ficção após a Independência dos Estados Unidos foi estruturada com
personagens que faziam parte de uma cultura mais representativa dos valores
norte-americanos, isto é, a inspiração, em grande parte, foi retirada das próprias
narrativas dos habitantes do país ou de suas superstições.

Charles Brockden Brown (1771-1810) foi um romancista americano que


escreveu muito em pouco tempo, muito provavelmente por questões financeiras.
É particularmente importante tratar de sua obra, visto que ela antecipa uma
escrita gótica que será muito característica do período romântico. Brown inseria
seus personagens em cenários típicos locais, oferecendo também um retrato da
cultura e das crenças do povo que habitou aquele país.

Outro autor significativo da cultura americana foi Washington Irving (1789-1859),


que como Brown procurou viver de seus escritos e trabalhar com o imaginário
americano para construir um universo ficcional muito voltado para as tradições
dos povos que se estabeleceram nos Estados Unidos, embora de tradições
europeias. São dele o conto Rip Van Winckle (1819) e a história do Cavaleiro sem
Cabeça, descrita em The legend of sleepy hollow (1820). Como afirma High
(2000), esta produção de Irving buscou o folclore germânico como inspiração.
Assim, relacionando-a com o trabalho de Brown, observa-se nesses textos, além
do cenário fantasioso, uma inclinação para descrições complexas dos
personagens.

Figura 4 - Rip Van Winkle, personagem de Washington Irving


Fonte: Kyle Tunis, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Estátua de Rip Van Winkle deitada em um
gramado. O personagem tem barbas longas e
usa chapéu.

A descrição fantasiosa de Irving vai determinar não apenas um gosto peculiar


sobre o gênero, mas também vai acrescentar à literatura do país uma
determinação típica da cultura americana: a ambientação de uma história
estrangeira aos lugares comuns do país, criando uma adaptação feliz e
apropriada para os leitores que viviam nos Estados Unidos no século XIX. Nesse
sentido, o material que Irving utilizou em sua obra foi em parte estrangeiro,
porém, revertido em uma espécie de composição arquitetônica e atmosférica
local.

Desse modo, personagens como Rip Van Winkle e o Cavaleiro sem Cabeça
trazem para a literatura norte-americana um empréstimo interessante da cultura
de outros países, nesse caso específico, da tradição alemã e da tradição
holandesa. Observe a seguir mais detalhes sobre esses dois personagens.

Rip van Winkle era um cidadão comum muito


conhecido, porém, por estar sempre à
disposição de todos, pouco se ajudava. Ao
ajudar um homem que passava no vilarejo, Rip é
presenteado com uma bebida; ao beber, ele
sente sono e então dá-se início ao fantástico: Rip
Rip van dorme por anos. Ao acordar, ele volta à vila e
Winkle
somente após falar com a filha, ele é
reconhecido. Nessa história, existe a referência
ao primeiro explorador daquela terra, Henry
Hudson, o qual descia de seu descanso para
caminhar novamente pelas terras de 20 em 20
anos.

O Cavaleiro sem Cabeça é uma entidade


atormentada com a perda da cabeça em uma
das batalhas da Guerra da Revolução. Nessa
guerra, um canhão atinge o Cavaleiro e a perda
da cabeça determina suas aparições, pois o
personagem está sempre à procura dela.
Cavaleiro Ischabod Crane, protagonista da história, tem a
sem Cabeça
função de entender e desvendar o mistério do
Cavaleiro. Ele é um homem da ciência e se
depara com algo realmente fantástico. Ao
confrontar a entidade, Crane desaparece, o que
faz com que os locais pensem que ele foi levado
pelo Cavaleiro, seu antagonista na história.

Washington Irving foi um dos primeiros autores americanos a viver de sua


produção escrita, pois naquele século havia um público ainda muito parco e
muitas obras estrangeiras ainda circulavam impressas nos Estados Unidos.
Além disso, foi somente naquele momento, com as novas leis comerciais e
autorais em vigor no país, que se começou a pensar em meios definitivos para
uma produção literária séria.
Figura 5 - Imagem do personagem de Washington Irving, presente em The legend of sleepy hollow<\i>
Fonte: HelloSSTK, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Ilustração do Cavaleiro sem Cabeça. Ao fundo,
está a Lua cheia ocupando boa parte da imagem.
À frente da Lua, no alto de uma colina, está o
Cavaleiro sem Cabeça, que veste uma capa e que
está montado em um cavalo. Finalmente, em
primeiro plano, estão lápides simulando um
cemitério. As cores da ilustração são
predominantemente escuras, à exceção da Lua,
bastante iluminada.

Se Irving contribuiu para a composição de uma cultura repleta de fantasia e


fazendo uso de adaptações, James Fenimore Cooper (1789-1851) trouxe para a
ficção a história e a leitura de como os povos indígenas americanos se
organizavam.

Leatherstocking tales

Na coleção intitulada Leatherstocking tales (1823), Cooper


escreveu romances que trataram dos índios e de um
personagem muito importante da cultura americana, também
conhecido na Europa, denominado Natty Bumppo.

Natty Bumppo

Bumppo era um personagem que vivia na fronteira e que


mantinha com os índios do Delaware uma relação muito
estreita, algo que frequentemente ocorria nos séculos XVIII e
XIX.

Daniel Boone

Para escrever as histórias sobre Natty Bumppo, Cooper se


utilizou de alguns traços de Daniel Boone, um homem que viveu
na floresta às margens do rio Cumberland. Ele também lutou na
Guerra Revolucionária Americana no período de 1775 a 1783.

Também é de Cooper um belíssimo romance intitulado The last of Mohicans


(1826). Nessa história, as filhas do coronel Munro, Alice e Cora, são levadas para
o Fort William Henry, porém, no caminho, elas são capturadas pelos Hurões,
povo feroz e combativo que faz resistência aos homens que transportam as
moças, entre eles Natty Bumppo e os índios Chingachgook, rivais dos Hurões.

Assim, na ficção de Cooper, existe a verossimilhança, característica muito


presente na literatura, uma vez que aproxima a realidade e a construção
ficcional. Além disso, sua produção também é um misto de historiografia e de
registro geográfico, pois a paisagem por ele retratada se confunde com a
história do país.

Figura 6 - Ilustração de Daniel Boone (1734-1820), que viveu no período colonial americano
Fonte: Everett Collection, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Ilustração de Daniel Boone. Na imagem, Boone
aparece em pé, com um pé em terra firme e com
outro em uma canoa, entrando nela. Ele segura
uma longa espingarda e olha para sua esquerda.
Ao fundo, há uma paisagem verde e árvores.

A psicologia, a história, a determinação e o imaginário são aspectos muito


presentes na ficção desse período. É nesse cenário que encontramos um
momento muito frutífero para compreender as raízes da produção artística e
literária locais, uma vez que os autores da passagem do século XVIII para o
século XIX compreenderam que viviam em um momento em que a composição
própria passava a ser cada vez mais valorizada. Além disso, é a partir desse
período que muitos leitores começaram a ser cativados não apenas em virtude
da identificação que tinham com os lugares onde as histórias eram
ambientadas, mas também passaram a considerar a qualidade da produção
escrita.

TESTE SEUS CONHECIMENTOS


(ATIVIDADE NÃO PONTUADA)

De acordo com High (2000, p. 35, tradução nossa), “Os índios de Cooper, mesmo
os ‘maus’, são quase sempre bravos. Em geral, ele divide os índios em dois tipos.
Seus índios ‘bons’ [...] são leais e afetuosos. Alguns críticos reclamam que eles
são muito bons e que Cooper diz que eles, erroneamente, são ‘nobres selvagens’.
Os ‘maus’ são cheios de maldade e não podem ser confiáveis [...]. Eles são uma
raça em extinção, sacrificada pelo avanço da cultura branca. Parece que Cooper
está querendo alertar toda a humanidade que esse poderia ser o destino de
outras raças”.

HIGH, P. An outline of american literature. Londres: Longman, 2000.

Considerando essas informações, sobre a ficção americana dos séculos XVIII e


XIX, analise as afirmativas a seguir.

I. As aventuras são narradas de acordo apenas com os fatos reais da história


dos Estados Unidos.

II. As histórias fantasiosas podem conter elementos estrangeiros que cooperam


para uma produção original.

III. Os personagens são típicos dos Estados Unidos e não permutam


características estrangeiras.

IV. Os cenários guardam surpresas em um misto de factual e ficcional, trazendo


ambos nas composições.

V. As produções eram idealizadas para conter somente personagens de fontes


históricas, uma vez que os leitores assim o sugeriam.

Está correto o que se afirma apenas em:

a) I e V.

b) II e IV.

c) II, III e IV.

d) I, II, III e V.

e) I, III, IV e V.

VERIFICAR

Diante desse contexto, por todos os fatores mencionados ao longo desta


unidade, bem como por haver, aos poucos, uma maior liberdade de produção, a
ficção dos séculos XVIII e XIX guarda muitas características específicas que só
poderão ser analisadas do ponto de vista da história, da geografia e da poética
dos Estados Unidos, ou seja, nenhum desses fatores poderá ser negligenciado
quando se verifica uma produção já se encaminhando para uma literatura
realmente própria.

VAMOS PRATICAR?

A partir das conquistas dos líderes do


movimento de independência das colônias, foi
possível descobrir que já havia no território
diferentes formas de produção literária. Diante
desse contexto, reflita sobre o processo de
constituição da nova nação e quais os tipos de
produção escrita que foram adotados.

CONCLUSÃO

A literatura norte-americana, posteriormente e popularmente reconhecida como


literatura americana, deu vida, ao longo de seu desenvolvimento, a uma série de
documentos, ensaios, artigos, poesias e narrativas que compõem um vasto
arquivo. Esse arquivo evidencia a relação dessa literatura com suas origens mais
distantes, expressando desde a viagem dos peregrinos ao Novo Mundo e a
inclinação fiel dos puritanos até a resolução dos revolucionários e a percepção
dos ficcionistas sobre o território local. Seu grande valor reside, assim, nos
aspectos históricos e culturais que traz em seu bojo.

Compreender essa literatura requer do leitor uma grande parcimônia, na medida


em que este deverá aceitar que ela foi esboçada por seres de sua época, que
trabalhavam e que se esforçavam em deixar registrado um pouco de sua vida e
de sua experiência. Por esse motivo, grandes obras foram compostas por seres
humanos letrados e por pessoas que contribuíram para consolidar a circulação
da economia e da política com o mesmo fervor com que desbravavam novas
terras para alçar voos de liberdade.

Nesta unidade, você teve a oportunidade de:


identificar os traços distintivos dos principais movimentos
literários norte-americanos;

compreender o contexto histórico dos períodos colonial e


revolucionário;

identificar e reconhecer as características das expressões


literárias dos períodos colonial e revolucionário;

analisar as obras de autores representativos dos períodos


colonial e revolucionário.

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Referências
BRADSTREET, A. Verses upon the Burning of our House, July 10th, 1666.
Poetry Fundation, Chicago, 2021. Disponível em:
https://www.poetryfoundation.org/poems/43707/verses-upon-the-
burning-of-our-house-july-10th-1666. Acesso em: 18 maio 2021.

BRUXAS de Salém. Direção de Nicholas Hytner. Los Angeles: 20th


Century Fox, 1996. 1 DVD (123 min), son., color.

DECLARATION of Independence: a transcription. National Archives,


College Park, 2021. Disponível em: https://www.archives.gov/founding-
docs/declaration-transcript (https://www.archives.gov/founding-
docs/declaration-transcript). Acesso em: 18 maio 2021.

HIGH, P. An outline of american literature. Londres: Longman, 2000.

PAINE, T. 1776: Paine, Common Sense (Pamphlet). Oll, Indianópolis, 2021.


Disponível em: https://oll.libertyfund.org/page/1776-paine-common-
sense-pamphlet (https://oll.libertyfund.org/page/1776-paine-common-
sense-pamphlet). Acesso em: 18 maio 2021.

VANSPANCKEREN, K. Perfil da literatura americana. [S. l.]: Departamento


de Estado dos Estados Unidos da América, 1994.

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