Seminário Teológico da Convenção Baptista de Angola/C.B.A – Huambo
Dezembro/2023 1. INTRODUÇÃO
Os últimos anos do século XVIII e os primeiros do XIX trouxeram
consigo uma série de mudanças políticas que sacudiram a Europa e o Hemisfério Ocidental. Em termos gerais, essas mudanças foram o resultado da convergência das novas ideias políticas a que nos referimos no volume anterior, com os interesses da pujante burguesia. Durante a segunda metade do século XVIII, tanto na França, quanto em todo o Hemisfério Ocidental, uma nova classe havia feito crescer o seu poder económico. Na França, tratava-se da burguesia, que havia conseguido maior notoriedade com o crescimento das cidades, do comércio e da indústria. No Hemisfério Ocidental, a nova riqueza devia-se principalmente à agricultura e ao comércio que resultava dela, e que deu origem a uma abastada classe crioula, que bem poderia chamar-se de nova aristocracia. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Os interesses dessa aristocracia, e os da burguesia francesa,
chocavam-se com os da velha aristocracia por nascimento. Na França, os burgueses, e por trás deles os artesãos e outras classes sociais mais baixas, viam boa parte do produto dos seus esforços acabar nas arcas da coroa e dos nobres, que esbanjavam o dinheiro em passatempos e diversões. No Novo Mundo, a aristocracia crioula, e junto com ela as classes mais baixas, suspeitavam das autoridades europeias, cujo interesse parecia ser enriquecer a velha aristocracia por nascimento, com base no produto de seus esforços. Por fim, esse choque de interesses levou à independência dos países americanos e à Revolução Francesa. Neste capítulo, trataremos da América do Norte, para no próximo abordarmos a França e depois a América Latina.
2.1. A INDEPENDÊNCIA DAS TREZE COLÔNIAS
Ao terminar o volume anterior, vimos como, por diversas vezes e
variados meios, os ingleses haviam estabelecido na costa atlântica da América do Norte uma série de colônias, e como vários acontecimentos haviam paulatinamente criado um certo sentimento de comunidade entre treze delas. Visto que embora durante o século XVIII, a Inglaterra passara por um período de grandes incertezas políticas recorde-se a revolução puritana e a de posição dos Estuardo - foi pouco o que ela quis ou pode fazer para impor a sua vontade e seus interesses às suas colónias ultramarinas. Por isso, essas colónias, algumas das quais haviam gozado, desde o princípio, de certo grau de autonomia, acostumaram-se a dirigir os seus próprios destinos, particularmente o seu comércio, não segundo os interesses da metrópole, mas segundo os delas próprias. Muitas das leis elaboradas na Inglaterra, para regular o comércio das colónias, cumpriam-se apenas pela metade, e outras eram simplesmente omitidas. Já no fim do século XVIII, o governo britânico começou a tomar medidas para governar as colónias de maneira mais direta, e a partir de então, os conflitos foram se tornando cada vez mais agudos. As principais causas de desavença foram três. Uma delas foi a presença de dezassete regimentos britânicos nas colónias. Posto que a defesa das colónias não parecia requerer contingente militar tão forte, muitos os viam como um instrumento de repressão nas mãos das autoridades britânicas e como uma ameaça às liberdades a que os colonos estavam acostumados. A presença desses regimentos foi uma das principais causas do segundo motivo de atrito: os impostos. As autoridades da metrópole determinaram que as colónias deviam cobrir uma parte substancial dos gastos com esses regimentos, assim como com outras funções do governo.
Com este propósito estabeleceram nas colônias uma série de impostos
que se tornaram altamente impopulares. Visto que na Inglaterra se aceitara, havia muito tempo, o princípio de que o lançamento de tributos devia ficar nas mãos de uma assembleia representativa (o parlamento), os colonos sentiam-se justificados em sua negativa de aceitar os impostos que a metrópole determinava sem lhes consultar. Por fim, a terceira causa de conflitos foi a questão das terras dos índios. Movidas por uma série de considerações tanto morais quanto de conveniência, as autoridades britânicas proibiram a ocupação de territórios localizados além dos montes Apalaches. Esta era uma iei impopular nas colônias, visto que muitos pobres desejavam estabelecer-se como agricultores nas terras que agora se encontravam vedadas, enquanto que entre a aristocracia existiam especuladores que haviam formado companhias para explorar esses territórios. De fato, vários dos capitães da independência dos Estados Unidos tinham inversões nessas companhias. Por todas estas causas, a tensão entre as colônias e a metrópole foi aumentando. A medidas cada vez mais severas, os colonos respondiam com uma desobediência cada vez mais obstinada. Em 1770, as tropas inglesas abriram fogo sobre uma multidão, em Boston, e cinco pessoas foram mortas. Diante das ameaças desses regimentos estrangeiros, as milícias coloniais se tornaram mais ativas e aumentaram o seu material de guerra. Em 1775, quando um contingente britânico se dispunha a destruir um arsenal colonial, a milícia ofereceu-lhe resistência, e com isso começou a Guerra da Independência norte-americana. No dia 4 de julho de 1776, mais de um ano depois de iniciadas as hostilidades, os delegados das trezes colônias, reunidos em um congresso continental em Filadélfia, proclamaram a sua independência da coroa britânica. Imediatamente, a França e a Espanha declararam-se aliadas da nova nação, enquanto que a Inglaterra pôde contar com o apoio de muitas tribos indígenas, que temiam que a independência daqueles estados unidos tivesse como consequência a sua destruição, como de fato aconteceu. Por fim, em 1782, chegou-se a um acordo provisório, confirmado no ano seguinte, no Tratado de Paris. Segundo os termos desse tratado, a Inglaterra reconhecia a independência dos Estados Unidos, cujo território se estendia até o Mississípi, e cedia a Flórida à Espanha.
2.2. SEGUNDO GRANDE AVIVAMENTO
No fim do século XVIII começou na Nova Inglaterra um Segundo Grande
Avivamento, semelhante ao primeiro, do qual tratamos nas últimas páginas do volume anterior. Contrariamente ao que se poderia pensar, este avivamento não se caracterizou por grandes explosões emotivas, mas o que sucedia era que, de modo inusitado, as pessoas começavam a encarar a sua fé com maior seriedade, reformando os seus costumes para se ajustarem melhor às exigências dessa fé. A assistência aos cultos aumentou notavelmente, e eram numerosas as pessoas que contavam experiências de conversão. A princípio, este avivamento também não teve os matizes anti-intelectuais que caracterizaram outros avivamentos. Pelo contrário, ele abriu caminho entre muitos dos mais notáveis teólogos da Nova Inglaterra, e logo um de seus principais pregadores se tornou o presidente da Universidade de Vale, Timothy Dwight, neto de Jonathan Edwards. Nessa universidade, e em muitos outros centros docentes, notou-se um grande despertamento religioso, que encontrava eco no resto da comunidade. Como resultado daquela primeira fase do avivamento, fundaram-se dezenas de sociedades com o propósito de difundir a mensagem do evangelho. Dentre elas, as mais importantes foram a Sociedade Bíblica Americana, fundada em 1816, ea Junta Americana de Comissionados para Missões Estrangeiras, fundada seis anos antes. Esta última foi o resultado de um compromisso mútuo que um grupo de estudantes havia feito alguns anos antes, quando, reunidos sobre um monte de feno, haviam decidido se dedicar às missões estrangeiras. Quando um dos missionários enviados por essa organização, Adoniram Judson, se tornou batista, os batistas norte-americanos sentiram-se chamados a deixar um pouco de lado o seu congregacionalismo e organizar uma convenção geral cujo propósito original era apoiar missionários batistas em outras partes do mundo. Com o fim de despertar a fé dos habitantes da comarca, aquele pastor anunciou uma grande assembleia de avivamento, ou "reunião de acampamento ". Ao chegar o dia marcado, dezenas de milhares de pessoas se congregaram. Em uma região em que eram poucas as oportunidades para reunir-se e festejar, o anúncio daquele pastor atraiu toda classe de pessoas. Muitos foram por motivos religiosos. Outros foram para jogar e embriagar-se. Possivelmente muitos nem sabiam ao certo por que estavam indo. Além do pastor presbiteriano do lugar, havia outros pregadores batistas e metodistas. Enquanto uns jogavam e outros bebiam, os pastores pregavam. Um inimigo do movimento chegou a dizer que em Cane Ridge se conceberam mais almas do que as que se salvaram. Inesperadamente, começaram a ocorrer inauditas expressões de emoção, pois uns choravam, outros riam, outros tremiam, alguns saíam correndo, enão faltavam pessoas que latiam.
2.3. O MANIFESTO" E A GUERRA COM O MÉXICO
Desde achegada dos "peregrinos" do Mayflower, existia a ideia de que
as colônias britânicas da América do Norte haviam sido fundadas com o auxílio divino, para cumprir uma missão providencial. Para muitos dos imigrantes posteriores, a América do Norte era uma terra prometida de abundância e liberdade. Para os porta-vozes da independência, era uma nova experiência que marcaria a pauta que o mundo deveria seguir, no caminho para a liberdade e o progresso. Frequentemente, tais ideias se entrelaçavam com ada superioridade do protestantismo sobre o catolicismo. Desde muito cedo, a Inglaterra sentiu que as suas colônias estavam sendo ameaçadas pelos católicos espanhóis ao sul, e pelos católicos franceses ao norte, e por isso considerava as suas colônias como um baluarte da causa protestante. A tudo isto se juntava uma atitude racista que considerava como fato provado que a raça branca era superior, e que servia para justificar tanto a escravidão dos negros quanto o roubo das terras dos índios. Embora tudo isto estivesse presente na história norte-americana, desde muito antes, em 1845 apareceu pela primeira vez a frase "destino manifesto", assinalado pela divina providência de guiar o resto do mundo nos caminhos do progresso e da liberdade. Embora em 1823 o presidente James Monroe tivesse proclamado a sua famosa doutrina de que os Estados Unidos não tolerariam novas incursões colonizadoras europeias no hemisfério ocidental, o "destino" dos Estados Unidos parecia ser particularmente "manifesto" no que se referia a esse hemisfério. À mesma época, o Ministro Plenipotenciário do México nos Estados Unidos havia notado que muitos norte-americanos estavam convencidos de que o resultado final das façanhas de independência hispano-americanas seria que boa parte do continente acabaria debaixo do poderio dos Estados Unidos.
2.4. DA GUERRA CIVIL À GUERRA MUNDIAL
Os anos que se seguiram à Guerra Civil testemunharam a complicação
ainda maior dos problemas econômicos e sociais das décadas anteriores. O Sul, convertido em colônia econômica do Norte, se entrincheirou em seu racismo e anti-Intelectualismo. No Norte, a imigração produziu um enorme aumento da população urbana, e as estruturas eclesiásticas semostraram cada vez menos capazes de responder adequadamente ao desafio dessa população ou ao de muitos negros procedentes do Sul, que chegavam em busca de melhores condições de vida. No Oeste continuou a pressão inexorável sobre as terras dos índios, e a população de origem espanhola estava sendo objeto de humilhação cada vez maior. Emmeio a tal diversidade, um dos elementos que contribuíam para unificar o país era a ideia de que este tinha um destino providencial para o bem do resto da humanidade. Em geral, esse destino era visto em termos de superioridade racial, religiosa e institucional, ou seja, da superioridade da raça anglo-saxônica, da fé protestante e do governo democrático. Assim, por exemplo, já nos fins do século, o secretário geral da Aliança Evangélica, Josiah Strong, declarava que Deus estava adestrando a raça anglo-saxônica para um grande momento, "a competição final entre as raças, para a qual a anglosaxônica está sendo preparada". Então essa raça, que representaria "a mais ampla liberdade, o cristianismo mais puro e amais elevada civilização", cumpriria o seu destino de desapossar as mais fracas, assimilar outras emoldar as demais, até que houvesse "anglosaxonizado a humanidade". E esses sentimentos, expressos por um dos chefes da ala conservadora do protestantismo norte-americano, eram semelhantes aos dos chefes do liberalismo, que sustentavam que o protestantismo e o direito de pensar livremente eram a grande contribuição das raças nórdicas, em comparação com o catolicismo e a tirania das raças do Sul da Europa, e que, portanto, os nórdicos tinham a responsabilidade de civilizar as raças mais "atrasadas" do resto do mundo. O protestantismo respondeu a esse desafio de diversos modos. Um deles foi a fundação de várias organizações que se distinguiram por seu trabalho nas cidades. Delas, as que mais os Estados Unidos-45 êxito tiveram foram as sociedades de jovens: a Young Men's Christian Association (YMCA; no Brasil, ACM) para rapazes e a Young Women's Christian Association (YWCA) para mulheres. Trazidas da Europa em meados do século XIX, essas instituições se distinguiram pelo modo como propiciavam vários serviços e programas, não somente religiosos, mas também de lazer e educação.
3. NOVAS RELIGIÕES
Um dos fenômenos mais notáveis da vida religiosa norte americana,
durante o século XIX, foi o aparecimento de vários movimentos de inspiração cristã, mas que, por suas práticas e doutrinas, foram, antes disso, novas religiões. Dos muitos grupos surgidos dessa forma, os mais notáveis são os dos mórmons, os Testemunhas de Jeová e a Ciência Cristã. Durante os anos da sua juventude, o fundador do mormonismo, Joseph Smith, pareceu ser um fracasso. Seus pais eram camponeses que haviam emigrado de Vermont para o estado de Nova Iorque, em busca de melhores condições econômicas, porém sem êxito. O jovem Joseph não tinha nenhum interesse nos trabalhos agrícolas, e dedicou-se a procurar tesouros ocultos, com base em supostas visões. Tais atividades ocasionaram-lhe conflitos com a lei, e em termos gerais o futuro profeta não era bem visto na comunidade. Então ele declarou que o "anjo Moroni" havia lhe aparecido, mostrando lhe uma coleção de placas de ouro, escritas em hieróglifos egípcios. Ademais, Moroni entregou-lhe duas "pedras de vidente" que lhe permitiram ler os hieróglifos. Escondido atrás de uma cortina, Smith dedicou-se a traduzir as placas em alta voz, enquanto que outras pessoas, do outro lado da cortina, escreviam o que ele ditava. Assim surgiu o Livro de Mórmon, publicado em 1830. No princípio do livro incluía-se o testemunho de várias pessoas que diziam ter visto as placas originais, antes de Smith declarar que Moroni as havia reclamado e levado de volta. No mesmo livro narrava-se a origem dos índios americanos, a partir da confusão de Babel. Depois de uma longa luta entre os índios bons e os maus, só dois restaram dos bons: Mórmon e seu filho Moroni. Estes dois esconderam as placas de ouro, até que Moroni, reaparecendo na forma de anjo, mostrou-as a Smith.
Os testemunhas de Jeová são resultado do modo como muitas pessoas
nos Estados Unidos começaram a ler a Bíblia onde esperavam encontrar chaves escondidas acerca dos tempos futuros e do fim do mundo. O seu fundador, Charles Taze Russell, foi também expressão do sentimento profundamente arraigado nas classes mais inferiores, contra a ordem política, econômica e religiosa. Por isso, ele declarou que os três grandes instrumentos de Satanás eram o governo, os negócios e as igrejas. Além disso, pronunciou- se contra a doutrina trinitariana e a da divindade de Jesus, e declarou que a sua segunda vinda havia tido lugar em1872, e que o fim ocorreria em 1914. O ano de 1914, embora tenha trazido a Primeira Guerra Mundial, não trouxe o esperado Armagedom, e Russell morreu dois anos depois. O seu sucessor foi Joseph F. Rutherford, mais conhecido como "o juiz Rutherford". Foi este que, em 1931, deu ao movimento o nome de "Testemunhas de Jeová", e o organizou na forma de uma grande máquina missionária e publicitária, ao mesmo tempo que reinterpretava as profecias de Russell, de acordo com os novos tempos. A partir de então, o movimento cresceu rapidamente em diversas partes do mundo. A Ciência Cristã é a principal expressão norte- americana de uma grande tradição religiosa que temos encontrado em vários pontos da presente História, ao abordar o gnosticismo, o maniqueísmo e o espiritualismo de Swedenborg. Em termos gerais, esta tradição afirma que o mundo material é, ou imaginário ou de importância secundária; que o propósito da vida humana está em viver em harmonia com o Espírito universal; e que as Escrituras devem ser interpretadas com base em uma chave espiritual, geralmente desconhecida pelos cristãos comuns.
Em 1879, fundou-se oficialmente a Igreja Científica de Cristo, que logo
congregou adeptos em diversas partes do país, e dois anos depois Mary Baker fundou em Boston um "Colégio Metafísico" onde se adestravam os "praticantes" (e não "pastores") da nova fé. Mary Baker Eddy dedicou-se então, a centralizar cada vez mais o governo da Igreja Científica de Cristo. A de Boston foi declarada "Igreja Mãe", à qual deviam pertencer todos os que verdadeiramente quisessem ser membros da Igreja Científica de Cristo. Ao mesmo tempo, tomaram-se algumas medidas para evitar que se introduzissem mudanças doutrinárias no movimento. Mary Baker Eddy declarou que a segunda vinda de Cristo havia acontecido na inspiração divina que atinha dirigido a escrever o seu livro. Para evitar qualquer desvio doutrinário, os sermões foram proibidos, sendo substituídos pela leitura alternada de textos selecionados da Bíblia e do livro de Eddy, "a fim de que não se misturem erros humanos com a doutrina divinamente inspirada". Esses textos, selecionados e ordenados por Mary Baker Eddy, são lidos até odia de hoje no culto da Igreja Científica de Cristo, alternadamente, por um homem e uma mulher, pois as mulheres tiveram sempre lugar de destaque no movimento.