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13 COLÔNIAS
INGLESAS NA AMÉRICA DO NORTE
História das sociedades americanas /Rubim Santos Leão de Aquino, Nivaldo Jesus
Autogoverno e tolerância religiosa. A tolerância religiosa e o autogoverno são
as duas características complementares que marcaram o povoamento inglês na
América do Norte.
Tendo experimentado na metrópole a perseguição por motivos religiosos, os que
buscaram a América tinham em mente viver de acordo com sua consciência
religiosa. Pretendiam fazer da América sua morada definitiva, ao contrário dos
portugueses e espanhóis, que encaravam sua estadia aqui como temporária e
lucrativa. Diferiam ainda num outro ponto: não vieram imbuídos da ideia
missionária que caracterizou, ao menos no início, o povoamento ibérico.
Mesmo os católicos ingleses que se instalaram em Maryland, por terem sofrido
perseguições na Inglaterra, eram favoráveis à tolerância religiosa. Lá, uma lei que
dispunha sobre assuntos religiosos (Act concerning religion), afirmava:
"... Considerando que a imposição da consciência em matéria de religião se
verificou frequentemente de perigosa consequência nas comunidades em que foi
aplicada (...) fica, pois, estabelecido (...) que nenhuma pessoa ou pessoas nesta
Província (...) que professam crer em Jesus Cristo serão doravante de modo
algum perturbados, molestados ou incomodados em sua prática religiosa nem seu
exercício da mesma nesta Província (...) nem de nenhuma maneira constrangidos
a confessar ou exercer qualquer outra religião contra seu consentimento (...)"
Outro exemplo, William Penn procurou fazer da Pensilvânia o refúgio dos
quacre. A cidade que fundou para esse fim foi batizada de Filadélfia, que
significa "cidade do amor fraternal". Teve ainda o cuidado de redigir leis -
conhecidas como Great Law - que garantiam a liberdade de escolha e de prática
religiosa, o direito de voto para os que pagassem impostos e o acesso aos cargos
eletivos e funções públicas a todos os cristãos.
Tais princípios vigoraram, em maior ou menor grau, em todas as colônias.
A relação com os indígenas. Com a chegada dos ingleses, teve início a guerra
contra os índios, que perdurou por 250 anos.
Na Virgínia, os povoadores estavam rodeados por uma federação das tribos
Powhatan, com as quais viveram em relativa paz até 1618. A partir dessa data,
com a ascensão do novo chefe Opechancano, eclode uma longa guerra que só
terminará em 1643, com a captura e execução de Opechancano.
Na Nova Inglaterra, após uma tentativa infrutífera de desalojar os ingleses, os
Pequot são finalmente derrotados em 1637, por não terem conseguido a
pretendida aliança com a tribo dos Narraganset - que permaneceram neutros
graças à influência de Roger Williams.
À medida que chegavam novos povoadores, a pressão inglesa sobre os índios
aumentava. Deixando de lado as rivalidades tribais, os indígenas uniram-se para
enfrentar a invasão dos brancos. Daí resultaram três grandes guerras: a guerra do
rei Filipe (1675-76) na Nova Inglaterra, a guerra dos Tuscarora (1711-12) na
Carolina do Norte e a guerra dos Yamasse (1714-15). Rei Filipe era o nome dado
pelos ingleses ao chefe dos Wampanoag, cujo nome verdadeiro era Metacomet.
Mas, nem todo núcleo de povoadores hostilizava os índios. Roger Williams
(Rhode Island), por exemplo, estabeleceu relações pacíficas com os Narraganset.
Na Pensilvânia, os seguidores da religião adotaram o hábito de comprar as terras
aos índios e chegaram, inclusive, a constituir um conselho partidário - isto é, com
igual número de representantes índios e brancos - para resolver os litígios.
Fonte: História das sociedades modernas às sociedades atuais /Rubim Santos Leão
de Aquino [at al.] – 3ª ed. rev. e atualizada. – Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,
1988.
Estruturas da colonização inglesa. O mapa na folha anterior, indicado pelo
historiador francês Frédéric Mauro, mostra o quanto se desenvolveram as
colônias do Norte e do Centro, fora da restrição metropolitana, típica da
colonização mercantilista. Disso resultou uma forma peculiar de colonização.
Enquanto as colônias ibéricas e as do sul dos Estados Unidos são de exploração,
as colônias inglesas do norte e do centro são de povoamento. Portanto, as
diferenças são de estrutura e de funcionamento.
A explicação não está no grau de bondade do colonizador inglês e na maldade do
colonizador ibérico. É preciso analisar a metrópole inglesa no momento da
colonização, ou seja, as sucessivas crises político-religiosas que caracterizavam a
intolerância religiosa do absolutismo inglês. Essa atitude buscava reafirmar a
unidade de crença, tão preciosa ao poder do Estado absolutista. Também fazia
parte desse quadro, o processo de cercamento de terras que levou à emigração de
ingleses cujo objetivo era recomeçar uma vida nova, sem perseguições, como
uma continuidade da Inglaterra.
Outro fator que não pode ser esquecido é o interesse inglês no Oriente. A
Inglaterra, no começo do século XVII, estava muito interessada em conseguir
privilégios e lucros no comércio oriental. Ora, o controle desse comércio vinha
sofrendo mudanças. O pioneirismo ibérico cedeu lugar aos avanços ingleses,
holandeses e franceses no sentido de garantir privilégios de compra e venda dos
"produtos exóticos" (especiarias), tão lucrativos no Ocidente. A crise desse
comércio do Oriente para os ibéricos representava a abertura de promissoras
fontes de lucro, especialmente aos ingleses. Assim, o "olhar" do Estado inglês, ao
que parece, estava voltado para o Oriente, minimizando o significado da
ocupação e do povoamento de suas colônias na América por perseguidos
religiosos e indivíduos sem posses.
A colonização inglesa na Nova Inglaterra promoveu o que se convencionou
chamar de colônias de povoamento, as quais, nos termos característicos do
sistema colonial mercantilista, podem ser consideradas como atípicas. Toda a sua
organização econômica não está montada, como já vimos, em função dos
interesses da metrópole, ou seja, não se constituiu como economia
complementar. Sua estrutura é baseada na pequena propriedade; o trabalho é livre
e assalariado; a técnica tende a desenvolver-se, pois não há o bloqueio da
escravidão e a policultura garante a diversificação dos produtos. Assim, seu
funcionamento não está atrelado ao mercado externo, de modo que o mercado
interno pode crescer, garantindo maior estabilidade.
O comércio triangular permite relações econômicas com outras colônias inglesas.
O trabalho livre, atenua as diferenças sociais e favorece a formação de uma
classe média que amortece os choques inevitáveis entre a classe dominante e a
classe não-proprietária.
Politicamente, há mais autonomia. O autogoverno (self-government) elimina a
ação direta da metrópole, permitindo a movimentação partidária e possibilitando
o aparecimento de lideranças locais.
As colônias de exploração, ao contrário, podem ser consideradas típicas da
colonização mercantilista europeia. Sua estrutura baseia-se na grande
propriedade, no trabalho escravo, na monocultura, na produção em larga escala
com uma técnica rudimentar. O crescimento fica comprometido pela implantação
do trabalho escravo.
As diferenças sociais são imensas, pois, neste caso, a sociedade divide-se
simplesmente entre proprietários e não proprietários, existindo uma "camada
flutuante", segundo Caio Prado Jr., pouco densa, que não amortece os conflitos.
Politicamente, as colônias de exploração estão atreladas fortemente as suas
metrópoles. Leis e representantes diretos da Coroa garantem o total domínio
político do Estado metropolitano, marginalizando a todos, inclusive as classes
dominantes locais, que enriquecidas, querem abrir seu espaço político - o que
significaria romper com a metrópole. O mercado externo é o grande regulador
dessa estrutura, que funciona de acordo com os interesses da metrópole.
São gritantes as diferenças entre as colônias de povoamento e as colônias de
exploração. Certamente, aí estão as raízes profundas de caminhos tão desiguais
dos Estados Unidos e da América Latina.
Atual 1992