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REPÚBLICA DO ANO II
(...) As aspirações sociais populares tornaram-se precisas através das lutas reivindicadoras. Em
1793, reclamou-se o maximum dos cereais a fim de se harmonizar o preço do pão com os
salários, isto é, a fim de permitir viver o sans-culotte: o direito à existência foi invocado como
um argumento de apoio. Qual seria ele? Corresponderia à pequena propriedade artesanal e
comercial: “Que ninguém possa ter mais que uma oficina, mais que uma loja.” Estas medidas
radicais “fariam desaparecer pouco a pouco a imensa desigualdade das fortunas e crescer o
número dos proprietários”. Em nenhum outro momento da Revolução se encontra uma
formulação tão nítida do ideal social popular: ideal à medida dos artesãos e dos lojistas que
formavam os quadros da sans-culotterie. Ideal ainda à medida da massa dos consumidores e
dos pequenos produtores urbanos, hostis ao mesmo tempo a todos os vendedores diretos ou
indiretos de subsistências e a todos os empresários cujas iniciativas capitalistas ameaçavam
reduzi-los à categoria de trabalhadores assalariados dependentes. Ideal enfim, que, no seu
desejo de limitar as consequências da propriedade privada, conservando-a, se opunha
fundamentalmente ao da burguesia que conduzia a Revolução.
(...) A economia dirigida instaurada no outono de 1793 sob a pressão das massas correspondia,
no espírito dos governantes, menos a uma concepção teórica da organização social que às
exigências da defesa nacional: tratava-se de alimentar, de equipar, de armar os homens do
levante em massa, de reabastecer as populações das cidades, no momento em que o comércio
externo estava detido em virtude do bloqueio e a França parecia uma praça sitiada.
Mas, a Montanha deu enfim satisfação aos camponeses pela abolição definitiva, sem
indenização, de todos os direitos senhoriais. O decreto de 1793 impede os proprietários de
exigirem dos arrendatários e dos meeiros qualquer prestação de substituição (mas em que
medida foi ele aplicado?).
O ponto culminante dessa política, que tendia para a criação de uma nação de pequenos
proprietários, foi constituído pelos decretos de 8 e de 13 de ventoso, ano II (26 de fevereiro e 3
de março de 1794), que despojava os suspeitos de seus bens (“Aquele que se revela inimigo de
seu país não pode ser nele proprietário”, de acordo com Saint-Just), a fim de transferi-los aos
patriotas indigentes. Não se tratava aí do “programa de uma revolução nova” mas, de uma
medida política e social que se inscrevia na linha da revolução burguesa: o confisco não foi
jamais senão um meio de luta contra a aristocracia, o acesso à propriedade um fator de
consolidação social.
3 – A impossível República igualitária
1. Parada e declínio do movimento popular (primavera de 1794) – No fim do inverno do ano II,
os traços da revolução que se vinham delineando desde o estabelecimento do Governo
revolucionário enrijeceram. Enquanto a regulamentação, a taxação e a direção da economia,
exigidas pelos sans-culottes, combatidas pelos proprietários, asseguravam penosamente, à
exceção do pão, o abastecimento da população parisiense, as necessidades da defesa nacional,
como uma concepção burguesa do poder político, arrastavam mais e mais o Governo
revolucionário a garantir-se da obediência passiva das organizações populares e a reduzir a
democracia sans-culotte à medida jacobina.
(...) Não podemos esquecer que a Revolução Francesa foi, essencialmente, uma luta do
conjunto do Terceiro Estado contra a aristocracia europeia. Nessa luta, a burguesia comandava.
No essencial, ódio à aristocracia e vontade de vencer, os sans-culottes concordavam com a
burguesia revolucionária.
(...) Os antagonismos entre a ditadura jacobina e o movimento popular não eram os únicos em
causa: as contradições próprias à sans-culotterie transportavam em germe a ruína do sistema
do ano II. Os Sans-Culottes não constituíam uma classe, nem seu movimento um partido de
classe. Artesãos e lojistas, companheiros e jornaleiros formaram, com uma minoria burguesa,
uma coalizão que exibiu contra a aristocracia uma força irresistível. Mas, no interior dessa
coalizão, afirmou-se a oposição entre os que, sendo artesãos e lojistas, viviam do lucro auferido
da propriedade privada dos meios de produção, e os que, companheiros e jornaleiros, só
dispunham do salário. As necessidades da Revolução tinham soldado por um momento a
unidade da sans-culotterie e rejeitado para um segundo plano os conflitos de interesses que
atiçavam seus diversos elementos, mas não podiam suprimi-los. De recrutamento
heterogêneo, os sans-culottes não tinham nenhuma consciência de classe. Afirmavam em geral
sua hostilidade ao capitalismo mas não o faziam pelos mesmos motivos. O artesão recusava
ver-se conduzido pelo assalariado; o companheiro execrava o açambarcador que lhe encarecia
a vida. Assalariados, os companheiros, entretanto, não possuíam nenhuma consciência social
própria: sua mentalidade estava de preferência modelada pelo artesanato, não tendo a
concentração capitalista ainda despertado o sentido de solidariedade de classe. Tinham apenas
uma certa noção de sua unidade assinada por suas ocupações manuais, por suas vestes e por
seu gênero de vida. Também a falta de instrução, que engendrava nas fileiras populares um
sentimento de inferioridade e, por vezes, de impotência: quando os homens de talento da
pequena burguesia vieram a faltar à sans-culotterie, esta se perdeu.
A marcha da história, em sua dialética mesmo, explica ainda o malogro da tentativa do ano II.
Cinco anos de lutas revolucionárias constantes consumiram os melhores e arrebataram, com o
tempo, ao movimento popular o seu vigor e a sua vivacidade, enquanto a grande esperança
sempre adiada desmobilizava pouco a pouco as massas.
(...) Ao mesmo tempo, a sans-culotterie vira desfazerem-se seus quadros, pelo próprio efeito
do triunfo popular na primavera e no decurso do verão de 1793: inúmeros militantes, sem
obtenção de um posto como uma legítima recompensa de sua atividade. A eficiência do
Governo revolucionário era feita, de resto, a este preço. No outono de 1793, as administrações
foram depuradas e povoadas de bons sans-culottes. Apareceu então um novo conformismo
ilustrado pelo exemplo dos comissários revolucionários das seções parisienses, na origem o
elemento mais popular e mais combativo do novo pessoal político. Sua condição e o sucesso
mesmo de sua tarefa exigiam que fossem assalariados: durante o ano II, esses militantes
secionários se transformaram em funcionários, tanto mais dóceis às ordens do governo porque
podiam recear perder as vantagens adquiridas. O poder revolucionário achou-se reforçado.
Mas resultou daí um enfraquecimento do movimento popular e uma alteração de suas
relações com o governo. A atividade política das organizações secionárias se encontrou freada,
a democracia debilitada. O processo de burocratização acarretou gradualmente a paralisia do
espírito crítico e da combatividade política das massas. Afirmou-se, finalmente, um
amolecimento do controle sobre o aparelho governamental, cujas tendências autoritárias se
reforçaram. Os robespierristas assistiram impotentes a esta evolução.