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CIDADE E UTOPIA

Sociologia Urbana
Fátima Rodrigues
A cidade industrial

Século XVIII – impulso extraordinário do processo de urbanização na


Europa

- Em 1700 = 13 milhões de habitantes;


- 1910 = 127 milhões de habitantes;
- Taxa de urbanização cresceu de 12 para 41%
Transformações das cidades

■ As cidades que mais cresceram foram aquelas onde se


acumulava o capital para o desenvolvimento industrial;
■ Os núcleos urbanos que tinham sido o centro de anteriores
imperios (Granada), as capitais dos impérios marítimos (Lisboa
Palermo, Amesterdão) e os portos anteriormente estratégicos
para os intercambios mercantis (Sevilla, Nápoles) foram
perdendo peso.
■ Ao mesmo tempo, Londres e Paris, centros políticos e económicos
das maiores potencias mundiais do século XX, consolidaram o
seu crescimento graças à sua participação activa no mercado
mundial e um imparável desenvolvimento industrial urbano.
■ Surgem novos centros urbanos importantes como Berlím, São
Petesburgo ou Tokio.
causas

- Concentração do poder e das instituições políticas, económicas,


governamentais e religiosas;
- Aumento do poder económico;
- Revolução industrial

- Cidades que acumulam capital para o desenvolvimento industrial,


que concentram poderes políticos e económicos (Paris, Londres)

- As cidades que mais crescem = são as manufactureiras/industriais


(Chicago, Manchester etc-)

- Crescimento indissociável dos avanços técnicos e da implantação das


industrias os quais são responsáveis pela configuração de um novo
tipo de ocupação do território
Revolução industrial lançou as bases para a
criação de amplas regiões produtivas de
caráter nitidamente urbano;

Amplos territórios de especialização produtiva,


concentração de capital e de infraestruturas,
crescimento exponencial da população –
espaços urbanos que protagonizariam
posteriormente os principais processos de
urbanização metropolitana durante o século
XX.
A CIDADE INDUSTRIAL
E O DISCURSO ANTI-URBANO
A cidade industrial
e o discurso anti-urbano
■ Aumento da população
■ problemas de saúde (cólera no século XIX)
■ À medida que cidades crescem e se tornam mais densas
desenvolve-se um pensamento que entende a saúde como
uma necessidade colectiva.
■ As epidemias de cólera, que teriam lugar no século XIX na
maioria dos centros urbanos, serão o cavalo de batalha deste
discurso que entende a cidade como um lugar de doença e
de morte.
Cidade (séc. XIX)
- Entendida como antítese do rural enquanto
lugar de harmonia entre sociedade e
natureza; idealização do campo;
- Cidade como lugar de doença e de morte;
- Associada a uma série de estereótipos que
originam uma ideologia anti-urbana que se vai
prolongar nos primeiros anos do século XX;
- Idealização do campo (lugar idílico).
Ideologia anti-urbana (XIX-XX)

- Cidade lugar de progresso individual a


par de idealização do mundo/vida
rural;
- Afirmação da cultura urbana a par da
promoção do campo como lugar idílico
oposto à nova realidade produtiva da
manufactura e da produção industrial;
- Cidade como lugar de dissolução de
vínculos morais entre indivíduos.
Ideologia anti-urbana (XIX-XX)

- Higienistas produzem um discurso


unitário sobre a cidade: a higiene
- Produto de 4 devastadoras
epidemias de cólera na Europa do
século XIX;
- Densidade e mortalidade como
atributos urbanos (conceção
ambientalista da medicina)
Discurso anti-urbano

■ Cólera: propagava-se a muita mais velocidade chegando a


afectar cidades diferentes em poucas semanas;
■ Médicos higienistas: serão assim os primeiros gestores do
urbano (um dos principais problemas do urbano: a morte)
■ 4 devastadoras epidemias de cólera em cidades europeias
no século XIX (anos 20, 40, 60 e 80)
Discurso anti-urbano
■ Cidade considerada como um lugar de dissolução dos vínculos morais
entre indivíduos.

■ Dilema do poder urbano por um lado, a cidade era necessária para


garantir as condições de acumulação próprias do capitalismo
industrial – concentração da força de trabalho, de meios de produção
e de infraestruturas de transporte – por outro, a moral tradicional em
suas diversas versões – ilustrada, vitoriana ou burguesa – deverá
garantir a estabilidade num momento de intensos conflitos
económicos, sociais e culturais.
■ A solução a este dilema foi a invenção da natureza; isto é a enfase na
contradição entre natureza e cultura, entre campo e cidade, entre
cultura rural e cultura urbana.
Médicos higienistas – cartografias
▪ Alterações do meio ambiente estão na origem de doenças
infeciosas;
▪ detectam lugares, na cidade e suas proximidades
especialmente nocivos;
▪ Associam qualidades diferenciadas a diferentes áreas em
função da qualidade do ar (bairros periféricos, plantas baixas,
sótãos considerados espaços de maior risco de doenças)
▪ Equilíbrio da saúde é afetado por fatores externos como por
exemplo a qualidade e a composição do ar; a necessidade de
circulação do ar explica políticas urbanas comuns naquela
época, tais como a dissecação de pântanos , extensão da
cidade com casas maiores e mais janelas assim como
disposição que lhe garantia circulação do ar.
Explosão das formas urbanas
Cidades crescem, explodem, fragmentam-se em formas diversas e
novas

Industrialização
novos centros fabris, junto de matérias primas e junto a grandes
aglomerados urbanos

Problemas
A grande concentração de população, a falta de higiene, as
deficientes condições de vida do operariado, geram um clima de
revolução social e a busca de alternativas à cidade existente
Soluções
▪ Ventiladores em hospitais e prisões;
▪ Portas e janelas maiores para melhorar
circulação do ar;
▪ Esgotos;
▪ Vários estudos que cartografam cidades de
acordo com seus problemas associados à
industrialização, doenças, mortalidade etc.;
▪ E emergem utopias: cidades ideais
Plano de Cerdá para Barcelona
datado de 1859
Emergem Utopias Urbanas
Utopia
Origem e significado

Obra de Tomas Morus ,


1516

Sobre o Melhor Estado de


uma República que Existe
na Nova Ilha Utopia
Utopia ■

U: é um advérbio de negação;
Tópos: significa lugar,

■ Utopia refere-se a um "Não lugar“; um


lugar que não existe, lugar nenhum.

■ Com o termo Utopia o pensador batizou a


Palavra de origem Grega sua sociedade perfeita. A partir dessa
obra, a palavra "utopia" tornou-se
sinônimo de uma sociedade ideal,
embora de existência impossível, ou uma
ideia generosa, porém, impraticável.
UTOPIA

Significado mais comum: ideia de civilização ideal, fantástica,


imaginária; sistema ou plano que parece irrealizável;

No sentido geral
usado para denominar construções imaginárias de
sociedades perfeitas, de acordo com os princípios filosóficos de
seus idealizadores.

No sentido mais limitado


significa toda doutrina social que aspira a uma transformação
da ordem social existente, de acordo com os interesses de
determinados grupos ou classes sociais.
Pensamento utópico aplicado à cidade

Alteração do desenho Criação de um novo tipo


da cidade de sociedade
Utopias urbanas
Seguindo a tradição do pensamento utópico, surgem no século XIX, uma
multiplicidade de propostas de cidades ideais:

■ algumas inspiradas no ideário anarquista ou comunista – como algumas


versões comunais da ideia de cidade-jardim;
■ Outras decorrentes dos ideias filantrópicos resultantes da moral vitoriana
– como os projetos de Robert Owen que procuravam conciliar trabalho
agrícola e industrial em cidades de dimensão reduzida;
■ Outras de inspiração claramente religiosa, como ocorreu com as mais de
800 comunidades utópicas criadas nos Estados Unidos no último terço
do século XIX, algumas das quais ainda existem como a cidade mórmon
de Salt Lake City
■ Todas estas variantes do pensamento utópico, aplicado à ideia de
cidade ideal, têm em comum o facto de que a mudança no desenho da
cidade é entendida como necessária para a criação de um novo tipo de
sociedade.

■ De toda esta tradição de pensamento urbano destacam-se também


propostas pensadas não propriamente com o objetivo de mudar a
cidade para, com ela, transformar a estrutura social, mas algumas cuja
ambição era garantir um espaço urbano mais eficiente capaz de
assegurar o desenvolvimento industrial com a disponibilidade de
espaços urbanos salubres e, sobretudo, bem comunicados.

■ A sedução que os meios de transporte exerceram nestes projetos é um


denominador comum.
■ Entre estes tipos de propostas utópicas destacam-se
algumas sobretudo pela influencia que teriam no urbanismo
posterior:
■ a cidade linear de Arturo Soria y Mata (1890) artigos
publicados em jornal de Madrid;
■ a cidade-jardim de Ebenezer Howard;
■ as propostas de Le Corbusier;
■ e o projecto para Broadacre City de Frank Lloyd Wright.
Fanlanstério/ Falanges – Charles Fourier – 1843
Fanlanstério/ Falanges – Charles Fourier – 1843
■ O Falanstério era como uma cidade construída no campo;
■ As fábricas deveriam ser transferidas para o campo e as comunidades
deveriam ser construídas próxima delas, para os operários.
■ Propõe o falanstério: edifício continha todas as necessidades de um
operário. Foi construído com uma tipologia clássica e possuía uma ala
central e duas laterais (direita e esquerda). Em todo o prédio existiam
circulação e jardins internos.
■ urbanos e rurais, os falanstérios seriam auto-suficientes trocando bens
entre si, dispondo de terras paraa agricultura e outras atividades
económicas, para vivendas e uma grande casa comum.
■ seriam criados através da associação voluntária de seus membros e nunca
deveriam ser compostos por mais de 1.600 pessoas
■ Cada pessoa seria livre para escolher seu trabalho, e poderia mudar quando
assim desejasse.
■ Uma rede extensa desses falanstérios seria a base da transformação social
que por meio da experimentação daria origem a um novo mundo.
■ O falanstério era organizado de forma que os idosos ficavam no piso térreo,
as crianças no mezanino e os adultos nos andares superiores separados
por classe social.
Familistério – Jean Baptista Godin – 1850
Inspirado no Falanstério
https://urbanismodidatico.wordpress.com/2015/03/16/seculo-
xix-utopias-urbanas/

Interior do familistério
Vila Operaria – Robert Owen
(1771-1858)
Vila Operaria – Robert Owen (1771-1858)
Cidade Jardim – Hebenezer Howard – 1898
Cidade Jardim – Hebenezer Howard – 1898

Desenho de Ebenezer Howard do plano para


uma cidade-jardim
Letchworth

https://www.letchworth.com/who-we-are/our-
history
Cidade Olímpica de Doberitz
(1936)
Cidade de Zlin (na antiga
Checoslováquia)
Zlin
“La Ville Radieuse” (1930) de Le Corbusier
Le Corbusier
La ville radieuse
■ As propostas de Le Corbusier inspiraram directamente o
urbanismo moderno ou Funcionalista que vai mais além da
forma ao criticar o crescimento descontrolado das cidades
europeias e ao propor uma revolução urbana baseada no
papel que a cidade deve desempenhar como “célula vital do
mundo”.
■ Livro Urbanismo (1925) (disponível no moodle leitura
obrigatória)
Le Corbusier
Urbanismo
■ “ A cidade é um instrumento de trabalho. As cidades já não
desempenham normalmente esta função. São ineficazes,
gastam o corpo, opõem-se ao espírito.”

■ “As Artes e o pensamento modernos, depois de um século de


análises, procuram mais além do facto acidental, e a
geometria condu-los a uma ordem matemática, atitude cada
vez mais generalizada”.
Le Corbusier
Urbanismo
■ Em 1923, numa comunicação no congresso internacional de
arquitectura moderna, formulou as bases do urbanismo moderno
em 4 postulados que serviram de pilares para a Carta de Atenas
que representaria a normalização da cidade funcional:
■ 1) descongestionar o centro da cidade para fazer frente às
exigências de circulação;
■ 2) aumentar a densidade do centro das cidades para se conseguir
o contacto exigido pelos negócios;
■ 3) aumentar os meios de circulação, modificando a função da rua
para adaptá-la aos modernos meios de comunicação;
■ 4) aumentar os espaços livres para garantir a higiene e o bom
ambiente requerido pelos negócios.

Em linhas gerais propõe uma cidade de baixa densidade devido à sua


grande extensão, mas com uma grande concentração de população
nos edifícios isolados e separados entre si por uma grande superfície
de espaço público aberto e umas redes viárias de comunicação
fundamental para a multiplicação do modelo.
Através de alguns projectos significativos –la ville
radieuse de 1930 ou o Plan Voisin para Paris de 1925
–inaugura uma nova etapa na planificação urbana ao
introduzir critérios como Zoning (separação funcional
das áreas em função dos usos do solo) o uso de
Standards (as quantidades mínimas de espaço
habitado, espaço público ou verde para habitantes do
meio urbano).
https://www.dailymotion.com/video/xw8prl
Broadacre City (1934)– Frank Loyd Wright
Broadacre City (1934)– Frank Loyd Wright
• modelo de cidade para a nova identidade urbana estadunidense
vinculada ao automóvel e ao subúrbio, num contexto histórico no qual a
planificação urbana seguia os modelos europeus.;
• fascinado pelo automóvel e o seu poder enquanto ferramenta
configuradora da cidade futura;
• automóvel é um elemento chave para o desenho do próprio espaço da
cidade: o urbano é uma manta horizontal que se sobrepõe ao território
assegurando a mobilidade através dele.
• Casas classificadas segundo o número de garagens (1,2,3 ou mais);
• Contexto: expansão automóvel desde que as fábricas da FORD
começaram seu fabrico (5.360.000 veículos produzidos em 1929);
• Propõe uma arquitectura orgânica a partir da qual projeta um novo tipo
de cidade na qual não existirá a separação física entre campo e cidade,
e onde os benefícios de ambos os lugares estariam disponíveis para a
população.
• do ponto de vista morfológico e de configuração, desenha uma extensa
cidade estruturada ortogonalmente atribuindo um acre (equivale a
cerca de 40% de um hectar) de terra a cada lar com o objetivo de
integrar os terrenos de cultivo na cidade e poder gerar assim
comunidades autossuficientes.
“As utopias não são muitas vezes mais que verdades prematuras” (Lamartine)

“…e é isso que dá aos nossos sonhos a ousadia: eles podem ser realizados” (Le Corbusier)
bibliografia

■ Romero et al (2008), Geografia Humana – Processos,


Riesgos y Incertidumbres en um Mundo Globalizado,
Barcelona: Ariel.

■ Leitura obrigatória: disponível na Biblioteca da Universidade


Lusíada do Porto

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