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Pudemos observar que a Era Moderna resultou da acumulação de poder político pela
burguesia mercantil e manufatureira, lastreado pelo poder econômico. Esse fato foi
viabilizado pela liberdade para produzir e comercializar, resultando na construção de
Estados Nacionais, que expressavam os interesses dessa nova classe econômica. A
profunda mudança no modo de produção, em sua perspectiva industrial, teve como
contrapartida a expulsão das populações do campo e sua concentração nas cidades,
gerando uma nova classe social – o proletariado urbano, com interesses
irrecorrivelmente contraditórios aos da burguesia, detentora dos meios de produção e
voltada à acumulação de capital.
A cidade moderna
Thomas More, em 1516, criou a ideia de utopia ao descrever uma ilha imaginária com
uma sociedade perfeita em todos os sentidos. O surgimento desse gênero literário, tão
próximo da história, da filosofia e da política, está ligado ao processo burguês de
racionalização da vida. O Renascimento sintetizou um grande experimento de
racionalização da vida humana. Para construir a sua sorte e o destino da humanidade, os
homens daquela época fixaram normas de conduta e quiseram regulamentar cada
aspecto da vida prática. A lógica desta idéia levou à construção de critérios
universalmente válidos para cada atividade, com normas, regras e códigos: surgiram assim
os tratados sobre o perfeito cortesão, sobre o perfeito ministro, sobre o perfeito homem
do mundo. (Carlos Eduardo Ornelas Berriel)
Charles Fourier2 Os utopistas ou pré-progressistas
Para Fourier, no lugar dos vastos centros que absorvem as populações, as aldeias, as
casas, construídas ao azar no mapa, mal distribuídos, mal traçados seus limites, tão
incoerentes em sua distribuição geral como em sua organização particular, a humanidade
deve estar agrupada por "comunidades", regulares pelo número de seus habitantes, por
sua ordem interior e pelas condições de equilíbrio na relação com outras comunidades,
obedecendo todas a leis análogas.
O termo “Falange", significa uma ideia de conjunto, de unidade, de vontade e de objeto.
A Falange deveria ser composta de cerca de 400 famílias (1600 ou 1800 pessoas, com uma
média de densidade das famílias de 4,5 pessoas).
Os utopistas ou pré-progressistas: Charles Fourier
2.º Cada associado em troca de seus investimentos, receberia ações que representassem o
valor exato do que fosse investido;
3.º Toda a ação teria hipoteca sobre a parte dos imóveis que representasse e sobre a
propriedade geral da sociedade.
4.º Todo o associado (seria associado ainda quando não possuísse ações nem capital
algum) deveria concorrer à exploração do bem comum, com o seu trabalho e com o seu
talento;
5.º As mulheres e as crianças entrariam na sociedade com o mesmo título que os homens; e
Para Fourier o plano de uma cidade deveria considerar três anéis concêntricos:
- O primeiro contém o conjunto de equipamentos de interesse de toda a comunidade.
- O segundo deveria conter os arrabaldes e as grandes fábricas.
- O terceiro conteria as avenidas e o subúrbio.
E ainda:
• Fim do tabuleiro de
xadrez monótono.
• Ruas curvas para
evitar uniformidade.
• Praças ocupando
1/8 da superfície;
• Ruas arborizadas
(árvores variadas).
• Compartilhamento
do espaço por ricos
e pobres.
Os três anéis seriam separados por paliçadas, relvas e jardins que não deveriam cobrir
a visão.
Jean Baptiste Godin3
(3) Em 1846 o industrial Godin instalou-se em Guise para fundar uma empresa de utensílios de aquecimento e de cozinha, os famosos
fogões Godin, dos quais foi o inventor. Fabricados em ferro fundido, difundiam muito melhor o calor que os antigos modelos em folha
metálica, e permitiram que Godin, de origens modestas, fizesse rapidamente fortuna e se impusesse num mercado em plena expansão.
Mas ele, como simples operário, conservou a memória das terríveis condições de vida e laborais dos assalariados da indústria, que
pôde também constatar numa viagem que fez pela França entre 1835 e 1837. Godin vai então usar a sua fortuna para melhorar a vida
dos seus empregados, e propor as suas soluções para o problema da miséria dos operários.
Discípulo de Charles Fourier, entrou em contato com a "escola societária" e, em 1854, investiu um terço da sua fortuna numa tentativa
de implantação de uma colônia falanstéria no Texas, EUA.
O Familistério de Godin em Guise, no norte da França,
inspirada nos Falanstérios propostos por Charles Fourier na
sua obra "A harmonia universal e o falanstério".
Os utopistas ou pré-progressistas: Godin
(4) Robert Owen (1771-1858) foi um reformista social galês, considerado um dos fundadores do socialismo e do
cooperativismo. Foi um dos mais importantes socialistas utópicos.
Os utopistas ou pré-progressistas: Owen
Vila modelo de New Lanark, Escócia
• Comunidade de 1.200 habitantes criada em 1799.
• Autossuficiência através do cooperativismo agrícola e industrial.
Os utopistas ou pré-progressistas: Owen
New Lanark é uma vila ao lado do rio Clyde, 40 km a sudoeste de Glasgow na Escócia. A
vila foi fundada em 1786 por David Dale, que construiu moinhos de processamento de
algodão e casas para os trabalhadores. David Dale construiu a vila em parceria com o
inventor e empreendedor inglês Richard Arkwright, tirando proveito da energia potencial
do rio para o processamento do algodão.
A vila foi posteriormente adquirida pelo genro de David Dale, Robert Owen, que constituiu
uma vila utópica fornecendo uma série de benefícios, na época inexistentes, aos
trabalhadores.
Criada pela Harmony Society, em 1814, a cidade foi originalmente conhecida como
Harmony. Robert Owen comprou a cidade em 1825, com a intenção de criar um nova
comunidade utópica e rebatizou-a de New Harmony. Foi um fracasso econômico e foi
dissolvida em 1829.
Em 1830 ocorre uma epidemia de
cólera em Londres, estimulando o
crescimento da sensibilidade sobre a
precariedade da qualidade de vida
da população na cidade industrial.
Como decorrência, a década de 1840
foi marcada por um conjunto de
sindicâncias sobre a qualidade de
vida nas maiores cidades inglesas.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Higienismo
Até 1850 houve apenas algumas tentativas individuais, sobretudo de médicos, de cuidar
da saúde da população urbana. Buscava-se a origem das doenças em fatores ambientais.
Era necessário proteger três elementos básicos: o ar, a água e o solo. Imaginava-se que
em quantidade e qualidade adequadas, esses elementos poderiam afastar os miasmas,
como se chamavam então os "vapores ou organismos malignos" que, segundo se
acreditava, desprendiam-se dos corpos dos enfermos ou das sustâncias em
decomposição, minando a saúde dos habitantes das cidades.
Assim, o poder público passou a adotar algumas estratégias como aterrar os charcos e
afastar indústrias, matadouros e cemitérios das áreas centrais da cidade.
Posteriormente, o movimento estendeu-se também à esfera privada, proclamando-se a
necessidade de instalar sanitários nas casas, regulamentando-se a altura mínima dos
tetos e as condições de ventilação natural dos ambientes, recomendando-se também a
limpeza periódica das casas.
Higienismo
https://historiaartearquitetura.com/2018/11/01/a-
paris-de-haussmann/
A cidade de Paris foi uma cidade labiríntica de agitadas ruas medievais com traçado
urbano que remonta aos tempos dos gauleses e romanos, quando ainda se chamava
Lutécia. Ela teve seu traçado urbano remodelado completamente em meados do século
XIX, durante o governo do imperador francês Napoleão III. Este nomeou, para seu chefe
de Departamento de Paris, George-Eugène Haussmann, o grande responsável pela
reforma urbana. Haussmann era administrador público e não tinha formação em
arquitetura ou planejamento urbano. Paris era uma cidade insalubre e malcheirosa em
1853, quando o imperador deu instruções a Haussmann para reconstruir a cidade com
grandes avenidas e rede de esgoto. Para isso, regiões inteiras deveriam ser demolidas e
requalificadas. O desejo de Napoleão III e Haussmann era fazer de Paris uma nova Roma.
O antigo general governante que se fez imperador, Napoleão Bonaparte, tio de Napoleão
III, havia iniciado a construção do Arco do Triunfo, depois da vitória em Austerlitz, em
1805, que se mantem como um dos símbolos mais famosos da França.
Plano Haussmann
Dois fatores foram decisivos para dar começos às obras. O primeiro era evitar futuros
levantes revolucionários, como os de 1827, 1849 e 1851, quando foram levantadas
barricadas na cidade, e devido à reação armada da esquerda e dos operários contra o
desejo de Napoleão III de continuar no poder, não mais como presidente eleito
diretamente nas eleições da Segunda República, proclamada em 1848, mas como
imperador dos franceses. As largas avenidas e boulevares tinham um objetivo
importante dentro do contexto das revoluções do século XIX. As amplas vias
permitiam que tropas do governo se movimentassem livremente para manter a
ordem em tempos revolucionários, de forma a evitar as barricadas e demais
distúrbios. Os exércitos e a polícia podiam posicionar suas artilharias de forma a
conter as aglomerações que porventura pudessem ocorrer.
Plano Haussmann
O outro fator determinante foi uma segunda epidemia de cólera que resultou em
dezenove mil vítimas, aproximadamente. Com o traçado medieval da cidade, as casas eram
amontoadas e insalubres, as ruas eram estreitas e os funestos sistemas de esgotos corriam
muitas vezes a céu aberto, juntando-se a superpopulação do centro da cidade. Essa
insalubridade, revoltas e péssimas condições de vida foram tema da grande obra de Victor
Hugo, Os Miseráveis. Um pouco antes, como nos recorda Louis Mumford, em A cidade na
história, Londres já vinha promovendo investimentos públicos significativos em obras
preventivas nas margens do rio Tamisa, que estavam putrefatas e contaminadas.
Em Paris, o plano incluía a demolição de cerca de dezenove mil prédios históricos e a
construção de outros trinta e quatro mil novas edificações. As antigas ruas foram
substituídas por amplas vias, de arquitetura eclética e neoclássica, em tons pastéis,
alinhados e dentro de proporções uniformizadas. Foram construídos grandes parques, um
novo sistema de esgoto, um novo aqueduto para a água potável, rede de gás subterrâneo
para iluminação pública e privada, fontes e banheiros públicos. Novas estações de trem
foram construídas, bem como o ícone do ecletismo mundial, a Opera de Paris. As avenidas
radiais, saindo do Arco do Triunfo, caracterizam o plano de Haussmann.
Plano Haussmann. L`etoile: avenidas irradiadas a partir do arco do triunfo, de Napoleão.
Paris, depois de Haussmann.
Plano Haussmann
São abertos parques e jardins públicos: Jardin des Tulleries, Palais Royal, Parc Montsouris.
Surge a figura do quarteirão que é determinado pelo sistema viário – neste caso o
quarteirão é residual, configurado a partir do que ‘sobra’ depois de definido o traçado
viário, tornando-se um elemento complexo formado por lotes de formato irregular. São
definidas leis de ocupação: cada lote é perpendicular à rua e não tem a mesma medida
padrão; os edifícios passam a ter leis de padronização para as fachadas; a tipologia
urbana segue um catálogo pré-definido, passam a ter unicidade arquitetônica; as galerias
e passagens passam a ter função comercial – multifuncionalidade do quarteirão e
abrigam cafés e lojas. São definidas áreas especiais para as estações ferroviárias.
Ìlle de la citè
Haussmann transformou Paris em vinte anos, quando foi forçado a deixar o cargo em
1870. Seus projetos continuaram sendo seguidos até os anos 1920. Porém, Haussmann
também foi criticado, pois demolira a Paris antiga e tradicional, não sendo poupado por
críticos, jornalistas e desenhistas de sua época. Os projetos de Haussmann foram sem
precedentes pelo fato de ter conseguido resultados com padrões elevados e uniformes em
tão pouco tempo, dentro do contexto do ecletismo da segunda metade do século XIX. A
altura padrão não ultrapassava seis andares. Foram abertos espaços para os parques
públicos e estações de trens dentro da cidade. Edifícios históricos importantes foram
preservados, como as igrejas antigas. Uma das obras primas foi a construção da Ópera por
Charles Garnier, inaugurada em 1875, um dos mais emblemáticos edifícios da arquitetura
eclética francesa. Diversas cidades seguiram o modelo de Paris, como Buenos Aires, Rio de
Janeiro, Nova York e Belo Horizonte.
Cerdá / Plano de expansão de Barcelona
https://arquitetandoblog.wordpress.com/2009/05/29/idelfonso-cerda-plano-de-
expansao-de-barcelona/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Plano_Cerd%C3%A1#/media/Ficheiro:Eixample_aire.jpg
Plano de um conjunto de
dois quarteirões da trama
Cerdá extraído de um
folheto publicado em
1863. Corresponde ao
setor localizado entre a
Gran Vía e a Diputación, e
entre Roger de Lauria e
Gerona, então nomeado
com letras e números: M
y N, 31, 32 y 33.
Esquema da luz
Dimensões das
solar nos
quadras
quarteirões.
padronizadas.
Cerdá / Plano de expansão de Barcelona
O Plano para Barcelona foi colocado em prática e, essa é a primeira vez que se utiliza o
termo ‘urbanização’. Cerdá cria uma metodologia processual enfatizando aspectos
relacionados à questão da coordenação dos aspectos espaciais e físicos, funcionalidade,
destacando relações sociológicas, econômicas e administrativas da cidade; lembrando
que vários fatores influenciam a cidade e isso define quais serviços deverão ser
fornecidos. A partir desses aspectos, fez uma relação dos edifícios com o número de
usuários (exemplo: hospital para tantas pessoas que moram perto do edifício). Cerdá
concebe, assim, o conceito de Unidade de Vizinhança , que iremos encontrar quase um
século depois em Brasília. Em relação à tipologia a ser adotada, Cerdá defende que
deveria ter uma única fisionomia, com ocupação periférica do lote e o miolo sendo
utilizado para jardins. Os edifícios deveriam ter sempre o mesmo gabarito de altura e
chanfrados nas quinas.
A proposta multiplica a cidade em quase seis vezes. Cerdá adota traçado quadriculado,
cria no centro uma grande diagonal que corta todo o tecido da cidade com uma avenida
que tem quase seis vezes o tamanho do antigo núcleo. Não se preocupa em criar um
centro administrativo, pois para ele, o território tem que ser homogêneo e todos os
locais devem possuir o mesmo valor. Não concentra prédios públicos e administrativos,
espalha por toda a cidade os edifícios destinados a essas funções, valorizando por igual
os setores e bairros. “Congela” a cidade medieval e só prolonga a avenida ligando-a aos
bairros novos projetados, descartando assim, qualquer tipo de demolição ou
desapropriação do antigo núcleo, enfatizando a preservação do lugar.
Cria áreas de parques e permeia todo o plano por praças e parques. Cria uma grelha
ortogonal definida em estruturas rígidas que se desenvolvem a partir de módulos
quadrados (grelha 9×9 –com várias formas de ocupação), cria hierarquia de vias
relacionando-as diretamente à tipologia habitacional, com limite de ocupação da
quadrícula.
A circulação representa um meio fundamental de facilitar o contato e a relação entre
pessoas e o quarteirão, produz uma ruptura formal com a ocupação periférica das
quadras. A ocupação da superfície é definida a partir da habitação, que deve ocupar no
máximo 2/3 da área do quarteirão, o restante do terreno deve ser ocupado apenas por
jardins. Define duas formas de ocupação periférica do lote: em forma de L ou de U.
Barcelona atual.
Tony Garnier
https://pt.wikipedia.org/wiki
/Tony_Garnier
Tony Garnier. Grandes matadouros do Mercado de la Mouche 5(1906 - 1932)
Tony Garnier ( 1869 - 1948) foi um arquiteto e urbanista francês que, em 1904, elaborou
um projeto de cidade para Lyon, como Trabalho de Conclusão de Curso. Seu projeto foi
publicado em 1919 com o título A Cidade Industrial. Além de ser uma proposta ousada,
pela primeira vez na história alguém fazia um projeto utópico detalhado de uma cidade
industrial. A setorização foi um dos princípios que nortearam sua proposta urbanística,
dessa forma as áreas de indústria, habitação, lazer, cultura, administrativo
(governamental), seriam instâncias bem delimitadas no espaço de sua cidade. Garnier
pertence ao grupo de teóricos do urbanismo intitulados como utópicos ou utopistas.
(5) O desenvolvimento do projeto durou dois anos e meio. Este complexo programa tem duas funções: matadouros e um mercado de
gado. Organização horizontal, separação de funções, racionalização da circulação, são os princípios que orientam o estabelecimento do
plano global em um vasto terreno de 23.000 m2. Os edifícios são organizados de acordo com dois eixos ortogonais, formados pela rua
coberta e pelo corredor, na direção das operações: estação, cais, estábulos, mercado, matadouros, salas de abate e serviços. Desde 1914,
os matadouros de La Mouche foram unanimemente aclamados pelos críticos como uma das realizações contemporâneas mais inovadoras
e contribuíram fortemente para a notoriedade de Garnier.
Tony Garnier
Normas gerais:
• Na habitação os dormitórios devem ter pelo menos uma janela orientada para o
sul, bastante grande para que haja luz no cômodo todo;
• Os pátios maiores e menores, quer dizer, os espaços, fechados por paredes, que
servem para iluminar ou para arejar, estão proibidos. Qualquer espaço deve ser
iluminado e ventilado pelo exterior;
• Dentro das habitações, as paredes, o chão, etc., serão de materiais lisos, com os
ângulos arredondados.
• Lotes definidos em 15 x 15m, sempre com um dos lados dando pra rua.
• A superfície construída deve ser sempre inferior à metade da superfície total.
• Não deve haver muros separando os lotes.
• O solo da cidade é visto em conjunto, como um grande parque.
• O espaço entre duas habitações é pelo menos igual à altura da construção situada
ao sul.
• Ruas ortogonais, sentido norte-sul e leste-oeste. Há hierarquia entre as vias.
Tony Garnier
Esquema de zoneamento da cidade industrial de Tony Garnier
Tony Garnier - Habitação padrão bairro operário
Tony Garnier - Vista de quadra residencial, casas padronizadas sem muros.
Tony Garnier - Cité Industrielle (1901-1904)
Anne Chemin, reportagem publicada por Le Monde, 20-06-2020. (tradução de André Langer).
A Covid-19 modifica a face das cidades. E não é a primeira vez que isso acontece:
desde Hipócrates, saúde e habitação nunca deixaram de dialogar.
Será que um dia seremos capazes de identificar a crise global ligada à Covid-19 na
fisionomia das cidades? Ela deixará marcas nas faixas de pedestres, na largura das calçadas
ou no número de ciclovias? Modificará a maneira como percorremos diariamente a cidade?
Esta é a esperança de todos aqueles que, diante do coronavirus , invocam as virtudes do
urbanismo. Criação de ciclovias, estreitamento das pistas de rolamento, ruas adaptadas aos
pedestres: para incentivar os moradores a respeitarem o princípio do distanciamento físico,
muitos prefeitos, em Paris, Winnipeg (Canadá) ou na Cidade do México, estão desenhando
com pequenos toques uma nova trama urbana. Para circular sem entrar em
contato, Bogotá implantou, assim, no auge da crise, 117 quilômetros de ciclovias. Nova
York e Calgary (Canadá) fecharam avenidas para a circulação de veículos,
enquanto Auckland (Nova Zelândia) e Milão (Itália) prometeram ampliar as
calçadas. Paris não deve ficar para trás: a prefeita Anne Hidalgo propõe aumentar o número
de ruas e faixas de pedestres reservadas para bicicletas. Porque exige espaço, a Covid-19
remodelou, em poucos meses, delicadamente o urbanismo das grandes metrópoles do
planeta: com a pandemia, arranjos que ontem pareciam ousados se tornaram realidade.
Apêndice I
Esse diálogo frutífero entre a medicina e a habitação é muito antigo. “A saúde tem sido
um determinante importante no nascimento do urbanismo”, resume o arquiteto Albert
Lévy, pesquisador do Laboratório de Arquitetura, Cidade, Urbanismo e Meio Ambiente
(Lavue, CNRS), autor de Ville, urbanisme et santé. Les trois révolutions (Ed. Pascal,
2012).
Desde o século V a.C., Hipócrates explora, no tratado Des airs, des eaux et des lieux, as
relações entre doenças e meio ambiente. “Para aprofundar a medicina, é preciso
primeiro considerar as estações do ano, conhecer a qualidade das águas, dos ventos,
estudar as várias condições do solo e o modo de vida dos habitantes”, escreve o médico
da Antiguidade.
Para o filósofo Thierry Paquot, esse tratado é o primeiro vestígio do diálogo entre a
saúde e a cidade. “Ainda não se trata de uma epidemia e menos ainda de urbanismo –
essa palavra só será inventada no final do século XIX, na Espanha, para entrar na nossa
língua em 1910 –, mas Hipócrates é o primeiro a prestar atenção à dimensão sanitária
do habitat. Segundo ele, é necessário afastar-se de terrenos fétidos e inférteis, pois
podem causar doenças. Também deve ser dada prioridade a fontes de água de
qualidade e locais arejados, pois a brisa expulsa os miasmas. A saúde, para os gregos, é
mais do que um bem-estar físico: é uma harmonia com o cosmos”.
Importância da qualidade do ar Apêndice I
Quatro séculos mais tarde, os trabalhos realizados em Roma por Augusto mostram que
as preocupações com a saúde alimentavam a reflexão sobre a cidade desde o início da
era cristã. Para evitar que as ruas se transformassem em “caldo de cultura”, nas palavras
de Françoise Biotti-Mache, o imperador construiu aquedutos, fontes, reservatórios e
torres de água. Graças ao “nível de higiene que os banhos termais e os esgotos mantêm
na população”, as epidemias começam a ficar mais raras, relata a historiadora, em 2010,
em um artigo publicado na revista Études sur la mort.
Após um longo eclipse, as ideias hipocráticas renascem timidamente na Idade Média. Na
esteira de Hipócrates e de seu colega Galeno, os médicos do século XIII insistem na
importância da qualidade do ar na prevenção de doenças: os “miasmas”, essas
emanações mefíticas que reinam na cidade medieval, são responsáveis por todas as
patologias. “Conforme o ar é bom ou deteriorado, as cidades são saudáveis ou doentes”,
resume o médico Aldebrandin de Siena, em sua Régime du corps, obra composta em
1256.
Em um mundo marcado pela renovação urbana, os médicos começam a se interessar
pelos problemas de saúde da cidade. As características “tectônicas e meteorológicas” dos
locais permitem, segundo eles, definir suas “predisposições mórbidas”, nas palavras do
historiador François-Olivier Touati. “A cidade acha um meio para se integrar nas
considerações mais amplas sobre a qualidade emprestada aos locais, de acordo com a
exposição ao sol e aos ventos, a altitude, a natureza do solo, a disposição dos relevos
circundantes, a proximidade marinha ou lacustre”, escreve em um artigo publicado em
2000 pela revista Histoire Urbaine.
Água corrente e evacuação dos resíduos Apêndice I
Devastadas pela peste a partir de 1347, as cidades medievais eram cloacas
nauseabundas, onde assolavam a disenteria e o tifo. Touati resume sua insalubridade em
algumas imagens: a queda fatal, em 1131, do herdeiro designado pelo rei da França,
porque seu cavalo tropeçou em um porco em um subúrbio de Paris; a repulsa, em 1186,
de Philippe Auguste que, debruçado sobre uma janela de seu palácio parisiense, decidiu
pavimentar as ruas fedorentas da capital; a leitura etimológica do monge Rigord, que, no
século XII, acreditava que Lutèce significa “cidade do lodo” (em latim lutum).
Ninguém sabe ainda como as doenças infecciosas são transmitidas, mas todos
pressentem que a cidade deveria ceder àquilo que ainda não é chamado de higiene. A
partir do século XI, os ofícios mais poluentes – açougueiros, curtidores, lavadores de lã,
tintureiros, escamadores e vendedores de tecidos – foram convidados a se estabelecer
nos subúrbios. Essa reorganização espacial, prossegue Touati, faz da “água corrente (rio
ou córrego) o principal meio de evacuação do lixo, direcionando os habitantes para
outras fontes de alimentação destinadas ao uso doméstico: poços, fontes, tanques”.
No século XIII e no início do século XIV, esse esforço em favor da evacuação dos resíduos
se acentua. “Regulamentos municipais e corporativos, ordenamentos reais ou senhoriais
ordenam a limpeza “na frente da (sua) casa”, o desbloqueio de canais e sarjetas e o
depósito do lixo em “montes de lixo” um pouco separados”, sublinha Biotti-Mache.
Interrompido pela Guerra dos Cem Anos, o movimento foi retomado no século
XVI: Francisco I retomou e continuou a pavimentação de Paris por iniciativa de Philippe
Auguste, proibiu a criação de porcos nas ruas e ordenou a escavação de fossas debaixo
dos prédios para nelas depositar o lixo.
“Higienismo” Apêndice I
No entanto, foi senão no final do século XVIII, e especialmente no século XIX, que o
“higienismo” triunfou. As condições insalubres das cidades atingiram seu auge: com a
revolução industrial, a poluição das oficinas e fábricas instaladas em áreas urbanas somou-
se à sujeira doméstica. “O amontoamento de trabalhadores em ambientes insalubres
favorece o desenvolvimento de epidemias que a medicina não consegue conter – cólera,
varíola, sarampo, escarlatina, febre tifoide”, destaca Albert Lévy.
Esse desastre sanitário acaba preocupando os Estados. “No final do século XVIII, as elites
políticas estão cada vez mais preocupadas com o estado de saúde da sua população,
enfatiza Stéphane Frioux, mestre de conferências em história contemporânea
na Universidade Lyon-II. ‘Não há riqueza que não venha dos homens’, disse no século XVI o
filósofo Jean Bodin. O ditado é ainda mais verdadeiro dois séculos depois, no início da
revolução industrial! A França, que precisa de uma mão de obra saudável para desenvolver
sua economia, esboça uma política sanitária: em 1778, foi criada uma Sociedade Real de
Medicina”.
Se a guerra contra as doenças infecciosas é declarada, no início do século XIX, nada
sabemos sobre bactérias e bacilos que só serão descobertos por Louis Pasteur e Robert
Koch no final do mesmo século. Os médicos pensam, como Hipócrates, que as doenças
circulam no ar: para combater as epidemias, é necessário caçar os miasmas, dispersar os
odores mórbidos, favorecer a circulação do vento. “Essa luta obsessiva contra a corrupção
do ar estava presente entre os utópicos do século XIX, observa Thierry Paquot.
O Familistério, fundado por André Godin em Guise, no norte da França, possui assim um
elaborado sistema de ventilação natural”.
Apêndice I
A partir do final do século XVIII, esse “neohipocratismo” influenciou profundamente a
organização das grandes cidades ocidentais. “A arquitetura então adota crenças
espacialistas, sublinha Lévy. O espaço e o meio ambiente são usados como pharmakon,
isto é, remédios para prevenir ou até curar doenças infecciosas. Essa reviravolta foi iniciada
pelo arquiteto francês Pierre Patte: em um tratado publicado em 1769, ele estabeleceu os
primeiros marcos de uma preocupação com o saneamento das cidades, que seria o credo,
algumas décadas depois, do Barão Haussmann [1809-1891].
Pandemia x epidemia
Antes de conhecermos as epidemias e pandemias que marcaram a história mundial, é
importante nos atentarmos para as diferenças entre os conceitos de epidemia e
pandemia. Uma epidemia faz referência a doenças que se disseminaram por uma região
geográfica limitada, como uma cidade. Já o termo pandemia é utilizado para se referir a
uma doença que se espalhou por um espaço geográfico muito grande, como um
continente.
Os relatos deixados por Tucídides falam que a doença iniciou-se na zona portuária de
Atenas e espalhou-se pelo resto da cidade. Os casos começaram a aparecer bem no
início da Guerra do Peloponeso e tiveram um efeito fulminante nas tropas atenienses.
O autor J. N. Hays fala que uma tropa de Hoplitas formada por 4 mil homens presenciou
a morte de 1.050 deles|1|.
Dado o contexto em que essa doença se iniciou em Atenas, os estudiosos do assunto
chegaram à teoria de que a grande circulação de pessoas por causa da guerra facilitou a
disseminação da enfermidade. Os sintomas foram descritos por Tucídides:
[…] Em geral, o indivíduo no gozo de perfeita saúde via-se subitamente preso dos seguintes sintomas: sentia em
primeiro lugar violenta dor de cabeça; os olhos ficavam vermelhos e inflamados; a língua e a faringe assumiam
aspecto sanguinolento; a respiração tornava-se irregular e o hálito fétido. Seguiam-se espirros e rouquidão.
Pouco depois a dor se localizava no peito, acompanhada de tosse violenta; quando atingia o estômago,
provocava náuseas e vômitos com regurgitação de bile. Quase todos os doentes eram acometidos por crises de
soluços e convulsões de intensidade variável de um caso a outro. A pele não se mostrava muito quente ao tato
nem também lívida, mas avermelhada e cheia de erupções com o formato de pequenas empolas (pústulas) e
feridas|2|.
Apêndice II
Acredita-se que a doença nunca tinha atingido a cidade de Atenas, haja vista a
violência pela qual ela acometeu a população local. Existem alguns estudiosos que
afirmam que a enfermidade teve grande impacto nas mulheres grávidas. Os relatos de
Tucídides deixam a entender que o desespero da população criou um quadro de
desrespeito às leis e, à medida que as preces religiosas não eram atendidas, a religião
também começou a ser alvo desse desrespeito.
Apesar de ter sido conhecida como “peste de Atenas” e o nome sugerir que se tratou
de um surto de peste bubônica, os estudiosos sugerem que a doença que atingiu a
cidade grega não foi essa. Um estudo conduzido no começo do século XXI com base
em ossadas de uma vala comum encontrada chegou à conclusão da ocorrência de
febre tifóide, mas há outros estudos que apontam a ocorrência de tifo.
Existem ainda teorias que sugerem doenças como varíola e sarampo e que até 35% da
população ateniense possa ter morrido|1|. Acredita-se, também, que a doença possa
ter se disseminado para outros locais a partir de Atenas. Outras pestes aconteceram na
Antiguidade, como a peste de Siracusa, em 395 a.C., e a peste Antonina, que atingiu
Roma em 166 d.C.
Apêndice II
Peste negra (1347-1353)
As epidemias e pandemias não ficaram reclusas à Antiguidade e estenderam-se por
outros períodos também, como a Idade Média. Esse período da história
presenciou uma das maiores pandemias da humanidade, a de peste bubônica, que
recebeu o nome de peste negra e é tradicionalmente conhecida por ter dizimado, pelo
menos, cerca de 1/3 da população europeia.
A peste negra designa uma doença transmitida para os seres humanos por meio
de pulgas de ratos contaminados com a bactéria Yersinia pestis (*). Acredita-se que a
origem dessa doença tenha sido a China ou alguma região da Ásia Central e que a
peste negra não foi o primeiro surto de peste bubônica de que se tem conhecimento.
Existem relatos de doenças parecidas com a peste bubônica na Bíblia, como um relato
que fala de uma doença causada por ratos que atingiu os filisteus. Já no período
medieval, houve peste bubônica no Império Bizantino, atingindo sua capital,
Constantinopla, entre 541 e 544. Nesse contexto, ela ficou conhecida
como peste Justiniana.
(*) Yersinia pestis (anteriormente denominada Pasteurella pestis) é um cocobacilo gran-negativo, em forma de
bastonete, imóvel e sem esporos. É um organismo anaeróbio facultativo que pode infectar o ser humano por via
da pulga Xenopsylla cheopis. A bactéria é a causa da doença peste, que pode assumir uma de três formas: peste
pulmonar, peste septicémica ou peste bubônica. Estas três formas foram responsáveis por diversas epidemias de
elevada mortalidade ao longo da História, entre as quais a Praga de Justiniano e a Peste Negra, que dizimou um
terço da população europeia e a "Terceira Pandemia" originária da China em finais do século XIX que matou cerca
de 10 milhões de pessoas. Estas pestes tiveram provavelmente origem na China, tendo sido transmitidas para a
Europa através das rotas comerciais. A Y. pestis foi descoberta em 1894 por Alexandre Yersin, um médico franco-
suiço do Instituto Pasteur, durante uma epidemia de peste em Hong Kong.
Apêndice II
A peste bubônica chegou à Europa em 1347 e foi levada para lá por comerciantes
genoveses que fugiam de Caffa, uma colônia genovesa na Crimeia que estava sendo
atacada por tropas tártaras do Canato da Horda Dourada. A cidade de Caffa estava
sitiada quando os tártaros começaram a lançar cadáveres contaminados com a doença
para dentro dos muros.
À medida que a peste se espalhou por Caffa, os genoveses fugiram, levando a doença em
seus navios. Assim, a peste alcançou Constantinopla, depois, a Sicília, chegou a Marselha,
Península Itálica e, daí, espalhou-se por toda a Europa. Esse surto de peste bubônica
estendeu-se até 1353 e causou a morte de milhões de pessoas.
Uma vez que um ser humano contrai a peste bubônica, ela pode ser transmitida por via
respiratória (chamada de peste pneumônica), o que facilitou a disseminação da doença
por todo o continente europeu. Tanto as cidades como os campos foram atingidos,
embora as cidades, pela maior aglomeração de pessoas, tenham sofrido mais. A peste
bubônica recebeu esse nome por causa dos bubões (=adenite: inflamação de glândulas)
que apareciam em algumas partes do corpo dos que adoeciam.
Os relatos da época falam que a doença trouxe pânico e fez com que muitos fugissem das
grandes cidades como forma de se proteger. Aqueles que tinham dinheiro e propriedades
fora das cidades fugiram para essas propriedades e se esconderam por lá. Os relatos
também falam que a ordem política, em alguns locais, ruiu, porque as autoridades ou
haviam morrido pela doença, ou não tinham mais meios de governar.
Apêndice II
Os médicos da época não tinham ideia do que causava a doença, mas perceberam
que o isolamento era uma forma de evitar que a peste se propagasse ainda mais.
Assim, pessoas começaram a se isolar em suas casas, e os doentes mantinham
contato só com os médicos. A quantidade de mortos era tão grande que os ritos
funerários começaram a ser abandonados.
A peste bubônica foi uma doença recorrente na Europa por todo o século XIV e
existiu até 1720, quando houve um surto da doença em Marselha. Acredita-se que,
somente no século XIV, a peste bubônica tenha causado a morte de, pelo menos, 1/3
da população europeia, embora historiadores, como Le Goff, apontem que tenha
causado a morte de, pelo menos, metade da população da Europa, chegando até a
2/3 em alguns locais|3|.
Por fim, existem estudos que indicam que a peste bubônica possa ter causado a
morte de até 50 milhões de pessoas no continente europeu somente no período
entre 1347 a 1353|1|.
Apêndice II
Gripe espanhola (1918-1919)
O começo do século XX também ficou marcado por uma pandemia que atingiu todos
os continentes do planeta e causou a morte de, pelo menos, 50 milhões de pessoas.
Essa doença ficou conhecida como gripe espanhola, sendo causada por uma
mutação do vírus influenza, e afetou, inclusive, o Brasil.
Apesar do nome, a gripe espanhola não surgiu na Espanha. Acredita-se que ela
tenha surgido na China ou nos Estados Unidos. De toda forma, os primeiros casos
foram registrados em um acampamento militar chamado Fort Riley, que estava
instalado no estado do Kansas (EUA). O primeiro paciente de que se tem
conhecimento foi o soldado Albert Gitchell.
A doença surgiu no contexto da Primeira Guerra Mundial e aproveitou-se do grande
deslocamento de soldados e das aglomerações causadas pela guerra para se
disseminar pelo mundo. Houve três ondas de contágio, que se estenderam de 1918
a 1919. A segunda onda ficou conhecida como a de maior capacidade de
contaminação e foi a mais mortal.
A gripe espanhola espalhou-se por todos os continentes do planeta. A medicina do
começo do século XX não sabia o que a causava, porque a tecnologia da época não
permitia que os microscópios enxergassem o vírus responsável pela enfermidade.
Usava-se aspirina para combater alguns dos sintomas, mas o exagero no uso dessa
medicação mostrou-se nocivo. A doença causava infecções que atingiam órgãos
como o pulmão, mas não existiam antibióticos na época para combatê-las.
Apêndice II
Os sintomas da gripe espanhola eram os de uma gripe comum, como febre, tosse,
coriza, dores de cabeça e dores no corpo. Os casos mais complicados, como
mencionado, causavam infecções nos pulmões, levando os pacientes a desenvolverem
pneumonia.
Como era causada por um vírus, a doença era transmitida pela via respiratória
facilmente. Locais que implantaram medidas de prevenção baseadas
no isolamento social conseguiram passar pela gripe espanhola com efeitos reduzidos. Já
os que não seguiram as medidas de isolamento acabaram sofrendo duramente com a
doença e acumulando mortos todos os dias.
Aqui no Brasil a gripe espanhola chegou em setembro de 1918, por meio dos
passageiros de uma embarcação inglesa que atracou em três cidades: Recife, Salvador e
Rio de Janeiro. Grandes cidades, como São Paulo, sofreram bastante com a doença.
Acredita-se que ela tenha contaminado, pelo menos, metade da população paulistana.
No Brasil, como em outras partes do mundo, medidas de isolamento foram tomadas
com o decreto do fechamento de escolas, repartições públicas e alguns tipos de
comércio. Ao todo, 35 mil pessoas morreram de gripe espanhola no Brasil.
Apêndice II
Ebola (2013-2016)
Em 1976, foram identificados, pela primeira vez, casos de doença pelo vírus ebola,
doença causada pelo vírus de mesmo nome (ebola). Esse vírus foi identificado em
regiões do Sudão e da República Democrática do Congo, ambos países do continente
africano. Acredita-se que uma espécie de morcego seja a transmissora do vírus.
A ebola é uma doença grave e capaz de matar tanto seres humanos quanto primatas.
Recentemente, entre 2013 e 2016, causou um surto epidêmico em regiões da África
Ocidental. Esse surtou chamou a atenção da Organização Mundial da Saúde e de muitos
países – alguns deles, inclusive, chegaram na época a decidir pelo fechamento de suas
fronteiras para pessoas vindas daquela região.
A doença manifesta-se com os seguintes sintomas: febre, dor de
cabeça, vômitos e diarreia. Os pacientes mais graves podem apresentar
graves hemorragias, as quais afetam partes do corpo como intestino e útero. O
contágio acontece quando uma pessoa tem contato com restos de animais
contaminados pelo vírus.
A partir do momento em que um ser humano contrai ebola, o vírus pode ser
transmitido para outras pessoas por meio de secreções, como saliva, sangue, fezes,
urina e sêmen. A ebola atuou majoritariamente no continente africano e aproveitou-se
da pobreza de muitas das regiões desse continente.
Apêndice II
A falta de condições sanitárias ideais acaba tornando muito mais fácil a rápida
disseminação do vírus. O último surto epidêmico de ebola atingiu países
como Libéria, Serra Leoa e Guiné, infectando 28.454 pessoas, das quais 11.297
faleceram|4|.
Em 2018, um novo surto foi registrado na África, atingindo a República Democrática do
Congo. Até o presente momento, esse surto registrou quase 4 mil casos e mais de 2.200
mortes. Em 2014, houve uma suspeita de caso de ebola no Brasil, mas esse caso foi
descartado por exames.
Notas
|1| HAYS, J.N. Epidemics and pandemics. Their impacts on Human History. Austin, Texas:
Fundação Kahle, 2005.
|2| REZENDE, Joffre Marcondes de. À Sombra do Plátano: crônicas de História da
Medicina. São Paulo: Editora Unifesp, 2009, p. 75.
|3| LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 228.
|4| SAMPAIO, João Roberto Cavalcante e SCHÜTZ. Gabriel Eduardo. A epidemia de
doença pelo vírus de Ebola de 2014: o Regulamento Sanitário Internacional na
perspectiva da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/grandes-epidemias-da-historia.htm
SILVA, Daniel Neves. "Grandes epidemias da história"; Brasil Escola. Disponível em:
https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/grandes-epidemias-da-historia.htm.
Acesso em 11 de outubro de 2020.
Apêndice III
Infecção e higiene antes da teoria microbiana: a
história dos miasmas.
https://www.ghtc.usp.br/server/pdf/ram-Miasmas-Sci-Am.PDF
A teoria microbiana
Desde a Antigüidade surgiram esporadicamente especulações de que certas doenças poderiam ser
produzidas por seres vivos invisíveis Em 1835 o advogado italiano Agostino Bassi (1773-1856)
mostrou de forma conclusiva que a muscardina, uma doença dos bichos-da-seda, era produzida
por um fungo microscópico. No ano seguinte, o médico francês Alfred Donné (1801-1878)
detectou a presença de um microorganismo, o Trichomonas vaginalis, numa doença venérea.
Vários outros pesquisadores começaram a associar microorganismos a doenças, mas geralmente
sem identificar o agente e sem estabelecer uma relação causal.
Apêndice III
Alguns exemplos importantes foram a descoberta de vibriões nos dejetos de doentes com
cólera, por Félix Pouchet (1800-1872), em 1849; e a identificação do bacilo causador do antraz
(ou carbúnculo) dos carneiros, por Casimir Davaine (1812-1882) e Pierre Rayer (1793-1867), em
1850.
Na década de 1860, seguindo a trilha aberta por essas pesquisas anteriores, surgiram os
primeiros estudos de Louis Pasteur (1822-1895) sobre a relação entre doenças e
microorganismos. Porém, foi apenas na década de 1870 que os estudos rigorosos de Robert
Koch (1843-1910) estabeleceram as regras de investigação desse tipo de hipótese. No decorrer
da segunda metade do século XIX, a teoria microbiana das doenças foi gradualmente aceita pela
maioria dos médicos e pelo público. A teoria microbiana conviveu durante algum tempo com a
teoria dos miasmas, sendo influenciada pela mesma. Em meados do século XIX houve grandes
epidemias de cólera na Europa, matando milhões de pessoas. Autoridades médicas, como
William Farr (1807- 1883), tinham certeza de que sua causa era um miasma. Pasteur fez parte de
uma comissão que procurou identificar o modo pelo qual essa doença era transmitida, e –
provavelmente influenciado pela teoria dos miasmas – tentou encontrar no ar algum
microorganismo que fosse responsável pela mesma. Nada encontrou. Depois, descobriu-se que
o cólera era transmitido principalmente pela água.
Um dos defensores dos miasmas nesse período foi o químico francês François Jules Lemaire
(1814-1886) que estudou, na década de 1860, substâncias anti-sépticas como benzina, alcatrão
e ácido carbólico (fenol). Mostrou que esse ácido destruía microorganismos, impedia a
putrefação e curava a sarna. As pesquisas de Lemaire tiveram aspectos práticos importantes,
pelo estudo de anti-sépticos que foram depois utilizados em grande escala (por exemplo, em
esgotos).
Apêndice III
Embora fosse guiado pela teoria dos miasmas, Lemaire também começou a pensar que os
microorganismos poderiam ter um papel na transmissão de doenças. Unindo as duas teorias,
imaginou que o miasma seria simplesmente um ar cheio de microorganismos. Fez vários
experimentos interessantes, que confirmaram suas expectativas – por exemplo, encontrou grande
quantidade de micróbios no ar de um dormitório militar, cheio de soldados, à noite. No entanto, as
pesquisas de Lemaire não se enquadram dentro dos padrões rigorosos da pesquisa microbiana, de
Koch. Ele acreditava que não existiam miasmas específicos: o ar estragado (ou repleto de
microorganismos) poderia produzir qualquer doença.
Nas últimas décadas do século XIX a teoria dos miasmas já tinha sido quase totalmente abandonada,
e seus resultados práticos (como a desinfecção dos hospitais por compostos de cloro) foram
incorporados às práticas relacionadas à teoria microbiana. Muitos pensam, atualmente, que o uso
dos anti-sépticos foi uma conseqüência das descobertas de Pasteur – mas isso é um erro histórico.
As vitaminas
No final do século XIX, após os grandes sucessos da teoria microbiana das doenças, parecia que,
depois de milênios, a Medicina havia encontrado finalmente um caminho seguro, científico, para seu
desenvolvimento. As pesquisas mais cuidadosas haviam mostrado que algumas doenças eram
causadas por microorganismos. Entretanto, passou-se a acreditar que todas as doenças eram
causadas por eles, o que levou a grandes erros, como no caso do estudo do beribéri nos séculos XIX-
XX. Sabe-se atualmente que o beribéri é uma doença causada por deficiência da vitamina B no
organismo e que se não for tratada adequadamente pode levar à morte. Ela é freqüente nas
populações que se alimentam com arroz polido (arroz branco), pois o processo de polimento retira a
película que contém a vitamina B deste cereal. O beribéri surgia com freqüência em prisões,
hospitais, asilos e navios. Isso sugeria tratar-se de uma doença contagiosa.
Apêndice III
Pela sua gravidade, o beribéri foi muito estudado, na época. Influenciados pela teoria
microbiana bastante difundida a partir da década de 1880, vários médicos encontraram... o
micróbio do beribéri. Em nosso país, o mais entusiasta defensor da teoria parasitária do beribéri
foi o diretor do Museu Nacional, João Batista de Lacerda (1846-1915), que publicou a partir de
1883 vários trabalhos em que descrevia o Bacillus beribericus (que não existe). Diversos
pesquisadores do exterior tais como Ogata Masanori e Wallace Taylor no Japão (1886), F. J.
Cornelissen e J. Sugenoya na Índia (1886) e Cornellius Pekelharing (1887), também na Índia,
chegaram a conclusões semelhantes às de Lacerda. Cada um deles, no entanto, observava
micróbios diferentes. Procurou-se então impedir a transmissão desse suposto microorganismo e
foram tomadas medidas de desinfecção dos locais onde a doença era epidêmica. Essas medidas
não surtiram efeito e milhares de pessoas continuaram a morrer, a cada ano, enquanto os
cientistas estudavam o micróbio do beribéri.
Outros pesquisadores, menos obcecados pela teoria microbiana, pensaram em explicações
diferentes da doença. Surgiam indícios de que se tratava de uma enfermidade cuja origem era
alimentar, mas ninguém percebia claramente qual era a deficiência, na época. Como a doença
aparecia quase exclusivamente em pessoas que se alimentavam com grandes quantidades de
arroz, esse alimento começou a ser considerado o vilão da história. Em 1880, o médico
Kamehiro Takaki (1849-1920), do Hospital Naval de Tóquio, convenceu-se de que o problema era
a pequena quantidade de proteínas ingeridas pelos marinheiros. Para solucionar essa deficiência
introduziu mais carne, mais vegetais e, em algumas refeições, cevada no lugar do arroz. Houve
uma grande redução do beribéri na Marinha japonesa e a hipótese de Takaki parecia ter sido
confirmada. No entanto, o médico holandês F. J. van Leent notou que os marinheiros europeus
que haviam sido levados para a Ásia, embora tivessem uma quantidade adequada de proteína
em sua alimentação, também adquiriam a doença.
Apêndice III
Foi um acaso que sugeriu o caminho de pesquisa que acabou levando ao sucesso. A comissão
científica holandesa, chefiada por Pekelharing, depois de identificar o suposto microorganismo do
beribéri e prescrever medidas de desinfecção inúteis, havia retornado à Europa. Enquanto
Christiaan Eijkman, um dos assistentes de Pekelharing, analisava o beribéri surgiu uma doença
semelhante no galinheiro que era mantido no laboratório. A primeira suposição que ocorreu ao
pesquisador foi que se tratava de uma enfermidade microbiana infecciosa, mas não foi
encontrado nenhum microorganismo. Depois de poucos meses, repentinamente, a doença
desapareceu.
Eijkmann constatou que, durante a epidemia, as galinhas estavam sendo alimentadas com restos
de arroz cozido trazidos do hospital militar. No entanto, o antigo cozinheiro foi substituído e seu
sucessor não permitia mais que o arroz fosse levado para as galinhas. Então, a doença havia
desaparecido. O pesquisador realizou então alguns experimentos e notou que galinhas
alimentadas exclusivamente com arroz branco cozido ficavam doentes depois de poucas semanas.
Porém, se fossem alimentadas com arroz não polido (integral), isso não acontecia. Além disso,
verificou que as aves doentes podiam se recuperar, com a mudança da dieta. Concluiu que existia
algum “princípio antineurítico” no arroz integral, capaz de curar a doença; mas a própria causa da
doença continuava obscura para ele. Devido a isso o resultado de Eijkmann não foi aplicado a
seres humanos, que continuaram morrendo.
Apenas 20 anos depois dos estudos iniciais, Eijkmann retomou a investigação do papel da nutrição
no beribéri. Dois de seus auxiliares, Adolphe Vorderman (1844-1902) e Gerrit Grijns (1865-1944),
começaram a obter importantes resultados. Uma análise estatística de várias prisões de Java, feita
por Vorderman, mostrou que em muitas delas as pessoas eram alimentadas com arroz branco,
mas em outras eram alimentadas com arroz integral. As do primeiro grupo tinham 300 vezes mais
casos de beribéri do que as do segundo.
Apêndice III
Grijns, por outro lado, fez experimentos que mostraram que outros alimentos, além do arroz
integral, podiam curar o beribéri – tanto em galinhas quanto em pessoas. Concluiu que a causa do
beribéri era a falta de alguma substância que existia na película do arroz integral e em alguns
outros alimentos. Foi necessária, no entanto, uma série de estudos, com a contribuição de
diversos pesquisadores, antes que o trabalho de Grijns fosse confirmado e se identificasse que
substância era essa. Porém, a partir de 1910, antes da identificação da vitamina B, foram tomadas
medidas para evitar que a população continuasse a ser alimentada maciçamente com arroz
branco e outros alimentos semelhantes.
A sabedoria da incerteza
Essa longa história mostra como é difícil a construção do conhecimento. É importante refletir
sobre o contraste entre alguns aspectos da teoria dos miasmas e da teoria microbiana. À primeira
vista pode parecer que a crença nos miasmas foi um grande erro, que atrasou o surgimento da
medicina científica; e a teoria microbiana das doenças foi a descoberta do verdadeiro caminho
para a prevenção das doenças transmissíveis. No entanto, vimos que a teoria errada levou a um
movimento sanitário que melhorou muito a situação de saúde da população, nos séculos XVIII e
XIX, conduzindo à descoberta de substâncias anti-sépticas e processos de desinfecção de
ambientes que salvaram milhões de vidas. Por outro lado, a teoria microbiana das doenças (que
consideramos correta) levou a grandes erros, atrasando a descoberta da causa de doenças como o
beribéri e ocasionando milhões de mortes. Quando uma teoria se mostra excessivamente valiosa
– como ocorreu nesse caso – ela pode impedir as pessoas de vislumbrarem qualquer alternativa.
Muitas vezes a incerteza pode ser uma atitude mais sábia.
Apêndice III
· MARTINS, Roberto A.; MARTINS, Lilian A.-C. Pereira; FERREIRA, Renata R.; TOLEDO, Maria
Cristina F. Contágio: história da prevenção das doenças transmissíveis. São Paulo: Moderna,
1997.
· CARPENTER, Kenneth J. Beriberi, white rice, and vitamin B: a disease, a cause, and a cure.
Berkeley, CA : University of California Press, 2000.
· CIPOLLA, Carlo M. Miasmas and disease: public health and the environment in the pre-
industrial age. New Haven : Yale University Press, 1992.
Fontes consultadas:
GURGEL, A. P. Utopias socialistas: panorama do urbanismo pré-progressista.
Anotações de aula. FAU_UNB. Brasília, s.d.
FERREIRA, B. A. Tony Garnier e a cidade industrial. Encontro de Ensino,
Pesquisa e Extensão. Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE, Presidente
Prudente, 2014.
https://thau2ufes.blogspot.com/2018/05/urbanismo-4-tony-garnier-e-cidade.html
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https://www.algosobre.com.br/historia/revolucao-industrial-origens.html
https://escolaeducacao.com.br/formacao-das-monarquias-nacionais/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_agr%C3%ADcola_brit%C3%A2nica
https://www.google.com/search?q=Paris+plano+haussmann&sxsrf=ALeKk01TmyvH
nk9ERz7fimDcQtZHyWAZvg:1603286070972&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=pDf
DqJc1qz9alM%252CEws3pQMStsyQcM%252C_&vet=1&usg=AI4_-
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Bibliografia de referência: