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FILOSOFIA

CONTEMPORÂNEA

Mayara Joice Dionizio


Indústria cultural
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Discutir a indústria cultural.


 Definir as noções de emancipação, civilização e barbárie.
 Formular problemas decorrentes da massificação cultural.

Introdução
Os meios de comunicação influenciam os comportamentos sociais e isso
não acontece somente na atualidade. A partir da Revolução Industrial,
os modos de vida da população mudaram, as pessoas tinham jornadas
de trabalho excessivas, portanto, não desproviam de muito tempo ou
mesmo de uma boa remuneração. Houve, a partir desse fato histórico,
uma mudança nas formas como os indivíduos e suas famílias passavam
momentos livres, ou em como tinham acesso à cultura. Por esse motivo,
se antes as pessoas frequentavam teatros ou apresentações em praças
públicas para apreciar a arte musical, agora, por conta do cansaço e da
falta de tempo, entre outros fatores, a invenção do rádio, da televisão e de
cinemas assumiram esses momentos de cultura. Esse advento influencia
até hoje os modos como os meios de comunicação e, agora, os meios
digitais podem nos influenciar.
Neste capítulo, você estudará como surgiu o conceito de indústria
cultural e as importantes teorias do grupo de pensadores que compu-
seram a Escola de Frankfurt. Aprofundará seus conhecimentos sobre
a relação entre cultura, emancipação, civilização e barbárie; entenderá
o aspectos positivos e negativos dos meios de comunicação e de que
forma isso se aplica ao nosso contexto atual; e, por fim, poderá identifi-
car as consequências e os problemas que nossas sociedades herdaram
desse período.
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Indústria cultural
A Escola de Frankfurt surgiu nos anos 20, tendo sua origem associada ao
Instituto de Pesquisa Social, fundado na cidade de Frankfurt, Alemanha. O
grupo reuniu filósofos, sociólogos, economistas, historiadores, musicólogos,
psicanalistas e críticos literários, objetivando um estudo crítico e totalizante da
sociedade e analisando e relacionando os aspectos culturais, econômicos, his-
tóricos, entre outros, visando à formulação de uma teoria crítica da sociedade.
O contexto histórico abrange o período entre o final da Primeira Guerra
Mundial até a Segunda Guerra Mundial, portanto, um contexto bastante tur-
bulento, no qual se saía de uma guerra mal resolvida, além da presença de uma
efervescência de movimentos nazistas/fascistas e de movimentos socialistas por
toda a Europa. Além disso, foi um período marcado por importantes transforma-
ções tecnológicas e industriais, como o surgimento da linha de montagem e da
produção em massa. Com a tomada de poder por Hitler, na Alemanha, o grupo
se transferiu para as cidades de Genebra, depois Paris e, finalmente, para Nova
Iorque. Suas atividades se estenderam até o fim da Segunda Guerra Mundial,
quando alguns de seus membros permaneceram nos Estados Unidos, ao passo
que outros retornaram à Alemanha, o que não significa, necessariamente, que
os trabalhos de seus integrantes se encerraram. O Instituto de Pesquisa Social
foi finalmente restabelecido nos anos 50, em Frankfurt.
Dois expoentes da escola de Frankfurt foram Theodor W. Adorno (1903-
1969) e Max Horkheimer (1985-1973). Ambos os pensadores criaram o con-
ceito de indústria cultural, que designa a transformação da arte em produto
consumível, como qualquer outro produto ou mercadoria que são produzidos
em larga escala e para as massas da sociedade capitalista industrializada. A
transformação de arte em produto objetiva o controle, a criação de modelos
de comportamento, os valores e as necessidades, com vistas também à mas-
sificação, à venda.
Dessa maneira, a indústria cultural torna a arte e a cultura meros produtos
consumíveis. Contudo, por que isso é negativo? A indústria cultural, por meio
dos meios de comunicação (rádio, televisão, cinema, publicidade e outros),
procura uniformizar comportamentos e gostos, criando uma espécie de “moda”
ou padrão a ser seguido, justamente para que seja consumível por todos,
tomam as pessoas como seres genéricos, sem distinção entre uns e outros.
Isso porque, para se vender cultura, para que a cultura massificada agrade
a todos e todas, é necessário que esse “todo” seja também igual, e cria-se
assim a imagem do indivíduo “médio”, consumidor “médio”, gosto “médio”,
do senso comum a ser agradado.
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A indústria cultural não apenas está a serviço de um sistema, mas é ela


mesma um sistema, tal qual uma indústria de veículos que vende veículos
a seus consumidores, a indústria cultural serve ou vende produtos a seus
consumidores. A arte tida como uma produção do engenho humano, capaz de
lidar com afecções, sensibilidade, capaz de estimular a criatividade, provocar
emoções, denunciar fatos sociais, dá lugar à arte que é avaliada por seu valor
mercadológico, ou seja, a arte tida como boa passa a ser a que custa mais.
Com isso, o que menos importa é a qualidade da arte, se é capaz de estimular
ou emancipar, mas sim se é rentável, se irá vender. A arte transforma-se em
mero entretenimento, não há mais lugar para a verdadeira alegria, a liberdade e o
lazer, e a indústria cultural produz diversão à uma massa calma, apática e servil.
A indústria cultural não democratiza ou supre as necessidades culturais,
artísticas, de lazer ou alegria, mas cria necessidades, move-se pelo consumo
incessante e, consequentemente, pela incessante insatisfação, uma vez que os
indivíduos nunca veem seus desejos e necessidades supridos.
Grande parte dos pensadores da Escola de Frankfurt eram judeus, incluindo
Adorno e Horkheimer, e viram Hitler utilizar da máquina de propaganda
nazista na manipulação de seus cidadãos e no fortalecimento do sentimento
antissemita, o que certamente influenciou seus trabalhos. Eles entendem que
a indústria cultural acabou gerando o oposto do que o Iluminismo esperava
– movimento segundo o qual a razão seria capaz de promover a libertação
dos indivíduos, promovendo sua emancipação intelectual. Ou seja, o desen-
volvimento das técnicas de comunicação, ao contrário, promoveu a submissão
e o controle dos indivíduos. Por isso, o uso da indústria cultural promoveria o
desconhecimento das condições sociais das pessoas, uma vez que, em vez de
as pessoas terem contato com a arte genuína, como concertos musicais, bons
livros, capazes de promover a emancipação e a autodeterminação, preferem,
por estarem presas às imposições da indústria cultural, consumir passivamente
entretenimentos. Assim, o domínio econômico do capitalismo, que preza pelo
lucro, pelo poder, acaba por inverter a lógica do “esclarecimento”, gerando a
perda da autonomia intelectual e do autoconhecimento.

Emancipação, civilização e barbárie


A concepção de emancipação é um tema recorrente na história da filosofia.
Um dos textos mais importantes e que marca a reflexão sobre a possibilidade
de autonomia das massas é Resposta à pergunta: o que é o esclarecimento?,
de 1784, de Immanuel Kant. Nesse texto, Kant (2010) apresenta as razões
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pelas quais os indivíduos vivem em uma menoridade, ou seja, da incapacidade


do indivíduo de fazer uso de seu entendimento para sair dessa condição de
inferioridade. Para ele, a culpa é do próprio indivíduo, pois, em sua preguiça
e covardia, prefere ser guiado por outro indivíduo (que faz uso de sua razão,
inclusive para a manipulação) do que buscar sair dessa condição de incapaz.
Kant (2010) defende que, para esse indivíduo menor, a incapacidade se confunde
até com uma condição natural, portanto, cômoda.
Para sair dessa condição, Kant (2010) acreditava que o indivíduo de-
penderia do estabelecimento da liberdade. Dessa forma, para um indivíduo
começar a fazer uso de seu entendimento, de sua razão, seria necessário que
os tutores o tornassem livre. Por exemplo: os indivíduos buscam sempre
alguém para decidir por eles, guiá-los, assim, deveria ser do interesse
desses tutores esclarecer quem os segue e lhes dar a liberdade de pensarem
por si próprios.
É dessa elaboração conceitual kantiana que Adorno e Horkheimer (1985)
parte para pensar os conceitos de emancipação, civilização e barbárie. Tanto
para Kant quanto para Adorno, a única contraposição à barbárie seria a
emancipação e a autonomia das massas. Nesse sentido, a autonomia é a
capacidade do indivíduo de pensar por si mesmo e não se submeter a outrem.
Entretanto, apesar de concordar com as concepções do que seja autonomia,
esclarecimento e emancipação, Adorno diverge de Kant. Para Adorno e
Horkheimer (1985), a não-emancipação não é somente culpa do indivíduo,
dado que este, por questão de sobrevivência, é obrigado, muitas vezes, a se
ajustar à massa.
Adorno e Horkheimer (1985) atribui essa subserviência aos modos de pro-
dução estabelecidos pelo capitalismo. A partir da Revolução Industrial, os
modelos fabris de produção, ainda mais com a enorme jornada de trabalho e
industrialização da produção, geram um efeito irrefletido nos trabalhadores.
Isto é, o processo de fazer um movimento irrefletido, por exemplo, de apertar
parafusos, e a carga horária, que ocupava de 10 a 16 horas por dia, gera nesse
trabalhador um esgotamento, assim como uma necessidade de irreflexão, dado
o cansaço, a falta de tempo e o excesso de trabalho. Outro aspecto é que a
alienação do trabalhador em relação à sua capacidade de produção, na medida
em que a produção é segmentada e parcial, o aliena da sua produção final, bem
como de sua capacidade criativa. Dessa forma, essa massa se torna cansada e
passiva, pronta para receber todo o material direcionado às massas pela “indústria
cultural”. Adorno e Horkheimer (1985) acreditavam que o modo de produção
influenciava o que esses trabalhadores queriam consumir, ou seja, produtos que
refletissem suas condições alienadas de vida e trabalho. Portanto, ainda segundo
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Adorno, os modos de produção se convertem em ideologia, e isso seria o maior


obstáculo para a emancipação e o esclarecimento das massas.
Tal status quo é o que garante a instalação da barbárie, uma vez que a barbárie
é contrária à cultura e à civilização, por subverter a capacidade do indivíduo de
discernir e sua confiança em sua cultura. Adorno e Horkheimer (1985) herda
de sua tradição de pensamento alemão a confiança na chamada Bildung, que
é literalmente a formação e educação dos indivíduos. Entretanto, enquanto
movimento, a noção de Bildung foi amplamente pesquisada e discutida a partir
do Romantismo alemão, em que os pensadores, escritores e poetas partiram
da formação para pensar uma relação de cultivo entre a filosofia e a educação
enquanto projeto de amadurecimento cultural e intelectual dos alemães.
Portanto, para o autor, a barbárie seria a contraposição a essa formação
cultural e educacional, valendo-se da ausência de confiança, e que, a partir do
processo de construção burguesa da sociedade, engendra-se em outra forma
de barbárie. Assim, a barbárie pensada por Adorno e Horkheimer (1985) não
é aquela selvagem e animalesca, mas sim a reinvenção da barbárie pela falta
de cultura, a barbárie da massificação e da falta de individualidade. Nesse
sentido, a própria noção de civilização produz sua própria contradição, pois o
conhecimento construído ao longo da história serviu para produzir uma forma
de vida no capitalismo industrial, na qual o objetivo é privar a população de
conhecimento, fragilizá-la a ponto de se tornar dócil e esvaziada de cultura
e confiança.
Dessa forma, a educação seria a única saída para romper com a manipu-
lação desse sistema que leva à barbárie. Seria, então, a educação responsável
por devolver aos indivíduos a reflexão crítica social, assim como a confiança
e o aprimoramento cultural. Portanto, a “indústria cultural” seria ineficaz
nesses indivíduos, já que eles a rejeitariam justamente por ter um discurso
irrefletido e raso.

Um dos principais alvos de crítica dos teóricos da indústria cultural era a indústria
cinematográfica dos Estados Unidos. Os estúdios americanos eram grandes produtores
de filmes que não continham críticas, reflexões sociais e estéticas. Vários filmes retrata-
vam histórias com roteiros simplistas, com vocábulos reduzidos e simplificados, com
romances padronizados e, em grande parte, promoviam padrões comportamentais
que levavam à comercialização de produtos e itens que os personagens usavam.
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Problemas decorrentes da massificação cultural


A massificação cultural surge em meados à Revolução Industrial. Esse conceito
serviu para designar o movimento das massas de trabalhadores que, dada as
condições de trabalho exaustivas, consumiam uma cultura que, para Adorno
e Horkheimer (1985), era tida como reformulação da barbárie. Nesse contexto,
Adorno argumentava que esses meios – rádio, televisão, cinema e propagandas
– além de descolar o indivíduo da realidade, ainda alienavam suas consciências.
Isso decorre diretamente em uma desvalorização da arte, transformando-a
em mero entretenimento, e é nesse momento que surge a diferenciação entre
o que é próprio da arte e o que é próprio da cultura de massa.
Assim, o grande público passa a se interessar por programas de rádio,
filmes e programas de televisão que não tivessem críticas sociais, conceitos
estéticos elaborados. O que se propaga são programas de linguagem fácil,
com promessas simples de felicidade, de melhoria da vida e aventuras român-
ticas. O filósofo Herbert Marcuse (1898-1979), que participou da Escola de
Frankfurt, em um texto intitulado Cultura e sociedade (MARCUSE, 1997),
delimita as consequências e o caráter positivo da massificação cultural. Nesse
texto, Marcuse aponta que, apesar de a arte ter um papel instrumentalizado
na sociedade mercantilizada, há um lado afirmativo, que é a possibilidade
de a arte se reinventar, mesmo atrelada a esses meios de comunicação, e
emancipar também as massas, uma vez que não existe nada mais revolu-
cionário do que a arte.
Já para Adorno e Horkheimer (1985), essa aceitação e esperança de
subversão dos meios de comunicação, defendida por Marcuse (1997), era
uma forma de submissão ao sistema e relativização da crítica. Em um texto
intitulado Fetichismo da música e a regressão da audição (ADORNO, 1996),
Adorno defende que uma das consequências da massificação era a perda
da capacidade dos indivíduos de experienciarem as obras de arte musicais,
por exemplo, dado que a cultura popular promoveria uma regressão no
refinamento auditivo. Portanto, os indivíduos submetidos à massificação
têm seus ouvidos treinados em uma previsibilidade sonora, segundo à qual a
música tem a função simplória de apenas causar uma sensação de felicidade.
Nesse sentido, trata-se de uma simplicidade do espírito, o que leva também
à noção de fetichismo da mercadoria, ou seja, dada a estrutura estabelecida
pela massificação cultural, a simplicidade, fica fácil para o mercado saber
o que agrada as massas, bem como produzir mercadorias/produtos que
atendam às necessidades já sabidas.
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De certa forma, pensando a atualidade, podemos aplicar esse conceito de


indústria cultural nas sociedades contemporâneas. Ainda que com distinções,
vimos, ao longo dos últimos anos, vários contextos ideológicos e culturais
terem ascensão e serem substituídos, pincipalmente por conta do uso da tec-
nologia. Entretanto, a formação ideológica das massas ainda passa por alguns
dispositivos que geram o mesmo efeito que à época da Escola de Frankfurt.
De modo efetivo, atualmente não temos um meio de produção nos mesmos
moldes que tais pensadores criticaram, pois vivemos em um momento de
tecnologização dos meios de produção e modos de vida. Todavia, pode-se
dizer que meios de comunicação como a televisão influenciam modos de vida,
e, se a crítica de muitos teóricos era em relação à indústria cinematográfica
estadunidense, atualmente sofremos influências de padrões impostos por
personagens tanto de filmes quanto de novelas. Tal influência dita padrões,
e outro aspecto é o das mídias sociais, que, ao monitorar os gostos dos usuá-
rios, vinculam imediatamente propagandas relacionadas às informações dos
perfis. Há também a relação das mídias sociais com a imagem, e, além de se
criarem padrões de comportamentos virtuais – como fotografias de pratos
em restaurantes, determinadas poses, como deve ser uma selfie, ou, ainda,
vocábulos próprios das redes –, criam-se necessidades ligadas à moda, ao
estilo de vida e ao consumo.
Hoje, pode-se ver alguns aspectos positivos dessa estrutura, que consiste
em maior acesso a obras de arte, a livros on-line (e-books), à música e a
filmes. Isso se propaga também de forma democrática com a ascensão da
internet. Entretanto, a crítica adorniana ainda é vigente, pois, ainda que
com excesso, sua teoria dizia que os indivíduos massificados eram despro-
vidos de formação cultural, que possibilitaria a busca, o amadurecimento
cultural-intelectivo.
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ADORNO, T. O fetichismo na música e a regressão da audição. In: BENJAMIN, W. et al.


Textos escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1985.
KANT, I. O que é o esclarecimento? In: KANT, I. Textos seletos. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.
MARCUSE, H. Sobre o caráter afirmativo da cultura. In: MARCUSE, H. Cultura e sociedade.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
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