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SOCIOLOGIA

CONTEMPORÂNEA

Ana Ligia Muniz


Rodrigues
A escola de Frankfurt e
a escola de Chicago
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir os fundamentos de Theodor Adorno e Max Horkheimer, que


originaram e operaram a escola de Frankfurt.
 Caracterizar a produção da escola de Chicago de sociologia, que
serviram de base para a sociologia urbana.
 Identificar as características de uma escola de pensamento.

Introdução
A classificação de grupos de estudiosos em escolas de pensamento teve
um grande papel na consolidação da sociologia como um campo de
pesquisa. Os estudos realizados pelos integrantes de cada uma dessas
escolas apresentam ao menos um ponto de convergência, o que dá
relativa unidade aos trabalhos produzidos.
Neste capítulo, você vai estudar a fundação da escola de Frankfurt, na
Alemanha, e da escola de Chicago, nos Estados Unidos. Também vai co-
nhecer o contexto histórico do surgimento de cada uma delas e os temas
que fizeram parte da agenda dos seus pesquisadores mais importantes.

Escola de Frankfurt
A escola de Frankfurt surgiu a partir de uma articulação entre pesquisadores
judeus alemães que criticavam o positivismo na década de 1920. A influência da
obra de Karl Marx consistia em um ponto em comum entre os seus membros,
que se opunham ao marxismo oficial da União Soviética. Para os autores da
escola de Frankfurt, as esperanças de que uma revolução proletária acontecesse
foram se diluindo. Nas décadas seguintes, o foco passou a ser a construção
de um conhecimento emancipatório que levaria à felicidade (WALTZ, 2006).
2 A escola de Frankfurt e a escola de Chicago

Essa escola, diz Freitag (2004), compreende tanto uma linha epistemoló-
gica da teoria social como um agrupamento de intelectuais. Tal corrente de
pensamento possui três eixos de produção:

 a dialética da razão iluminista e a crítica da ciência;


 a dupla face da cultura e a discussão da indústria cultural;
 a queda do Estado e suas formas de legitimação.

Com o passar dos anos, temas como a produção cultural, as relações entre
arte e capitalismo e os meios de comunicação na sociedade passaram a integrar a
agenda de pesquisa do grupo de Frankfurt. Alguns dos seus principais membros
foram Max Horkheimer (1895–1973), Theodor W. Adorno (1903–1969), Herbert
Marcuse (1898–1979), Walter Benjamin (1892–1940) e Erich Fromm (1900–1980).
Adorno e Horkheimer produziram estudos sobre a razão, a ciência e a
produção cultural na sociedade contemporânea. Já Walter Benjamin estudou
a arte e as condições técnicas nos bastidores de sua produção, com destaque
para o cinema em seu artigo A obra de arte na era de sua reprodutibilidade
técnica (publicado em 1936). Herbert Marcuse ganhou destaque com o livro
Eros e Civilização (versão final publicada em 1955), que teve um enorme
impacto na geração de 1968, na França. Já Erich Fromm articulou em sua
obra o paradigma marxista à psicanálise.
Como você pode perceber, uma das principais características dessa escola é
a sua interdisciplinaridade. Seus intelectuais, a partir de áreas do conhecimento
como sociologia, filosofia, ciência política, economia, comunicação e artes,
refletiam e buscavam uma forma de construir uma sociedade emancipada.

O Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt


Max Horkheimer e Theodor Adorno fundaram o Instituto de Pesquisa Social
de Frankfurt em 1926. Horkheimer, como diretor, formalizou um programa
de investigação e de trabalho coletivo interdisciplinar. Contudo, apesar do
elemento em comum, o marxismo, esses pesquisadores divergiam em suas
interpretações da obra de Marx.
A instituição abriu filiais em outras cidades, como Genebra, Londres e
Paris, em 1931. No entanto, em termos territoriais, essa unidade acadêmica
durou pouco tempo. Além da orientação marxista, o Instituto tinha a maioria
de seus pesquisadores de origem judaica. Com a ascensão do nazismo nos
anos 1930, o funcionamento do Instituto foi interrompido e sua sede passou
a ser em Genebra, na Suíça.
A escola de Frankfurt e a escola de Chicago 3

Após uma proposta da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, o


Instituto criou uma sede na cidade de Nova Iorque, em 1934. Forçados a se
exilarem, os pesquisadores emigraram para terras norte-americanas. Lá se
depararam com uma sociedade industrial de massa, que acabou por influenciar
diretamente suas análises sobre produção cultural no mundo capitalista.
Os pensadores dessa corrente teórica pesquisaram a produção cultural tanto
na sociedade americana como no contexto autoritário da Alemanha nazista.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os meios de comunicação, controlados
pelo Estado, serviram para manipular a população e mantê-la sob controle. A
propaganda nazista veiculada no rádio e no cinema, por exemplo, teve papel
fundamental na manutenção do regime autoritário.
O Instituto de Pesquisa Social só voltou a funcionar na Alemanha em 1950,
se dedicando ao estudo das consequências da experiência nazista no país. A
denominação “escola de Frankfurt” abrange todo o período de produção dessa
corrente de pensamento. No entanto, tal denominação só passou a ser utilizada
na prática após o retorno à Alemanha, na década de 1950.

A teoria crítica e a indústria cultural


A produção científica dos integrantes da escola de Frankfurt leva o nome de
teoria crítica. Adorno e Horkheimer, seus maiores expoentes, publicaram o
clássico Dialética do Esclarecimento em 1944. A obra analisa o ideal de razão
e de esclarecimento propagado pelo Iluminismo.

A razão instrumental à qual Horkheimer e Adorno se referem consiste numa racionali-


dade em que o indivíduo, esclarecido por ela, é capaz de calcular e dominar a natureza
para transformá-la. O resultado disso seria a emancipação do homem.

Os autores concluíram que no mundo capitalista a razão instrumental, em


vez de emancipar os homens, se tornou submissa à técnica. Em outras palavras,
a razão instrumental perdeu seu caráter emancipatório e está a serviço da
manutenção do sistema. Os indivíduos, ao observarem o mundo a partir de
uma racionalidade técnica e não crítica, perdem sua autonomia, tornam-se
meros consumidores presos ao capital. Assim, o projeto iluminista falhou.
4 A escola de Frankfurt e a escola de Chicago

A teoria crítica também apresentou o conceito de indústria cultural. O


termo foi usado pela primeira vez por Adorno e Horkheimer em 1947, no
livro Dialética do Iluminismo. Para compreender a indústria cultural, você
deve lembrar-se de que durante muitos anos a Escola de Frankfurt funcionou
nos Estados Unidos. Essa informação é fundamental, pois foi na experiência
do exílio que esses intelectuais se depararam com uma nova realidade: uma
sociedade em que a cultura era vendida e consumida pela maioria da população,
tal qual uma mercadoria.
Nessa perspectiva, os estudos realizados apontavam que elementos culturais
padronizados, produzidos em grande escala, eram utilizados para enfraquecer
a necessidade de questionamento dos indivíduos.
Assim, a indústria cultural tem como características (FREITAG, 2004):

 a dimensão anticultural, ou seja, ela age na dissolução da obra de arte,


produzindo e reproduzindo mercadorias vendidas como culturais;
 a vinculação com a técnica moderna (rádio, televisão, cinema, foto-
grafia, imprensa);
 o consumo de massas e o caráter de mercadoria.

Em outras palavras, a indústria cultural consiste numa ferramenta de


perpetuação do capitalismo (WALTZ, 2006). Ela difunde produtos culturais
para serem consumidos, visando ao lucro e à falsa sensação de realização
dos consumidores.
Outra faceta da indústria cultural é a criação de uma oposição entre trabalho
e lazer. O entretenimento vendido ocupa o tempo noturno do trabalhador,
criando um ilusório senso de realização e felicidade, em detrimento das expe-
riências reais. Há, então, a ilusão de felicidade, prazer e realização imediatos
por meio do consumo de produtos. Essa é uma falsa realização, já que na
verdade o tempo de lazer é apenas um momento de escape do trabalho para
que se possa retornar no dia seguinte. A tecnologia é usada para promover
resignação. Veja:

Uma das principais funções desempenhadas pela Indústria Cultural é reforçar o


sistema e determinar a vontade e a atitude dos indivíduos, agora consumidores.
Esse controle é bastante sutil, nada é diretamente imposto. A diversão através
dos bens culturais modernos é acrítica e mina a vontade de questionamento,
enquanto a repressão é indireta e gerada pelas próprias instituições e grupos
sociais. Não há regras formais de comportamento, mas os modos de agir e
consumir dos indivíduos são impostos pelo seu “meio ambiente”: amigos,
parentes, trabalho, clube, entre outros. Os meios de comunicação, por sua vez,
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indicam a todos os padrões aceitáveis de família, relacionamentos, vestuário,


lazer. As necessidades materiais dos consumidores também são manipuladas.
Cada vez surgem novos produtos que, ao nascerem, já se tornam indispensáveis
para a continuação da vida moderna (WALTZ, 2006, p. 62).

Antes, esses pensadores acreditavam que a humanidade, por meio de uma


razão crítica, evoluiria em direção à emancipação. No entanto, o contato com
a cultura de massa fez com que eles desacreditassem da razão como meio de
libertação.
Nesse contexto, a arte perde o seu sentido. O indivíduo não se dá conta
de que o que consome achando que é cultura na verdade é uma mercadoria
com um potencial homogeneizador. É nesse contexto que surge a cultura de
massa: uma cultura para consumo de muitas pessoas, de forma não reflexiva.

Massa é o termo utilizado para representar uma grande quantidade de indivíduos


passivos, facilmente manipuláveis e maleáveis.

A herança de dois dos principais pensadores da escola de Frankfurt para a


sociologia contemporânea é uma perspectiva pessimista em muitos aspectos:
a arte é reduzida à mercadoria e os meios de comunicação agem como um
mecanismo alienante e de controle social.
A sociedade de massas, “[...] a lógica da mercadoria, a mecanização, o
processo de idiotização dos indivíduos, a falsa democratização da cultura
são expostos em toda sua extensão (WALTZ, 2006, p. 120)” por Adorno e
Horkheimer.
Com a reconstrução da Universidade de Frankfurt e o retorno do Instituto
de Pesquisa Social à cidade no pós-guerra, surgiram novas gerações de teóricos
formados na instituição. Atualmente, o sociólogo e filósofo alemão Jürgen
Habermas (1929–) e o também filósofo e sociólogo Axel Honneth (1949–) são
os intelectuais de mais destaque dessa corrente de pensamento.
Habermas, membro da chamada segunda geração, possui uma extensa obra
em que se dedica à análise da teoria crítica e à conexão com outros campos de
conhecimento, como a filosofia da linguagem. Sua maior contribuição consiste
na formulação de uma nova concepção de racionalidade, do tipo comunicativa
e orientada para o consenso, o entendimento e a emancipação social.
6 A escola de Frankfurt e a escola de Chicago

Já Honneth, considerado membro da terceira geração, estuda as relações


de poder, respeito e reconhecimento na sociedade contemporânea. Também
critica a busca de um consenso empreendida por Habermas, por considerar que
o conflito e a luta por reconhecimento são a base das interações e ações sociais.
Para alguns autores, porém, Habermas e Honneth não podem ser conside-
rados integrantes da escola de Frankfurt. Isso porque apresentam proposições
teóricas autorais que entram em confronto com o pensamento dos seus ante-
cessores. Contudo, é inegável a influência da escola frankfurtiana nas suas
obras, de modo que esses autores são considerados integrantes da tradição de
pensamento que é a teoria crítica.

O sucesso que as telenovelas fazem no Brasil é um exemplo da ideia de cultura de


massa de que fala a teoria crítica. As novelas são um produto criado a partir de ele-
mentos do senso comum e vendido para a maioria da população. Portanto, elas se
tornaram cultura de massa. Os indivíduos, por sua vez, consomem essa cultura e os
valores pregados por ela como uma fuga da realidade, sem percebê-los como uma
mercadoria padronizada.

A escola de Chicago e a vida nas cidades


A Universidade de Chicago foi fundada em 1895, a partir da doação do empre-
sário do petróleo John Rockefeller. A instituição se destacou no início do século
XX ao se dedicar ao estudo das mudanças sociais, econômicas e culturais que
ocorriam na cidade de Chicago, nos Estados Unidos. O desenvolvimento da
indústria, o aumento demográfico, a expansão das áreas urbanas e a diversi-
dade étnica se tornaram tema de pesquisa de diversas áreas de conhecimento
dentro da universidade.
Criado em 1910, o departamento de sociologia da Universidade de Chicago
se tornou, nas primeiras décadas do século XX, o centro de pesquisa sociológica
mais importante dos Estados Unidos. O trabalho coletivo, a proximidade dos
temas estudados e as visões semelhantes sobre a realidade social deram ao
centro um caráter de grupo, de unidade, fazendo com que o setor se tornasse
conhecido como escola de Chicago de sociologia.
Entre os principais pesquisadores da escola de Chicago, destacaram-se
Robert Ezra Park (1864–1944); Ernest Watson Burgess (1886–1966), Roderick
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Duncan McKenzie (1885–1940), Frederic Thrasher (1892–1962), Louis Wirth


(1897–1952) e Everett Hughes (1897–1983).
Foi a partir desse período que os fenômenos urbanos se tornaram objeto
de estudo efetivo da sociologia. Entre os anos 1925 e 1940, lançando mão
de métodos como a etnografia para a realização de pesquisas empíricas, a
escola de Chicago se dedicou a estudar a relação entre o espaço urbano e o
comportamento dos indivíduos. Ainda que os pesquisadores não utilizassem
os mesmos conceitos, seus trabalhos sobre a vida na metrópole foram a base
para o surgimento do campo de conhecimento denominado sociologia urbana.
O nascimento da escola de Chicago está vinculado às intensas mudanças
que ocorriam em Chicago nos primórdios do século XX. Com intensa indus-
trialização, aumento demográfico e uma população marcada pela diversidade
étnica, a cidade se tornou cenário de diversos fenômenos sociais. Entre eles, a
chegada de imigrantes, o crescimento urbano, a criminalidade, a delinquência
juvenil, as gangues, as comunidades segregadas e os guetos.
Essas questões eram vistas como problemas sociais, como patologias sociais
decorrentes de um processo desorganizado de industrialização e urbanização.
Influenciada pelo evolucionismo social, a escola de Chicago usava a categoria
“patologia social” para se referir a todo e qualquer tipo de comportamento
desviante para a época. Essas condutas desviantes eram vistas como problemas
sociais e de saúde pública. Na procura de soluções para esse novo contexto, os
pesquisadores fizeram de Chicago um laboratório de pesquisa social urbana.

A abordagem ecológica
O sociólogo Robert Park (1987) compreendia a cidade como um organismo
social. Em suas pesquisas, ele relacionou fenômenos sociais às áreas urbanas,
afirmando que pessoas com culturas semelhantes se agrupam em áreas es-
pecíficas da cidade. Essa abordagem teórica é chamada de ecologia humana.
Para a ecologia humana, o estilo de vida dos indivíduos é determinado pelo
seu habitat social: o local onde vivem e suas relações sociais. O comportamento
humano estaria relacionado, portanto, à posição que os indivíduos ocupam no
meio social urbano. Assim, a investigação do lugar ocupado no interior na vida
urbana e as relações estabelecidas nesses contextos revelariam a influência
do habitat social no modo de vida das pessoas.
Os comportamentos desviantes, nessa perspectiva, são resultado do meio
social do qual o indivíduo faz parte. Essa visão foi a base para a criação da
ecologia criminal, um corrente que vê a cidade composta por zonas, cada uma
com um padrão homogêneo de situações.
8 A escola de Frankfurt e a escola de Chicago

Em seu mapeamento da cidade, Park identificou a existência de uma zona de transição


(zona II): área marcada por condutas desorganizadas, crimes, vícios e casos de suicídio.
Essa zona corresponde, para o autor, à parte mais degradada de uma cidade.

A abordagem organizacional
Outra linha de interpretação da vida urbana produzida pela escola de Chicago
foi a abordagem organizacional. Tendo como foco os padrões de comporta-
mento social, Louis Wirth destacava a chegada de migrantes (da zona rural
ou de outros países) e afirmava que o modo de vida trazido por eles nunca
desaparecia por completo.
Desse modo, a vida urbana e as ações dos indivíduos não seriam definidas
pelo tamanho e pela localidade de suas unidades residenciais, mas pelos seus
hábitos (que não mudam por completo, ainda que os sujeitos passem a morar em
outros lugares). Nesse sentido, aponta Wirth (1987), residir numa área urbana não
é sinônimo de ter um modo de vida urbano. O urbanismo seria um conjunto de
padrões de comportamento que podem ser encontrados em indivíduos que habitam
grandes cidades e estabelecem vínculos e relações nesse contexto heterogêneo.
De modo geral, a escola de Chicago combinou teoria e pesquisa de campo
em seus estudos sobre a vida nos grandes centros urbanos. A cidade é vista
por mapeamentos em que os centros e subcentros, as periferias e as relações
de subordinação entre eles são destacadas. O centro é descrito como o lugar
que detém autoridade econômica, política e cultural. Assim, quanto mais
longe dele uma localidade fica, mais ela é carente econômica e culturalmente.
Conhecendo a história da escola de Chicago, você pode compreender
que a vida social é impactada pelas distâncias espaciais e pela mobilidade
dos indivíduos no espaço urbano. Essa constatação deu origem à sociologia
urbana e a um conjunto de estudos que buscaram analisar cientificamente as
transformações do seu tempo.

O que são as escolas de pensamento?


Agora você vai verificar por que é complicado alcançar um consenso no que
diz respeito à definição de escolas de pensamento. Em primeiro lugar, você
A escola de Frankfurt e a escola de Chicago 9

deve ter em mente que a construção do conhecimento da ciência social envolve


não só a produção do conteúdo em si, mas também o modo como essa ciência
lida com o que produziu.
A reflexão sobre o que se torna clássico dentro da disciplina e o que é
classificado como “escola de pensamento” coloca em cena os limites dessas
definições. Veja:

[...] a história de uma disciplina é também a história social, política, econô-


mica e geográfica das comunidades de investigadores; dos meios de divul-
gação e discussão de resultados e inquietações; dos centros de pesquisa e
ensino; dos esforços pragmáticos de utilização de conclusões, descobertas;
e a biografia das equipes e dos investigadores bem-sucedidos. As “esco-
las”, correntes ou tradições de investigação disciplinares, relativamente
complexas, englobam em diferentes proporções elementos dessas duas
ordens e a dificuldade de sua caracterização advém da intricada diversi-
dade estrutural — intelectual e institucional — com que se apresentam
(EUFRÁSIO, 1995, p. 38).

Assim, você pode compreender que a seleção do que se torna cânone na


disciplina e do que se enquadra como “escola de pensamento” está relacionada
também ao contexto social, histórico e político dos investigadores.
Para o sociólogo Howard Becker (1996), a sociologia também deve se
dedicar ao estudo da sua prática e dos seus métodos para que as ideias
não sejam tomadas como óbvias. Nessa perspectiva, a ideia de escolas
sociológicas, escolas de pensamento, muitas vezes acaba sendo reproduzida
sem uma maior problematização sobre a arbitrariedade e os limites dessas
classificações.
No intuito de esclarecer a confusão que o uso da expressão “escola de
pensamentos” gera, Guillemard (apud BECKER, 1996) distingue dois tipos
de escola, como você pode ver a seguir.

 Escola de pensamento: grupo de pessoas que compartilham questões,


reflexões e abordagens científicas. A atuação numa mesma instituição
ou na mesma época não é requisito para essa categoria, pois o critério
de agrupamento aqui são os pontos de convergência e similaridades
entre as ideias.
 Escola de atividade: grupo de pessoas que realizam um trabalho em
conjunto, não necessariamente compartilhando a mesma teoria. O
principal critério é trabalhar junto, realizar o trabalho de pesquisa
coletivamente.
10 A escola de Frankfurt e a escola de Chicago

A escola de Chicago, nessa perspectiva, é um exemplo de escola de atividade.


A realização de pesquisas empíricas em vez de grandes construções teóricas
(BECKER, 1996) estimulou a diversidade de análises sobre a realidade urbana
de Chicago. Assim, a escola não foi orientada por um pensamento homogêneo.
Apesar de algumas ideias serem compartilhadas pela maioria de seus membros, a
diversidade do grupo e a variedade de temas e conceitos foi a tônica dessa escola.
Coulon (1995), por exemplo, classifica como escola de Chicago os trabalhos
produzidos entre 1925 e 1940 por professores e estudantes da instituição. Destaca
que o que se entende por escola de Chicago nem sempre compreende uma corrente
teórica. O reflexo disso foi a produção e o estímulo a uma grande variedade de
estudos sobre a realidade urbana de Chicago, inclusive por parte do corpo discente.
Já a Escola de Frankfurt estava muito mais ligada por um pensamento
comum (a crítica ao capitalismo e à sociedade de massa) do que pelo trabalho
conjunto de seus membros. Inclusive, a sede do seu principal instituto chegou
a funcionar em outros países.
Algumas correntes teóricas se estabeleceram no campo da sociologia sem
serem classificadas como “escolas”, ainda que os trabalhos produzidos por elas se
enquadrem no conceito de escola de pensamento. Os estudos culturais, os estudos
subalternos e os estudos pós-coloniais e decoloniais, por exemplo, promovem
atualmente o debate sobre questões como eurocentrismo no interior da disciplina.
Além disso, esses estudos problematizam os critérios que tornam uma linha
de pensamento um cânone na disciplina. O que faz de uma obra um clássico?
Quais são os critérios para que o conhecimento produzido por uma escola de
pensamento seja obrigatório no currículo e o produzido por outra não seja?

O eurocentrismo é um conceito criado para abarcar todas as visões de mundo que


compreendem a cultura europeia como superior e/ou mais desenvolvida do que as
outras.

Atualmente, os estudos decoloniais, corrente que agrega pensadores em sua


grande maioria latino-americanos, reivindicam a necessidade de se decolonizar
o pensamento. Eles expõem as relações de poder entre Norte e Sul, destacam
o pensamento produzido no Sul do globo e defendem a construção de uma
ciência que não seja eurocentrada.
A escola de Frankfurt e a escola de Chicago 11

No caso da sociologia, uma ciência que nasceu na Europa e que foi se con-
solidando em outras regiões do mundo, foram estabelecidos alguns cânones que
são base da disciplina, mas que nem por isso são isentos de críticas. Essas tensões
dentro do campo científico revelam que a própria ideia de escolas de pensamento é
uma construção social, com diferentes interpretações e sujeita às relações de poder.

BECKER, H. A escola de Chicago. Mana, v. 2, n. 2, out. 1996. Disponível em: <http://www.scielo.


br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93131996000200008>. Acesso em: 3 out. 2018.
COULON, A. A escola de Chicago. Campinas: Papirus, 1995.
EUFRÁSIO, M. A. A formação da escola sociológica de Chicago. Plural, v. 2, p. 37-60, 1995. Dis-
ponível em: <http://www.revistas.usp.br/plural/article/view/68042>. Acesso em: 3 out. 2018.
FREITAG, B. A teoria crítica: ontem e hoje. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
PARK, R. E. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio
urbano. In: VELHO, O. G. (Org.). O fenômeno urbano. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
WALTZ, M. Teoria crítica na era da indústria cultural ou uma análise da derrota do esclareci-
mento. 2006. 126 f. Dissertação (Mestrado em Semiologia) - Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: <http://www.posciencialit.letras.ufrj.br/
images/Posciencialit/td/2006/15-mariannawaltz_teoriacritica.pdf>. Acesso em: 3 out. 2018.
WIRTH, L. O urbanismo como modo de vida. In: VELHO, O. G. (Org.). O fenômeno urbano.
4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

Leituras recomendadas
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
ADORNO, T. W. A indústria cultural. In: COHN, G. (Org.). Sociologia. São Paulo: Ática, 1986.
BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: BENJAMIN,
W. et al. Textos escolhidos. São Paulo: Abril, 1983.
BRETAS, A. Do deserto de gelo da abstração ao filosofar concreto: correspondência
Adorno-Benjamin (1928-1940). Trans/Form/Ação, v. 36, n. 3, 2013.
CUIN, C.-H.; GRESLE, F.; BIGOTTE, M. História da sociologia. São Paulo: Ensaio, 1994.
MIGLIEVICH-RIBEIRO, A. Por uma razão decolonial desafios ético-político-epistemoló-
gicos à cosmovisão moderna. Civitas-Revista de Ciências Sociais, v. 14, n. 1, 2014.
NOBRE, M. A teoria crítica. São Paulo: Jorge Zahar, 2008.
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