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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA RURAL


ERU-380 Desenvolvimento Socioeconômico
Professor: Marcelo L eles Romarco de Oliveira

Marcelo Leles Romarco de Oliveira1

“O que existe no mundo é suficiente para satisfazer as necessidades de todos, porém não a cobiça de alguns”
Gandhi

T exto Debate 10 -Situando o debate sobre o Desenvolvimento no mundo rural brasileiro2

Como vimos no debate sobre Desenvolvimento e meio ambiente, a adjetivação do Desenvolvimento


a outras áreas tem impulso a partir da década de 1970. No caso do rural, sobretudo no Brasil, esse
conceito passa a ganhar contorno a partir da década de 1990, no qual adjetivos como rural ou rural
sustentável vão fazer coro na pauta sobre Desenvolvimento e na discussão do rural brasileiro.

Mas antes de entrar no debate propriamente dito, algumas reflexões iniciais são importantes, ou seja,
é possível pensar em um espaço rural descolado do urbano ou vice versa? Podemos falar em um
modelo de Desenvolvimento para o Brasil separando rural do urbano? A final o que é o espaço rural?

É possível encontrar na literatura, algumas definições que buscam descolar o rural do urbano ou vice
versa. Amiúde o rural é associado a áreas menos povoadas, um espaço com grande dispersão
populacional, os modos de vida dos moradores seriam diferenciados, considera a ocupação e
natureza das atividades econômicas praticadas pelos indivíduos e por aí vai. Numa visão político-
administrativa sobre o que seria o espaço rural o IBGE no Censo de 2020 traz a seguinte definição:
“Caracteriza-se pelo caráter aglomerado de domicílios, normalmente distantes entre si não mais que
50m, e separados da franja das cidades e vilas por mais de 1km, (...) Áreas de uso rural
caracterizadas pela dispersão de domicílios e pela presença usual de estabelecimentos
agropecuários” (IBGE, 2020, p 16).

Kageyama (2004) numa aposta ousada tenta trazer uma classificação do que seria o rural, para isso
ela aponta os seguintes elementos:

a) rural não é sinônimo de agrícola e nem tem exclusividade sobre este; b) o


rural é multisetorial (pluriatividade) e multifuncionalidade (funções produtivas,
ambiental, ecológica e social); c) as áreas rurais têm densidade populacional
relativamente baixa; d) não há isolamento absoluto entre espaços rurais e as
áreas urbanas. Redes mercantis, sociais e institucionais se estabelecem entre o
rural e as cidades e vilas adjacentes (KAGEYAMA, 2004, p 382).

1
Doutor em Ciências Sociais com ênfase em Desenvolvimento e Sociedade e Agricultura (CPDA-UFRRJ). Professor
do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa.
2
Nota de aula elaborada no segundo semestre de 2020, para a disciplina ERU-380 da Universidade Federal de Viçosa-
UFV.

1
Entretanto, o que percebemos é a dificuldade de se pensar essas divisões dos espaços ou essa
dicotomia entre rural e/ou urbano e, portanto, esse entendimento nos ajuda a compreender que as
transformações de um determinado espaço impactariam outro. Dessa forma pensar em
Desenvolvimento do mundo rural, nos traz à baila a importância de pensar esses fatores.

Nesse sentido, o objetivo desse texto é trazer alguns apontamentos gerais sobre esse debate tendo
no centro dessa discussão aquilo que está ligado ao chamado mundo rural, um espaço importante
para produção de riquezas, intimamente ligado a extração dos recursos naturais, uso da terra e
também, como espaço de relações sociais, culturais e econômicas. Para tanto serão trazidos
conceitos e olhares de autores clássicos desse debate no Brasil, entre estes Schneider, Abramovay,
Caporal & Costabeber, entre outros.

Uma breve Contextualização Histórica de Desenvolvimento e Agricultura no caso brasileiro

Pensar no debate de Desenvolvimento e agricultura brasileira e consequentemente do espaço “rural”,


nos leva a refletir que o processo de transformação da agricultura no Brasil toma contornos
acelerados a partir de meados do século XX, com a adesão à chamada Revolução Verde3 ou
modernização da agricultura, que consistia, basicamente, na mudança da base produtiva através de
pacotes tecnológicos importados principalmente, do EUA. Como observamos nas análises de Furtado
(2000), os Estados Unidos da América, que teria ficado responsável pelo projeto mundial
transformador dos países centrais para os países periféricos. E, o Brasil por ser um país que possuía
suas bases econômicas centradas na agricultura, escolheu passar por esta influência. Sendo,
portanto, as bases estruturais de transformação do rural brasileiro.

Desta forma esses pacotes importados Made in USA tinham como objetivo central o aumento da
tecnificação do campo, através da utilização de máquinas e insumos modernos, aumentando a
produção por unidade de área e produto a ser colhido, desconsiderando qualquer forma de relação
cultural, econômica ou social de grande parte dos agricultores da época.

Esse modelo contou com total apoio do Estado brasileiro através de disponibilidade de crédito com
taxa de juros reais negativos. Esse modelo de Desenvolvimento agrícola4 fundou-se numa
racionalidade econômica dirigida pela maximização do lucro e do excedente econômico no curto

3Convencionou em chamar de Revolução Verde esse processo que esteve associado a batuta norte americana em
contra partida as revoluções vermelhas que estavam acontecendo em países comunistas como URSS, China, entre
outros. Lembre-se do discurso do Truman em 1949 que sinalizava para a necessidade dessa transformação global
em combate a fome e etc. capitaneada por eles (EUA), e a agricultura foi um dos instrumentos utilizados para tal
proposição.
4 É importante não confundir o Desenvolvimento agrícola com o Desenvolvimento rural sustentável ou rural, esses
dois últimos são trazidos para o debate a partir da década de 1990 e procurar contextualizar uma série de elementos,
que o Desenvolvimento agrícola mais voltado para um corpo modernizante deixava de lado outras questões que são
incorporadas no debate do Desenvolvimento rural ou rural sustentável.

2
prazo, e pelo direito privado da terra, sobretudo, a concentração do poder econômico e político, dando
origem aquilo que conhecemos hoje como os complexos agroindustriais brasileiros ou agronegócio.

De certa forma, a formação desses complexos agroindustriais foi a estratégia de Desenvolvimento do


rural adotada pelo Estado brasileiro, como suporte para tal transformação, os serviços de pesquisa e
extensão rural5 foram fundamentais.

Nesse sentido, Masselli (1998), vai trazer que uma maneira de promover essas mudanças no campo
brasileiro foram os serviços de Extensão Rural que tiveram um papel fundamental de veicular, no
universo rural, a ideia de que a forma como se produzia e vivia no campo era atrasada e a solução
seria, portanto, substituí-la por outros mecanismos e por técnicas modernas, utilizando o crédito para
consumir produtos industrializados e, com isso, produzir mais e, desse modo, viver melhor. Por isso,
era necessária que se fosse realizada assim uma intervenção para mudar a realidade do campo
brasileiro

Assim, o sistema capitalista implantado no campo alterou a estrutura produtiva da agricultura através
do aumento da tecnificação do campo, por meio da utilização de máquinas e insumos modernos,
aumentando a produção por unidade de área e o produto a ser colhido, favorecendo principalmente
as indústrias de máquinas agrícolas e insumos.

Esse modelo, também, foi caracterizado pelo processo de expansão das fronteiras agrícolas, com
poucas mudanças no padrão de distribuição da posse da terra e com um padrão tecnológico fixo.
Além de privilegiar grandes produtores, determinadas regiões e produtos da pauta de exportação. As
mudanças ocorridas nesse modelo de desenvolvimento potencializaram diversos problemas no
campo entre estes estão o aprofundamento das desigualdades sociais, exclusão de setores sociais
pobres na tomada de decisões, migrações campo-cidade, aumento da contaminação ambiental, a
manutenção de grandes extensões de terras e a falta de uma política de Reforma Agrária (OLIVEIRA,
2002).

Nesse contexto Delgado (1985) aponta que o marco temporal correntemente aceito para delimitar o
início dessas políticas de Desenvolvimento agrícola é o ano de 1965, pois data daí o nascimento das
políticas agrícolas com a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR). Assim, nesse período
foram visíveis os investimentos públicos no setor agrícola que se tornou o grande fomentador da
expansão agrícola “moderna”, estabelecendo a criação de diversos programas de desenvolvimento
regional, como o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO), Programa de
Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER), Programa de Desenvolvimento da Amazônia
(POLOAMAZÔNIA), entre outros.

Desta forma, esse modelo de transformação do campo brasileiro, foi orientado pela lógica do
Desenvolvimento associado as transformações das bases produtivas do campo a partir dessa

5Os serviços de Extensão Rural no Brasil, surgiu em 1948 no estado de Minas Gerais, com a criação da Associação
de Crédito e Assistência Rural (ACAR), com apoio da Fundação Norte Americana Rockfeller. Anos mais tarde a ACAR
vai dar origem a EMATER-MG.

3
modernização e industrialização e pela manutenção da concentração da terra e da não realização de
Reforma Agrária. É importante destacar que o Brasil é considerado o segundo pior países do mundo
no quesito concentração de terras. Em 2019 segundo dados do IBGE divulgados pela Oxfam Brasil,
cerca de 1% das propriedades brasileiras ocupariam cerca de 45% da área rural.

Essa realidade da concentração da terra, vai contribuir para que ocorra após a redemocratização do
país (1985), uma série de conflitos6 no campo relacionados, principalmente pela luta por Reforma
Agrária e reconhecimento do direito de trabalhadores e trabalhadoras do campo. Esses conflitos
aglutinam uma série de atores tais como latifundiários7, organizações não governamentais,
comunidade acadêmica, a Igreja (Católica), agricultores familiares, populações tradicionais,
movimentos sociais e o Ministério Público e trazem à baila uma série de mazelas que maculam a
nossa história. É justamente nesse momento que uma série de movimentos sociais vão surgir
trazendo a pauta de Reforma Agrária e o reconhecimento dessas populações, entre estes grupos é
possível citar como principais expoentes o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e o Movimento de Atingidos por
Barragens (MAB).

Dessa forma, o padrão de Desenvolvimento da agricultura brasileira seguiu um modelo de produção


seletivo que procurava atender, principalmente, os interesses, de conglomerados agrícolas e dos
grandes proprietários de terras. Nessa linha de pensamento, os agricultores e trabalhadores rurais
menos favorecidos eram considerados atrasados e seus valores tinham que ser alterados, para
poderem se “encaixar” nos novos tempos e se tornar produtores8 “de verdade”.

Essa visão reducionista provocou profundas mudanças na organização da produção e nas relações
de trabalho no meio rural e impactou para sempre a realidade brasileira. Um dos impactos dessa
transformação além da manutenção da concentração de terra, foi a expulsão de milhares de pessoas
do campo, que vão engrossar o grande êxodo rural brasileiro. Ou seja, com a migração de
aproximadamente 14 milhões de pessoas, na década de 60 e 15 milhões de pessoas, na década de
70.

6Sobre a categoria Conflito sociais no campo é preciso refletir que sua compreensão vai além de ações de
enfrentamento e de manifestações públicas, é preciso considerar também o conflito como possibilidade de tensões
sociais acerca de alguns temas e recursos (como, por exemplo, o uso ou apropriação da terra, água, degradação
ambiental, entre outros).
7Na antiguidade, Latifúndio era a denominação de grande domínio privado de terras da aristocracia. Na modernidade,
a palavra Latifúndio dá um sentido de extensas propriedades, geralmente monoculturas, com pouco ou nenhum
aproveitamento de terras.
8 Normalmente as pessoas que produzem na Agricultura, são tratados de forma genérica como Produtores, que neste
caso envolvem uma série de atores sociais, que podem ser divididos em duas grandes categorias: 1) Agricultores
Patronais: são aqueles que exploram a agricultura a partir do trabalho assalariado, tais como exemplo: cita-se
empresas, grandes proprietários de terra, voltados, principalmente para a monocultura e especialização agrícola;
também, conhecidos como produtores do agronegócio. A outra categoria seria a Agricultura Familiar pode ser
caracterizado como um termo genérico que abarca uma série de grupos de produtores rurais que possuem pequenas
unidades produtiva. A título de informação existem todo um debate político sobre essa discussão, que é importante
conhecer para entender essa diversidade produtiva que existe no rural brasileiro. No entanto, tal debate não será foco
de discussão nessa nota.

4
Na Tabela 01, pode-se observar a variação entre população rural e urbana no Brasil durante o Século
XX e início deste século. Nessa Tabela é possível observar a crescente concentração de população
na cidade. Nos dados do último Censo em 2010 é possível observar que mais de 84% dos brasileiros
residem em algum centro urbano.

Tabela 01. População residente por situação de domicílio no período de 1940-2010

Anos Total Rural Total Urbana Total Geral (%) Rural (%) Urbana
1940 (1) 28.356.133 12.880.182 41.236.315 68,76 31,24
1950 (1) 33.161.506 18.782.891 51.944.397 63,84 36,16
1960 38.767.423 31.303.034 70.070.457 55,33 44,67
1970 41.054.053 52.084.984 93.139.037 44,08 55,92
1980 38.566.297 80.436.409 119.002.706 32,41 67,59
1991 35.834.485 110.990.990 146.825.475 24,41 75,59
1996 (2) 33.993.332 123.076.831 157.070.163 21,64 78,36
2000 31.835.143 137.755.550 169.590.693 18,77 81,23
2010 29.521.372 160.925.792 190.755.799 15.64 84,36
2015* 15,28 84,72
Fonte: IBGE dados históricos dos Censos, (1) população presente, (2) contagem da população, *PNAD 2015.

Segundo Albuquerque (1990), a concentração fundiária é um fator importante que favoreceu a


migração rural/urbana, pois em regiões como o Nordeste que tem uma alta concentração de terras,
somada às relações de poder exercidas pelos latifundiários, fazem com que a migração para as
cidades seja uma alternativa à exploração e à dominação que os trabalhadores rurais enfrentam.

Assim sendo, esse processo de migração acabou transformando a própria estrutura da sociedade
brasileira, assim como os aspectos demográficos, econômicos e sociais. Essa migração foi associada
a fatores como à sedução das cidades, que no período de crescimento econômico acelerado atraía
a população rural, oferecendo empregos, elevação de renda, e ao mesmo tempo demandando
trabalhadores de pouca qualificação, que ingressavam no mercado de trabalho pelo setor de
construção civil ou serviços domésticos.

De outro lado, a população saía do campo expulsa: em alguns lugares pela modernização agrícola,
em outras pelas mudanças das atividades agrícolas ou como, por exemplo, em áreas em que a
lavoura é substituída pelos pastos.

Nesse sentido, vários trabalhos acadêmicos desde o final dos anos de 1970, desenvolveram uma
série de críticas aos modelos de desenvolvimento agrícola, tendo como ponto de partida os resultados
negativos desses modelos, tais como o aprofundamento das desigualdades sociais, exclusão de
setores sociais pobres na tomada de decisões, aumento da contaminação ambiental, a manutenção
de grandes extensões de terras e a falta de uma política de Reforma Agrária.

Para Altieri (1997), a maioria dos programas de Desenvolvimento nos países periféricos voltados para
o Mundo Rural constituíram no que se denomina “crescimento com miséria”. No caso brasileiro, como
5
já apontado em parágrafos anteriores, o modelo de Desenvolvimento adotado ocorreu com a
ausência de uma efetiva distribuição de terras, ou seja, com a ausência de uma política de Reforma
Agrária.

Essa constatação me faz refletir que a muito tempo o Brasil é taxado como o celeiro do mundo, que
é um dos principais responsáveis pela produção de alimentos no planeta. Indiscutivelmente, o Agro
brasileiro é importante para as divisas do país, gerando riquezas, trabalho e “Desenvolvimento”, todos
os anos batemos recordes de exportação de commodities agrícola, algo que deixa os entusiastas do
setor empolgado com essa pungência do Agro. Essa constatação nos permite refletir, portanto, que
este modelo de Desenvolvimento do mundo rural brasileiro teria dado certo? E, que essa realidade
da pungência do Agro seria uma resposta aos críticos do setor?

No entanto, infelizmente, esse entusiasmo não explicaria por que milhares de brasileiros ainda
passam por insegurança alimentar e até mesmo fome, mesmo diante dessa pungência e quebra de
recordes de exportação de alimentos. Corroborando com essa observação uma matéria produzida
pela agência BBC Brasil do dia 25 de setembro de 2020, traz a seguinte indagação: “Como o mesmo
Brasil que alimenta 1 bilhão ultrapassou 10 milhões de famintos 'dentro de casa'?9” Essa
pergunta poderia ser respondida com a seguinte reflexão: a realidade brasileira de exclusão de vários
setores, inclusive do direito de comer seria um efeito repique do modelo de Desenvolvimento adotado
pelo Brasil? Ou seja, independente de qual espaço (rural ou urbano) tenha sido a nossa escolha?

Percebe-se que esses dados recentes (2020), mostram uma piora nos índices relacionados a
pobreza, fome e miséria, ou seja, se compararmos com os dados elaborados por Valadares et al.
(2011) a pouco mais de 10 anos, nos mostra que em 2009 essa conta era menos amarga, pois
naquela ocasião havia no país 8,7 milhões de pessoas extremamente pobres, cerca de 5% da
população brasileira. No total, 42% dos extremamente pobres do país viviam em zonas rurais. E, na
área rural, 80% das pessoas começam a trabalhar antes dos 14 anos. Inclusive em alguns lugares
do país é possível encontrar pessoas trabalhando em condições análogo a escravidão (trabalho
escravo contemporâneo), muito dessas locais são empresas rurais que submetem seus
trabalhadores a condições degradantes.

Tentando coibir essa situação análoga ao trabalho escravo o governo brasileiro entre os anos de
2003-2004 criou a “Lista Suja” do trabalho escravo, que consiste num cadastro de empresas dos mais
variados ramos, organizações, fazendas e etc., que possuem trabalhadores em condições
degradantes. Essa lista serve para que investidores, autoridades e sociedade conheçam quem pratica
essas irregularidades. Em um levantamento realizado pela Comissão Pastoral da Terra em janeiro de
201910 existiam cerca de 204 nomes empregadores nesta lista, que ao todo somavam
aproximadamente 2.500 pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão (CPT, 2019).

9 https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54288952
10Cabe destacar que em 2017 o governo federal vinha travando uma batalha jurídica para que não divulgasse os
nomes nessa lista. Em setembro de 2020 o Superior Tribunal Federal julgou constitucional a divulgação da lista.

6
Ao tratar da renda do trabalhador rural, essa é bem inferior à renda do trabalhador urbano, ou seja,
no caso dos homens cerca de 36% recebem no máximo um salário mínimo. Já no caso das mulheres
mais de 40% das trabalhadoras recebem no máximo um salário mínimo. Mesmo os dados sendo de
2011 essa realidade pouco mudou nos últimos anos, pelo contrário tenho como hipótese que esse
quadro se agravou. Tais dados podem ser observados na Tabela 02 a seguir.

Tabela 02 - Renda salarial da população brasileira

Fonte: Valadares et al. (2011)

Além desse “Desenvolvimento” desigual no rural brasileiro as pesquisas tem nos mostrado que nas
últimas décadas as mudanças nas relações de trabalho e a depreciação das condições de vida das
populações, principalmente, as que vivem nas periferias das cidades, me permitem afirmar que a
aposta na urbanização, conforme foi feita no Brasil perde sentido. E, essa realidade me leva a uma
reflexão sobre essa opção brasileira sobre a urbanização, ou seja, Qual a relação que podemos
fazer entre violência urbana, pobreza e a ausência de Reforma Agrária no Brasil? Considerando
que o Brasil é um dos países mais desigual do mundo, inclusive ao falar no acesso e posse da terra
e que no nosso processo de Desenvolvimento foi orientado principalmente, no foco central da
urbanização, podemos trazer suposições que esta relação teria tudo a ver.

Contextualização do Debate mais recente sobre Desenvolvimento Rural brasileiro

Ao contextualizar o debate sobre Desenvolvimento e mundo rural brasileiro, Sérgio Schneider (2010)
nos apresenta que a partir da década de 1990 vem sendo construída, no Brasil uma agenda que
procura colocar no centro do debate as demandas dos agricultores e/ou produtores rurais com forte
influência dos mediadores políticos e dos acadêmicos. Essas demandas tinham forte relação com os
anseios principalmente, dos agricultores familiares11 que passam a ser reconhecidos como categoria

11Para entender ‘quem’ é o agricultor familiar é preciso compreender que agricultura familiar pode ser caracterizada
como um termo genérico que abarca uma série de grupos de produtores rurais. Nesse contexto, Wanderley (2003)
aponta que o agricultor familiar é aquele que é proprietário dos meios de produção e que utiliza a força de trabalho
familiar em seu próprio estabelecimento. Além de possuir grande diversidade em suas formas sociais.

7
política. Entre as pautas postas nesse momento, estavam a luta por crédito (vai dar origem ao Pronaf
em meados da década de 1990), a criação de novos mercados de comercialização, melhores preços,
regulação da previdência rural, entre outras.

Para o autor, outro avanço nesse debate do Desenvolvimento com olhar no rural e o reconhecimento
da amplitude dos atores no campo, vai proporcionar novas formas de classificação dos
estabelecimentos rurais, passando a reconhecer por exemplo, uma agricultura familiar e uma
agricultura patronal. Um marco nesse contexto foi o Censo Agropecuário de 1995/1996 que serviu de
desdobramentos para a criação de políticas públicas para o setor. Entre esta é possível citar a própria
Lei nº 11.326 de 2006, que vai definir o agricultor familiar nas seguintes categorias: Assentados da
reforma agrária; Pescadores Artesanais; Quilombolas; Indígenas; Seringueiros, Ribeirinhos,
Extrativistas, Atingidos por barragens e Agricultores. Que possuem até 4 módulos fiscais, limite
máximo para um empreendimento familiar; A mão de obra familiar é superior à contratada e a
propriedade dos meios de produção é da família. A direção da unidade produtiva é exercida pela
família e tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao
próprio estabelecimento ou empreendimento. Esses grupos em muitas situações tem uma relação
com o agrossistema que perpassa as questões produtivas, econômicas e culturais.

Reforçando esse olhar da agricultura familiar no debate sobre Desenvolvimento rural brasileiro,
autores como Garcia & Xavier, (2001) e Caporal & Costabeber, (2002), trazem contribuições que
procuram apontar o papel da agricultura familiar como o segmento que pode contribuir para uma nova
forma de produção de alimentos e que mitigue os impactos junto ao meio ambiente, pois esse tipo de
agricultura seguiria alguns parâmetros importantes, que vão contribuir para olhar e debater sobre o
Desenvolvimento rural brasileiro.

Nesse período histórico é importante, também, contextualizar que a sociedade está debatendo suas
preocupações sobre questões ambientais e de valorização da alimentação e segurança alimentar e
esses elementos, vão influenciar o debate do Desenvolvimento no âmbito do rural (SCHNEIDER,
2010).

Desta forma, a agenda do Estado voltada para o Desenvolvimento rural no Brasil teria sido construída
a partir de um misto relacionado as pressões dos agricultores, movimentos e as inspirações dos
mediadores e acadêmicos. Para isso, o autor aponta para a necessidade de se conhecer quem são
esses influenciadores na política de Desenvolvimento rural, nesse contexto o autor cita alguns
pesquisadores entre estes, José Eli da Veiga e Ricardo Abramovay, pesquisadores da USP que tem
seu mote de orientação na economia, ecologia e sociologia econômica, desta forma trazendo uma
passagem do texto, Schneider (2010) chama atenção que:

Para ambos, a valorização da agricultura familiar e o reconhecimento de seu


potencial dinamizador das economias locais talvez seja o principal ponto de
consenso. Em maior ou menor medida, sustentam o argumento de que a
capacidade de inovação dos agricultores familiares e sua interação com as
instituições locais são fundamentais para que possam ampliar a geração e
agregação de valor, assim como reduzir custos de transação e estimular
economias de escopo” (SCHNEIDER, 2010, pg 519).
8
Segundo Schneider (2010), José Eli da Veiga teria seus estudos influenciados pelos debates
europeus principalmente o francês, para eles tratam da questão dos territórios e da inovação nesses
espaços para o que ele “problematizou enfaticamente a natureza territorial do próprio espaço rural,
sustentando que “o rural brasileiro é muito maior” do que indicam as análises setoriais derivadas do
serviço censitário oficial (Veiga, 2002)” (SCHNEIDER, 2010, pg 520).

Já o Abramovay numa perspectiva mais sociológica recorre a uma literatura sociológica de capital
social, com inspiração em Putnam. Outro autor apontado nas análises de Schneider (2010), é José
Graziano a partir dos trabalhos do grupo de pesquisa da Unicamp denominado Rurbano, este grupo
tem seus trabalhos numa reflexão que procura demonstrar que o campo teria passado por
importantes transformações e o rural vem “produzindo” novas formas de exploração das atividades
como principalmente, a prestação de serviços, ou seja, a exploração do turismo rural e ecoturismo,
espaços de dormitório entre outros. Para Schneider (2010), essas transformações seria fruto “do
próprio processo de modernização conservadora da base tecnológica da agropecuária” (Schneider,
2010, p 521).

Ainda nas suas reflexões Schneider (2010) contextualiza a importância que autores como José de
Souza Martins e Zander Navarro, teriam para interpretar os espaços rurais do Brasil, descrevendo as
principais mudanças prioritárias que não passariam apenas pela promoção do acesso aos ativos ou
a recursos materiais e financeiros, tais como a terra, água, obras de infraestrutura ou crédito para
financiar plantio e comercialização, mas também, da possibilidade de espaços que permitissem a
organização e ampliação de capacidades e/ou liberdades desses grupos, principalmente dos menos
favorecidos no campo.

Outro debate abordado nos últimos anos que Schneider (2010) faz questão de sinalizar está
amplamente associado as questões agroalimentares, a segurança alimentar e nutricional que
também, estão em consonância com o debate promovido pelos ODS. Neste contexto, o autor chama
atenção para a importância no debate da segurança dos alimentos, das formas sustentáveis de
produção e as questões socialmente justa na produção. Esses elementos vão fazer refletir da
importância de se pensar não em cadeias produtivas mais em redes de produção.

Mas a final o que podemos entender por Desenvolvimento Rural?

Conforme apontado na seção anterior um marco aceitável para trazer o debate sobre
Desenvolvimento adjetivando seja ele rural ou rural sustentável seria, reconhecer essas
transformações no rural e os desdobramentos políticos e sociais voltados nesse espaço. Também, é
importante apontar que existe um debate voltado para identificar tanto as forças externas de um
determinado território como as ações implementadas pelo Estado, por exemplo, ou o olhar das forças

9
internas e locais (endógeno12) que procura valorizar o local como impulsionador desse
Desenvolvimento.

Diante desse contexto entendemos que pensar o Desenvolvimento independente do espaço


geográfico nos leva a refletir na magnitude de atores, elementos e ações que estariam em volta desse
debate. Desta forma, com intuito de sintetizar elementos que nos permita visualizar esse debate,
considerando principalmente uma configuração voltada para o mundo rural a Figura 01 a seguir nos
mostra um olhar condensado desse emaranhado que estamos debatendo.

Figura 01: Olhares e atores no Desenvolvimento Rural e/ou Rural Sustentável

Fonte: Elaborado pelo autor com utilização da ferramenta Lucidchart.

No que tange aos sujeitos sociais desse debate do Desenvolvimento e mundo rural, pesquisadores
têm apontado a necessidade de valorização dos sujeitos e o reconhecimento da sua diversidade,
tanto social, como econômica e produtiva nas propostas de Desenvolvimento. Neste caso, com o

12 Segundo Kageyama (2004), a ideia de se pensar em Desenvolvimento endógeno do universo rural, estaria
associado em valorizar as características especificas de cada espaço considerando suas particularidades e
potencializar esses espaços.

10
reconhecimento e crescimento da agricultora familiar, o debate sobre Desenvolvimento e mundo rural
vem sendo desenhado no país.

Assim sendo, procurando mostrar a amplitude desses atores o Censo agropecuário realizado no
Brasil em 2006, trouxeram importantes informações acerca da agricultura familiar, apontando que
esse grupo é fundamental para o desenvolvimento do país. Entre estes dados podemos destacar que
a agricultura familiar é responsável por 38% do valor bruto da produção agrícola. Sendo responsável
por cerca de 74,4% da ocupação dos trabalhadores no campo. Metade desses agricultores estariam
concentrados principalmente, na região Nordeste. Esses dados podem ser observados nas figuras
de 02 até 04 a seguir.

Figura 02 - Dados da agricultura familiar brasileira.

Fonte: Censo Agropecuário do IBGE, 2006.

Figura 03 – Agricultura Familiar por região.

Fonte: Censo Agropecuário do IBGE, 2006.

Figura 3– Participação da Agricultura Familiar no pessoal ocupado.

11
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE, 2006.

Outra informação importante sobre a agricultura familiar é que a maioria dos agricultores familiares
(74,7%) é proprietário de seus estabelecimentos, entretanto, há 25,3% ou 1.104.034 agricultores
familiares que têm uma “condição instável” em relação à terra. De acordo com o IBGE, são
assentados sem titulação definitiva, arrendatários, parceiros, ocupantes ou produtores sem área.
Deste modo, podemos classificá-los como parte do público que demanda e que depende de
programas e políticas públicas de reforma e reordenamento agrário para acessar a terra. Ao longo
desse texto outros dados sobre a agricultura familiar serão destacados.

Considerações não conclusivas

Nessa breve consideração trago aqui mais questionamentos do que respostas, procurando deixar
claro que esse é um debate inacabado, em movimento, em disputa e que carece de um olhar
ampliado das coisas. Ou seja, o processo de Desenvolvimento no espaço rural, impactaria o urbano
ou vice versa? Qual a importância do entendimento dessa dicotomia para o Desenvolvimento do
país?

Podemos entender que o Desenvolvimento pensado para o espaço rural, assim como todo o debate
que estamos discutindo ao longo da disciplina é uma meta a ser buscada? É possível sinalizar que
independente dessa dicotomia entre espaços (rural e/ou urbano), os caminhos do Desenvolvimento,
precisariam seguir seria considerar processos de mudanças que contribuam para uma maior
dinamização social, econômica, política, cultural e ambiental?

Referências
ALBUQUERQUE, Durval Muniz Júnior. Paraíbas e baianos: órfãos do campo, filhos legítimos da
cidade. In: Travessia, ano 3 n0 8, set-dez de 1990. pp.27-32.
ALTIERI, Masera, O. Desenvolvimento rural sustentável na América Latina: Construindo de baixo
para cima. IN: ALMEIDA, Jalcione. NAVARRO, Zander. (Orgs.). Reconstruindo a agricultura:
12
ideias na perspectiva do desenvolvimento rural sustentável. Porto Alegre: UFRGS, 1997.pp. 72-
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