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APRESENTAÇÃO ORAL
ABSTRACT
The article aims at to analyze the introduction of the territorial approach on the rural
development policies in Brazil. We analyze two experiences of territorial organization
situated at Vale do Ribeira (São Paulo) and Serra do Brigadeiro (Minas Gerais). The study
involves the analysis on the structure and composition of participatory fora created there,
the mechanisms of selection and support to projects, and the governance system adopted.
The main conclusion is that, in spite of a change in the stakeholders vocabulary, the
introduction of the territorial approach show itself an innovation by addiction, without a
necessary institutional change, capable to give an strategic perspective to the actions and a
character really intermunicipal and intersectorial, such as indicated on the literature about
the theme.
Sob o ângulo analítico, o enfoque que será aqui adotado consiste em considerar que
as articulações territoriais em curso precisam ser entendidas em suas conexões com duas
dimensões privilegiadas: (a) as estruturas sociais existentes nos espaços em que são
formadas e que respondem pela configuração da política e da economia local e (b) o
ambiente institucional que orienta a conduta dos agentes individuais e coletivos nesses
espaços. Significa, de um lado, que essas articulações precisariam apresentar uma certa
aderência às dinâmicas regionais, expressando ou se relacionando com o conjunto das
forças vivas e com as atividades econômicas que respondem pelo movimento da economia
local e pelas condições de reprodução dessa configuração social determinada. Nos termos
de AMABLE e PALOMBARINI (2005), trata-se de interrogar a coerência entre as
instituições para o desenvolvimento territorial e a configuração social expressa nas
dinâmicas territoriais. Quer dizer, adicionalmente, que aquelas articulações deveriam estar
em diálogo com o rol mais amplo de regras e incentivos direcionados aos agentes dos
territórios, com o ambiente institucional, enfim, de forma a influenciar substantivamente as
regras do jogo social local. Ou, novamente para recorrer aos termos dos mesmos autores,
as mencionadas conexões remetem à complementaridade entre instituições como condição
de sua eficácia.
A importância do par de conceitos apresentado — coerência e complementaridade
— reside no fato de que ambos fornecem uma referência muito útil para se pensar as
possibilidades de êxito das instituições. Ainda que de maneira um tanto esquemática, pode-
se dizer que uma instituição é eficiente quando consegue regular o conflito social que está
na raiz de uma configuração social determinada. Essa eficiência depende, primeiro, da
capacidade de interagir com as dinâmicas sociais em curso, seja reforçando-as, seja
alterando os termos em que elas ocorrem. Inversamente, a tendência ao êxito será menor se
as instituições se estabelecerem paralelamente, sem intervir efetivamente naquilo que
responde pelas condições de reprodução de uma configuração social (territorial),
simplesmente negando tais dinâmicas. Daí a idéia de coerência com as estruturas sociais.
E, segundo, a eficiência depende diretamente também de como a instituição em questão se
compõe com outras, formando o conjunto de regras e sanções que orientam o
comportamento dos agentes sociais (o ambiente institucional). As possibilidades de êxito
serão tanto maiores quanto mais fortes forem as complementaridades, já que, na direção
inversa, os ganhos advindos da estrutura de incentivos posta em prática por uma
instituição, podem ser anulados ou fortemente minimizados por outras instituições
concorrentes. Entretanto, o êxito de uma instituição na regulação de um determinado
conflito social não quer dizer que isso ocorra num sentido necessariamente positivo. Uma
instituição pode ser eficiente ao regular um conflito e fazê-lo justamente mantendo padrões
de dominação e de exploração. Ou pode, ao contrário, contribuir para superá-los. Dito de
outra forma, uma instituição terá sucesso e será vigorosa a depender de sua coerência com
as estruturas sociais e de sua complementaridade com outras instituições, como dito acima.
Se elas favorecem a mudança ou as permanências, tudo dependerá do sentido que ela irá
assumir, o que por sua vez será sempre resultado da expressão de interesses das forças
sociais que respondem por sua emergência, sua dinâmica ou sua mudança (BOYER, 2003).
Os pressupostos teóricos deste artigo — baseado nas considerações de AMABLE e
PALOMBARINI (2005) e também nos achados de outros estudos, como FLIGSTEIN
(2003), ABRAMOVAY et al. (2006) e COELHO et al. (2006) — são, portanto, (a) que as
instituições não ocorrem num vazio de instituições e estruturas sociais, ao contrário, suas
condições de êxito dependem justamente da maneira como tudo isso vai se compor, e (b)
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PROBLEMA E HIPÓTESES
Uma vez que as articulações sociais estimuladas pelo MDA, objeto deste estudo,
pretendem promover o desenvolvimento territorial — e, mais que isso, o desenvolvimento
territorial numa certa direção, a saber, aquela que favoreça as populações mais carentes e
que promova uma convergência entre taxas privadas e sociais de retorno —, trata-se, pois,
de saber em que medida elas estão sendo coerentes com as dinâmicas em curso e
complementares a outras instituições capazes de erigir uma configuração territorial
compatível com o ideal normativo contido na idéia desenvolvimento rural sustentável. Ou,
mais amplamente, trata-se de indagar se as mudanças promovidas pela coordenação
estatal na forma de alocar os recursos públicos direcionados a áreas rurais pobres, na
direção do planejamento territorial, estabelecem ou não um horizonte estratégico para o
desenvolvimento dessas regiões e as razões disso.
Tendo por referência os conceitos anteriormente citados, a hipótese que orienta este
artigo pode ser traduzida em três afirmações de caráter analítico e em um desdobramento
normativo:
a) O maior estímulo à participação social na gestão da política de
desenvolvimento rural, promovida por meio das articulações territoriais apoiadas pelo
MDA, tem trazido importantes mudanças ao favorecer o maior envolvimento dos
agricultores familiares, especialmente por meio de suas organizações de representação e
assessoria. Esse envolvimento facilita o acesso a determinados trunfos ou habilidades:
informação, capital simbólico derivado da condição de público-alvo de uma política
pública e mesmo maior participação na alocação dos recursos públicos. Com isso ocorre
maior democratização, transparência e controle social sobre os critérios que regem a
aplicação dos recursos.
b) No entanto, quando se trata de avaliar a eficiência das articulações enquanto
novas instituições dedicadas a promover o desenvolvimento territorial há uma série de
permanências, que fazem com que seu intuito anunciado se revele tímido. Isso porque tais
articulações (i) não refletem o conjunto das forças vivas do território, (ii) têm um
componente eminentemente setorial, tanto em termos das atividades econômicas apoiadas
como em termos da gestão dos recursos públicos, (iii) apóiam atividades pouco ou nada
inovadoras e (iv) estão organizadas de acordo com um sistema de governança igualmente
pouco inovador.
c) Dessa forma, essas instituições acabam não conseguindo expressar
incentivos para o planejamento territorial para além da mera alocação de recursos públicos
e, assim, imprimir estabilidade e horizonte estratégico às articulações e aos projetos a partir
delas apoiados.Com isso, embora contribua para alterar o peso relativo dos agentes e, por
aí, estimular alterações na correlação de forças sociais, os contornos da política pública
podem não estar dispostos de modo a gerar a aprendizagem e a formação de um ambiente
institucional necessário para tanto.
Como corolário às três afirmações anteriores, pode-se dizer que uma reforma das
instituições para o desenvolvimento territorial, aqui tratadas, teria que sinalizar na direção
de maior coerência para com as dinâmicas territoriais (interagindo efetivamente com elas e
não simplesmente negando-as) e de maior complementaridade com outras instituições e
iniciativas (estimulando ganhos derivados da soma entre especialidades e atribuições, e não
a concorrência entre níveis de governo ou estruturas administrativas).
Para explorar este sistema de hipóteses, o artigo analisa dois territórios rurais
constituídos no âmbito da ação do MDA: o Vale do Ribeira paulista e a Serra do
Brigadeiro, em Minas Gerais. A pesquisa se apoiou em ampla consulta a documentos
relativos às articulações locais, em entrevistas com informantes-chave e em
acompanhamento de reuniões e eventos relacionados ao tema do estudo. Além desta
introdução, situando o problema e as hipóteses, o artigo traz um primeiro item, o mais
breve, abordando os antecedentes da iniciativa do MDA, especialmente no que concerne ao
funcionamento dos CMDR. Um segundo item apresenta a estrutura, a composição e o
modo de funcionamento das duas articulações territoriais escolhidas.. O terceiro item é
dedicado à análise crítica desses mesmos elementos, tecida à luz do problema e das
hipóteses. E por fim, a conclusão destaca os principais resultados obtidos com o estudo.
Espera-se alcançar, com esse esforço analítico, uma demonstração consistente, não
normativa, de como as mudanças nas instituições para o desenvolvimento territorial
ocorrem ou são bloqueadas e as implicações disso para as políticas públicas.
das políticas de desenvolvimento rural no Brasil. A primeira delas foi a tentativa de fazer
do Pronaf Infra-estrutura um programa de aplicação intermunicipal. O objetivo era ampliar
a escala dos investimentos. A segunda, já no início do primeiro mandato do Governo Lula,
foi aprofundar a mudança introduzida com a ampliação da escala para o âmbito
intermunicipal e fazer disso os marcos de uma política de desenvolvimento territorial. Em
vez dos CMDR, caberia agora a novos colegiados, constituídos a partir de agrupamentos
de municípios, fazer a gestão dos recursos do Pronaf Infra-estrutura. Eliminou-se a
exigência de que fossem elaborados Planos Municipais de Desenvolvimento Rural e
acabou, também, a indicação formal de como deveriam se constituir os colegiados
responsáveis pela gestão dessas ações. Em seu lugar, a Secretaria de Desenvolvimento
Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário oferecia mecanismos de suporte às
articulações territoriais e a indicação de que elas se fizessem priorizando o envolvimento
do chamado público-alvo daquela instância: os agricultores familiares, os sem-terra e as
populações tradicionais.
A próxima seção analisa como as novas orientações se materializaram em duas
experiências reconhecidas pelos gestores do programa como algumas das mais bem
sucedidas nesses novos marcos. Com base nelas, poder-se-ia dizer que houve uma
mudança significativa do desenho das instituições e políticas para o desenvolvimento
rural? Qual seu significado?
desempenho dos indicadores, além de não permitir que se fale de uma tendência uniforme,
dificulta a identificação das razões pelas quais esse movimento ocorre. O que se pode
afirmar, seguramente, é que a imagem de região pobre, estagnada e com economia
dependente da agricultura vem dando lugar a uma diferenciação interna, de causas muito
difusas e pouco conhecidas pelos próprios agentes locais.
Três aspectos merecem ser destacados nessa breve caracterização da história e
situação atual do Vale. Primeiro, o fato de tratar-se de uma região com enormes vantagens
comparativas (localização próxima de São Paulo, presença de amenidades naturais e
biodiversidade), que, no entanto, não se transformam em vantagens competitivas,
deslocando o problema do terreno das limitações naturais ou da disponibilidade de
atributos físicos para as instituições capazes de garantir tal aproveitamento. Segundo, a
tendência recente de heterogeneização econômica, da qual decorre certo descolamento de
interesses entre os agentes tradicionais e aqueles mais vinculados às atividades ascendentes
(como é o caso, sobretudo, da valorização recente do setor de serviços). E terceiro,
finalmente, o caráter polissêmico de que se reveste o discurso sobre o desenvolvimento
sustentável e a dificuldade de traduzi-lo em um projeto capaz de amalgamar uma coalizão
ampla de agentes e organizações. O momento atual na história regional é, portanto, de
“encruzilhada”: há um reconhecimento da dificuldade em reproduzir um padrão de
desenvolvimento similar aos ciclos anteriores, não há dúvidas quanto à centralidade dos
problemas relativos a direitos de propriedade e conflitos ambientais e, junto disso, há uma
ascensão da retórica do desenvolvimento sustentável, mas sem um caminho consolidado ou
em vias de consolidação para os elementos nela contidos.
A importância da questão ambiental é um elemento comum entre o Vale do Ribeira e
os municípios que compõem o território da Serra do Brigadeiro, especialmente a partir da
constituição de uma unidade de conservação nos anos 1990, o Parque Estadual Serra do
Brigadeiro (PESB). Foi a delimitação da área do PESB pelos órgãos públicos que serviu,
inclusive, a uma aproximação sistemática das organizações que atuavam junto dos
agricultores familiares na região, mais nitidamente ONGs, universidade e sindicatos de
trabalhadores rurais. Tal delimitação havia sido percebida, inicialmente, como uma ameaça
à permanência dos agricultores. A intensa mobilização social no momento dessa
delimitação se deu, justamente, com o objetivo de reduzir o volume de desapropriação de
áreas produtivas que a demarcação inicial acarretaria. Em seguida à delimitação em
consonância com o que demandavam as organizações sociais, essas passaram a atuar para
diminuir a pressão sobre a unidade de conservação, estimulando nas comunidades rurais do
entorno da Serra (constituídas por imigrantes europeus, remanescentes de quilombolas e
indígenas) atividades geradoras de renda aliadas à preservação do patrimônio ambiental.
Porém, antes da instalação do Parque, o que os municípios partilhavam — as
características ambientais e de relevo bastante similares, basicamente definidas a partir de
sua relação com a Serra do Brigadeiro — era, de certa forma, o que os separava também, já
que a Serra funcionou como uma barreira natural à integração dos nove municípios e
determinou fluxos comerciais e de serviços com municípios circunvizinhos que não
participam do território e não têm uma relação direta com a unidade de conservação. Pode-
se afirmar, por isso, que a constituição do parque definiu o conteúdo da problemática
ambiental regional e que essa problemática está, ainda, em processo de reconhecimento
pelos atores sociais que atuam na região.
Se o que se observa na Serra do Brigadeiro não é muito diferente da situação de
“encruzilhada” descrita para o Vale do Ribeira, pode-se notar que, ainda que seja imediato
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fiscal e de uma comissão executiva, além de câmaras técnicas. O fórum é composto por
150 representantes municipais e suplentes eleitos diretamente em assembléia, sendo que
cada município pode ter até seis representantes, observando-se a proporção de 2/3 para
aqueles oriundos da sociedade civil e o terço restante para o poder público. Embora eleitos
e não indicados, para se candidatar uma pessoa tem que fazê-lo em nome de uma entidade
ou organização local, sendo vedada, portanto, a candidatura de pessoas sem vínculos
associativos. O conselho fiscal e a comissão executiva, por sua vez, são eleitos pelos
membros do fórum.
Tal tentativa de promover a articulação das políticas públicas prometia ser uma
inovação importante, capaz de estimular complementaridades, no entanto, os esforços
acabaram revelando-se pouco profícuos, já que no interior do fórum foi reproduzida a
fragmentação das ações, especialmente a partir do funcionamento das câmaras técnicas,
cada uma criada para gerir uma política sob responsabilidade de um Ministério diferente:
uma câmara para as políticas de desenvolvimento territorial, do MDA; uma câmara para as
políticas ambientais, do Ministério do Meio Ambiente, e uma câmara para as políticas de
segurança alimentar, do Ministério do Desenvolvimento Social. Na prática, o espaço que
funciona como colegiado territorial não é o fórum mais amplo, embora ele seja o
responsável formal, mas, sim a câmara técnica, reconhecida pelo MDA como o colegiado
territorial do Vale do Ribeira.
Já o colegiado territorial da Serra do Brigadeiro é composto por 38 instituições e
representações: são nove representantes dos poderes públicos municipais, basicamente as
prefeituras municipais; quatro de instituições públicas; dezoito representantes dos
agricultores familiares (dois de cada município, sendo que um representa as comunidades
do entorno do parque e um o sindicato) e sete da sociedade civil. São, basicamente, agentes
que atuam no setor agropecuário e junto a agricultores familiares, mesmo em se tratando
das ONGs ambientalistas. Todos os representantes têm vínculos institucionalizados, à
exceção dos representantes das comunidades do entorno do PESB. Note-se, entretanto, que
a mobilização desses representantes para participar das reuniões depende do alcance dos
sindicatos; seu comparecimento ao local das reuniões depende, inclusive, dos recursos
materiais eventualmente disponibilizados pelos sindicatos.
É fácil observar, no que diz respeito à composição dos dois colegiados territoriais,
que a agricultura familiar está efetivamente representada, pelo perfil das organizações que
participam dos colegiados ou mesmo pelo número de representantes que têm — na câmara
técnica da agricultura familiar, no CONSAD, metade das cadeiras são atribuídas a esse
segmento. A representação dos segmentos mais pobres da agricultura familiar não está,
todavia, plenamente assegurada, como os agricultores dos municípios mais distantes no
Vale do Ribeira, onde justamente se concentram os piores indicadores econômicos e
sociais, ou as comunidades do entorno do parque da Serra do Brigadeiro. Afinal, nem todas
as comunidades rurais dos territórios são alcançadas pela atuação das organizações sociais.
Por isso, mesmo em um espaço que discute as políticas públicas com foco na agricultura
familiar, como os colegiados territoriais, os grupos sem representação social acabam
excluídos.
Também estão ausentes os comitês e consórcios de gestão dos recursos hídricos; o
poder público estadual (no Vale do Ribeira), a quem cabe o tratamento de parte dos
entraves fundamentais ao desenvolvimento regional, como a definição dos direitos de
propriedade em torno do enorme volume de terras sem titulação, e setores importantes da
sociedade local, como os sindicatos rurais e o empresariado local, suas entidades de classe
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algo que dificulta a aplicação dos recursos a partir de uma visão estratégica do
planejamento territorial.
3.1 - MUDANÇAS
A análise dos casos da Vale do Ribeira e da Serra do Brigadeiro evidencia a
existência de uma maior aproximação da atuação do MDA em relação ao seu público-alvo.
A principal referência sobre isso é a comparação com a situação antes vivenciada por
intermédio dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural, tal como descrita em
avaliações citadas neste artigo.
Embora parte das regras que orientam os atuais colegiados territoriais e os CMDR
seja comum, o que se observa é que houve nos anos recentes um significativo investimento
nas condições de funcionamento oferecidas aos organismos de âmbito territorial. São
exemplos: o financiamento de um amplo leque de atividades locais de articulação,
sobretudo na forma de oficinas de capacitação, planejamento e decisão; os investimentos
em recursos humanos, como a contratação de articuladores que atuam em cada território e
de consultores territoriais, responsáveis pela condução das ações do MDA em cada estado;
a disponibilidade de recursos para assessorias e a realização de estudos, como os Estudos
Propositivos para a Dinamização das Economias Territoriais e os Planos de Safra
Territoriais.
Tal conjunto de instrumentos trouxe uma mudança perceptível, observada através (a)
do maior acesso à informação, aumentando assim o capital cultural do público-alvo das
iniciativas, (b) do efetivo reconhecimento do seu status como público estratégico para o
desenvolvimento rural, aumentando assim seu capital simbólico perante outros grupos
sociais locais tradicionalmente privilegiados na alocação dos recursos públicos, e (c) de um
correspondente aumento do seu capital político, perceptível por intermédio de sua maior
capacidade em influenciar na condução da política de desenvolvimento rural. O incremento
nessas três formas de capital, para usar os termos da sociologia de Pierre Bourdieu,
certamente contribui para mexer, ainda que não decisivamente, na balança de força dos
diferentes agentes que conformam a configuração social das regiões rurais.
Além dessa mudança, que pode vir a ter significados de mais longo prazo, uma
alteração substantiva no plano imediato está no fato de que os recursos do Pronaf Infra-
estrutura, que antes eram monopolizados por representantes do poder público municipal e
que, predominantemente, não passavam de listas de compras de equipamentos e máquinas,
agora se aproximam mais do público-alvo das ações do MDA. Por intermédio das ações de
apoio e dos ganhos dela advindos, é nítido que ocorre maior democratização sobre os
critérios que regem a aplicação dos recursos e sobre seu destino.
Tudo isso, no entanto, não se revela condição suficiente para maior eficiência da
política pública, como se pode perceber através de uma série de permanências igualmente
verificadas e tratadas adiante.
3.2 - PERMANÊNCIAS
Se os ganhos para o público-alvo da atuação do MDA são inquestionáveis, ainda que
caiba um parêntesis quanto às formas de acesso que garantem (ou não) os agricultores
familiares não organizados em entidades de representação social ou sindical, é forçoso
reconhecer que esses ganhos não se traduzem, necessariamente, em benefícios para o
conjunto do território ou mesmo em um horizonte mais estável para os benefícios
alcançados por determinados segmentos mais organizados. Isso porque o caráter
eminentemente setorial dos colegiados territoriais, nos dois casos analisados, tem
implicações na definição de um horizonte estratégico para o desenvolvimento territorial.
Duas razões estão no cerne da composição setorial dos colegiados apoiados pelo
MDA. Primeiro, não há uma tradição dos agentes locais em cooperar entre si e em buscar
formas de concertação e de mobilização de recursos de maneira combinada em torno de
objetivos comuns, como prevê a retórica participacionista; ao contrário, o histórico local é
de disputa por recursos e por reconhecimento social. Segundo, não há absolutamente nada
nas regras de aplicação dos recursos, considerando as diferentes políticas públicas e não
apenas o programa do MDA, que premie a complementaridade. Sem estarem
acompanhados de mecanismos de enforcement, materializados nos procedimentos de
seleção e apoio a iniciativas locais, os programas governamentais acabam, de fato,
estimulando a fragmentação. Tal afirmação é facilmente perceptível nos projetos
privilegiados pelos colegiados aqui analisados.
É interessante observar que, ainda que atendendo o mesmo público (os agricultores
familiares), entidades e instituições pouco ou nada convergiam e dificilmente estabeleciam
formas de cooperação anteriormente à constituição dos colegiados, passando a vivenciar (e
a negociar, em alguma medida) nesses colegiados diversos conflitos até então diluídos nos
CMDR. Nos colegiados passaram a ser confrontadas as demandas de diferentes atores
disputando uma mesma fonte de recursos públicos e suas percepções acerca uns dos outros.
Tais percepções, na convivência em diferentes atividades promovidas pelo programa do
MDA, vão sendo modificadas, o que pode ser bastante positivo, entretanto, o programa não
institucionaliza mecanismos para manejar os conflitos e evitar o enrijecimento das posturas
institucionais e políticas para além da acomodação dos interesses na distribuição
fragmentada e setorial dos recursos: é apenas o “efeito-trator” da política pública o que
vem mantendo os atores minimamente articulados no mesmo espaço, e não uma agenda em
comum.
Quanto às atividades apoiadas pelos recursos do MDA nos dois territórios, elas
claramente não são inovadoras ou promissoras. O apoio à produção de bens primários e à
comercialização desses produtos, em ambos os casos, e o apoio à implementação de
escolas família agrícola, particularmente na Serra do Brigadeiro, são os principais eixos
dos investimentos realizados. Enquanto isso, as atividades em ascensão ou com maior
capacidade de geração de ocupação e renda passam ao largo da discussão realizada pelos
colegiados, como é o caso das atividades de turismo e de serviços ambientais ou da criação
de produtos diferenciados, como marcas de qualidade ou específicos dos territórios.
As menções ao meio-ambiente, embora existam nos planos das duas regiões, não se
encontram totalmente materializadas nas iniciativas financiadas pelos recursos nelas
aplicados. Obviamente, tal constatação deriva, antes de tudo, de dois fatores que não
podem ser ignorados nesta análise dos incentivos da política pública e que vão além da
capacidade de planejamento dos representantes territoriais: (i) o declínio dos ciclos
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No caso da Serra do Brigadeiro, a ação das empresas de mineração tem sido, até o momento, apenas objeto de
manifestação contrária no colegiado territorial. Ainda que tal espaço devesse ser de gestação de um modelo de
desenvolvimento, o que se observa é uma grande dificuldade para que ele sirva à negociação desse processo, pois não se
estabeleceram mecanismos para internalizar e confrontar visões tão dissonantes.
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No caso dos colegiados territoriais analisados, as prefeituras municipais têm assento garantido, porém, participam de
maneiras que variam na intensidade e no conteúdo.
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os investimentos individuais e públicos gerando convergência entre ganhos privados e sociais. No entanto, as
regras atuais não favorecem um tal aprendizado, mas, antes, estimulam a captura dos espaços e dos recursos
por grupos individuais. Terceiro, a mudança pode se dar por fontes exógenas. Mas esta é a forma menos
previsível e direcionável e, no entanto, é a que parece ocorrer na maioria dos territórios. A exposição às
forças competitivas exógenas leva a alteração no comportamento dos agentes e a busca da melhor alocação
de recursos. Com isso, há uma mudança na composição setorial das economias, em geral com uma ascensão
do setor de serviços e diminuição do peso da agricultura, e desempenho heterogêneo dos indicadores
econômicos e sociais. Como conseqüência, muda o perfil dos territórios, mas não na direção desejada pelo
ideal normativo do desenvolvimento.
Fonte: FAVARETO (2007)
CONCLUSÃO
As páginas anteriores mostram que, passada já mais da metade da presente década,
houve tentativas importantes de converter em modificações nos contornos dos
instrumentos de apoio ao desenvolvimento rural algumas das lições apontadas por vários
estudos realizados nos fins dos anos 1990 e na virada para os anos 2000. A emergência da
abordagem territorial, o fortalecimento dos mecanismos de participação social na gestão
das políticas públicas e sua transformação em diretrizes de governo são avanços inegáveis.
Mas, uma das condições de eficácia desses instrumentos é justamente a necessidade de sua
constante atualização. Afinal, passar do ideal normativo contido na idéia de
desenvolvimento rural sustentável para uma abordagem realista, capaz de pôr em marcha
os processos de mudança necessários a que tais desejos se mostrem factíveis, é algo que
implica correções sucessivas de rumos, quer se trate do desenho de políticas, quer se trate
da atuação de organizações sociais e movimentos representativos de determinados grupos
ou segmentos.
A emergência da abordagem territorial do desenvolvimento rural já foi objeto de
alguns importantes trabalhos (VEIGA, 2000; ABRAMOVAY, 2003). Sua origem está
relacionada, de um lado, ao reconhecimento de novas dinâmicas espaciais, tendo como um
dos marcos inegáveis o já clássico trabalho de BAGNASCO (1977). Por outro lado, tal
movimento ocorre em um momento histórico também marcado por um certo
realinhamento dos instrumentos tradicionais de promoção do desenvolvimento. A
descentralização das políticas, e também da atividade industrial, associada à redução e a
um redirecionamento da intervenção estatal, contribuíram para que, particularmente nos
meados das décadas de 1980 e 1990, se instituísse um padrão onde, em lugar dos
investimentos diretos e de corte setorial, caberia ao Estado criar condições e um certo
ambiente a partir do qual os agentes privados pudessem, eles mesmos, fazer a alocação,
supostamente mais eficiente, dos recursos humanos e materiais. Aqueles processos sociais
e econômicos de corte eminentemente territorial, e não mais meramente setorial, e esse
novo padrão, são, em síntese, as principais razões da emergência e consolidação da nova
abordagem.
Este artigo procurou, através de uma análise de duas situações concretas — o Vale
do Ribeira paulista e a Serra do Brigadeiro, em Minas Gerais —, avaliar o alcance das
políticas desenhadas com o intuito de promover o desenvolvimento territorial. Daí emergiu
uma crítica às dificuldades do Estado e das sociedades em operar com a mudança de
paradigma contida na nova ruralidade, de maneira a sustentar a definição e a
implementação das iniciativas propostas com esse fim.
A afirmação principal que sustenta este artigo é que a “nova visão” do
desenvolvimento rural se instituiu com força suficiente para reorientar o discurso e o
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desenho das políticas e programas formulados com esse fim, porém, isso não se fez
acompanhado da criação de novas instituições capazes de sustentar o novo caminho. Ao
contrário, o que parece estar ocorrendo é uma incorporação "por adição” (FAVARETO,
2007) dos novos temas onde, sob nova roupagem, velhos valores e práticas continuam a
dar os parâmetros para a atuação dos agentes sociais, coletivos e individuais, estabelecendo
aquilo que a literatura sobre instituições conceitua como dependência de percurso. Por isso,
ainda que os últimos anos sejam de inegável evolução no desenho das políticas de apoio ao
desenvolvimento rural, é preciso uma profunda reformulação de seus mecanismos
institucionais para que elas venham a atingir os objetivos a que se propõem. Fazer as
correções de rumo necessárias será o principal desafio dos próximos anos. As sugestões a
seguir podem ser um primeiro passo nessa direção.
Isso porque tal reformulação envolve dois níveis. O primeiro é aquele que foge à
esfera de atuação e também à competência de um único Ministério, nesse caso analisado, o
MDA. Seria preciso transformar o programa de desenvolvimento territorial desse
Ministério em uma política de Governo, mais do que de uma Secretaria. O caráter
multidimensional e fundamentalmente intersetorial do desenvolvimento territorial e a
necessidade de articulação entre instituições e políticas para regular os conflitos envolvidos
são fatores que limitam, de partida, a eficácia dos colegiados territoriais e dos demais
instrumentos sob alçada do MDA.
O segundo nível é aquele restrito aos contornos da política posta em prática pelo
MDA, basicamente à estrutura de incentivos que dela deriva.
A estratégia adotada até aqui, de ofertar um conjunto de instrumentos e
investimentos, deixando que sua adaptabilidade fosse objeto da intervenção dos atores
locais, revelou-se pouco profícua, pelo simples fato de que muitos territórios não são
dotados das habilidades sociais (FLIGSTEIN, 2003) necessárias a fazer a melhor alocação
desses recursos. O fato mesmo que parcela dos territórios já tenha elaborado seu plano de
desenvolvimento territorial e outros não resulta, entre outras razões, dessa constatação. Isso
significa que é preciso descartar, também, outra opção possível, que consistiria em adotar
um desenho similar a outras experiências internacionais, onde os territórios são apoiados a
partir da proposição dos “melhores projetos”. Tal alternativa tende a reforçar as diferenças,
à medida que há uma lógica tendencial a que os territórios mais bem dotados de recursos
humanos e cognitivos formulem as melhores propostas, enquanto os mais carentes
dificilmente conseguirão o mesmo êxito (RAY, 2000).
Em outra direção, seria preciso organizar as ações de apoio às regiões rurais pobres
em um sistema de incentivos que favoreça claramente a valorização dos aspectos já
sabidamente importantes para o êxito de iniciativas de desenvolvimento territorial. A
mudança de regras, a partir da execução de uma política pública, pode impor novos
parâmetros às proposições dos agentes locais e, por esse caminho, favorecer uma alocação
mais eficiente dos recursos e até mesmo um aprendizado em temas e dimensões que não
são naturais ao cotidiano das organizações. Três critérios deveriam ser observados:
- Complementaridade: é preciso estimular a combinação entre recursos originários de
programas e políticas de diferentes Ministérios, níveis de governo e organismos
públicos e privados. De acordo com os moldes atuais, os proponentes que agregam
investimentos são tratados da mesma maneira que aqueles que simplesmente
demandam recursos federais, o que não contribui para gerar aprendizado e reforçar as
sinergias.
BIBLIOGRAFIA
ABRAMOVAY, Ricardo (1992). Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São
Paulo/Campinas: Ed.Hucitec/Ed.Unicamp.
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