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XLV CONGRESSO DA SOBER

"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"

DO TERRITÓRIO COMO “ATOR” AO TERRITÓRIO


COMO “CAMPO”: UMA ANÁLISE DA INTRODUÇÃO DA
ABORDAGEM TERRITORIAL NA POLÍTICA DE
DESENVOLVIMENTO RURAL NO BRASIL

ARILSON FAVARETO (1) ; MONICA SCHRODER (2) .

1.UFABC, SANTO ANDRÉ, SP, BRASIL; 2.PLURAL, SÃO


PAULO, SP, BRASIL.

arilson@uol.com.br

APRESENTAÇÃO ORAL

DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E RURALIDADE

Do território como “ator” ao território como “campo”:


uma análise da introdução da abordagem territorial na política
de desenvolvimento rural no Brasil

Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, 1


Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"

GRUPO: DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E RURALIDADE


RESUMO
O artigo tem por objetivo analisar a introdução da abordagem territorial nas políticas de
desenvolvimento rural no Brasil. São analisadas duas experiências de articulação territorial
localizadas no Vale do Ribeira paulista e na Serra do Brigadeiro, em Minas Gerais. O
estudo envolve a análise da estrutura e composição dos fóruns participativos ali criados, os
mecanismos de seleção e apoio a projetos e o sistema de governança adotado. A principal
conclusão é que, apesar da mudança de vocabulário de gestores e movimentos sociais, a
introdução da abordagem territorial revela-se uma inovação por adição ao léxico desses
agentes, sem a devida mudança institucional capaz de conferir um horizonte estratégico às
ações e um caráter efetivamente intermunicipal e intersetorial, tal como preconizado na
literatura sobre o tema.

Palavras-chave: desenvolvimento rural, desenvolvimento territorial, políticas públicas,


participação social

ABSTRACT
The article aims at to analyze the introduction of the territorial approach on the rural
development policies in Brazil. We analyze two experiences of territorial organization
situated at Vale do Ribeira (São Paulo) and Serra do Brigadeiro (Minas Gerais). The study
involves the analysis on the structure and composition of participatory fora created there,
the mechanisms of selection and support to projects, and the governance system adopted.
The main conclusion is that, in spite of a change in the stakeholders vocabulary, the
introduction of the territorial approach show itself an innovation by addiction, without a
necessary institutional change, capable to give an strategic perspective to the actions and a
character really intermunicipal and intersectorial, such as indicated on the literature about
the theme.

Key-words: rural development, territorial development, public policies, social


participation

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INTRODUÇÃO, PROBLEMA E HIPÓTESES


A principal marca dos anos 1990, quando se trata das instituições e políticas para o
desenvolvimento rural no Brasil, foi a consolidação da agricultura familiar como categoria
explicativa de uma determinada forma social de produção (ABRAMOVAY, 1992) e sua
definição como segmento prioritário para investimentos públicos (SCHNEIDER et al,
2003). Nesse movimento, foi instituído o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf), atualmente completando uma década de existência, e com
ele foram criadas centenas de Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural (CMDR).
Na presente década, uma marca distintiva é a ascensão da chamada abordagem
territorial do desenvolvimento rural (VEIGA et al. 2001; ABRAMOVAY, 2003;
FAVARETO, 2007). Em relação à política pública, tal abordagem se materializou na
criação de uma secretaria específica — a Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT)
— no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), cujos principais objetivos são o
estímulo à constituição de “territórios rurais”, entendidos como conjuntos de municípios
agrupados a partir da predominância de elementos rurais (baixa densidade demográfica e
pequena população) e de critérios de proximidade geográfica e coesão social (SDT/MDA,
2005), e a gestão de um programa de desenvolvimento sustentável desses territórios,
baseado nos recursos do Pronaf Infra-estrutura. O formato institucional para a
implementação do programa do MDA se traduz nos chamados Colegiados de
Desenvolvimento Territorial (CODETER) ou, em alguns casos, nas Comissões de
Instalação das Ações Territoriais (CIAT). Esses colegiados e comissões são, na verdade,
fóruns participativos que devem se responsabilizar pela gestão das políticas e programas de
desenvolvimento e, mais particularmente, pela aplicação dos recursos do Pronaf Infra-
estrutura, antes atribuição dos conselhos municipais.
Muito embora se trate de uma iniciativa ainda bastante recente, uma questão que se
impõe é saber se ela tem conseguido superar alguns dos limites que já haviam sido
apontados por uma série de estudos sobre os CMDR, e cujo núcleo comum pode ser
resumido na afirmação de que eles representaram importante novidade perante a trajetória
histórica das políticas para o rural brasileiro, tiveram, no entanto, sua eficácia fortemente
limitada por uma série de razões. Entre elas, cabe destacar o caráter eminentemente formal
de que se revestiam, revelando-se incapazes de encarnar a totalidade das forças vivas
desses espaços, e a abrangência de sua atuação, por demais restrita à agricultura e às
fronteiras dos municípios, quando a idéia de desenvolvimento rural pressupõe
intersetorialidade e uma dimensão espacial que remete à escala regional (ABRAMOVAY,
2003; FAVARETO e DEMARCO, 2003; MORUZZI MARQUES, 2003).
Este artigo integra um projeto de pesquisa mais amplo, levado adiante nas cinco
macrorregiões brasileiras. Em cada uma delas foram analisadas duas iniciativas de
articulação dos agentes em áreas rurais pobres, estimuladas pelo programa de
desenvolvimento territorial do MDA. O objetivo principal do estudo foi reunir elementos
sobre a constituição dos arranjos institucionais (a CIAT ou o CODETER), o caráter da
participação social nessas instâncias colegiadas e o processo de formulação e negociação
dos projetos com recursos do Pronaf Infra-estrutura. Tudo isso com o intuito de avaliar o
alcance das mudanças introduzidas com a introdução da abordagem territorial nas políticas
de desenvolvimento rural a cargo do MDA.

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Sob o ângulo analítico, o enfoque que será aqui adotado consiste em considerar que
as articulações territoriais em curso precisam ser entendidas em suas conexões com duas
dimensões privilegiadas: (a) as estruturas sociais existentes nos espaços em que são
formadas e que respondem pela configuração da política e da economia local e (b) o
ambiente institucional que orienta a conduta dos agentes individuais e coletivos nesses
espaços. Significa, de um lado, que essas articulações precisariam apresentar uma certa
aderência às dinâmicas regionais, expressando ou se relacionando com o conjunto das
forças vivas e com as atividades econômicas que respondem pelo movimento da economia
local e pelas condições de reprodução dessa configuração social determinada. Nos termos
de AMABLE e PALOMBARINI (2005), trata-se de interrogar a coerência entre as
instituições para o desenvolvimento territorial e a configuração social expressa nas
dinâmicas territoriais. Quer dizer, adicionalmente, que aquelas articulações deveriam estar
em diálogo com o rol mais amplo de regras e incentivos direcionados aos agentes dos
territórios, com o ambiente institucional, enfim, de forma a influenciar substantivamente as
regras do jogo social local. Ou, novamente para recorrer aos termos dos mesmos autores,
as mencionadas conexões remetem à complementaridade entre instituições como condição
de sua eficácia.
A importância do par de conceitos apresentado — coerência e complementaridade
— reside no fato de que ambos fornecem uma referência muito útil para se pensar as
possibilidades de êxito das instituições. Ainda que de maneira um tanto esquemática, pode-
se dizer que uma instituição é eficiente quando consegue regular o conflito social que está
na raiz de uma configuração social determinada. Essa eficiência depende, primeiro, da
capacidade de interagir com as dinâmicas sociais em curso, seja reforçando-as, seja
alterando os termos em que elas ocorrem. Inversamente, a tendência ao êxito será menor se
as instituições se estabelecerem paralelamente, sem intervir efetivamente naquilo que
responde pelas condições de reprodução de uma configuração social (territorial),
simplesmente negando tais dinâmicas. Daí a idéia de coerência com as estruturas sociais.
E, segundo, a eficiência depende diretamente também de como a instituição em questão se
compõe com outras, formando o conjunto de regras e sanções que orientam o
comportamento dos agentes sociais (o ambiente institucional). As possibilidades de êxito
serão tanto maiores quanto mais fortes forem as complementaridades, já que, na direção
inversa, os ganhos advindos da estrutura de incentivos posta em prática por uma
instituição, podem ser anulados ou fortemente minimizados por outras instituições
concorrentes. Entretanto, o êxito de uma instituição na regulação de um determinado
conflito social não quer dizer que isso ocorra num sentido necessariamente positivo. Uma
instituição pode ser eficiente ao regular um conflito e fazê-lo justamente mantendo padrões
de dominação e de exploração. Ou pode, ao contrário, contribuir para superá-los. Dito de
outra forma, uma instituição terá sucesso e será vigorosa a depender de sua coerência com
as estruturas sociais e de sua complementaridade com outras instituições, como dito acima.
Se elas favorecem a mudança ou as permanências, tudo dependerá do sentido que ela irá
assumir, o que por sua vez será sempre resultado da expressão de interesses das forças
sociais que respondem por sua emergência, sua dinâmica ou sua mudança (BOYER, 2003).
Os pressupostos teóricos deste artigo — baseado nas considerações de AMABLE e
PALOMBARINI (2005) e também nos achados de outros estudos, como FLIGSTEIN
(2003), ABRAMOVAY et al. (2006) e COELHO et al. (2006) — são, portanto, (a) que as
instituições não ocorrem num vazio de instituições e estruturas sociais, ao contrário, suas
condições de êxito dependem justamente da maneira como tudo isso vai se compor, e (b)
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que as instituições são mais do que um espaço de alinhamento de interesses, como é


concebido no discurso normativo sobre participação e desenvolvimento. Elas são, antes, a
expressão de blocos de interesses. É isto que permite explicar porque, em vez de
cooperação e inovação, ocorra muitas vezes a captura dos espaços e dos recursos
destinados por intermédio deles por grupos específicos.

PROBLEMA E HIPÓTESES
Uma vez que as articulações sociais estimuladas pelo MDA, objeto deste estudo,
pretendem promover o desenvolvimento territorial — e, mais que isso, o desenvolvimento
territorial numa certa direção, a saber, aquela que favoreça as populações mais carentes e
que promova uma convergência entre taxas privadas e sociais de retorno —, trata-se, pois,
de saber em que medida elas estão sendo coerentes com as dinâmicas em curso e
complementares a outras instituições capazes de erigir uma configuração territorial
compatível com o ideal normativo contido na idéia desenvolvimento rural sustentável. Ou,
mais amplamente, trata-se de indagar se as mudanças promovidas pela coordenação
estatal na forma de alocar os recursos públicos direcionados a áreas rurais pobres, na
direção do planejamento territorial, estabelecem ou não um horizonte estratégico para o
desenvolvimento dessas regiões e as razões disso.
Tendo por referência os conceitos anteriormente citados, a hipótese que orienta este
artigo pode ser traduzida em três afirmações de caráter analítico e em um desdobramento
normativo:
a) O maior estímulo à participação social na gestão da política de
desenvolvimento rural, promovida por meio das articulações territoriais apoiadas pelo
MDA, tem trazido importantes mudanças ao favorecer o maior envolvimento dos
agricultores familiares, especialmente por meio de suas organizações de representação e
assessoria. Esse envolvimento facilita o acesso a determinados trunfos ou habilidades:
informação, capital simbólico derivado da condição de público-alvo de uma política
pública e mesmo maior participação na alocação dos recursos públicos. Com isso ocorre
maior democratização, transparência e controle social sobre os critérios que regem a
aplicação dos recursos.
b) No entanto, quando se trata de avaliar a eficiência das articulações enquanto
novas instituições dedicadas a promover o desenvolvimento territorial há uma série de
permanências, que fazem com que seu intuito anunciado se revele tímido. Isso porque tais
articulações (i) não refletem o conjunto das forças vivas do território, (ii) têm um
componente eminentemente setorial, tanto em termos das atividades econômicas apoiadas
como em termos da gestão dos recursos públicos, (iii) apóiam atividades pouco ou nada
inovadoras e (iv) estão organizadas de acordo com um sistema de governança igualmente
pouco inovador.
c) Dessa forma, essas instituições acabam não conseguindo expressar
incentivos para o planejamento territorial para além da mera alocação de recursos públicos
e, assim, imprimir estabilidade e horizonte estratégico às articulações e aos projetos a partir
delas apoiados.Com isso, embora contribua para alterar o peso relativo dos agentes e, por
aí, estimular alterações na correlação de forças sociais, os contornos da política pública
podem não estar dispostos de modo a gerar a aprendizagem e a formação de um ambiente
institucional necessário para tanto.

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Como corolário às três afirmações anteriores, pode-se dizer que uma reforma das
instituições para o desenvolvimento territorial, aqui tratadas, teria que sinalizar na direção
de maior coerência para com as dinâmicas territoriais (interagindo efetivamente com elas e
não simplesmente negando-as) e de maior complementaridade com outras instituições e
iniciativas (estimulando ganhos derivados da soma entre especialidades e atribuições, e não
a concorrência entre níveis de governo ou estruturas administrativas).
Para explorar este sistema de hipóteses, o artigo analisa dois territórios rurais
constituídos no âmbito da ação do MDA: o Vale do Ribeira paulista e a Serra do
Brigadeiro, em Minas Gerais. A pesquisa se apoiou em ampla consulta a documentos
relativos às articulações locais, em entrevistas com informantes-chave e em
acompanhamento de reuniões e eventos relacionados ao tema do estudo. Além desta
introdução, situando o problema e as hipóteses, o artigo traz um primeiro item, o mais
breve, abordando os antecedentes da iniciativa do MDA, especialmente no que concerne ao
funcionamento dos CMDR. Um segundo item apresenta a estrutura, a composição e o
modo de funcionamento das duas articulações territoriais escolhidas.. O terceiro item é
dedicado à análise crítica desses mesmos elementos, tecida à luz do problema e das
hipóteses. E por fim, a conclusão destaca os principais resultados obtidos com o estudo.
Espera-se alcançar, com esse esforço analítico, uma demonstração consistente, não
normativa, de como as mudanças nas instituições para o desenvolvimento territorial
ocorrem ou são bloqueadas e as implicações disso para as políticas públicas.

1 OS ANTECEDENTES: ELEMENTOS DE BALANÇO DA EXPERIÊNCIA DO PRONAF


E DOS CMDR NOS ANOS 1990
A introdução da abordagem territorial nas políticas de desenvolvimento rural se
apoiou, em grande medida, no balanço feito através de vários estudos sobre os êxitos e
impasses vividos na década anterior. Através desses estudos, ficou clara a novidade que a
introdução do Pronaf representou, sendo o primeiro programa de envergadura direcionado
especificamente à agricultura familiar.
Além disso, certas características do programa, como a tentativa de estabelecer
mecanismos de participação social na gestão de algumas de suas linhas, por intermédio,
sobretudo dos CMDR, também foram de grande importância, pois representaram a
possibilidade de maior aproximação entre a política pública e os segmentos beneficiários.
Porém, ficou igualmente claro que: a) havia pouco diálogo entre as diferentes linhas que
compunham o programa (investimentos, custeio e infra-estrutura), dificultando as sinergias
inicialmente planejadas; b) que os investimentos em infra-estrutura, em particular,
apresentavam sérios problemas, muitas vezes restringindo-se a compras pontuais, sem
alcançar uma dimensão estratégica para as economias locais; c) que muitas vezes esses
recursos eram capturados pelo poder público municipal, apesar da constituição dos CMDR
e dos mecanismos de participação dos agricultores; d) que a escala dos investimentos era
por demais restrita às fronteiras dos municípios, restringindo seus impactos, e e) que os
Planos Municipais de Desenvolvimento Rural e os CMDR eram muitas vezes mecanismos
meramente formais, sem a capacidade de espelharem acordos entre os agentes locais
voltados ao futuro dos espaços rurais (ABRAMOVAY e VEIGA, 1998; SCHNEIDER et
al. 2003; ABRAMOVAY, 2003).
Em parte baseado nesse diagnóstico, e por influência da literatura e das experiências
internacionais, desde 2001 foram sendo introduzidas uma série de modificações no âmbito
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das políticas de desenvolvimento rural no Brasil. A primeira delas foi a tentativa de fazer
do Pronaf Infra-estrutura um programa de aplicação intermunicipal. O objetivo era ampliar
a escala dos investimentos. A segunda, já no início do primeiro mandato do Governo Lula,
foi aprofundar a mudança introduzida com a ampliação da escala para o âmbito
intermunicipal e fazer disso os marcos de uma política de desenvolvimento territorial. Em
vez dos CMDR, caberia agora a novos colegiados, constituídos a partir de agrupamentos
de municípios, fazer a gestão dos recursos do Pronaf Infra-estrutura. Eliminou-se a
exigência de que fossem elaborados Planos Municipais de Desenvolvimento Rural e
acabou, também, a indicação formal de como deveriam se constituir os colegiados
responsáveis pela gestão dessas ações. Em seu lugar, a Secretaria de Desenvolvimento
Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário oferecia mecanismos de suporte às
articulações territoriais e a indicação de que elas se fizessem priorizando o envolvimento
do chamado público-alvo daquela instância: os agricultores familiares, os sem-terra e as
populações tradicionais.
A próxima seção analisa como as novas orientações se materializaram em duas
experiências reconhecidas pelos gestores do programa como algumas das mais bem
sucedidas nesses novos marcos. Com base nelas, poder-se-ia dizer que houve uma
mudança significativa do desenho das instituições e políticas para o desenvolvimento
rural? Qual seu significado?

2 AS AÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO VALE DO RIBEIRA E


NA SERRA DO BRIGADEIRO
O Vale do Ribeira paulista é uma região localizada na parte sul de São Paulo,
reunindo aproximadamente 350 mil habitantes. Dependendo do critério utilizado, essa
região reúne de 22 a 25 municípios e apresenta quatro grandes subespaços: sua porção
central, cortada pela Rodovia Régis Bittencourt e onde está localizado o principal
município, Registro; a porção litorânea, com destaque para Peruíbe; as bordas da região
metropolitana de São Paulo, onde estão Juquitiba e São Lourenço da Serra; e o Alto Vale,
onde estão os municípios mais agrícolas e se concentram os piores indicadores econômicos
e sociais. Apesar da localização privilegiada, encravada entre as regiões metropolitanas de
São Paulo e Curitiba e a Baixada Santista, o Vale do Ribeira é conhecido pelos baixos
indicadores de desenvolvimento humano e por concentrar os maiores remanescentes de
Mata Atlântica do país, que correspondem a nada menos do que 68% do território.
As iniciativas públicas das últimas duas ou três décadas parecem ter contribuído para
a contenção da degradação ambiental, que vinha ocorrendo a passos largos, no entanto, em
seu lugar, surgiram inúmeros conflitos envolvendo as populações tradicionais (ocorre uma
forte presença de comunidades tradicionais, como grupos indígenas, comunidades
remanescentes de quilombolas, caiçaras e agricultores familiares) e também um discurso,
proferido principalmente por autoridades locais, de que as políticas conservacionistas
seriam deletérias para a população local, por restringir a possibilidade de instalação de
indústrias e a ampliação da atividade agrícola, afetando o dinamismo regional (RESENDE,
2002). É nesse contexto, e tendo por portadores principais os movimentos sociais e as
organizações não-governamentais (ONG) ambientalistas da região, que a retórica do
desenvolvimento sustentável emerge localmente como tentativa de equacionar tanto a
conservação ambiental quanto as expectativas de dinamização econômica baseadas no

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aproveitamento do potencial energético e paisagístico da região e, ainda, a inclusão das


populações pobres.
A região que corresponde a Serra do Brigadeiro e seu entorno, no estado de Minas
Gerais, está localizada na porção norte da Zona da Mata Mineira, região de expansão da
Mata Atlântica para o interior do estado. Atualmente, essa vegetação nativa é quase
inexistente, tendo sido substituída pelos cafezais e, posteriormente, por pastagens (ZONA,
2006). A região é formada por nove municípios, totalizando cerca de 170 mil habitantes;
esses municípios, em sua maioria, têm reduzidas dimensões populacionais, inferior a 20
mil habitantes. Muriaé, o município pólo, apresenta uma base econômica diversificada,
com importante peso econômico da indústria de confecções, enquanto a economia dos
outros municípios que compõem o território mineiro apóia-se nas atividades agropecuárias.
Ali, o café é a principal atividade produtiva para uma grande parcela de agricultores
familiares, como ocorre em toda a Zona da Mata.
Um conjunto de questões, desdobradas a partir dos objetivos e hipóteses
apresentados, orientou a discussão desta segunda seção. Procurou-se compreender,
inicialmente, em que momento da trajetória recente das duas regiões se constituiu a
articulação territorial proposta pelo MDA, de modo a identificar os conflitos e questões
que deveriam ser objeto de tratamento pelas estruturas colegiadas (subitem 1). Foram
identificados os traços mais marcantes dessas estruturas, basicamente a partir de que
impulsos e forças sociais tiveram sua estrutura e composição definidas (subitem 2). Por
fim, foram observadas as regras de seleção dos projetos que recebem os investimentos do
Pronaf Infra-estrutura, com o intuito de analisar as prioridades conferidas pelos agentes
locais e que interesses e visões de futuro elas refletem.

2.1 TRAJETÓRIA RECENTE DOS TERRITÓRIOS RURAIS


A etapa inicial da ocupação do Vale do Ribeira foi marcada pelos ciclos econômicos
da mineração e da produção de arroz, que fizeram a região alcançar certo dinamismo, logo
freado pelo declínio dessas atividades. Uma segunda etapa, iniciada com a imigração
japonesa, contribuiu para definir parte dos contornos atuais da região: estabeleceu-se uma
agricultura comercial tecnificada e capitalizada, ao mesmo tempo em que a população
nativa se converteu em mão-de-obra ou retraiu-se para uma atividade de subsistência.
Essas características, somadas às dificuldades de acesso e à precariedade dos transportes,
contribuíram para que a região sofresse de certo isolamento perante o restante do estado de
São Paulo, que gradualmente passava a estabelecer-se como o pólo dinâmico da economia
nacional. Uma terceira etapa iniciou já no último terço do século XX, com uma série de
iniciativas governamentais especificamente voltadas para romper a situação de estagnação
e pobreza. Coincide com essa etapa, a ascensão da questão ambiental, o que motivou a
criação de várias unidades de conservação na região (MULLER, 1980; RESENDE, 2002).
Quando se olha, recentemente, para a economia e as estruturas sociais do Vale do
Ribeira é possível perceber sinais de mudança e um movimento de heterogeneização: a
situação de êxodo rural não aparece mais como tendência generalizada; a agropecuária
deixou de ser a atividade principal, dando lugar a um crescimento de novas atividades,
sobretudo de serviços, o único setor que cresceu nos anos 1990; os indicadores de saúde e
educação apresentam uma pequena melhora em oito municípios; em quase todos, ocorreu
crescimento econômico e em apenas oito a cobertura florestal diminuiu (CHABARIBERY
et al, 2004; FAVARETO e BRANCHER, 2005). No entanto, a ocorrência desigual no

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desempenho dos indicadores, além de não permitir que se fale de uma tendência uniforme,
dificulta a identificação das razões pelas quais esse movimento ocorre. O que se pode
afirmar, seguramente, é que a imagem de região pobre, estagnada e com economia
dependente da agricultura vem dando lugar a uma diferenciação interna, de causas muito
difusas e pouco conhecidas pelos próprios agentes locais.
Três aspectos merecem ser destacados nessa breve caracterização da história e
situação atual do Vale. Primeiro, o fato de tratar-se de uma região com enormes vantagens
comparativas (localização próxima de São Paulo, presença de amenidades naturais e
biodiversidade), que, no entanto, não se transformam em vantagens competitivas,
deslocando o problema do terreno das limitações naturais ou da disponibilidade de
atributos físicos para as instituições capazes de garantir tal aproveitamento. Segundo, a
tendência recente de heterogeneização econômica, da qual decorre certo descolamento de
interesses entre os agentes tradicionais e aqueles mais vinculados às atividades ascendentes
(como é o caso, sobretudo, da valorização recente do setor de serviços). E terceiro,
finalmente, o caráter polissêmico de que se reveste o discurso sobre o desenvolvimento
sustentável e a dificuldade de traduzi-lo em um projeto capaz de amalgamar uma coalizão
ampla de agentes e organizações. O momento atual na história regional é, portanto, de
“encruzilhada”: há um reconhecimento da dificuldade em reproduzir um padrão de
desenvolvimento similar aos ciclos anteriores, não há dúvidas quanto à centralidade dos
problemas relativos a direitos de propriedade e conflitos ambientais e, junto disso, há uma
ascensão da retórica do desenvolvimento sustentável, mas sem um caminho consolidado ou
em vias de consolidação para os elementos nela contidos.
A importância da questão ambiental é um elemento comum entre o Vale do Ribeira e
os municípios que compõem o território da Serra do Brigadeiro, especialmente a partir da
constituição de uma unidade de conservação nos anos 1990, o Parque Estadual Serra do
Brigadeiro (PESB). Foi a delimitação da área do PESB pelos órgãos públicos que serviu,
inclusive, a uma aproximação sistemática das organizações que atuavam junto dos
agricultores familiares na região, mais nitidamente ONGs, universidade e sindicatos de
trabalhadores rurais. Tal delimitação havia sido percebida, inicialmente, como uma ameaça
à permanência dos agricultores. A intensa mobilização social no momento dessa
delimitação se deu, justamente, com o objetivo de reduzir o volume de desapropriação de
áreas produtivas que a demarcação inicial acarretaria. Em seguida à delimitação em
consonância com o que demandavam as organizações sociais, essas passaram a atuar para
diminuir a pressão sobre a unidade de conservação, estimulando nas comunidades rurais do
entorno da Serra (constituídas por imigrantes europeus, remanescentes de quilombolas e
indígenas) atividades geradoras de renda aliadas à preservação do patrimônio ambiental.
Porém, antes da instalação do Parque, o que os municípios partilhavam — as
características ambientais e de relevo bastante similares, basicamente definidas a partir de
sua relação com a Serra do Brigadeiro — era, de certa forma, o que os separava também, já
que a Serra funcionou como uma barreira natural à integração dos nove municípios e
determinou fluxos comerciais e de serviços com municípios circunvizinhos que não
participam do território e não têm uma relação direta com a unidade de conservação. Pode-
se afirmar, por isso, que a constituição do parque definiu o conteúdo da problemática
ambiental regional e que essa problemática está, ainda, em processo de reconhecimento
pelos atores sociais que atuam na região.
Se o que se observa na Serra do Brigadeiro não é muito diferente da situação de
“encruzilhada” descrita para o Vale do Ribeira, pode-se notar que, ainda que seja imediato
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por parte do conjunto dos atores o reconhecimento das especificidades ambientais da


região e do que isso representa em termos de formas de uso e ocupação desse espaço, não
significa que a problemática daí decorrente — o esgotamento do modelo de
desenvolvimento que conduziu a região até o momento atual e levou à degradação
ambiental e do solo — seja reconhecida da mesma forma por esses atores. Se a devastação
ambiental repercute de forma sistêmica na região, corroendo as bases de sua
sustentabilidade econômica e determinando um conflito ecológico-distributivo
(NASCIMENTO, 2005), não há ainda um dilema comum aos atores sociais. Assim, o
problema ambiental na Serra do Brigadeiro é, paulatinamente, revelado a partir do
esgotamento dos recursos produtivos e legitimado pelos atores em intensidades
divergentes. Há nuanças nas percepções sobre os limites e os potenciais do
desenvolvimento regional, mesmo que todos associados às características ambientais do
lugar. Isso reflete em como os atores percebem a resolução do mencionado conflito e
influencia, de forma diferenciada, o conteúdo de sua ação e de seu discurso. Nesse sentido,
os mais afetados pelo problema, como os agricultores, reconhecem o problema mais
intensamente. No Vale do Ribeira, a legitimação do problema ambiental já foi
institucionalizada, por assim dizer, compondo o ambiente institucional desse território.
A ação das empresas de mineração parece ser um dos elementos emblemáticos das
tensões sociais e das diferentes percepções sobre o patrimônio ambiental na Serra do
Brigadeiro, e tende a se constituir um mesmo dilema para os atores. A região é uma das
maiores reservas de bauxita do país e alvo de diversos licenciamentos concedidos para a
extração do minério de alumínio. Em oito dos nove municípios que compõem o entorno do
PESB, estão em processo de licenciamento trinta e uma áreas concedidas pelo
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) — alguns desses projetos já
passaram pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e aguardam licenciamento ambiental
da Fundação Estadual do Meio Ambiente para o início das obras.
Diante da qualidade do conflito social e ambiental nas duas regiões, seria o caso de
interrogar em que medida a estrutura e a composição dos colegiados territoriais comportam
um alinhamento de forças sociais capazes de fazer acordos e elaborar projetos que lidem
com esses conflitos. A isso, são dedicadas as próximas linhas.

2.2 ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO DOS COLEGIADO TERRITORIAIS


A constituição das estruturas colegiadas para organizar as demandas sob a alçada das
políticas patrocinadas pelo MDA passou a ser estimulada em meados de 2003 nos dois
territórios analisados, claramente inspirada pela necessidade levantada por esse Ministério
de que se criassem organismos que viessem a discutir, agora em âmbito regional, aquilo
que antes cabia aos CMDR.
No caso do Vale do Ribeira, a constituição do colegiado coincidiu com os primeiros
movimentos de articulação de iniciativas similares, como a instalação das ações
promovidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que viria a dar origem ao
Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local do Vale do Ribeira
(CONSAD), e com a instalação da Agenda 21 local, estimulada pelo Ministério do Meio
Ambiente (MMA). Por essa razão, ocorreu ali uma conjunção de esforços que se
materializou na constituição de um único órgão colegiado responsável pela gestão das
políticas promovidas pelo MDA, MMA e o MDS. Seu desenho se baseou na existência do
fórum único, ao qual caberiam as decisões gerais e de última instância, de um conselho

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fiscal e de uma comissão executiva, além de câmaras técnicas. O fórum é composto por
150 representantes municipais e suplentes eleitos diretamente em assembléia, sendo que
cada município pode ter até seis representantes, observando-se a proporção de 2/3 para
aqueles oriundos da sociedade civil e o terço restante para o poder público. Embora eleitos
e não indicados, para se candidatar uma pessoa tem que fazê-lo em nome de uma entidade
ou organização local, sendo vedada, portanto, a candidatura de pessoas sem vínculos
associativos. O conselho fiscal e a comissão executiva, por sua vez, são eleitos pelos
membros do fórum.
Tal tentativa de promover a articulação das políticas públicas prometia ser uma
inovação importante, capaz de estimular complementaridades, no entanto, os esforços
acabaram revelando-se pouco profícuos, já que no interior do fórum foi reproduzida a
fragmentação das ações, especialmente a partir do funcionamento das câmaras técnicas,
cada uma criada para gerir uma política sob responsabilidade de um Ministério diferente:
uma câmara para as políticas de desenvolvimento territorial, do MDA; uma câmara para as
políticas ambientais, do Ministério do Meio Ambiente, e uma câmara para as políticas de
segurança alimentar, do Ministério do Desenvolvimento Social. Na prática, o espaço que
funciona como colegiado territorial não é o fórum mais amplo, embora ele seja o
responsável formal, mas, sim a câmara técnica, reconhecida pelo MDA como o colegiado
territorial do Vale do Ribeira.
Já o colegiado territorial da Serra do Brigadeiro é composto por 38 instituições e
representações: são nove representantes dos poderes públicos municipais, basicamente as
prefeituras municipais; quatro de instituições públicas; dezoito representantes dos
agricultores familiares (dois de cada município, sendo que um representa as comunidades
do entorno do parque e um o sindicato) e sete da sociedade civil. São, basicamente, agentes
que atuam no setor agropecuário e junto a agricultores familiares, mesmo em se tratando
das ONGs ambientalistas. Todos os representantes têm vínculos institucionalizados, à
exceção dos representantes das comunidades do entorno do PESB. Note-se, entretanto, que
a mobilização desses representantes para participar das reuniões depende do alcance dos
sindicatos; seu comparecimento ao local das reuniões depende, inclusive, dos recursos
materiais eventualmente disponibilizados pelos sindicatos.
É fácil observar, no que diz respeito à composição dos dois colegiados territoriais,
que a agricultura familiar está efetivamente representada, pelo perfil das organizações que
participam dos colegiados ou mesmo pelo número de representantes que têm — na câmara
técnica da agricultura familiar, no CONSAD, metade das cadeiras são atribuídas a esse
segmento. A representação dos segmentos mais pobres da agricultura familiar não está,
todavia, plenamente assegurada, como os agricultores dos municípios mais distantes no
Vale do Ribeira, onde justamente se concentram os piores indicadores econômicos e
sociais, ou as comunidades do entorno do parque da Serra do Brigadeiro. Afinal, nem todas
as comunidades rurais dos territórios são alcançadas pela atuação das organizações sociais.
Por isso, mesmo em um espaço que discute as políticas públicas com foco na agricultura
familiar, como os colegiados territoriais, os grupos sem representação social acabam
excluídos.
Também estão ausentes os comitês e consórcios de gestão dos recursos hídricos; o
poder público estadual (no Vale do Ribeira), a quem cabe o tratamento de parte dos
entraves fundamentais ao desenvolvimento regional, como a definição dos direitos de
propriedade em torno do enorme volume de terras sem titulação, e setores importantes da
sociedade local, como os sindicatos rurais e o empresariado local, suas entidades de classe
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(a Associação Comercial e Industrial, basicamente) e os órgãos públicos de apoio a essas


atividades econômicas — é freqüente a participação dos poderes públicos nos colegiados
ficar restrita à Secretaria de Agricultura ou à empresa de extensão rural.

2.3 MECANISMOS DE SELEÇÃO DOS PROJETOS


No que diz respeito aos mecanismos de seleção de projetos nos quais são investidos
os recursos do Pronaf Infra-estrutura, os investimentos em curso crescentemente se
aproximam dos interesses do público-alvo do MDA, quando olhados em sua progressão
temporal nos últimos anos. A maior transparência e participação na gestão do programa
têm levado a uma mudança de perfil nos projetos apresentados, agora mais próximos dos
interesses de grupos de agricultores e menos voltados para a mera aquisição de máquinas e
veículos para as administrações municipais. O foco dos eixos de desenvolvimento dos
territórios, apontados por eles em seus planos territoriais, está nas ações de interesse da
agricultura familiar local, podendo — mesmo que essas ações estejam ligadas somente à
atividade primária e, portanto, com um viés eminentemente setorial — gerar uma dinâmica
produtiva salutar ao menos a esse segmento, o que não é pouco, deve-se reafirmar.
Entretanto, as ações fomentadas pelos colegiados estão longe de representar um
caminho consistente para a promoção do desenvolvimento de suas regiões e afirmar-se
como uma alternativa aos projetos tradicionais voltados para a dinamização das economias
locais e cujos efeitos deletérios já são por demais conhecidos. Persiste, na verdade, uma
enorme dificuldade em propor ações inovadoras, que obedeçam a critérios técnicos de
planejamento e viabilidade: com freqüência, os projetos são apoiados tendo por base a
credibilidade e o peso político de quem propõe, e não pela demonstração de viabilidade das
iniciativas propostas ou por seu caráter inovador.
O que se observa é uma preocupação dos representantes municipais nos colegiados
em dotarem seus municípios de equipamentos e infra-estrutura para o desenvolvimento das
atividades agropecuárias tradicionais. Predominaram, entre 2003 e 2006, projetos
direcionados ao apoio à produção, comercialização e armazenamento de produtos da
agricultura familiar, incluindo leite, café, apicultura e produtos orgânicos, à implementação
de cooperativas de crédito e de escolas família agrícola e, em menor escala, de educação
ambiental e turismo rural (basicamente, aquisição ou instalação de equipamentos para
capacitação nesses temas, no caso da Serra do Brigadeiro).
Na seleção dos projetos, tende a prevalecer a lógica da acomodação de interesses.
Sendo assim, apesar dos avanços confirmados, a forma de resolução dos conflitos entre os
participantes tem sido, basicamente, a partilha dos recursos públicos frente às necessidades
organizacionais ou municipais, mais do que em correlação direta às características
ambientais e socioeconômicas dos territórios. Resulta que o caminho na aplicação dos
recursos públicos é, geralmente, percorrido no sentido inverso: são as demandas das
organizações, e dos agricultores que representam ou com os quais atuam, o que delimita as
demandas supostamente territoriais, e não essas que ordenam o desenho institucional. Os
recursos acabam pulverizados em diversas iniciativas isoladas, agregadas em um projeto
territorial, geralmente a partir de uma articulação precária. Por isso, não raro o resultado
das discussões tem sido projetos de caráter municipal, longe de se conformarem ações
verdadeiramente territoriais (tanto em termos de escala, como de intersetorialidade). O fato
da partilha dos recursos servir como forma de resolução dos conflitos, apesar da
preocupação dos agentes em atribuir critérios objetivos e negociados para tal partilha, é

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algo que dificulta a aplicação dos recursos a partir de uma visão estratégica do
planejamento territorial.

3 ANÁLISE CRÍTICA E BALANÇO DAS HIPÓTESES


Em resposta à pergunta que orientou este artigo , as hipóteses apresentadas sugeriam
ser possível divisar mudanças e permanências após a introdução das formas de apoio ao
desenvolvimento rural capitaneadas pelo MDA.

3.1 - MUDANÇAS
A análise dos casos da Vale do Ribeira e da Serra do Brigadeiro evidencia a
existência de uma maior aproximação da atuação do MDA em relação ao seu público-alvo.
A principal referência sobre isso é a comparação com a situação antes vivenciada por
intermédio dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural, tal como descrita em
avaliações citadas neste artigo.
Embora parte das regras que orientam os atuais colegiados territoriais e os CMDR
seja comum, o que se observa é que houve nos anos recentes um significativo investimento
nas condições de funcionamento oferecidas aos organismos de âmbito territorial. São
exemplos: o financiamento de um amplo leque de atividades locais de articulação,
sobretudo na forma de oficinas de capacitação, planejamento e decisão; os investimentos
em recursos humanos, como a contratação de articuladores que atuam em cada território e
de consultores territoriais, responsáveis pela condução das ações do MDA em cada estado;
a disponibilidade de recursos para assessorias e a realização de estudos, como os Estudos
Propositivos para a Dinamização das Economias Territoriais e os Planos de Safra
Territoriais.
Tal conjunto de instrumentos trouxe uma mudança perceptível, observada através (a)
do maior acesso à informação, aumentando assim o capital cultural do público-alvo das
iniciativas, (b) do efetivo reconhecimento do seu status como público estratégico para o
desenvolvimento rural, aumentando assim seu capital simbólico perante outros grupos
sociais locais tradicionalmente privilegiados na alocação dos recursos públicos, e (c) de um
correspondente aumento do seu capital político, perceptível por intermédio de sua maior
capacidade em influenciar na condução da política de desenvolvimento rural. O incremento
nessas três formas de capital, para usar os termos da sociologia de Pierre Bourdieu,
certamente contribui para mexer, ainda que não decisivamente, na balança de força dos
diferentes agentes que conformam a configuração social das regiões rurais.
Além dessa mudança, que pode vir a ter significados de mais longo prazo, uma
alteração substantiva no plano imediato está no fato de que os recursos do Pronaf Infra-
estrutura, que antes eram monopolizados por representantes do poder público municipal e
que, predominantemente, não passavam de listas de compras de equipamentos e máquinas,
agora se aproximam mais do público-alvo das ações do MDA. Por intermédio das ações de
apoio e dos ganhos dela advindos, é nítido que ocorre maior democratização sobre os
critérios que regem a aplicação dos recursos e sobre seu destino.
Tudo isso, no entanto, não se revela condição suficiente para maior eficiência da
política pública, como se pode perceber através de uma série de permanências igualmente
verificadas e tratadas adiante.

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3.2 - PERMANÊNCIAS
Se os ganhos para o público-alvo da atuação do MDA são inquestionáveis, ainda que
caiba um parêntesis quanto às formas de acesso que garantem (ou não) os agricultores
familiares não organizados em entidades de representação social ou sindical, é forçoso
reconhecer que esses ganhos não se traduzem, necessariamente, em benefícios para o
conjunto do território ou mesmo em um horizonte mais estável para os benefícios
alcançados por determinados segmentos mais organizados. Isso porque o caráter
eminentemente setorial dos colegiados territoriais, nos dois casos analisados, tem
implicações na definição de um horizonte estratégico para o desenvolvimento territorial.
Duas razões estão no cerne da composição setorial dos colegiados apoiados pelo
MDA. Primeiro, não há uma tradição dos agentes locais em cooperar entre si e em buscar
formas de concertação e de mobilização de recursos de maneira combinada em torno de
objetivos comuns, como prevê a retórica participacionista; ao contrário, o histórico local é
de disputa por recursos e por reconhecimento social. Segundo, não há absolutamente nada
nas regras de aplicação dos recursos, considerando as diferentes políticas públicas e não
apenas o programa do MDA, que premie a complementaridade. Sem estarem
acompanhados de mecanismos de enforcement, materializados nos procedimentos de
seleção e apoio a iniciativas locais, os programas governamentais acabam, de fato,
estimulando a fragmentação. Tal afirmação é facilmente perceptível nos projetos
privilegiados pelos colegiados aqui analisados.
É interessante observar que, ainda que atendendo o mesmo público (os agricultores
familiares), entidades e instituições pouco ou nada convergiam e dificilmente estabeleciam
formas de cooperação anteriormente à constituição dos colegiados, passando a vivenciar (e
a negociar, em alguma medida) nesses colegiados diversos conflitos até então diluídos nos
CMDR. Nos colegiados passaram a ser confrontadas as demandas de diferentes atores
disputando uma mesma fonte de recursos públicos e suas percepções acerca uns dos outros.
Tais percepções, na convivência em diferentes atividades promovidas pelo programa do
MDA, vão sendo modificadas, o que pode ser bastante positivo, entretanto, o programa não
institucionaliza mecanismos para manejar os conflitos e evitar o enrijecimento das posturas
institucionais e políticas para além da acomodação dos interesses na distribuição
fragmentada e setorial dos recursos: é apenas o “efeito-trator” da política pública o que
vem mantendo os atores minimamente articulados no mesmo espaço, e não uma agenda em
comum.
Quanto às atividades apoiadas pelos recursos do MDA nos dois territórios, elas
claramente não são inovadoras ou promissoras. O apoio à produção de bens primários e à
comercialização desses produtos, em ambos os casos, e o apoio à implementação de
escolas família agrícola, particularmente na Serra do Brigadeiro, são os principais eixos
dos investimentos realizados. Enquanto isso, as atividades em ascensão ou com maior
capacidade de geração de ocupação e renda passam ao largo da discussão realizada pelos
colegiados, como é o caso das atividades de turismo e de serviços ambientais ou da criação
de produtos diferenciados, como marcas de qualidade ou específicos dos territórios.
As menções ao meio-ambiente, embora existam nos planos das duas regiões, não se
encontram totalmente materializadas nas iniciativas financiadas pelos recursos nelas
aplicados. Obviamente, tal constatação deriva, antes de tudo, de dois fatores que não
podem ser ignorados nesta análise dos incentivos da política pública e que vão além da
capacidade de planejamento dos representantes territoriais: (i) o declínio dos ciclos
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econômicos mais importantes em cada território (café e arroz, especialmente) e as atuais


restritas possibilidades de absorção da mão-de-obra tornam a ação das empresas de
mineração ou as iniciativas afins uma fonte fundamental de geração de emprego e de maior
arrecadação de impostos: por isso, tais investimentos são atrativos a diversos dos agentes
políticos e econômicos dos territórios;1 (ii) a enorme dificuldade de passar do discurso do
desenvolvimento sustentável à prática: para os movimentos sociais locais, a promoção do
desenvolvimento sustentável passa pelo atendimento de suas demandas historicamente
preteridas em prol de outros grupos e interesses; já para a administração pública local,
trata-se, de novo, de atrair investimentos externos capazes de dinamizar a economia local,
e para os organismos públicos e não-governamentais, a questão é criar formas de
articulação dos agentes e dos recursos locais, visando à melhoria geral de indicadores
econômicos, sociais e ambientais. Afora o fato de que, se inegavelmente o patrimônio
ambiental pode ser um potencial a explorar com o turismo, esse potencial é restringido pela
precária infra-estrutura existente, como as condições das estradas nas regiões analisadas.
A composição setorial dos colegiados pode, ainda, determinar que também os
projetos convencionais, como os de apoio à comercialização dos produtos da agricultura
familiar, percam seu dinamismo, pois, dificilmente é costurado o apoio simultâneo a micro
e pequenos empreendimentos para a industrialização de produtos locais, ou mesmo feita a
discussão sobre a importância desse apoio, combinando outras fontes de recursos ou ainda
a parceria com as Associações Comerciais, por exemplo, para a comercialização daqueles
produtos pelos estabelecimentos de cada município.
E, finalmente, os investimentos feitos até o momento apresentaram sérios problemas
de gestão, com um número expressivo de empreendimentos inoperantes ou de difícil
viabilidade, apesar dos recursos aplicados.
Ocorre um descompasso entre a seleção dos projetos e sua execução, já que essa
última, mesmo que o colegiado favoreça maior democratização da discussão em torno da
alocação dos recursos, depende unicamente da postura política e da estrutura operacional
das prefeituras municipais, já que existe a obrigatoriedade de que os investimentos sejam
feitos por entes federativos, isto é, prefeituras ou órgãos oficiais de governo em qualquer
nível administrativo. Basta a prefeitura municipal não participar do colegiado2 ou
ocorrerem alterações na conjuntura política municipal na eleição ou simplesmente não ter
um técnico disponível para elaborar o plano de trabalho que resultará daí uma baixa
efetividade da aplicação das verbas de investimento. Também a correlação de forças que
assegura a aprovação do projeto nos colegiados territoriais não é a mesma para sua
execução no município — essa execução depende de arranjos locais, nem sempre fáceis de
serem constituídos. O caminho de volta do projeto acordado no fórum territorial (e da
sabatina na câmara técnica do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável)
ao município geralmente é acidentado e permeado por obstáculos que o arranjo político
proporcionado pela representação territorial não é suficiente para superar.
Há, finalmente, uma baixa efetividade no uso dos recursos, a se considerar os
projetos de investimento e de custeio (atividades de capacitação, entre outras, geralmente a

1
No caso da Serra do Brigadeiro, a ação das empresas de mineração tem sido, até o momento, apenas objeto de
manifestação contrária no colegiado territorial. Ainda que tal espaço devesse ser de gestação de um modelo de
desenvolvimento, o que se observa é uma grande dificuldade para que ele sirva à negociação desse processo, pois não se
estabeleceram mecanismos para internalizar e confrontar visões tão dissonantes.
2
No caso dos colegiados territoriais analisados, as prefeituras municipais têm assento garantido, porém, participam de
maneiras que variam na intensidade e no conteúdo.
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cargo de ONGs e representações sindicais), por conta das dificuldades técnicas e


burocráticas de elaboração e execução dos projetos (dificuldades para reunir a
documentação exigida, acessar informações no agente financeiro responsável pelo repasse
dos recursos e na prestação de contas, falta de apoio técnico na execução dos projetos etc.).
Mais uma vez pode-se remeter esses problemas verificados às falhas no sistema de
governança da política pública, que, como se viu até aqui, funciona de maneira
relativamente eficaz para acomodar de forma menos conflituosa os interesses dos agentes
envolvidos, porém, não primordialmente para a melhor aplicação dos recursos.

3.3 - SISTEMA DE GOVERNANÇA E CARACTERÍSTICAS DO AMBIENTE


INSTITUCIONAL
Como se pôde observar pelas conclusões anteriores, (i) não há coerência entre as
instituições e as estruturas sociais, já que o viés das articulações territoriais e dos projetos é
fortemente dissociado dos rumos e tendências da dinâmica local e (ii) não há
complementaridade entre instituições, já que as regras imprimidas pelas articulações
territoriais estão longe de apresentar convergência com regras formais e com sistemas de
incentivos promovidos por outras articulações locais ou por outras políticas públicas.
Mesmo o ganho nítido que ocorre com a ampliação da participação dos agricultores e
organizações afins é nitidamente bloqueado pelas regras do jogo postas em prática por
essas mesmas articulações territoriais. Em vez de gerar um sistema de incentivos capaz de
favorecer o aprendizado e o ambiente institucional necessário a imprimir horizonte
estratégico a tais iniciativas, elas, na prática, fortalecem o viés setorial e um
experimentalismo não orientado para a inovação e a geração de aprendizado, o que se pode
observar: (i) pela ausência de critérios de viabilidade na análise e seleção de projetos,
privilegiando-se somente o peso político e a credibilidade social do proponente; (ii) pela
ausência de mecanismos de avaliação e monitoramento estabelecidos como base para
novos apoios e financiamentos; e (iii) pela não existência de prêmios para a
complementação dos investimentos com recursos da iniciativa privada ou de outras
políticas públicas federais, estaduais ou locais.
Como mostra o Box 1, que traz uma tentativa de síntese das lições derivadas dos
mais recentes programas de estudos sobre dinamização de economias territoriais e sobre
mudança institucional, os termos em que estão dispostos os instrumentos de apoio do
MDA ao desenvolvimento territorial, embora não de maneira prejudicial ou simplesmente
inócua quando se têm por referência os mecanismos da mudança em áreas rurais,
precisariam passar por uma profunda revisão, capaz de corrigir as distorções neles
contidas.
Em suma, a análise mostra a dificuldade em se falar dos territórios como atores
sociais, como se fosse possível meramente criar instituições capazes de alinhar interesses
heterogêneos a partir do estabelecimento de formas de interação entre seus portadores, que
é o ideal usualmente contido na retórica que associa participação e desenvolvimento, e da
qual os colegiados territoriais do MDA são uma clara expressão. Diferente disso, é preciso
conceber o território como um campo, naquele sentido sugerido por autores como
FLIGSTEIN (2003) e BOURDIEU (2001), como um todo estruturado em um sistema de
posições e oposições, cuja estrutura é dada pela distribuição das diferentes formas de
capital e no qual os indivíduos estão em constante luta pelos melhores lugares na
hierarquia social local. O resultado dessa dinâmica do campo não é, portanto,
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necessariamente, a convergência e a cooperação entre seus agentes. Mas, antes, o conflito e


a disputa. Em tal concepção, as instituições e o Estado desempenham papel determinante.
As instituições porque a elas cabe conferir estabilidade ou favorecer processos de mudança
nesse campo de posições e oposições. E o Estado por ser o ente que tem por primazia criar
novas instituições, sobretudo as formais. Para além da dicotomia ascendente/descendente
na determinação das políticas de indução ao desenvolvimento territorial, cabe, pois,
resgatar o papel de regulação, no melhor sentido da palavra, aquele conferido por autores
como BOYER (2000) e que consiste em estabelecer as regras e as formas de condução dos
conflitos inerentes às características das configurações sociais em questão.

Box 1 As fontes da mudança e as instituições do desenvolvimento territorial


Uma instituição pode ser considerada eficiente quando ela consegue regular o conflito social que está em sua
raiz. Quando são instituições devotadas a promover o desenvolvimento territorial, trata-se de saber em que
medida elas consegue traduzir em regras destinadas a orientar o comportamento dos agentes individuais um
sistema de incentivos capaz de fazer convergir taxas sociais e privadas de retorno, ou, na linguagem típica do
ideal normativo contido na idéia de desenvolvimento sustentável, tornar melhores os indicadores
econômicos, sociais e ambientais.
No caso do programa de desenvolvimento territorial brasileiro, ele está fortemente direcionado a localidades
com três características predominantes: a) forte presença de agricultores familiares, assentados da reforma
agrária e populações tradicionais, b) ocorrência de baixos indicadores de desenvolvimento humano e c) com
caráter eminentemente rural. Advém daí três desafios, traduzidos nas questões a seguir: a) como promover o
desenvolvimento de um território — portanto, de uma unidade de natureza intersetorial e regional —
apoiando-se em demandas sociais que têm por portadores constituídos organizações de caráter setorial e
municipal?; b) como inverter tendências negativas na manifestação de indicadores de desenvolvimento,
especialmente, considerando a expectativa histórica de diminuição da renda agrícola e da demanda por mão-
de-obra no setor primário, e c) como alcançar tais intentos em regiões que têm por principal característica a
baixa densidade populacional e, não raramente, uma precária infra-estrutura?
As respostas às questões anteriormente formuladas devem ser buscadas em duas ordens de fatores. A
primeira são os ensinamentos derivados de estudos sobre a dinamização de áreas rurais, como o Ruremplo
(TERLUIN, 2002) ou o Dora Project (BRYDEN et al, 2001). A segunda são as lições de estudos recentes
sobre os processos de mudança, como AMABLE e PALOMBARINI (2002); BOYER (2000) e FLIGSTEIN
(2003).
No que diz respeito à dinamização das áreas rurais, os programas mais recentes apontam que variáveis
baseadas no fenômeno da localização ou nos atributos físicos dos territórios têm menor alcance. Mesmo
regiões pouco privilegiadas em termos de densidade populacional e localização tiveram desempenho acima
das previsões em dinamização econômica e geração de empregos. Em geral, variáveis individuais precisam
ser combinadas com outras. Nisto, os componentes ligados à dimensão cultural mostraram forte influência,
por exemplo, quando associados à qualidades empreendedoras ou à capacidade de adaptação a mudanças e
contingências externas. O problema é que estes quadros culturais estão muitas vezes ligados a componentes
de muito longa formação. Além disso, estes mesmos estudos mostraram que um fator determinante é o
aproveitamento de fatores não reprodutíveis de um determinado território, como produtos e marcas típicas ou
bens culturais. As redes, fator tão salientado em discursos recentes, revelaram-se algo ambíguo: por vezes
elas bloqueiam o acesso dos agentes locais a outras formas de inserção mais promissoras, mantendo assim
situações de estagnação e dependência. Por que caminhos então pode ser fomentada a mudança em tal
direção?
No que diz respeito à mudança institucional, a literatura disponível destaca serem três as fontes principais.
Primeiro, ela pode ocorrer a partir da mudança no peso relativo dos agentes. Esta parece ser uma aposta da
atual abordagem territorial na política de desenvolvimento rural no Brasil. No entanto, ela revela-se frágil,
pois, as atividades apoiadas apresentam curto horizonte. Com isso, embora acumulem certas formas de
capital, falta às populações alvo do programa um ambiente institucional que dê sustentação a uma
combinação eficaz dos recursos atualmente mobilizados. Segundo, a mudança pode acontecer pelo
aprendizado. Essa é a forma preconizada pelas políticas de participação em geral. A partir dos ganhos e dos
custos gerados com a participação a conduta dos agentes seria naturalmente orientada na direção de otimizar
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os investimentos individuais e públicos gerando convergência entre ganhos privados e sociais. No entanto, as
regras atuais não favorecem um tal aprendizado, mas, antes, estimulam a captura dos espaços e dos recursos
por grupos individuais. Terceiro, a mudança pode se dar por fontes exógenas. Mas esta é a forma menos
previsível e direcionável e, no entanto, é a que parece ocorrer na maioria dos territórios. A exposição às
forças competitivas exógenas leva a alteração no comportamento dos agentes e a busca da melhor alocação
de recursos. Com isso, há uma mudança na composição setorial das economias, em geral com uma ascensão
do setor de serviços e diminuição do peso da agricultura, e desempenho heterogêneo dos indicadores
econômicos e sociais. Como conseqüência, muda o perfil dos territórios, mas não na direção desejada pelo
ideal normativo do desenvolvimento.
Fonte: FAVARETO (2007)

CONCLUSÃO
As páginas anteriores mostram que, passada já mais da metade da presente década,
houve tentativas importantes de converter em modificações nos contornos dos
instrumentos de apoio ao desenvolvimento rural algumas das lições apontadas por vários
estudos realizados nos fins dos anos 1990 e na virada para os anos 2000. A emergência da
abordagem territorial, o fortalecimento dos mecanismos de participação social na gestão
das políticas públicas e sua transformação em diretrizes de governo são avanços inegáveis.
Mas, uma das condições de eficácia desses instrumentos é justamente a necessidade de sua
constante atualização. Afinal, passar do ideal normativo contido na idéia de
desenvolvimento rural sustentável para uma abordagem realista, capaz de pôr em marcha
os processos de mudança necessários a que tais desejos se mostrem factíveis, é algo que
implica correções sucessivas de rumos, quer se trate do desenho de políticas, quer se trate
da atuação de organizações sociais e movimentos representativos de determinados grupos
ou segmentos.
A emergência da abordagem territorial do desenvolvimento rural já foi objeto de
alguns importantes trabalhos (VEIGA, 2000; ABRAMOVAY, 2003). Sua origem está
relacionada, de um lado, ao reconhecimento de novas dinâmicas espaciais, tendo como um
dos marcos inegáveis o já clássico trabalho de BAGNASCO (1977). Por outro lado, tal
movimento ocorre em um momento histórico também marcado por um certo
realinhamento dos instrumentos tradicionais de promoção do desenvolvimento. A
descentralização das políticas, e também da atividade industrial, associada à redução e a
um redirecionamento da intervenção estatal, contribuíram para que, particularmente nos
meados das décadas de 1980 e 1990, se instituísse um padrão onde, em lugar dos
investimentos diretos e de corte setorial, caberia ao Estado criar condições e um certo
ambiente a partir do qual os agentes privados pudessem, eles mesmos, fazer a alocação,
supostamente mais eficiente, dos recursos humanos e materiais. Aqueles processos sociais
e econômicos de corte eminentemente territorial, e não mais meramente setorial, e esse
novo padrão, são, em síntese, as principais razões da emergência e consolidação da nova
abordagem.
Este artigo procurou, através de uma análise de duas situações concretas — o Vale
do Ribeira paulista e a Serra do Brigadeiro, em Minas Gerais —, avaliar o alcance das
políticas desenhadas com o intuito de promover o desenvolvimento territorial. Daí emergiu
uma crítica às dificuldades do Estado e das sociedades em operar com a mudança de
paradigma contida na nova ruralidade, de maneira a sustentar a definição e a
implementação das iniciativas propostas com esse fim.
A afirmação principal que sustenta este artigo é que a “nova visão” do
desenvolvimento rural se instituiu com força suficiente para reorientar o discurso e o
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desenho das políticas e programas formulados com esse fim, porém, isso não se fez
acompanhado da criação de novas instituições capazes de sustentar o novo caminho. Ao
contrário, o que parece estar ocorrendo é uma incorporação "por adição” (FAVARETO,
2007) dos novos temas onde, sob nova roupagem, velhos valores e práticas continuam a
dar os parâmetros para a atuação dos agentes sociais, coletivos e individuais, estabelecendo
aquilo que a literatura sobre instituições conceitua como dependência de percurso. Por isso,
ainda que os últimos anos sejam de inegável evolução no desenho das políticas de apoio ao
desenvolvimento rural, é preciso uma profunda reformulação de seus mecanismos
institucionais para que elas venham a atingir os objetivos a que se propõem. Fazer as
correções de rumo necessárias será o principal desafio dos próximos anos. As sugestões a
seguir podem ser um primeiro passo nessa direção.
Isso porque tal reformulação envolve dois níveis. O primeiro é aquele que foge à
esfera de atuação e também à competência de um único Ministério, nesse caso analisado, o
MDA. Seria preciso transformar o programa de desenvolvimento territorial desse
Ministério em uma política de Governo, mais do que de uma Secretaria. O caráter
multidimensional e fundamentalmente intersetorial do desenvolvimento territorial e a
necessidade de articulação entre instituições e políticas para regular os conflitos envolvidos
são fatores que limitam, de partida, a eficácia dos colegiados territoriais e dos demais
instrumentos sob alçada do MDA.
O segundo nível é aquele restrito aos contornos da política posta em prática pelo
MDA, basicamente à estrutura de incentivos que dela deriva.
A estratégia adotada até aqui, de ofertar um conjunto de instrumentos e
investimentos, deixando que sua adaptabilidade fosse objeto da intervenção dos atores
locais, revelou-se pouco profícua, pelo simples fato de que muitos territórios não são
dotados das habilidades sociais (FLIGSTEIN, 2003) necessárias a fazer a melhor alocação
desses recursos. O fato mesmo que parcela dos territórios já tenha elaborado seu plano de
desenvolvimento territorial e outros não resulta, entre outras razões, dessa constatação. Isso
significa que é preciso descartar, também, outra opção possível, que consistiria em adotar
um desenho similar a outras experiências internacionais, onde os territórios são apoiados a
partir da proposição dos “melhores projetos”. Tal alternativa tende a reforçar as diferenças,
à medida que há uma lógica tendencial a que os territórios mais bem dotados de recursos
humanos e cognitivos formulem as melhores propostas, enquanto os mais carentes
dificilmente conseguirão o mesmo êxito (RAY, 2000).
Em outra direção, seria preciso organizar as ações de apoio às regiões rurais pobres
em um sistema de incentivos que favoreça claramente a valorização dos aspectos já
sabidamente importantes para o êxito de iniciativas de desenvolvimento territorial. A
mudança de regras, a partir da execução de uma política pública, pode impor novos
parâmetros às proposições dos agentes locais e, por esse caminho, favorecer uma alocação
mais eficiente dos recursos e até mesmo um aprendizado em temas e dimensões que não
são naturais ao cotidiano das organizações. Três critérios deveriam ser observados:
- Complementaridade: é preciso estimular a combinação entre recursos originários de
programas e políticas de diferentes Ministérios, níveis de governo e organismos
públicos e privados. De acordo com os moldes atuais, os proponentes que agregam
investimentos são tratados da mesma maneira que aqueles que simplesmente
demandam recursos federais, o que não contribui para gerar aprendizado e reforçar as
sinergias.

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- Subsidiaridade: é necessário designar os investimento passíveis de serem realizados


pelo Governo Federal e distingui-los de outros que caberiam aos Governos estaduais e
municipais. Tal critério poderia compor um termo de adesão dos níveis de governo,
inclusive como condição para que determinados territórios pudessem compor o
programa.
- Contratualidade: é fundamental estabelecer como critérios regulares de funcionamento
do programa de desenvolvimento territorial a formalização de compromissos em torno
de metas e responsabilidades e fazer disso a base para processos de monitoramento e
avaliação dos investimentos realizados.
Por intermédio de ajustes ou inovações no funcionamento do programa de
desenvolvimento territorial do MDA, tais como esses aqui indicados, talvez fosse possível
alcançar um horizonte mais estável para as iniciativas em curso e a formulação de um
sistema de incentivos mais compatível com os intuitos da iniciativa governamental. São
passos ainda necessários para que se possa falar de uma verdadeira mudança institucional,
compatível com a introdução da abordagem territorial no discurso dos formuladores e
gestores das políticas de desenvolvimento rural no Brasil.

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