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A natureza
como modelo
raciocínio humano trabalha com modelos. De alguma maneira, pro-
duzimos uma estrutura mental que torne o mundo inteligível e nos
oriente as ações. Nesse sentido, uma pergunta interessante é qual o
modelo que orienta a produção agrícola convencional, ou, analo-
gamente, qual o modelo para a agricultura ecológica.
Uma rápida passada por algum compêndio de fisiologia vegetal nos revela que,
para a agricultura convencional, que também pode ser dita industrial, sintomatica-
mente, o modelo é uma fábrica. A planta, o animal, a lavoura ou a propriedade são
fábricas que convertem determinadas matérias-primas em certos produtos e, desse
processo, resultam também subprodutos e resíduos. As ciências básicas envolvidas,
também como na indústria, são a física e a química.
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A comparação desse modelo com o funcionamento da natureza revela a
razão do colapso. Na natureza, nenhum organismo vive isolado, solto no ar,
como uma fábrica independente do mundo. Não existe lixo, nem insumos,
nem subprodutos. Os processos de manutenção da vida de cada organismo,
individualmente, e da natureza como um todo são interconectados e ajus-
tados uns aos outros, e os fluxos, embora às vezes sinuosos, por assim dizer,
são sempre suaves e não apresentam arestas.
Para utilizar o mesmo modelo da indústria, a natureza poderia ser entendida como
um gigantesco e complexo parque industrial perfeitamente integrado, com milhões
de fábricas atuando todos os dias e todas as noites e de tal forma que nenhum
resíduo deixa de ser aproveitado e nenhuma poluição é gerada. Esse complexo in-
dustrial inclui desde fábricas microscópicas até indústrias gigantescas, que se asso-
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ciam e/ou competem entre si, numa economia tão perfeita que o somatório dos
esforços de todos resulta na sobrevivência equilibrada do conjunto.
A Biosfera
Em que pese essa camada ser tão delgada, a grande maioria dos seres vive numa
fração ainda mais delgada. As raízes das plantas se concentram na camada superior
do solo, e a grande maioria dos seres vivos não vai além de algumas dezenas de
metros no ar. É uma insignificância numérica aterradora. A razão disso é que o fun-
cionamento do mundo vivo exige o encontro de cinco fatores essenciais: água, ar,
nutrientes minerais, temperatura favorável e luz solar. Em cada ponto da biosfera, a
maior ou menor exuberância da natureza depende de como esses fatores se combi-
nam entre si, e de como essa combinação varia ao longo do ciclo de estações.
LUZ
Temperatura
Água
Em regiões secas, toda a manifestação da vida acaba sendo moldada para contor-
nar a deficiência de água, mas com grande prejuízo em termos da produção bioló-
gica total do ecossistema.
Ar
Por sua vez, o oxigênio, que é o mais reativo dos gases do ar, é indispensável para a
utilização eficiente da energia fixada pela planta em biomassa, através da respiração.
Pela respiração, o oxigênio reverte a biomassa a água e gás carbônico, de modo que
oxigênio e gás carbônico são verso e reverso do ciclo fotossíntese-respiração.
Nutrientes minerais
Essa tende a ser a seqüência normal, desde que água e nutrientes minerais estejam
bem supridos. Quando há limitação de água ou nutrientes minerais, então os biomas
típicos de cada latitude não chegam, por assim dizer, à plenitude, formando-se
algum bioma de estresse, como os desertos, as estepes, as savanas, etc.
Contudo, nas florestas equatoriais, a dinâmica da vegetação assume tal vigor que,
em larga medida, a vegetação se liberta do solo, e seu dinamismo se nutre a si
mesmo. Fruto de intemperismo mais intenso, o manto de regolito, mais profundo,
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mas também mais lixiviado, vai perdendo sua capacidade de reter nutrientes mine-
rais, se acidifica e se fragiliza frente à erosividade das chuvas e aos danos do sol, de
que a vegetação o protege. Assim, os ecossistemas das florestas tropicais, filhos da
combinação ideal de luz, água, temperatura e ar, buscam formas de se resolver quan-
to aos nutrientes, evitando perdas e reciclando-os o mais eficientemente possível.
Uma vez formada alguma terra, estabelecem-se os primeiros vegetais com capaci-
dade de expansão de folhas. A expansão de limbo foliar representa uma grande van-
tagem, uma vez que multiplica a área de captação de luz e assim o potencial de
crescimento da planta. Contudo, para resistir ao vento, à chuva e a outros agentes
físicos, o limbo expandido precisa de resistência mecânica, aliada a flexibilidade.
Esse problema foi evolutivamente resolvido pelas plantas através da produção de
uma substância com tais características físicas, a celulose. Pela polimerização das
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Figura III.1
A sucessão da rocha nua à floresta
A - Sucessão criando fertilidade
Tempo
celulose celulose / amido celulose / lignina
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moléculas de glicose, produzidas pela fotossíntese, as plantas puderam responder a
esse desafio e dar um salto em termos de produção de biomassa, gerando uma pri-
meira fase de vegetação herbácea.
Seguindo na evolução da vegetação, essa fase herbácea mais vigorosa vai criando
condições ainda mais favoráveis ao desenvolvimento vegetal, sendo sucedida por
formações cada vez mais altas. A busca de luz através do crescimento em altura vai
criando a necessidade de estruturas mais rígidas para suportar a parte aérea. Tais
estruturas precisariam ainda ter características de resistência ao ataque de outros
organismos, já muito numerosos nesse ambiente mais rico em biodiversidade. Assim,
surgem as primeiras hastes mais duras, caules com consistência de madeira. A solu-
ção bioquímica para conferir dureza às estruturas de celulose foi impregná-la com
lignina, uma substância de grande resistência ao ataque de organismos e também
mecânica.
Figura III.2
Decomposição do amido, da celulose e da lignina na natureza
Energia no resíduo
amido
amido
celulose
celulose
lignina
lignina
Tempo
amido
(dias)
celulose
(semanas/meses)
lignina
(anos / décadas)
Observar que a decomposição (consumo) do amido é rápida e ocorre
predominantemente na atmosfera. Os materiais amiláceos já são atacados pela fauna,
ainda na planta, antes de chegar ao solo. No outro extremo, a lignina vai sendo
concentrada no material ao longo do período de decomposição, acabando por ser
decomposta sobretudo no corpo do solo. A celulose é decomposta sobretudo na
serrapilheira.
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parque, encontraremos frutos ainda nas árvores sendo comidos por pássaros ou ata-
cados por podridões; remexendo as folhas caídas encontraremos folhas ainda intei-
ras e outras já com seu esqueleto reticulado cuidadosamente limpo. O limbo foliar da
folha senescida, constituído basicamente de celulose, é atacado pelas bactérias ce-
lulolíticas, ficando as nervuras lignificadas intactas, à espera da fase seguinte da
decomposição.
O resultado líquido dessa ordem de decomposição é que o material que chega a ser
incorporado ao corpo do solo pelos organismos contém proporcionalmente muito
mais lignina do que celulose e muito pouco ou nenhum amido. Além disso, a fauna
associada à decomposição funciona como um grande triturador, de modo que o
material que chega ao corpo do solo, em regra, já se encontra finamente dividido.
São esses resíduos triturados e enriquecidos em lignina, juntamente com as raízes
das plantas, que finalmente darão origem ao húmus do solo, de modo que lignina e
húmus estão fortemente relacionados na natureza.
Os ciclos da natureza
Dos nutrientes minerais das plantas, apenas o nitrogênio apresenta um ciclo real.
Vários organismos fixam o nitrogênio do ar em compostos orgânicos, que são retor-
nados ao ar por outros organismos. As descargas elétricas na atmosfera produzem
compostos de nitrogênio, que podem ser absorvidos pelas plantas e assim entrar no
mundo vivo, até que algum organismo denitrificador ou processo químico o retorne
à forma gasosa.
A parte lixiviada vai descendo no perfil do solo, alcança o lençol freático e daí
ganha a rede de drenagem a caminho do mar, de onde não retorna. A parte absorvida
pelas plantas e a parte no complexo coloidal podem se intercambiar através da de-
composição dos tecidos vegetais e da absorção de nutrientes do solo pelas plantas.
O resultado dessa seleção é que a maioria das plantas cultivadas incorporou carac-
terísticas de interesse do homem, mas prejudiciais à sua sobrevivência em estado
natural. A monstruosa gema apical do repolho o condenaria ao desaparecimento em
estado silvestre. A seleção pelo homem, ao distanciar a planta do estado natural,
reduziu sua rusticidade em face dos fatores adversos do meio, fossem eles bióticos
ou abióticos.
Apesar dessas modificações, as plantas parecem ter preservado uma memória ge-
nética, que as torna mais saudáveis e mais produtivas quando cultivadas em condi-
ções semelhantes às da sua região de origem. Tome-se como exemplo a cenoura,
originária da Bacia do Mediterrâneo, onde predomina um clima de invernos chuvo-
sos e frios, primaveras amenas e com boas precipitações, verões quentes e secos e
outonos secos com temperatura declinando. Em sua região de origem, ela germina
durante o inverno e a primavera, forma a raiz tuberosa na primavera, perde folhas no
verão-outono, sofre indução floral pelo frio no inverno seguinte, floresce na segun-
da primavera, amadurece seus frutos no segundo verão e morre.
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Quando cultivada em clima fresco e com água abundante, a planta se desen-
volve bem e produz boas raízes. É o que acontece com os cultivos de inverno no
Centro-Sul do Brasil. Por outro lado, se semeada no verão quente e úmido, uma
série de problemas sobrevém: a germinação é baixa e irregular; a Alternaria lhe
destrói a folhagem; as cenouras formadas são de baixa qualidade, mais duras e
de cor desbotada; após a colheita, os apodrecimentos causados por Erwinia
cartovora são freqüentes.
Em alguma medida, essa regra pode ser atenuada pelo melhoramento, seja
pela seleção automática já mencionada ou pelo melhoramento genético for-
mal. Continuando com o exemplo da cenoura, para o cultivo de verão, as
variedades melhoradas para essa finalidade são melhores que as variedades
tradicionais. Fato semelhante ocorre com o repolho, a couve-flor, o bróco-
lis e a alface. Não obstante, a despeito de todo o esforço de melhoramento,
a sanidade da cultura e a qualidade do produto deixam a desejar em relação
às condições ideais. A memória genética da espécie ainda se mostra ativa.
Podemos melhorar um atributo, às custas de piorar outro.
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Pragas, doenças e deficiências minerais
Uma conseqüência lógica na linha do raciocínio seguida até aqui é que, para uma
agricultura abundante e ambientalmente sadia, em cada região devem ser cultivadas
as espécies que ali melhor se adaptam. Isso corresponde à lógica de procurar a
cultura certa para a situação disponível, em lugar de modificar o ambiente para que
ele se ajuste às necessidades da cultura. Num nível mais elevado, corresponde à
lógica de fazer o ecossistema agrícola tão próximo quanto possível do ecossistema
natural.
Na maior parte do Brasil, sobretudo nas áreas rurais, essa lógica ainda era muito
forte no tempo dos nossos avós. Contudo, os artifícios da química agrícola foram
propiciando um distanciamento entre as condições locais originais e as plantas
efetivamente cultivadas. Isso chegou a tal ponto que muitos agrônomos, e não
apenas consumidores urbanos leigos, não sabem mais quais são as condições pedi-
das por cada planta. Nessa situação, praticar uma agricultura ecológica é realmente
difícil. Para sanar esse problema, o agricultor ecológico e seu agrônomo precisam
reforçar seu conhecimento sobre a origem das espécies que querem cultivar e as
condições ali predominantes.
O ritmo das estações nessa região segue um padrão caracterizado por chuvas de
inverno e primavera, com verão e outonos secos. Contudo, a intensidade do frio e da
seca varia ao largo desse grande espaço geográfico. De maneira geral, a orla mediter-
rânea é menos fria que a região alta e montanhosa do Himalaia ao Cáucaso. Na orla do
Mediterrâneo, ocorrem geadas, mas pouca ou nenhuma neve. Já as montanhas ten-
dem a receber neve com regularidade.
Para citar as plantas mais comuns entre nós, apenas do Sudoeste da Ásia são a
macieira, o marmeleiro, a oliveira, a ameixeira européia, a romãzeira, a cevada, o
alho, a ervilha, a cebola, o centeio e a alfafa. Apenas do Mediterrâneo são a alcacho-
fra, os aspargos, as couves, a figueira, a salsa e a raiz forte. De ambas as regiões são
o trigo, a cenoura, a alface, a mostarda, o nabo, a amendoeira (Prunus amigdalus), a
castanheira européia (Castanea sativa) e a nogueira.
As ervas tenras dessa região, dentre as quais várias foram selecionadas como
hortaliças, apresentam basicamente duas estratégias de ajuste ao clima. A pri-
meira pode ser exemplificada com a alface. Muito tenra, ela não suporta a geada
nas folhas, de modo que apenas germina quando o risco de geada já é pequeno,
mas ainda há precipitação abundante e a temperatura é amena. Nessa fase, ela
desenvolve sua roseta. Quando se aproxima o verão e o calor aumenta, é hora de
entrar em florescimento e produzir sementes antes de a seca se estabelecer.
Durante esse período, é preciso reduzir a transpiração das suas tenras folhas,
produzindo cera, e reduzir o ataque de herbívoros, formando látex (daí seu
nome latino de Lactuca). No outono, as sementes já devem se dispersar, e apenas
germinar depois de completar sua maturidade durante o frio inverno. A imaturi-
dade das sementes é uma garantia contra a germinação prematura, que seria
desastrosa.
Transferida para o Brasil pelos portugueses, a alface identifica seu bom clima
no inverno do Centro-Sul ou em regiões altas mais ao Norte, com temperaturas
amenas e irrigação, produzindo bem. Contudo, semeada durante o verão, germi-
na pobremente, não chega a formar roseta porque entra precocemente em repro-
dução, amarga muito depressa e produz látex abundante. Sem dúvida há varie-
dades para o verão, mas seu desenvolvimento e qualidade nunca igualam às do
inverno. Novamente aqui, é a memória ancestral da planta, gravada em seus
genes e indicando a todo o tempo as suas necessidades. Em situação semelhan-
te à da alface vamos encontrar a maioria das folhosas que consumimos, tais
como a rúcula, o almeirão, a escarola, a mostarda, a acelga, e também outras
como o nabo, o rabanete, a couve-rábano, a salsinha, o funcho, o coentro, etc.
Sudeste da Ásia
Os solos dessa região são muito variáveis. Há extensas áreas com solos de
origem vulcânica, com alta fertilidade, bem como solos derivados de materiais
pobres, profundamente intemperizados, pobres, ácidos e álicos. Assim, não há
um padrão comum entre as plantas dessa região em termos de exigência de
fertilidade. O arroz é planta tolerante à acidez e pobreza do solo, enquanto a
banana exige solos relativamente férteis.
Com tais características, não é de se estranhar que algumas plantas dessa região
tenham se expandido e naturalizado em toda a faixa tropical do planeta, e que hoje
nos seja difícil imaginar que a banana, a jaca ou a laranja não sejam plantas do
Brasil. Contudo, a disseminação dessas plantas pelo planeta foi lenta, e se insere
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dentro da milenar oposição e fascínio entre o Ocidente e o Oriente.
Embora no mesmo grande bloco continental, Europa e Ásia estão separadas por
desertos e grandes cadeias de montanhas. A Índia, ao se separar do antigo conti-
nente de Gondwana, que formava com a África e a América do Sul, foi bater no bloco
continental da atual Eurásia, gerando a extensa cadeia de montanhas que separa o
subcontinente indiano do Irã, a Oeste, e da Ásia Central, ao Norte. O Himalaia resul-
tou desse choque. Ao norte do Himalaia, os desertos e estepes da Ásia Central,
habitados por nômades belicosos, constituíram uma barreira ao intercâmbio pelo
Norte, com a China. Observou-se aí o adágio geográfico de que o mar aproxima os
povos, enquanto as montanhas e os desertos os afastam, ficando Oriente e Ocidente
praticamente isolados por séculos.
Cordilheiras Americanas
Desde o Alaska até o extremo Sul da América do Sul, a costa do Pacífico é acom-
panhada por uma alta Cordilheira. Vavilov encontrou o centro de origem da maioria
das grandes culturas evoluídas nessa parte do planeta justamente na região intertro-
pical dessa longa cadeia de montanhas, do Norte do Chile ao México. As plantas aí
domesticadas estão ligadas aos povos da América Central e aos povos andinos, sendo
a história da sua domesticação envolta pela mesma nebulosidade que as histórias
desses povos.
Por ocasião da conquista espanhola, essas eram as duas regiões mais populosas do
novo continente e com a agricultura mais desenvolvida. Nessa época, todas as gran-
des culturas agrícolas de origem americana já estavam perfeitamente domesticadas,
tais como o milho, as abóboras, o feijão, a batata, o tomate e o cacau.
O clima dessa região é definido por três fatos básicos: a proximidade do Equador,
a altitude e a exposição ao Pacífico ou ao Atlântico. Pela proximidade do Equador,
a variação da temperatura diária média ao longo do ano é pequena, sendo a variação
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entre o dia e noite de maior expressão que a variação entre estações. Como a tempe-
ratura decresce com a altitude, a vegetação da Cordilheira evoluiu em temperaturas
amenas ou mesmo baixas, de acordo com seu piso de origem. No sopé da cordilheira,
sob o Equador, a temperatura média anual é da ordem de 28ºC, e fica abaixo de zero
a 4.000m de altitude, nos cumes com neves eternas. Como exemplo, a cidade de
Quito, a quase 3.000m sobre o nível do mar, sob a linha do Equador, registra variação
diária de 12ºC a 26ºC, ao longo de todo o ano.
A face da Cordilheira voltada para o Pacífico é quase toda marcada pela escassez
de chuvas, chegando em alguns pontos ao deserto. A face leste, voltada para a
Amazônia ao sul, e para o Caribe ao Norte, é sempre úmida. Assim, a vegetação da
cordilheira seguiu caminhos evolutivos diferenciados segundo sua exposição ao Atlân-
tico ou ao Pacífico. Há ainda um terceiro acidente geográfico a marcar essa região.
Ao Sul do Panamá, a cordilheira se divide em três ramos. Um deles se orienta para o
Sudeste e Leste, formando o divisor de águas entre as bacias do Amazonas e do
Orenoco. Os outros dois se orientam para Sul e, ao se distanciarem, delimitam entre
si uma extensa região alta e relativamente seca, o Altiplano, centro geográfico da
civilização incaica.
Os solos na região apresentam grande variação, mas de modo geral são quimica-
mente pobres. Considerados esses fatos geográficos, a evolução das plantas dessa
região foi muito mais marcada pelo regime das precipitações e pela altitude do que
por quaisquer outros fatores. A altitude se traduz numa temperatura amena, mas
sempre acompanhada de uma forte variação entre o dia e a noite. Essa variação é
mais intensa nas áreas secas do que nas úmidas, porque o vapor d’água na atmosfera
a atenua. As geadas estão fora da previsão dessas plantas, e o fotoperiodismo é
pouco importante, salvo para aquelas espécies de regiões mais distanciadas do Equa-
dor.
Com tais características de clima, é compreensível que as plantas dessa região não
tolerem nem geadas nem calores excessivos. De fato, algumas delas, como o tomate e
a batatinha, inclusive precisam de termoperiodismo diário para boas produções.
Além de temperatura amena, sendo esse ameno variável segundo a faixa de altitude
da espécie, essas culturas são sensíveis à umidade relativa do ar. As culturas do
Altiplano ou das alturas secas do México e América Central, evoluídas em atmosfera
seca, são muito prejudicadas por doenças foliares quando cultivadas em ar úmido.
Esse é o caso da batatinha e do tomate. Já as culturas da face atlântica, como a
mandioquinha-salsa e o feijão, evoluídas sob boas precipitações, se desenvolvem
melhor em ar mais úmido.
Desde a primeira viagem de Colombo, as plantas americanas começaram a ser leva-
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das para a Europa. Com a conquista do Império Asteca, e posteriormente do Império
Incaico, esse fluxo se intensificou. Para a Espanha foram o milho, as pimentas (Cap-
sicum), a batatinha, o tomate, as abóboras e várias outras espécies. As formas origi-
nais cultivadas na América em geral tinham um longo ciclo vegetativo, incompatível
com o clima do Mediterrâneo e pior ainda com o da Europa Central e do Norte. Esse
fato, aliado a uma natural desconfiança diante do novo, manteve essas espécies
como curiosidades botânicas, alimentos de bárbaros do além-mar.
Nos Andes, faz-se o cultivo de várias outras solanáceas, das quais talvez as mais
destacadas sejam a naranjilla (Solanum quitoensis), de cujos frutos se preparam su-
cos, e o tomate-de-árvore (Ciphomandra betacea), muito utilizado no preparo de
molhos picantes. Contudo, talvez por serem semiperenes e endêmicas, seu cultivo
nunca foi expandido para fora da região de origem.
Das plantas desse centro de origem, o milho é a que exibe maior variabilidade e
adaptabilidade, havendo tipos para áreas quentes e baixas, altas e mais secas, com
ciclo inferior a três meses ou de quase um ano. Contudo, é relativamente exigente em
fertilidade. Com tais características, adaptou-se a uma ampla faixa climática, desde
os climas temperados com verões quentes aos tropicais de baixa altitude, desde que
sobre solos favoráveis.
No seu conjunto, as plantas das alturas bem supridas de chuvas desse centro de
origem podem dar boas colheitas na primavera e verão dos planaltos e serras do
Centro-Sul do Brasil, acima de 800m ou 1.000m, desde que livres de geadas. O feijão
comum, tão presente nas mesas brasileiras, está nessa condição, mas pode ser culti-
vado até a menores altitudes mais ao Sul, aonde o aumento da latitude vai corrigin-
do o declínio da altitude.
As plantas das alturas secas, como a batatinha e o tomate, também podem dar
boas safras no inverno seco dos planaltos do Centro-Sul, desde que livres de geadas.
O tomate, ao contrário do que se costuma dizer, não é uma cultura especialmente
visada por pragas e doenças, como se tivesse uma natureza fraca ou maldição divina.
É apenas uma planta endêmica das montanhas e planaltos frescos e secos. Seu culti-
vo forçado sob elevada umidade relativa do ar e seu emprego corrente como hortali-
ça ao longo de todo o ano são filhos da era dos venenos agrícolas. Antes dela, o
tomate era apenas mais uma dentre as diversas hortaliças que se sucediam ao longo
do ano, da qual saborosos molhos podiam ser preparados e conservados para tempero
ao longo do ano.
Outro exemplo é o desprezo ao milho. Embora seja prato básico das populações
andinas e centro-americanas, no Brasil, para usar as palavras de Cora Coralina, é
considerado “alimento de brutos e de animais de carga”. De forma semelhante, as
abóboras são tidas por alimento de suínos, a despeito de seu elevado valor nutriti-
vo, como fontes de vitamina A e de metionina. Sintomaticamente, a Cucurbita pepo,
espécie que melhor se adaptou à Europa, e conhecida no Brasil como abobrinha
italiana, é tida em melhor conceito, aparecendo inclusive em restaurantes sofistica-
dos, com o nome de zucchini.
Mandioca
Não fosse a farta documentação histórica, fato raro no passado das plantas culti-
vadas, a mandioca passaria por cultura do centro de origem do Sudeste da Ásia em
face de suas características tipicamente de baixa altitude. Isso pode ser bem apreci-
ado pelo fato de a Tailândia ser o maior exportador mundial de raspas de mandioca.
No Oriente, a utilização da mandioca na alimentação humana não foi bem assimilada,
sendo a cultura associada ao arraçoamento animal.
Batata-doce
Café
Em nível mundial, nenhuma cultura é tão associada ao Brasil quanto o café. Origi-
nário dos planaltos da Etiópia e sul do Sudão, o café Coffea arabica é ali uma planta
do sub-bosque das florestas de altitude. O clima é ameno, bem suprido de chuvas,
mas com período seco pronunciado. Esse padrão climático é semelhante ao de certas
áreas montanhosas da América Central, não excessivamente secas como na costa do
Pacífico nem excessivamente úmidas como na costa do Atlântico.
Contudo, considerando não apenas a produção máxima, mas também outros as-
pectos desejáveis no cultivo, tais como a sanidade, a longevidade, a atenuação da
bienalidade e a prevenção contra a morte por esgotamento, a meia sombra, como na
sua origem, é de todo preferível. Experimentos conduzidos no IAPAR demonstram um
efeito benéfico da arborização também na proteção contra geadas, devido ao efeito
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tampão da copada das árvores altas sobre as temperaturas extremas, altas ou baixas.
Uma exceção a essa regra são as ervilhacas nas áreas de inverno chuvoso e frio no
Sul do país, que produzem bem mesmo em solos relativamente pobres, tornando-se
espontâneas. Contudo, em face do seu padrão de crescimento, mais exato seria
classificá-las como plantas de primavera, pois que é então que se dá seu maior
desenvolvimento vegetativo e sua reprodução.
Uma das árvores fixadoras de uso mais versátil em voga na atualidade é a Leuca-
ena leucocephala. Como outras plantas de solos de origem vulcânica, exige bom
suprimento de nutrientes minerais no solo, embora não seja especialmente afetada
pela acidez. Assim, essa leucena é especialmente indicada para terras de relativa
fertilidade, quentes e úmidas, sendo prejudicada tanto pela geada como por seca
prolongada. Apesar de suas qualidades, que merecem ser exploradas, há que não se
esquecer o aproveitamento da grande diversidade de árvores nativas, para incre-
mento da biodiversidade e assim da estabilidade dos sistemas agrícolas. Essa preo-
cupação, às vezes considerada extremista, começa a mostrar sua pertinência tam-
bém quanto a leucena, já se constatando a entrada no Brasil do Psilidium, uma séria
praga dessa espécie.