Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Daniela A. Pacífico 2
Introdução
1
Texto elaborado para o primeiro módulo da disciplina Agricultura e Sustentabilidade do curso de
graduação tecnológica Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural (PLAGEDER/UFRGS).
2
Socióloga, mestre em desenvolvimento rural (PGDR/UFRGS), tutora a distância do curso de graduação
tecnológica (PLAGEDER/UFRGS).
3
O DDT (sigla de Dicloro-Difenil-Tricloroetano) foi o primeiro pesticida moderno tendo sido largamente
usado após a Segunda Guerra Mundial para o combate dos mosquitos causadores da malária e do tifo.
A mente humana tem a capacidade de transformar, descobrir e criar que
sem dúvida é genial e incomensurável. Alguns fatores como a vida em sociedade, o
conhecimento transmitido de geração em geração, o pensamento científico e sua
documentação tornou o Homem dominador e manipulador de Homens, animais e
plantas. O domínio humano e o estabelecimento de um padrão maniqueísta das relações
sociais, culturais, econômicas, políticas e ambientais forjou um sistema econômico
desigual e excludente, um modelo de sociedade segregador e racista, um arquétipo
aniquilador dos recursos naturais e do meio ambiente, lançando à margem e à
vulnerabilidade os não legitimados como, por exemplo, grupos étnicos e sociais,
animais, plantas, etc.
O pensamento científico também é fruto deste processo e tornou-se
predominante no quadro de conhecimentos reconhecidos por ser considerado um saber
erudito, vindo dos intelectuais, da academia e dos estudiosos. Historicamente este
pensamento é tido como verdade, como superior aos conhecimentos pautados em
experiências cotidianas e tradicionais. Neste início de século XXI, a ciência e o acúmulo
de conhecimento chegam a um estopim interessantemente curioso; o homem explora,
controla e expropria a natureza, as formas de vida e as relações sociais através de um
novo mecanismo chamado tecnologia moderna. Ela está presente nas diversas esferas de
relações: econômica, social, cultural, ambiental, etc., abrangendo campos como saúde,
educação, engenharia civil, sistemas operacionais, indústrias de alimentos, fertilizantes,
agrotóxicos, biotecnologias, metalurgia, produção de alimentos, rações, etc., só para
citar alguns.
As tecnologias especializadas estão em toda parte, não às vemos mais
com estranhamentos, passaram a compor nossas redes de relações, estimularam novos
estilos de vida e criaram um modelo de agricultura produtivista e exploradora dos
recursos naturais. Discutir este tema, seu surgimento, desenvolvimento e crise é
objetivo geral desta reflexão. Este artigo pretende descrever as etapas da modernização
tecnológica da agricultura no Brasil, através do resgate do processo histórico de sua
constituição para analisar os elementos que desencadearam a crise tecnológica e a
conseqüente crise do modelo de agricultura modernizada.
Qual é o cenário e quem são os atores?
4
“As biotecnologias da área agrícola se referem às planta geneticamente modificada. A expressão planta
geneticamente modificada (PGM) deriva da noção de Organismos Geneticamente Modificados (OGM)
quando aplicada aos vegetais. Um OGM é um organismo vivo que tem suas características genéticas
modificadas de maneira não-natural por supressão, adição, troca ou modificação de no mínimo um gene”
(FERMENT, 2008:11).
para o uso exacerbado de agrotóxicos, pois são plantas que não morrem em contato com
o glifosato, enquanto as espontâneas são exterminadas.
Destaca-se, portanto, duas incoerências no discurso produtivista e
ideológico da modernidade do século XXI: a primeira diz respeito ao objetivo do
modelo agrário exportador que não produz alimento, os latifúndios não produzem
alimentos para as pessoas, e são os que mais abusam das tecnologias; a segunda
incoerência é referente às biotecnologias e seus usos equivocados para a agricultura,
pois a idéia ilusória de aumento produtivo confirma-se quando as próprias empresas de
sementes declaram que as variedades transgênicas não foram feitas para serem
competitiva em produtividade, e sim para serem resistentes à herbicida. Há os que
afirmam que aparentemente as variedades transgênicas são mais produtivas, contudo,
em longo prazo, a quantidade de insumos usados, principalmente o glifosato 5 , tende a
ser aumentada, inviabilizando também a relação custo benefício dos cultivos.
Não se trata de negar as inovações agrícolas, trata-se de agir com
precaução perante uma novidade no mínimo comprometedora, uma vez que esta
modificação genética pode trazer efeitos e impactos ainda desconhecidos, e
extremamente prejudiciais à biodiversidade genética e à saúde humana e animal. Plantas
transgênicas podem produzir variações de composto por serem por princípio
modificadas. Cada planta transgênica deve ser testada, caso a caso, é uma questão de
biossegurança, ou seja, de gestão de todos os riscos biológicos e ambientais associados
à alimentação e à agricultura, que antes de serem inseridas nos agroecossistemas devem
ter grande parte das incertezas a seu respeito sanadas.
A produção de soja e milho, estimulada no Brasil através dos créditos e
financiamentos - do início da década de 1960 aos dias atuais - tem como objetivo a
geração de PIB (Produto Interno Bruto), ou seja, fluxo de dinheiro. Produzir alimento e
comercializar no comércio local é desinteressante para banqueiros, governos e
corporações transnacionais (LUTZENBERGER, 2001). Delineia-se dessa forma, os
campos de atuação e as identidades socioprofissionais dos agricultores, ao mesmo
tempo em que cria e define as desigualdades sociais e legitima um modelo de
agricultura balizado pela modernização tecnológica que suprime e expropria as outras
5
O glifosato (N-(fosfonometil) glicina, C3H8NO5P) é um herbicida sistêmico não seletivo (mata
qualquer tipo de planta) desenvolvido para matar ervas, principalmente perenes.
formas e estilos de agricultura que não são somente agrícolas, mas também meios de
vida, de sociabilidade e de manutenção social de grupos e famílias6 .
Polarizado e dividido, no rural brasileiro perduram velhos mitos que o
faz ser visto como moderno e atrasado, composto tanto pela agricultura patronal quanto
pela agricultura familiar (GRAZIANO DA SILVA, 2001). Trata-se de esferas
diacrônicas conseqüência do processo colonizador/explorador e escravocrata pelo qual
passou o Brasil durante sua constituição histórica (WANDERLEY, 1995); país
estigmatizado pela desigualdade social, assolado pelo patrimonialismo e pelo latifúndio,
e que historicamente preserva uma elite agrária, que exclui e expropria o homem do
campo, o homem que trabalha a terra como forma de vida, como identidade e
pertencimento.
A sobrevivência deste homem do campo sofreu mudanças consideráveis
com o processo de modernização da agricultura. Os agricultores familiares ou aderiam o
modelo de produção ou estava marginalizado e/ou destituído da terra. Este tipo de
agricultura, já não somente agrícola como antes, forjou um perfil também não-agrícola,
com trabalhos temporários fora do campo, ou permanentes na cidade, desempenhado
por membros das famílias que mesmo residindo no campo realizam trabalho fora
propriedade como alternativa de sobrevivência/permanência (GRAZIANO DA SILVA,
2001).
Esta configuração polarizada é, em parte, fruto do processo histórico do
Brasil. A história agrícola está ligada a história do processo de colonização no qual a
dominação social, política e econômica da grande propriedade foi privilegiada. Assim, a
grande propriedade impôs um modelo socialmente reconhecido e recebeu estímulos
expressivos na política agrícola, e a agricultura familiar manteve-se a ocupar lugar
subalterno na sociedade brasileira (WANDERLEY, 1995). Dessa forma, novas
variáveis surgiram através do modelo de agricultura que emergiu com a chegada dos
insumos sintéticos associados às sementes melhoradas e aos agrotóxicos. Este modelo,
por homogeneizar e criar um padrão de agricultura aonde os instrumentos para produção
vêem de fora da propriedade, demarcou uma outra fase no qual a industrialização do
processo produtivo tornou mercadorias as ferramentas básicas para fazer agricultura.
Privatizaram-se os bens naturais em poucos donos. E para o agricultor ter acesso
somente através da compra, colocando este como um empregado do modelo.
6
Ver capítulo 3 (História e cotidiano dos atores sociais) da dissertação de mestrado Impasses na
transição para uma agricultura de base ecológica: o projeto café de Lerroville/PR, Pacifico, D. A., 2008.
As relações sociais também endureceram uma vez que os agricultores
além não trocarem mais sementes e experiências passaram a comprar de empresas, na
cidade (e cidade como símbolo de moderno), os instrumentos de trabalho. A relação
produtiva deixa de ser entre homem e natureza e passa a ser entre homem e indústria. A
mecanização da agricultura contribuiu enfaticamente para esse endurecimento das
relações sociais ao inserir no campo máquinas que desempenham quase totalmente o
papel dos trabalhadores, fazendo destes desnecessários. O êxodo rural, no Brasil, teve
suas expressões significativas com a revolução verde, no final da década de 1960 e
durante toda a década de 1970. Devido à chegada das máquinas e dos pacotes
tecnológicos no campo, conjunto de novos saberes e combinações químicas sintéticas
de respostas rápidas e controles de insetos, a mão-de-obra tornou-se dispensável por
economizar tempo e recursos, estimulando a “marcha” para a cidade.
As famílias deslocaram-se do campo para os centros urbanos em busca
de oportunidades, com um dúbio sentido orientador: rural como sinônimo de atrasado,
sendo a cidade o símbolo da modernidade; e o segundo sentido foi enviesado pelo
discurso do campo já não abrigar os que não acompanham a evolução do modelo
produtivo. Cabe destacar que as máquinas e os pacotes tecnológicos chegaram
primeiramente nas mãos dos agricultores de elevado poder aquisitivo, havendo uma
potencialização destes produtores e um empobrecimento e expropriação dos demais
agricultores. Esse quadro foi estimulado também pelas políticas governamentais e pelos
planos de governo, ao longo do tempo.
7
O desenvolvimento comunitário estava baseado na tradição sociológica da vida rural (Rural and Farm Life
Studies), que surgiu nos Estados Unidos, no final do século XIX e início do século XX. O desenvolvimento
comunitário deu suporte às teorias de modernização agrária após a Primeira Guerra Mundial. O trabalho de
Charles Galpin, The Rururban Community foi precursor nesta área. Vinculado a corrente teórica dos Rural
Lifes Studies, o desenvolvimento comunitário foi tentativa teórica e metodológica de acabar com as
diferenças rural-urbano, evangelizando o campo e solidificando as bases para industrializá-lo, econômica e
culturalmente, por meio da indústria (MOREIRA; CARMO, 2004).
no Brasil os aparatos estatais de crédito, pesquisa e extensão rural, como já
destacado, para intensificação do modelo tecnológico da revolução verde e
consolidação dos complexos agroindustriais.
No final da década de 1980, os impactos negativos desse modelo
de desenvolvimento sobre os sistemas sociais e ambientais levaram a adoção de
um novo conceito como resposta às conseqüências impresumíveis do modelo
moderno. O termo da vez era desenvolvimento sustentável, da mesma filiação do
discurso modernizador dominante até então. Difundido pela Comissão Mundial
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), o termo gerou uma
“ecologização” de distintos discursos e concepções, que convergiu para o
entendimento de desenvolvimento sustentável como sinônimo de crescimento
econômico sustentável. Desta forma, há também para o conceito de
sustentabilidade um discurso hegemônico de características ecotecnocráticas que
foram incorporadas às estratégias de desenvolvimento pelos organismos que
promoveram a modernização da agricultura à nível mundial.
Para Moreira e Carmo (2004), este conceito de desenvolvimento
sustentável parece “[...] incluir estratégias ambientais baseadas no
desenvolvimento contínuo de atividades industriais supostamente sustentáveis e
vinculadas à globalização do capital.” (MOREIRA; CARMO, 2004:40). Não se
trata de buscar por reais alternativas de cunho social e ambiental direcionadas para
o bem estar da sociedade e uso sustentável dos recursos naturais. Trata-se de um
jargão, de um discurso ecotecnocrático mascarado que na essência reproduz os
mesmo valores e princípios do capital e do modelo de desenvolvimento pautado
em aspectos econômicos e produtivistas, que privilegiam a classe dominante da
sociedade e desprivilegia, marginaliza e silencia outros discursos, como o discurso
ecossocial e as camadas subalternas do sistema.
O discurso ecossocial pertence a perspectiva de outro paradigma
do desenvolvimento rural, não mais baseado na corrente economicista e degradante
de promoção da modernização, mas em uma perspectiva social e sustentável da
produção e também é conhecida como a nova via de desenvolvimento rural. Assim,
o conceito de desenvolvimento rural sustentável toma por base o “[...]
descobrimento, a sistematização, a análise e o fortalecimento dos elementos de
resistência específica de cada local ao processo modernizador agrário, fortalecendo
as formas de ação social coletiva que possuam um potencial endógeno
transformador.” (MOREIRA; CARMO, 2004:41). Ele não se pretende hegemônico
para todas as comunidades rurais do mundo, pelo contrário:
Considerações finais
Referências
DAL SOGLIO, F.; MACHADO, A. T.; OGLIARI, J. B.; ALMEIDA, J.; BOEF, W.
S. Agrobiodiversidade, agricultura familiar, biotecnologia e estruturas
institucionais no Brasil. In: BOEF, W. S.; THIJSSEN, M. Estratégias
participativas de manejo da agrobiodiversidade. Florianópolis. NeaBio, 2006.
p. 29-41.