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Argumentos antropocêntricos são aqueles nos quais o critério usado para determinar o que deve
ser feito é o bem-estar dos humanos. Em outras palavras, uma visão de mundo antropocêntrica é
aquela que confere aos humanos a condição de valor absoluto ou intrínseco. É dizer, os humanos
devem ser respeitados pelo que representam em si mesmos. Em contraste, essa visão de mundo
prescreve que os demais seres possuem valor somente em relação aos humanos, ou seja, os
demais seres são dotados de valor instrumental.
Vivemos em ecossistemas. Essa proposição que, para os que têm algum conhecimento em
ecologia, é banal, passa, de fato, desconhecida da maioria. O funcionamento dos ecossistemas é
o que fornece o equilíbrio relativo do qual necessitamos para manter nossa vida biológica.
Quando dizemos que nosso metabolismo é o que mantém a temperatura de nosso corpo, por
exemplo, isso não passa de uma meia verdade. Além do funcionamento do metabolismo, é
necessário que o ambiente a nossa volta, particularmente a atmosfera, esteja dentro de certos
limites. Se a temperatura do ambiente baixa de mais, não há metabolismo que sustente o calor
necessário à vida. Se não existe um ambiente em relativo equilíbrio, a vida torna-se impossível.
Outro exemplo pertinente é a relação de micro-organismos com micro-organismos. Se não existe
um equilíbrio entre a quantidade e qualidade de micro-organismos patogênicos, os micro-
organismos irão sucumbir doentes. Assim a saúde se interpenetra ao meio-ambiente, no que hoje
chamamos saúde-ambiental. Ocorre que o equilíbrio dos ecossistemas é mantido graças a
interações muito sutis entre os organismos e os fatores abióticos. E isso é assim tanto em escala
local quanto em escala global. Em escala local, por exemplo, em um ambiente rural, pode
suceder que a extinção de um artrópode, consumidor secundário, ocasione a explosão da
população de sua presa, consumidora primária, que se torna, então, uma praga de lavoura.
Exemplos disso não faltam. Em um ambiente urbano, por exemplo, com o despejo de esgoto
cloacal em cursos d’água pode ocorrer que populações de micro-organismos patógenos sofram
uma explosão com consequências graves para a saúde humana, como é o caso da cólera. Em
escala global, podemos citar o caso da exploração dos recursos pesqueiros. De 1950 a 2002, a
pesca em nível mundial setuplicou. Esse aumento está causando com que os recursos pesqueiros
se acabem. Como foi assinalado na introdução, um dos efeitos que essa prática pode acarretar é o
enfraquecimento genético da espécie que pode resultar na entrada da mesma no chamado vórtice
de extinção. Como existe contiguidade entre os ecossistemas marinhos, uma completa alteração
nas teias alimentares pode causar um colapso nas populações marinhas. Ainda em escala global,
pode-se citar o efeito do desflorestamento sobre o clima mundial. As grandes florestas tropicais
são importantíssimas para a dinâmica da água do planeta. A destruição das florestas, de
diversidade biológica, portanto, pode, então causar mudanças substanciais no clima. Nesse
sentido, podemos dizer que, para a humanidade, é importante conservar a biodiversidade, pois
dela depende o equilíbrio dos ecossistemas de que necessitamos para desenvolver as atividades
da cultura humana.
Um outro argumento antropocêntrico é o que diz ser a diversidade das formas de vida
interessante para a admiração humana. Não só em museus de história natural, como também “ in
vivo ”. Exemplos bastante comuns disso nos são familiares. O que vai fazer alguém no
arquipélago de Fernando de Noronha, por exemplo? Vai conhecer a beleza dos seres que lá
vivem, particularmente da fauna marinha. Esse argumento é comum a toda a defesa do que hoje
se chama “ecoturismo”. Trata-se fundamentalmente de conservar as espécies para que os
humanos possam admirá-las. E como bem se sabe, essa atividade é uma grande fonte de
recursos. Os turistas carregam consigo muito dinheiro. No entanto, dentro da perspectiva
antropocêntrica na qual estamos trabalhando no momento, esse argumento pode parecer
particularmente fraco. Pode alguém dizer: “bom, podemos preservar uma área natural de sua
destruição para o turismo, mas a renda que isso gera é muito menor do que se instalássemos a
indústria X.” Pode isso ser verdade, mas cabe lembrar que a perspectiva que estamos adotando
aqui é a que leva em conta valores humanos. O argumento apresentado possui como premissa
oculta que a geração de renda é o que de mais interessante ou importante existe. Isso é, reduz as
potencialidades humanas à sua condição material, ou melhor, monetária. A experiência humana,
no entanto, é infinitamente mais rica. O que faria alguém cheio de dinheiro em um planeta onde
só existissem pouquíssimas espécies? Teria ele a capacidade de se maravilhar com a beleza dos
peixes de Fernando de Noronha, ou com a exuberância da Mata Atlântica? Segundo esse
argumento, portanto, a biodiversidade deve ser conservada para ser admirada pelos seres
humanos.
Outra dimensão fundamental da existência humana é a sua capacidade de fazer ciência, ou seja, a
capacidade de, a partir da observação de casos particulares, induzir leis universais e, além disso,
comprová-las. Nenhuma outra espécie tem a capacidade de entender e intervir no meio ambiente
que nós temos. Mas, muito além da capacidade de intervenção (que é, com justiça, acusada de
suscitar a grande destruição ambiental), existe a capacidade de maravilhar-se com a
complexidade e beleza que a matriz generativa que é a natureza é capaz de engendrar. E falando
assim da ciência, faço eco ao que Lutzemberger uma vez disse sobre o assunto:
A ciência verdadeira é a contemplação da beleza sagrada do universo (...) dizer que a ciência não
tem nada a ver com valores, ética, moralidade, religião e política, é uma grande bobagem. A
ciência está profundamente imbuída de valores, e, consequentemente, de sentimentos.
Quem não se maravilha ao olhar para um bando de bugios-ruivos nas matas de Porto Alegre.
Quão incríveis foram as forças da evolução que levaram à existência de um Lutzemberger, J.
“Science, Ethics and Environment” in Callicott, J. B. & Da Rocha, F. J. R. Earth Summit Ethics:
toward a reconstructive postmodern philosophy of environmental education. New York, State
University of New York Press: 1996. pp. 28-29
Tal ser, um primata, folívoro, que emite um rugido (em realidade, ronco) estrondoso, que faz as
matas tremerem! Que mecanismo será que o permite emitir um tal som? Que mecanismos
digestivos o permitem uma nutrição quase que inteiramente à base de folhas? Que tipo de
interações será que ele estabelece com outros seres da mata? Conhecer a realidade imensamente
rica e complexa é uma das motivações centrais da ciência, do espírito científico. Dizer, portanto,
que a ciência tem a sua motivação inteiramente no transformar a realidade é desconhecer uma
das potencialidades (talvez uma das mais importantes) da existência humana. Fazer ciência
meramente para aumentar o poder, particularmente o poder econômico, humano sobre outros
seres (incluindo outros humanos) é incorrer no mesmo erro apresentado na seção anterior, a
saber, reduzir as potencialidades humanas ao acumulo de capital, esquecendo-se de diversas
outras. Lá, da capacidade da admiração cênica, plástica da vida nesse planeta. Aqui, da
capacidade de compreender os maravilhosos mecanismos que levaram à existência de tamanha
diversidade de formas de vida. Quantos processos maravilhosos já deixaram de existir por ação
do homem? Quantos mecanismos e estratégias adaptativas não desapareceram com extinções de
origem antrópica? Essa pergunta não se pode responder, mas ela dá a dimensão de que, em
destruindo a diversidade da vida no planeta, nós estamos acabando com uma das possibilidades
mais fascinantes da existência humana. A aventura científica na qual a humanidade ingressou
desde há muito tempo. Segundo esse argumento, portanto, devemos conservar a biodiversidade
para bem de que possamos conhecer as maravilhas que permitem que uma imensa quantidade de
variedades de vida possam coexistir nesse planeta.
Essa seção será como uma síntese das duas anteriores. Tratar-se-á de pensar a possibilidade de se
encarar a natureza de uma maneira ao mesmo tempo abrangente, como é o caso da admiração
pela paisagem, e que represente algum tipo de conhecimento (para além da esfera puramente
subjetiva), como é o caso do maravilhamento científico. Existe uma experiência humana sui
generis vivida quando se está em contato profundo com a natureza. Algo que vai além no mero
“que bonito” da penúltima seção (turismo). A admiração que corriqueiramente experienciamos é
feita a partir do ponto de vista de uma ideia (ou feixe de ideias) a qual chamamos “eu”,
profundamente ligada, mesmo condicionada àquilo que vivemos no passado. Então temos uma
individualidade observando algo exterior a ela. Mesmo que essa individualidade estiver muito
impressionada com o que vê, quando observamos da beira de um dos caninos do Parque
Nacional dos Aparados da Serra, se ela mantiver o ponto de vista do “eu”, sempre haverá uma
barreira entre o observador e a coisa observada. Agora, em algumas ocasiões especiais, (para
alguns mais raras, para outros mais frequentes), particularmente quando se está em contato com a
natureza, longe dos nossos pensamentos corriqueiros, quando a nossa consciência é subitamente
tomada por uma experiência em tudo distinta do que estamos acostumados. Nesse estado de
espírito, estranhamente a nossa constante preocupação com nós mesmos se desvanece, paramos
de reafirmar a nossa identidade, nosso “eu”, com pensamentos ininterruptos. Nossa mente
silencia. E sentimos um profundo sentimento de união com tudo que está a nossa volta,
Com toda a beleza que agora experienciamos como partícipes, não como observadores. O
observador e a coisa observada são, então, a mesma coisa. Essa é a experiência de Comunhão
com a Natureza, entendida essa menos como a soma dos processos ecológicos descritos
cientificamente e mais como a matriz generativa da realidade mesma, o próprio fluxo da
existência. O que há de particular nela e que a diferencia de todas demais experiências é que ela
Ainda que com grande estranheza, podemos extrair daí um argumento antropocêntrico para a
conservação da biodiversidade. Devemos conservar a biodiversidade para manter a possibilidade
de os humanos terem experiências de comunhão com a natureza.
Foram oferecidos seis argumentos, portanto, que nos conclamam a preservar a biodiversidade. É
importante notar, no entanto, que os argumentos apresentados até agora são antropocêntricos, ou
seja, são argumentos que partem do pressuposto que os humanos são dotados de valor
(intrínseco), e que, portanto, visam proteger a biodiversidade em função do que ela representa ou
pode representar para os humanos.
Em suma, a biodiversidade deve, antropocentricamente falando, ser conservada: (1) para bem
que os humanos possam descobrir e fazer uso de compostos químicos que contribuam para o seu
bem viver; (2) para que as variedades utilizadas como alimento tenham as capacidades de
adaptação às mudanças ambientais que virão, ou seja, para que exista uma segurança alimentar;
(3) pois dela depende o equilíbrio dos ecossistemas de que necessitamos para desenvolver as
atividades da cultura humana; (4) para ser admirada pelos seres humanos; (5) para bem de que
possamos conhecer as maravilhas que permitem que uma imensa quantidade de variedades de
vida possam coexistir nesse planeta; e (6) para manter a possibilidade de os humanos terem
experiências de comunhão com a natureza.
Não existem, contudo, somente argumentos antropocêntricos para que se conserve a diversidade
biológica. Alguns outros pontos de vista nos permitem achar outros argumentos para essa
questão. Quais serão eles, então? Vamos imaginar a seguinte situação: estamos no meio do mato,
por causa de algum dos seis argumentos apresentados, ou ainda por outro motivo qualquer,
quando, de repente, nos deparamos com uma cena terrível: uma bugia (bugio fêmea) morta, (por
um tiro, talvez), estirada no chão, com um filhote vivo ainda em suas costas. E o filhote não para
de chorar. Qual será nossa reação? Olhar para a cena, pensar como a natureza é cruel com os
seus filhos, virar as costas e ir embora? Ou talvez prestar algum socorro ao filhote? Imagino que
alguns leitores poderiam escolher a primeira opção, mas creio, sinceramente, que diversos
escolheriam a segunda. Porque? Qual o motivo que os levariam a agir assim? Pode a vida de um
bugio (zinho) fazer alguma exigência ética sobre nós? Que tipo de exigência? Uma resposta a
essa pergunta é o que se tentara fornecer na próxima seção.
existência de um argumento zoocêntrico deve, por si, ser justificada. Existem, no entanto,
diversas maneiras de fazê-lo.
Uma das estratégias é asseverar que a sensibilidade é a fonte do valor intrínseco desses seres.
“Sensibilidade”, aqui, é entendida no sentido reconhecido pela ciência atual, ou seja, possuir um
sistema nervoso desenvolvido suficiente para ter a sensação de dor corporal. Assim, não são
todos os animais que entrariam nesse conceito, mas somente os animais “superiores”, ou melhor,
os vertebrados.
Se um ser sofre, não pode haver nenhuma justificativa de ordem moral para nos recusarmos de
levar esse sofrimento em consideração. Seja qual for a natureza do ser, o princípio de igualdade
exige que o sofrimento seja levado em conta em termos de igualdade com o sofrimento
semelhante (...) de qualquer outro ser. Quando um ser não for capaz de sofrer, nem de sentir
alegria ou felicidade, não haverá nada a ser levado em consideração.
Ora, certamente em se assumindo um conceito desses, a vida dos seres humanos seria
substancialmente modificada. Não importa em que situação que se estivesse, em se deparando
com uma vida dotada de sensibilidade, é necessário que se leve ela em conta, perguntando “será
que não vou causar dor a esse ser?”, e, se sim, “preciso realmente causar dor a esse ser?” Isso vai
diametralmente contra o senso comum de hoje (incluindo grande parte da legislação) que
considera que qualquer coisa que não seja humana está aí para ser usada ao bel-prazer dos
humanos. O autor vai mais longe, no entanto, que a concernência ética aos seres sencientes. Mais
do que levar em conta os seres sensíveis, devemos, em alguns casos, garantir-lhes direitos como
o à vida. Para tanto, ele se sustenta sobre dois pilares, o da senescência e o da autoconsciência.
Tendo definido o conceito de “pessoa” em relação à capacidade de fazer referência a si próprio e
de se imaginar no passado e no futuro, Singer chega à estranha conclusão de que alguns animais
são pessoas. Particularmente os primatas antropoides: chimpanzés, orangotangos e gorilas (todos
eles, no momento, ameaçados de extinção), dos quais já existe confirmação científica de que eles
preenchem os requisitos acima. A afirmação de Singer, a respeito do que alguns possam
imaginar, é embasada em experimentos científicos conduzidos com esses primatas. O conceito
de pessoa estender-se- ia, ainda, aos cetáceos, cujos estudos permitem já a confirmação de sua
autoconsciência. Frente à nossa limitação científica, no entanto, o autor advoga que, pelo
princípio da precaução, deveríamos estender ainda mais esse conceito, começando pelos demais
primatas e chegando, até mesmo, a incluir todos os mamíferos. Em se assumindo essa visão de
mundo, quais seriam as consequências para a conservação da biodiversidade? Peter Singer
enfrenta essa questão. E discutindo a questão da destruição provocada pela construção de uma
hidrelétrica, ele afirma que nos cálculos de prós e contras sobre a construção da barragem,
“devem agora entrar os interesses de todos os animais que vivem na área a ser inundada. (...).
Esses fatos vão aumentar significativamente o peso dos argumentos contrários à construção da
represa” 9. É claro. Se damos peso à existência animal, e uma ação ameaçar essa existência, essa
ação será imediatamente rechaçada.
Um outro corolário dessa visão de mundo é que os ambientes naturais devem ser preservados em
função dos animais, particularmente os Auto conscientes que aí vivem. Além disso, é claro que,
em se tendo real apreço pela vida do animal, não se pode simplesmente conservá-lo. Antes, é
necessário conservar também o seu habitat. Esta tese é inconteste dentro das ciências biológicas:
que um ser vivo só é o que é dentro de seu habitat. Tanto o habitat faz parte dele quanto ele, do
habitat; são interdependentes. Se queremos conservar as populações de chimpanzé, que é a
espécie à qual o argumento de Singer mais se conforma, temos que necessariamente conservar as
florestas tropicais da África onde ele mora. Não faz sentido respeitar o chimpanzé e não respeitar
a floresta. A floresta faz parte do chimpanzé. E não basta conservar só as árvores onde esse
primata vive, é necessário, igualmente, ou ainda mais, conservar os ecossistemas que dão a base
de sua existência. A vida do chimpanzé está inserida em uma gigantesca e complexíssima teia de
relações ecológicas. E se rompendo essa teia, rompe-se a possibilidade desse animal. Esse
argumento, então, partindo de pressupostos que asseveram o valor intrínseco da vida dos
animais, particularmente dos Auto conscientes, diz que a biodiversidade deve ser conservada (7)
em respeito à vida dos seres sencientes que encontram nela o seu habitat.
Até aqui consideramos dois pontos de vista possíveis de serem assumidos. Primeiro, o que
considera que o importante a ser buscado é o bem-estar para os seres humanos, ou seja, a visão
antropocêntrica. Vimos que nesse registro, podem-se desenvolver argumentos de peso para a
conservação da biodiversidade. Em seguida, consideramos o ponto de vista zoocêntrico, ou seja
o que considera que o importante é o bem-estar dos animais. Vimos que se utilizarmos
argumentos inspirados nessa visão de mundo, a força dos argumentos é ainda maior, mais
imperativa, pois abrange um maior escopo de consideração moral. Será que esse escopo não
pode ser aberto um pouco mais? Será que não podemos incluir outras classes de seres em nossas
deliberações éticas? Fazer esse trabalho é o que intento com essa seção. A começar pelo nome.
Ecocentrismo. Para alguns, pode parecer uma esquisitice sem tamanho, coisa de hippies dos anos
70. Para outros, o nome pode fazer referência à disciplina institucionalizada dentro das
universidades, a ecologia. No que têm somente meia razão. O uso dado aqui a esse termo é
inspirado pela sua origem etimológica: eco, oíkos 10, casa. É o ponto de vista que baseia-se em
nossa casa, mas aqui na abrangência do planeta Terra. Assim, quanto ao significado, ela
distingue-se em tudo daquilo que, na grafia, distingue-se por apenas uma letra: egocentrismo.
Nesse último, temos a supremacia absoluta do indivíduo sobre o resto. Já no ecocentrismo, temos
a supremacia do todo sobre as partes. Mas temos que qualificar o que seja esse todo e em que
sentido o consideramos. Antes, no entanto, de ir direto ao assunto, lembremos um pouco de
nossa história.
pressão da seleção natural. Começou, então, a magnífica diversificação das formas de vida,
passando de um número zero de espécies para milhões. Constituídos a princípio de alguns
poucos compostos químicos, os organismos passaram a ter milhões de células, em sistemas cada
vez mais complexos.
estarem vivos. Ambos são igualmente adaptados para coexistirem. Não há dúvida, no entanto,
que, nós, humanos, valorizamos a nossa vida mental. Adoramos nossos prazeres, os que são de
várias naturezas. Dizemos que são bons. Que é boa a nossa vida. Mas, em assumindo, uma visão
antropocêntrica do valor, ao mesmo tempo que dizemos que a nossa vida possui valor, dizemos
que a de outros seres não possui valor absoluto nenhum. É o que ocorre quando se destrói uma
floresta na construção de uma hidrelétrica, por exemplo. O argumento que é mais ouvido é o de
que a hidrelétrica é necessária para o crescimento eco (ECO!) nómico do país e para a
“felicidade geral da nação”. Esse argumento é, no entanto, do ponto de vista ecocêntricos que
estamos trabalhando, profundamente ignorante.
Ignorante? Por que? Diz-se que ele é ignorante por não reconhecer que o processo generativo
que nos formou, que formou nossas mentes, é o mesmo que mantém os demais seres. É
ignorante, pois considera que a existência é algo estático, que o processo de geração não parou, e
que todos os seres continuam o seu caminho de complexificação. Será por acaso justo valorizar
uma parte do processo sem valorizar o processo inteiro? Se dizemos que a hidrelétrica é
importante para o bem-estar humano, estamos sumariamente desconsiderando a existência dos
milhares de outros seres que serão mortos durante essa construção. Estamos desconsiderando a
história de milhões de anos de existência do processo que gerou os seres que agora aí estão. A
Natureza levou bilhões de anos para construir a complexidade da qual é formada uma dada
floresta. Nós, humanos, a destruímos em cinco anos! Desse ponto de vista, parece bastante
estranha essa situação. Parece, então, com esse argumento, que devemos respeitar a vida de todos
os seres, e ainda mais, que talvez tenhamos a obrigação de não destruir esses seres. Mas não é
bem isso que se quer dizer aqui. Pois, se os humanos não matassem nenhum outro ser, na
condição fisiológica que hoje temos, isso significaria decretar nossa própria morte. Se não mato
nenhum ser, eu mato a mim mesmo. E isso seria, igualmente, desrespeitar o desenvolvimento da
história natural da qual eu faço parte. Essas exigências de não matar nada trazem, portanto, em
si, uma contradição.