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SUMÁRIO

1 O QUE A ECOLOGIA ESTUDA? ................................................................ 2


1.1 Habitat .................................................................................................. 3
1.2 Nicho ecológico .................................................................................... 3
1.3 População ............................................................................................ 4
2 TERMOS UTILIZADOS NA ECOLOGIA ..................................................... 5
2.1 Comunidade ......................................................................................... 5
2.2 Ecossistema ......................................................................................... 6
2.3 Biosfera ................................................................................................ 7
3 OS PRINCIPAIS ECOSSISTEMAS BRASILEIROS ................................... 8
3.1 Floresta Amazônica .............................................................................. 8
3.2 Mata de cocais ..................................................................................... 9
3.3 Pantanal mato-grossense..................................................................... 9
3.4 Campos sulinos .................................................................................. 10
3.5 Caatinga ............................................................................................. 10
3.6 Restinga ............................................................................................. 11
3.7 Manguezal .......................................................................................... 12
3.8 Cerrado .............................................................................................. 13
3.9 Mata Atlântica ..................................................................................... 13
3.10 Mata de araucária ........................................................................... 14
4 OS PERIGOS DA POLUIÇÃO DO SOLO ................................................. 15
4.1 O lixo .................................................................................................. 15
4.2 Lixões a céu aberto ............................................................................ 16
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 17
5 LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................... 18
6 LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................... 26

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1 O QUE A ECOLOGIA ESTUDA?

A floresta Amazônica apresenta uma vegetação riquíssima. E a variedade de


animais também é enorme. Calcula-se que em uma única árvore da floresta Amazô-
nica podem ser encontradas mais de mil espécies diferentes de insetos.
De fato, se reunirmos todas as florestas tropicais do planeta, veremos que nelas
se encontra mais da metade das espécies vivas. Podemos dizer então que a floresta
Amazônica possui uma grande biodiversidade.
Veja agora uma foto da caatinga. A vegetação já é bem diferente.

Fonte: www.estudopratico.com.br

Porque existe essa diferença? Essa é uma das muitas perguntas que a ecologia
tenta responder.
Veja só mais alguns exemplos de questões importantes, relacionadas à nossa
vida, e as quais a ecologia tenta responder: "O que pode acontecer se uma floresta
for destruída?"; "É possível explorar uma floresta sem provocar a sua destruição?",
"Como o ser humano interfere na vida dos outros organismos?"; "O que provoca o
aumento da temperatura na Terra?"; "E o que pode acontecer se a temperatura da
Terra aumentar muito?"; etc.
Vamos dar um exemplo. Considere o Bugio, um dos maiores macacos neotro-
picais, vivem deste a Bahia até o Rio Grande do Sul. Vive em bandos de três a doze
indivíduos, de ambos os sexos e várias idades, chefiados por um macho adulto. Sua

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dieta é predominantemente folívora (folhas). Os outros alimentos são: flores, brotos,
frutos, caules de trepadeiras.
A Ecologia pode estudar:
 As relações que um bando de Bugios tem com os outros seres da floresta;
 A influência do clima sobre todos os organismos da floresta;
 A influência das florestas neotropicais sobre o clima;
 A influência da ação do ser humano sobre o clima de todo o planeta.
Você pode concluir que a ecologia é um campo de estudo muito amplo. E todas
essas informações nos ajudam a melhorar o ambiente em que vivemos, diminuindo a
poluição, conservando os recursos naturais e protegendo nossa saúde e a das gera-
ções futuras.
Resumindo: Ecologia é a ciência que estuda as relações dos seres vivos entre
si e com o ambiente.

1.1 Habitat

O habitat é o lugar na natureza onde uma espécie vive. Por exemplo, o habitat
da planta vitória régia são os lagos e as matas alagadas da Amazônia, enquanto o
habitat do panda são as florestas de bambu das regiões montanhosas na China e no
Vietnã.

1.2 Nicho ecológico

O nicho é um conjunto de condições em que o indivíduo (ou uma população)


vive e se reproduz. Pode se dizer ainda que o nicho é o "modo de vida" de um orga-
nismo na natureza. E esse modo de vida inclui tanto os fatores físicos - como a umi-
dade, a temperatura, etc. - quanto os fatores biológicos - como o alimento e os seres
que se alimentam desse indivíduo.
Vamos explicar melhor: O nicho do Bugio, por exemplo, inclui o que ele come,
os seres que se alimentam dele, os organismos que vivem juntos ou próximo dele, e
assim por diante. No caso de uma planta, o nicho inclui os sais minerais que ela retira
do solo, a parte do solo de onde os retira, a relação com as outras espécies, e assim
por diante.

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O nicho mostra também como as espécies exploram os recursos do ambi-
ente. Assim a zebra, encontrada nas savanas da África, come as ervas rasteiras, en-
quanto a girafa, vivendo no mesmo hábitat, come as folhas das árvores. Observe que
cada espécie explora os recursos do ambiente de forma um pouco diferente.

1.3 População

Indivíduos de uma mesma espécie que vivem em determinada região formam


uma população. Por exemplo: as onças do pantanal formam uma população.
As capivaras também podem ser encontradas no pantanal, mas fazem parte de
outra população, já que são de outra espécie.

Fonte: www.hipernoticias.com.br

Às vezes a população pode aumentar muito, por exemplo, em meados do sé-


culo XIX, alguns coelhos selvagens foram levados da Inglaterra para a Austrália, para
serem usados nas caçadas. Na Europa, as populações de coelhos eram naturalmente
controladas por diversos predadores e parasitas. Na Austrália, porém não existiam
tantas espécies que atacavam coelhos. O resultado é que esse animal se reproduziu
rapidamente chegando a atingir mais de 200 milhões de indivíduos, que passaram a
destruir as plantações e as pastagens da Austrália. Isso mostra o perigo de se intro-
duzir num novo ambiente um organismo não nativo.
Esta é mais uma das questões que a ecologia estuda: "O que faz o número de
indivíduos de uma população aumentar, diminuir ou permanecer constante?".

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2 TERMOS UTILIZADOS NA ECOLOGIA

Fonte: i0.wp.com

2.1 Comunidade

No mar existem diversos animais e vários tipos de plantas. E há também seres


muito pequenos - tão pequenos que só podem ser vistos com aparelhos especiais
como os microscópios, que possuem lentes especiais que ampliam a imagem dos
seres observados.
Se colocarmos uma gota da água do mar no microscópio, veremos um número
imenso desses pequenos seres vivos. Pense quantos organismos diferentes podem
ser encontrados num jardim: grama, roseiras, minhocas, borboletas, besouros, formi-
gas, caracóis, sabiás, lagartixas.
Todos os seres vivos de determinado lugar e que mantêm relações entre si
formam uma comunidade. A comunidade do mar acima é composta por peixes, algas,
plantas, os seres microscópios, enfim todas as populações lá existentes.

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2.2 Ecossistema

É o conjunto dos relacionamentos que a fauna, flora, microrganismos (fatores


bióticos) e o ambiente, composto pelos elementos solo, água e atmosfera (fatores abi-
óticos) mantém entre si. Todos os elementos que compõem o ecossistema se relaci-
onam com equilíbrio e harmonia e estão ligados entre si. A alteração de um único
elemento causa modificações em todo o sistema podendo ocorrer à perda do equilí-
brio existente. Se por exemplo, uma grande área com mata nativa de determinada
região for substituída pelo cultivo de um único tipo de vegetal, pode-se comprometer
a cadeia alimentar dos animais que se alimentam de plantas, bem como daqueles que
se alimentam destes animais.
A delimitação do ecossistema depende do nível de detalhamento do estudo.
Por exemplo, se quisermos estudar o ecossistema de um canteiro do jardim ou do
ecossistema presente dentro de uma planta como a bromélia.

Fonte: www.sobiologia.com.br
Fonte: www.sobiologia.com.

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2.3 Biosfera

Fonte: www.sobiologia.com.br

Ainda não temos conhecimento da existência de outro lugar no Universo, além


da Terra, onde aconteça o fenômeno a que chamamos de vida. A vida na Terra é
possível porque a luz do Sol chega até aqui. Graças a sua posição em relação ao Sol,
o nosso planeta recebe uma quantidade de energia solar que permite a existência da
água em estado líquido, e não apenas em estado sólido (gelo) ou gasoso (vapor). A
água é essencial aos organismos vivos. A presença de água possibilita a vida das
plantas e de outros seres capazes de produzir alimento a partir da energia solar e
permite também, indiretamente, a sobrevivência de todos os outros seres vivos que
se alimentam de plantas ou animais. Pela fotossíntese que há a absorção de água e
gás carbônico e liberação de oxigênio, a energia do Sol é transformada em um tipo de
energia presente nos açucares, que pode então ser aproveitada por seres que reali-
zam esse processo e por outros seres a eles relacionados na busca por alimento.
A Terra pode ser dividida assim:
 Litosfera - a parte sólida formada a partir das rochas;
 Hidrosfera - conjunto total de água do planeta (seus rios, lagos, oceanos);
 Atmosfera - a camada de ar que envolve o planeta;
 Biosfera - as regiões habitadas do planeta.
Biosfera é o conjunto de todos os ecossistemas da Terra. É um conceito da
Ecologia, relacionado com os conceitos de litosfera, hidrosfera e atmosfera. Incluem-
se na biosfera todos os organismos vivos que vivem no planeta, embora o conceito
seja geralmente alargado para incluir também os seus habitats.
A biosfera inclui todos os ecossistemas que estão presentes desde as altas
montanhas (até 10.000 m de altura) até o fundo do mar (até cerca de 10.000 m de
profundidade).
Nesse s diferentes locais, as condições ambientais também variam. Assim, a
seleção natural atua de modo diversificado sobre os seres vivos em cada região. Sob
grandes profundidades no mar, por exemplo, só sobrevivem seres adaptados à
grande pressão que a água exerce sobre eles e a baixa (ou ausente) luminosidade.
Já nas grandes altitudes montanhosas, sobrevivem seres adaptados a baixas tempe-
raturas e ao ar rarefeito.
Na biosfera, portanto, o ar, a água, o solo, a luz são fatores diretamente relaci-
onados à vida.

3 OS PRINCIPAIS ECOSSISTEMAS BRASILEIROS

O Brasil possui uma grande diversidade de ecossistemas. Quase todo o seu


território está situado na zona tropical. Por isso, nosso país recebe grande quantidade
de calor durante todo o ano, o que favorece essa grande diversidade. Veja, no mapa
a seguir, exemplos dos principais ecossistemas encontrados no Brasil.

3.1 Floresta Amazônica

Estende-se além do território nacional, com chuvas frequentes e abundantes.


Apresenta flora exuberante, com espécies, como a seringueira, o guaraná, a vitória-
régia, e é habitada por inúmeras espécies de animais, como o peixe-boi, o boto, o
pirarucu, a arara. Para termos uma ideia da riqueza da biodiversidade desses ecos-
sistemas, ele apresenta, até o momento, 1,5 milhão de espécies de vegetais identifi-
cadas por cientistas.

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3.2 Mata de cocais

A mata de cocais situa-se entre a floresta amazônica e a caatinga. São matas


de carnaúba, babaçu, buriti e outras palmeiras. Vários tipos de animais habitam esse
ecossistema, como a araracanga e o macaco cuxiú.

3.3 Pantanal mato-grossense

Localizado na região Centro-Oeste do Brasil, engloba parte dos estados do


Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul. Área que representa a terra úmida mais im-
portante e conhecida do mundo (maior planície alagável do planeta), com espantosos
índices de biodiversidade animal. Sofre a influência de diversos ecossistemas, como
o cerrado, a floresta Amazônica, a mata Atlântica, assim como os ciclos de seca e
cheia, e de temperaturas elevadas. São 140 mil quilômetros quadrados só no Brasil,
equivalente a 5 Bélgicas ou ao território de Portugal. É onde vivem jacarés - cerca de
32 milhões - ,365 espécies de aves, 240 de peixes, 80 de mamíferos e 50 de répteis.
Mais de 600.000 capivaras habitam a região. O pantanal é escolhido como pouso de
milhões de pássaros, entre eles o tuiuiús, a ave-símbolo da região. Os cervos-do-
pantanal, bem mais raros, também fazem parte da fauna local.

Fonte: animais.culturamix.com

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3.4 Campos sulinos

Os campos sulinos são formações campestres encontradas no sul do país, pas-


sando do interior do Paraná e Santa Catarina até o sul do Rio Grande do Sul. Os
campos sulinos são conhecidos como pampas, termo de origem indígena que significa
"regiões planas". Em geral, há predomínio das gramíneas, plantas conhecidas como
grama ou relva. Animais como o ratão-do-banhado, preá e vários tipos de cobras são
ali encontrados.

Fonte: sociedadedosanimais.blogspot.com.br

3.5 Caatinga

A caatinga localiza-se na maior parte da região Nordeste. No longo período da


seca, a vegetação perde as folhas e fica esbranquiçada. Esse fato originou o nome ca-
atinga que na língua tupi, significa "mata branca". Os cactos, como o mandacaru, o
xique-xique e outras plantas, são típicos da caatinga. A fauna inclui as cobras cascavel
e jiboia, o gambá, a gralha, o veado-catingueiro etc.

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Fonte: angelus1.xpg.uol.com.br

3.6 Restinga

A restinga é típica do litoral brasileiro. Os seres que habitam esse ecossistema


vivem em solo arenoso, rico em sais. Parte desse solo fica submersa pela maré alta.
Encontramos nesse ecossistema animais como maria-farinha, besourinho-da-praia,
viúva-negra, gavião-se-coleira, coruja-buraqueira, tiê-sangue e perereca, entre outros.
Como exemplos de plantas características da restinga podemos citar: sumaré, aperta-
goéla, açucena, bromélias, cactos, coroa-de-frade, aroeirinha, jurema e taboa.

Fonte: www.avesderapinabrasil.com

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Fonte: www.panoramio.com

3.7 Manguezal

A costa brasileira apresenta, desde o Amapá até Santa Catarina, uma estreita
floresta chamada manguezal, ou mangue. Esse ecossistema desenvolve-se, princi-
palmente, no estuário e na foz dos rios, onde há água salobra e local parcialmente
abrigado da ação das ondas, mas aberto para receber a água do mar. Os solos são
lodosos e ricos em nutrientes. Os manguezais são abrigos e berçários naturais de
muitas espécies de caranguejos, peixes e aves. Apresentam um pequeno número de
espécies de árvores, que possuem raízes-escoras. Essas raízes são assim chamadas
por serem capazes de fixar as plantas em solo lodoso.

Fonte: www.vitoria.es.gov.br

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3.8 Cerrado

O cerrado ocorre principalmente na região Centro-Oeste. A vegetação é com-


posta de arbustos retorcidos e de pequeno porte, sendo as principais espécies: o
araçá, o murici, o buriti e o indaiá. É o habitat do lobo-guará, do tamanduá-bandeira,
da onça-pintada etc.

Fonte: bioventuraecoturismoanimal.wordpress.com

3.9 Mata Atlântica

Esse ecossistema estende-se da região do Rio Grande do Norte até o sul do


país. Apresenta árvores altas e vegetação densa, pouco espaço vazio. É uma das
áreas de maior diversidade de seres vivos do planeta. Encontra-se plantas como o
pau-brasil, o ipê-roxo, o angico, o manacá-da-serra e o cambuci e várias espécies de
animais, como a onça pintada, a anta, a queixada, o gavião e o mico-leão-dourado.

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Fonte: www.pensamentoverde.com.br

3.10 Mata de araucária

A mata de araucária situa-se na região sub-tropical, no sul do Brasil, de tempe-


raturas mais baixas. Entre outros tipos de árvores abriga o pinheiro-do-paraná, tam-
bém conhecido como araucária. Da sua fauna destacamos, além da ema, a maior ave
das Américas, a gralha-azul, o tatu, o quati e o gato-do-mato.

Fonte: passarossilvestres.com

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4 OS PERIGOS DA POLUIÇÃO DO SOLO

Não só os ecologistas, mas autoridades e todo cidadão devem ficar atentos aos
perigos da poluição que colocam em risco a vida no planeta Terra.

4.1 O lixo

No início da história da humanidade, o lixo produzido era formado basicamente


de folhas, frutos, galhos de plantas, pelas fezes e pelos demais resíduos do ser hu-
mano e dos outros animais. Esses restos eram naturalmente decompostos, isto é,
reciclados e reutilizados nos ciclos do ambiente.
Com as grandes aglomerações humanas, o crescimento das cidades, o desen-
volvimento das indústrias e da tecnologia, cada vez mais se produzem resíduos (lixo)
que se acumulam no meio ambiente.
Hoje, além do lixo orgânico, que é naturalmente decomposto, reciclado e "de-
volvido" ao ambiente, há o lixo industrial eletrônico, o lixo hospitalar, as embalagens
de papel e de plástico, garrafas, latas etc. que, na maioria das vezes, não são biode-
gradáveis, isto é, não são decompostos por seres vivos e se acumulam na natureza.

Fonte: www.colegioweb.com.br

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4.2 Lixões a céu aberto

Fonte: www.tce.am.gov.br

A poluição do solo causada pelo lixo pode trazer diversos problemas. O material
orgânico que sofre a ação dos decompositores - como é o caso dos restos de alimen-
tos - ao ser decompostos, forma o chorume. Esse caldo escuro e ácido se infiltra no
solo. Quando em excesso, esse líquido pode atingir as águas do subsolo (os lençóis
freáticos) e, por consequência contaminar as águas de poços e nascentes.
As correntezas de água da chuva também podem carregar esse material para
os rios, os mares etc.

Fonte: meioambiente.culturamix.com

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BIBLIOGRAFIA

BEGON, M., C. R. TOWNSEND E J. L. HARPER 2007. Ecologia de Indivíduos a


Ecossistemas. 4ªed, Artmed, Porto Alegre. (2005, 4ª ed. Blackwell, Oxford ou 3a ed.,
1996).

BEGON, M., M. MORTIMER E D.J. THOMPSON. 1996. Population ecology. 3ª ed.


Blackwell, Oxford.

GOTELLI, N.J. 2007. Ecologia. Editora Planta, Londrina [modelos aplicados a ecolo-
gia]

KREBS, C.J. 2008. Ecology: The Experimental Analysis of Distribution and Abun-
dance (6th Edition). Benjamin Cummings

MOLLES, M. C. 2002. Ecology, Concepts and Applications. McGraw-Hill Higher


Education

PRIMACK, R. B. E E. RODRIGUES 2001. Biologia da Conservação. Ed. Planta,


Londrina.

RICKLEFS, R. E. 1990. Ecology. 3ª ed. W.H. Freeman. (ou 4ª ed., 1999, com Gary
Miller).

RICKLEFS, R.E. 201o. A Economia da Natureza. 6ª ed. Editora Guanabara Koogan,


Rio de Janeiro.

ROCHA, C. F. D. et al. 2006. Biologia da Conservação – Essências. Rima, Ribeirão


Preto.

TOWNSEND, C. R., M. BEGON E J. L. HARPER 2006. Fundamentos em Ecologia.


2ªed. Artmed, Porto Alegre.

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5 LEITURA COMPLEMENTAR

Autor: Suzana dos Santos Gomes


Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/des-
carga/articulo/4740608.pdf
Acesso: 1º de junho de 2016

ECOLOGIA E RESPONSABILIDADE HUMANA

Suzana dos Santos Gomes


Professora de Cultura Religiosa da PUC Minas e
Mestre da Faculdade de Educação da UFMG

SINTOMAS DA CRISE ECOLÓGICA

O SER HUMANO desencadeou um processo de destruição da vida, que, nas


últimas décadas, se acelerou perigosamente. Vive-se a síndrome da poluição, da ex-
tinção, da escassez, da miséria, da fome, da injustiça. Constata-se a progressiva des-
truição da vida em todas as suas manifestações. Dentre os principais problemas que
denotam falta de respeito à vida destacam-se: a aplicação, sem discernimento dos
progressos científicos e tecnológicos, o gradual esgotamento do ozônio e o conse-
quente “efeito estufa”, que atinge dimensões críticas. Essa postura irresponsável em
relação à natureza e os consequentes desastres ecológicos ameaçam a espécie hu-
mana.
A leitura de alguns dados estatísticos1 confirma a gravidade do problema eco-
lógico. Nos últimos anos, foi intensa a redução da qualidade de vida. Percebe-se que
o ser humano está inserido num sistema agressivo, de exploração e morte. A crise

1 1 O relatório sobre o Desenvolvimento Humano da ONU, de julho de 1996, classificou 174


países segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)., que inclui esperança escolar e Produto
Interno Bruto real per capta. Dos 30 países que obtiveram as piores classificações, segundo o IDH, 25
pertencem ao Continente Africano. Segundo a ONU, entre 1991 e 1996, 6 milhões de crianças morre-
ram por causa de doenças de veiculação hídrica. O extermínio na América Espanhola, em três séculos,
foi da ordem de 25 milhões de pessoas. No Brasil, ainda se utilizam substâncias cancerígeras, que já
intoxicam 380 mil trabalhadores rurais entre 1990 e 1997. Estima-se em 5 milhões a população das
nações indígenas no início da colonização portuguesa no Brasil. Em 1997, essa população era de 326
mil índios, que lutam pela demarcação de suas terras e pelo reconhecimento de seus direitos. Segundo
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 1996, 40 milhão de brasileiros não dispu-
nham de água canalizada e 70 milhões não tinham esgoto encanado ligado às suas moradias ( MINC,
1997).

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ecológica é a crise da vida. São inúmeros os desafios que ameaçam a humanidade.
Estudiosos alertam, sobretudo, para os mais sérios: a superpopulação e a insuficiên-
cia de alimentos, o esgotamento dos recursos naturais, a poluição, a corrida arma-
mentista e a crise ecológica. Dentre os inúmeros desafios, o maior problema está no
aumento da riqueza e na não partilha dos bens produzidos.
Os problemas ecológicos estão interligados. Eles oferecem uma sintomatologia
que aponta para um mal profundo, que deve ser enfrentado com empenho. Revelam
o mal presente na raiz do relacionamento desumano desenvolvido ao longo da histó-
ria. A ética ecológica questiona o modelo político-econômico presente em nossa soci-
edade globalizada pelo mercado. A crise ambiental contemporânea é, pois, fruto da
relação econômica que se instaurou a partir do modo capitalista de organização: do
saber científico, da vida em sociedade e da relação materialista com a natureza. Co-
loca em evidência a necessidade moral de nova solidariedade, especialmente nas
relações entre os países em via de desenvolvimento e os industrializados. Assim, no-
vos estudos e novas práticas devem promover o desenvolvimento de um ambiente
natural, social, pacífico e salubre.
Na tentativa de responder aos desafios ecológicos atuais, é necessário instau-
rar novas relações entre o homem e o meio ambiente, desenvolvendo-se uma dialética
da inclusão. No Brasil e na América Latina, são significativos e numerosos aqueles
que têm consciência de que é necessário encontrar novos modelos de desenvolvi-
mento mais justos e solidários. O desenvolvimento deve ser integral e não apenas
econômico e, por isso, também social, cultural e religioso. Inclui, evidentemente, um
relacionamento novo com o meio ambiente.
O desafio ecológico é complexo e chama a atenção para a problemática do
desenvolvimento que tem a ver com a utilização dos recursos naturais para o bem-
estar, ou não, do homem. É necessário criar e impulsionar novos modelos de produ-
ção-consumo que respeitem o meio ambiente; reorientar as pesquisas científicas e as
aplicações da técnica; enfrentar os poderes que se encontram hoje a serviço da morte,
desenvolvendo-se uma ética que oriente para um novo relacionamento a serviço da
vida.
A crise ecológica é consequência de uma crise profunda entre o ser humano e
Deus. Ela é resultado da crise humana de valores e de relação. Os empobrecidos,
explorados, abandonados são vítimas desse sistema e gritam por justiça, respeito e
amor. À humanidade pede-se conversão. A vida do planeta depende de uma inter-

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relação harmoniosa. A redescoberta do Deus da vida tornaria possível a superação
dos desafios.
Os problemas ecológicos trazem à tona o grande pecado humano, não só de
exploração indevida, desequilibrada e prepotente dos recursos naturais, mas denun-
ciam a exploração sofrida pelos mais fracos. Exige-se, consequentemente, uma ciên-
cia consciente, ético-ecológica, capaz de sustentar e restaurar a harmonia entre o ser
humano, Deus e a natureza. A Ecologia convida a humanidade a vivenciar uma ética
da responsabilidade, que é movida pela consciência da necessidade, e uma ética da
gratuidade, da ação de graças, da fé, da esperança e do amor-justiça.

O COMPROMISSO ÉTICO-ECOLÓGICO

Nesse contexto, a Ecologia adquire importância. É necessário despertar na


pessoa humana a consciência ecológica2 (VIEIRA, 1999) que a ajude a compreender
e viver na dinâmica da vida em busca da integração e comunhão plenas. A ecologia
é convite para recriar a vida, a exemplo de Francisco de Assis, arquétipo inspirador
da vivência ecológica, a fim de construir uma nova cultura: a cultura da solidariedade.
A verdadeira ética ecológica é relacional, inclusiva, aberta e promotora da vida,
oposta à crise ecológica, que é fruto do egoísmo individual e do sistema socioeconô-
mico e político em que se está inserido. O ser humano é convidado a questionar, rever
e superar o modelo de sociedade neoliberal que dilacera a vida humana e destrói a
natureza3 (BOFF, 1993). O consumismo, a centralidade do mercado e do capital são
armas que destroem a vida. Necessita-se de uma ética ecológica que seja expressão
real de justiça social e solidária.
A perspectiva teológica é imprescindível para a compreensão dos problemas
humanos, porque possibilita uma leitura da realidade à luz da fé. Busca-se entender
o que significa a fé em Deus Criador. A crise ecológica reflete a crise entre os seres

2 Ou ocorre um processo global de solidariedade, de fraternidades universais, ou o convívio


humano será cada vez mais degradante. Fazer opção pelo amor é um imperativo ético-teológico-eco-
lógico. É mister re-tecer a teia das relações profundas do existir humano.
3 A ética da sociedade atual dominante que é utilitarista e antropocêntrica. A nova ordem ética

deve ser ecocêntrica, visando ao equilíbrio da comunidade terrestre. É tarefa fundamental refazer a
aliança destruída entre o ser humano e a natureza e a aliança entre as pessoas e povos para que sejam
aliados uns dos outros em fraternidade, justiça e solidariedade. O fruto dessa relação é a paz, harmonia
do movimento e o pleno desabrochar da vida.

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humanos. A teologia, com o discernimento que lhe é próprio, pode ajudar as comuni-
dades a se posicionarem de maneira construtiva e harmoniosa com o seu meio ambi-
ente e a apoiar todos os esforços locais, nacionais e internacionais que procuram res-
ponder aos desafios ecológicos dentro de uma perspectiva integral do homem.
A missão do ser humano é “cultivar” e “guardar”.4 Sua responsabilidade con-
siste em, estando no mundo, viver em comunhão e comunicação, tornando a Terra
ambiente onde ele possa viver, trabalhar e organizar-se em sociedade, atuando me-
diante sua criatividade.
A Teologia da Criação, de perspectiva ecológica, ajuda-nos a compreender que
a vida é comunicação e comunhão. Ela lança-nos dentro do grande mistério do amor
da Trindade. Dizer que somos criados, significa afirmar que viemos de Deus, temos
em nós marcas de Deus e caminhamos para Deus.
Na sua tentativa de diálogo com o mundo moderno, a Teologia da Criação tem
procurado mostrar que a fé em Deus Criador não é contrária ao progresso científico-
técnico. Criado à imagem e semelhança de Deus, o homem é responsável pelo
mundo, chamado a “dominá-lo” a serviço da humanização de todos os homens. Como
criaturas imagem de Deus, o homem é responsável pela vida.
A recuperação do equilíbrio perdido, no sentido fraterno e ecológico, passa pelo
coração do homem e pela renovação de suas relações com a natureza e com seus
irmãos. Assim sendo, a libertação total da humanidade tem estreita ligação com a
libertação da natureza, em que os “novos céus e novas terras” (Is 65 ,17-25) revelarão
o esplendor do próprio Deus.
Percebe-se então que a Ecologia, além de ser uma ciência, é uma questão
profundamente humana e fraterna. Além da conjugação de esforço científico, tecno-
lógico e político, a contribuição religiosa é de suma importância, pois ela trabalha com
a consciência humana, com seu referencial de valores e com sua resposta de vida ao
Criador, mediada pela fraterna relação entre todos. Um grande desafio para os cris-
tãos e para todos os homens que transcendem sua fé no visível é unirem-se num
grande movimento pela promoção da vida.

4A tarefa do ser humano era “cultivar” e “guardar” a criação que vai sendo criada por Deus (cf.
Gn 2,15). Nessa perspectiva, ao ser humano é dada a missão de preservar, “guardar” e transformar a
criação em cultura, em fonte de plena vida, “cultivar”. O ser humano torna-se, através de sua
missão, co-criador com Deus.

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A nova ética é fruto do amor humano, da sua capacidade de cuidar 5 (BOFF,
1999). Cuidado significa desvelo, solidariedade, atenção, zelo. É uma atitude de saída
de si para o encontro com o outro. O cuidado é a estrutura básica que permite que as
coisas sejam humanas, carregadas de afeto, de significação. A essência do ser hu-
mano é constituída pelo cuidado.
Como promotora da justiça relacional, a ética ecológica aponta critérios para
uma práxis libertadora de todas as formas de opressão. Exige a capacidade de romper
com a violência e a opressão. A abertura ao processo crescente de humanização é
um dos imperativos éticos de que a pessoa humana mais necessita assimilar em sua
vida.
A mudança radical da forma de conceber o mundo e das atitudes diante da
realidade que o cerca, faz do ser humano, na visão cristã, um ser de esperança e
reconciliação, que anuncia vida. A consciência ecológica impõe um princípio ético de
relação. O amor-serviço-doação perpassa todo o ser e existir humanos, devendo ser
inclusivo, aberto, verdadeiro.

SOLIDARIEDADE – CONSTRUINDO NOVAS RELAÇÕES

A ecologia abriu um espaço novo para a prática e a vivência da solidariedade.


O princípio da solidariedade afirma que o ser humano é responsável por ele mesmo e
corresponsável pela vida e bem-estar de todos, incluindo a natureza. Exige que se
queira o bem pessoal e coletivo. A libertação ecológica se concretizará na prática da
genuína solidariedade, fundada no amor e no serviço.
O compromisso ético-ecológico de reconstrução consiste em reaver o perdido,
reanimar o sem-vida, alimentar o doente, amar o não-amado6 (SUNG, 1995). Um fu-
turo melhor depende de todos. Nesse sentido, a ética ecológica deve propor ações

5Que o cuidado aflore em todos os âmbitos, que penetre na atmosfera humana e que preva-
leça em todas as relações. O cuidado salvará a vida, fará justiça ao empobrecido e resgatará a Terra
como pátria e mátria de todos.
6 O ser humano vive melhor quando renuncia ao estar sobre para estar junto com os outros.

Quando impõe limites a seu próprio desejo em nome do equilíbrio e da harmonia. Assim, descobre-se
que não é só um ser de desejos, mas também um ser de solidariedade e comunhão.

22
preventivas. Parte da natureza, corresponsável pelo equilíbrio ecológico, o ser hu-
mano tem direito à dignidade e o dever de garantir qualidade de vida às futuras gera-
ções.
A fome presente no mundo atesta que ele não é ainda lugar de fraternidade. O
crescente poder do homem e seu mau uso ameaçam destruir o próprio gênero hu-
mano. O amor que habita o coração do homem, permite-lhe superar os seus limites e
agir no mundo, criando estruturas do bem comum tendo em vista a civilização do
amor. Assim, a pessoa humana é chamada a criar novas relações mediante um mo-
vimento de todo o seu ser. Essa transformação humana é radical na sua profundidade
e nos seus compromissos, envolve todos os estímulos da pessoa e seus meios mate-
riais e espirituais.
A conversão do coração humano à proposta de Deus pode mudar profunda-
mente a face da Terra. “Convertei-vos e acreditai na Boa Nova” (Mc 1,15) é o impera-
tivo que acompanha o anúncio do Reino de Deus. Essa transformação profunda esti-
mulará o homem, no seu cotidiano, a olhar para além do seu próprio interesse imedi-
ato, a mudar pouco a pouco o seu modo de pensar, trabalhar e viver, para crescer na
experiência solidária.
No documento “A Igreja e a questão ecológica”, a CNBB apresenta alternativas
para a solução do problema ecológico, que são: mudar hábitos de vida, superando o
consumismo e o desperdício; denunciar o neoliberalismo, que insiste na manutenção
do sistema econômico, que gerou as desigualdades entre os povos; acabar com o
mecanismo da dívida externa, que é instrumento de implantação da morte; suspender
os gastos bélicos; democratizar o uso do solo agrário e urbano, desenvolvendo fontes
de energia não poluentes e renováveis; valorizar as iniciativas populares e os movi-
mentos sociais como experiências concretas de sustentabilidade à sobrevivência fí-
sica, cultural e ambiental; respeitar as diferenças entre as pessoas e as culturas, por-
tadoras de valores e características; promover a integração e a solidariedade entre os
povos visando à comum responsabilidade na construção da nova ordem; conhecer,
respeitar e aprender com a experiência dos povos indígenas, das comunidades afro-
brasileiras, que souberam viver uma relação respeitosa com o meio ambiente; e em-
penhar-se para que os seres humanos vivenciem as virtudes do zelo, da compaixão
e da ternura, nas suas relações com os bens da criação.

23
Sabe-se que a superação dos problemas ecológicos será fruto de nova consci-
ência, de nova forma de viver, de pensar, de relacionar-se. A consciência deverá pre-
ceder a ciência e a racionalidade científica deverá ser superada pelos critérios éticos
de reverência pela vida. Essa foi a postura ecologista de vários homens, tais como:
Francisco de Assis, Thoureau, Tolstoi, Gandhi, Luther King, Chico Mendes, Hélder
Câmara e outros. Essa foi a proposta de vida anunciada por Jesus de Nazaré, encar-
nada em seu modo-de-ser-cuidado7 (BOFF, 1999) e sintetizada em sua palavra-pro-
grama de vida: “Que todos tenham vida e vida em abundância”(Jo 10,10).

EDUCAÇÃO ECOLÓGICA A SERVIÇO DA VIDA

Nesse contexto, a educação ecológica é um processo inadiável. O desafio é


promover a qualidade da vida das pessoas a partir do resgate da ética, da cultura e
da política. A educação é chamada a exercer o seu papel de formadora crítica, des-
pertadora da consciência. Pelizzoli (1999) afirma que somos responsáveis pela vida.
A educação ambiental, a ecologia, os movimentos sociais aglutinam-se para fazer flo-
rescer o paradigma novo da solidariedade, profundamente revolucionário e paciente,
capaz de erguer a esperança e a utopia humana ineliminável de construir não o “céu
na terra” mas o ideal maior do homem: a promoção da justiça, o fazer florescer a
dignidade de cada pessoa.
A Escola pode contribuir estimulando a percepção e a reflexão do educando
sobre o seu entorno, orientando o estudo e a aprendizagem significativa dos nossos
graves problemas socioambientais, promovendo a inserção dos educandos em sua
história, em seu meio, como sujeitos, tendo em vista a construção de uma sociedade
justa e fraterna.
Educadores comprometidos poderão contribuir para a formação de crianças e
jovens conscientes, a fim de que, num futuro, sejam capazes de atuar e interferir na
realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem-estar de
cada um e da sociedade, local e global.

7 Revelou à humanidade o Deus-Cuidado experimentando Deus como Pai e Mãe... Fez da mi-

sericórdia a chave de sua ética. É pela misericórdia que os seres humanos chegam ao Reino da vida”
(Mt 25, 36-41).

24
A educação ecológica traz o direito à vida como eixo central da educação, pro-
movendo um processo crítico de busca da autonomia comunitária. Reafirma a preo-
cupação com os aspectos biopsíquicos e socioculturais, enquanto fundamento, sobre
o qual se constroem as concepções de homem, de mundo e de sociedade, abarcando
a relação existente entre indivíduo, sociedade, natureza e cultura, de modo a atingir
um pensar global e um atuar local.
É necessário, portanto, educar para a responsabilidade ecológica em relação a
si, aos outros e ao ambiente. Trata-se de uma conversão, “metanóia”,8 que exige mu-
dança de pensamento e ação. Pela experiência profunda de Deus, o ser humano será
capaz de uma verdadeira reconciliação. A reorientação dos caminhos da humanidade
se fará em Deus. A coerência cristã exige compromisso e engajamento. A fé exige
ação transformadora. Todo conhecimento, sentimento e ação devem promover a vida.
A opção pela vida, a partir de uma nova concepção e de uma nova consciência eco-
lógica fará o homem assumir uma práxis libertadora, de comunhão e solidariedade.

BIBLIOGRAFIAS

BOFF, Leonardo. Ecologia, mundialização e espiritualidade. São Paulo: Ática, 1993.

BOFF, Leonardo. Ética da vida. Brasília: Letraviva, 1999.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis,
R. J: Vozes, 1999.

LEROY, Jean Pierre. Por uma consciência ecológica. Tempo e Presença, n. 305,
maio/jun. de 1999, p. 23-24.

MINC, Carlos. Como fazer movimento ecológico. Petrópolis: Vozes/ Ibase. 1985, p.57-
62.

SCHWERZ, Nestor Inácio; NETO, Osvaldo Portella Gomes. Ensino social da Igreja e
ecologia. Petrópolis: Vozes, 1992.

SUNG, Jung Mo. Conversando sobre ética e sociedade. Petrópolis: Vozes, 1995.

8 Metanóia: do grego “metánoia”. Conceito filosófico-teológico que indica transformação radical

de uma pessoa. Seu caráter, seu pensamento, conversão espiritual.

25
VIEIRA, Tarcísio Pedro. O nosso Deus é um Deus ecológico: por uma compreensão
ético-teológica da ecologia. São Paulo: Paulinas, 1999.

6 LEITURA COMPLEMENTAR

Autor: Roberto Donato da Silva Junior


Disponível em: http://www.anppas.org.br/encon-
tro5/cd/artigos/GT10-398-329-20100903234146.pdf
Acesso: 1º de junho de 2016

A SUSTENTABILIDADE COMO HÍBRIDO: UM DIÁLOGO ENTRE ECOLO-


GIA, SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

Roberto Donato da Silva Junior


Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
Instituto de filosofia e Ciências Humanas – IFCH
Núcleo de Estudos e Pesquisa Ambientais – NEPAM
Cientista Social formado pela Faculdade de Ciências e
Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Campus de Araraquara
(UNESP/FCLAr), Mestre em Sociologia pelo Programa
de Pós-Graduação em Sociologia (UNESP/FCLAr) e
Doutorando do Programa de PósGraduação em Ambi-
ente e Sociedade do NEPAM/IFCH/UNICAMP. Bolsista
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP). Participa do Programa de Estágio de
Docência (PED), na Faculdade de Ciências Aplicadas
(FCA/UNICAMP).

Resumo

Este artigo tem por objetivo analisar o conceito de sustentabilidade a partir de


um diálogo teórico-metodológico entre ecologia, sociologia e antropologia. A susten-
tabilidade é uma ideia central na contemporaneidade. Se admitirmos a proposta de
Beck – a vida social sob a égide do risco – torna-se evidente a necessidade de se
analisar as questões que envolvem a sustentabilidade entre sociedades e naturezas.
Nesse sentido, é importante dimensionar as abordagens científicas que dão suporte
ao estabelecimento de práticas sociais sobre os processos naturais. Não se trata de

26
recorrer à perspectiva científica para encontrar a sustentabilidade “real” dentre as pro-
postas que se apresentam em nosso campo de possibilidades. Mas, antes de tudo,
alimentar esse mesmo campo com análises e propostas que viabilizem novas pers-
pectivas de experimentação. Desse modo, pode-se compreender a sustentabilidade
como o conjunto de propostas, científicas ou não, que tentam responder a proliferação
dos riscos ambientais apresentados pela saturação da modernidade industrial no
mundo contemporâneo. Esses riscos – definidores de uma modernidade reflexiva –
fizeram emergir diferentes propostas de sustentabilidade em diferentes domínios ci-
entíficos e esferas políticas. O caráter híbrido desses riscos impôs a inevitabilidade de
um diálogo entre as perspectivas bioecológicas e socioantropológicas. Assim, pro-
cura-se nesse artigo, evidenciar que, tal como suas motivações ecológicas, econômi-
cas e socioculturais, a sustentabilidade deve ser explicada como híbrido resultante de
intenso diálogo entre diferentes discursos e linguagens científicas.

Introdução

Este artigo tem por objetivo analisar o conceito de sustentabilidade a partir de


um diálogo teóricometodológico entre ecologia, sociologia e antropologia. A intenção
é avaliar as possibilidades de uma base teórica para a sustentabilidade de uma pers-
pectiva interdependente entre as referidas abordagens científicas. Longe de pensar
essa perspectiva pelo pressuposto da fusão e desaparecimento das disciplinaridades,
pretende-se contribuir para o estabelecimento de uma linguagem articuladora entre
elas.
A sustentabilidade é um conceito central na contemporaneidade. Se admitirmos
a proposta de Beck (1998) que vivemos sob a égide do risco – sendo a delimitação e
as estratégias de seu controle e/ou superação, a questão fundamental de nossos es-
forços políticos – torna-se evidente a necessidade de se analisar as questões que
envolvem a sustentabilidade entre sociedades e naturezas. É de grande valia, tam-
bém, dimensionar as abordagens científicas que dão suporte ao estabelecimento de
práticas sociais sobre os processos naturais. Não se trata aqui de recorrer à perspec-
tiva científica para encontrar a sustentabilidade “real” dentre as propostas que se apre-
sentam em nosso campo de possibilidades. Mas, antes de tudo, para alimentar esse

27
mesmo campo com análises e propostas que viabilizem novas perspectivas de expe-
rimentação9.
É nesse sentido que a contribuição do arcabouço científico sobre sustentabili-
dade é compreendida nesse artigo. A noção de híbrido de Latour (1994) pode nos
auxiliar para a delimitação de um recorte sobre a concepção de sustentabilidade. Para
este autor, as interações entre as ações humanas e os processos naturais constituem-
se em fenômenos indissociáveis, redes que interligam naturezas, técnicas e culturas,
nas quais as práticas científicas insistiram em dissociar. Essas redes híbridas têm sua
dimensão de realidade ao mesmo tempo em que se apresentam como um constructo
sociocultural formulado nas vivências humanas. Nesse sentido, pode-se compreender
a sustentabilidade como o conjunto de propostas, científicas ou não, que tentam res-
ponder a proliferação dos riscos ambientais apresentados pela saturação da moder-
nidade industrial no mundo contemporâneo. Esses riscos – definidores de uma nova
modernidade, segundo Beck (1998) – fizeram emergir diferentes propostas de susten-
tabilidade em diferentes domínios científicos e esferas políticas. No que se refere ao
âmbito científico, o ponto de partida dessa temática foi a ecologia. No entanto, o ca-
ráter híbrido dos riscos impôs a inevitabilidade de um diálogo entre as perspectivas
bioecológicas, econômicas e sócio antropológicas. Assim, procura-se nesse artigo,
evidenciar que, tal como suas motivações ecológicas, econômicas e socioculturais, a
sustentabilidade deve ser explicada como híbrido resultante de intenso diálogo entre
diferentes discursos e linguagens científicas.

Ecologia e sustentabilidade

A ecologia tem fundamentado suas propostas de sustentabilidade, principal-


mente, a partir dos estudos de ecologia de populações, ecologia de comunidades e
da ecologia de ecossistemas. A relação entre dinâmica demográfica e capacidade de
suporte parece ser o pano de fundo para a discussão da sustentabilidade. Essa rela-

9 Aqui, a referência para tal perspectiva encontra eco na proposta de Ulrich Beck: “Uma das
possíveis soluções para o curso autônomo das inovações tecnológicas poderia ser encontrada, por
exemplo, em uma tentativa de apoiar politicamente o desenvolvimento de técnicas em suas zonas de
risco tendo em vista a criação de alternativas. A uma tal tentativa deveria corresponder uma nova con-
cepção de desenvolvimento tecnológico por parte da ciência que se voltasse para a indicação de ca-
minhos alternativos e não para a produção de fatos irreversíveis (BECK, 1999, p. 177).

28
ção é o “tema-chave” para o dimensionamento entre humanidade e processos ecoló-
gicos (TONWSEND et al., 2006, p. 443). A problemática do crescimento populacional
da humanidade tem sido eleita de forma quase unânime pelos ecólogos como a ques-
tão fundamental da crise ambiental e de sustentabilidade. O caráter exponencial do
crescimento humano vem colocando em xeque a capacidade de suporte dos sistemas
ecológicos, manejados ou não-manejados. Essa relação tem sido teorizada pela eco-
logia dentro de uma perspectiva fortemente quantitativa. O princípio básico é de que
todas as formas de vida têm a potencialidade de crescimento exponencial. Essa pre-
missa tem aqui a validade de um princípio universal 10. Humanos e não-humanos en-
contra-se na sua potencialidade um fundamento de estruturação da vida (Gotelli,
2007, p. 11). Ao longo de sua história, a ecologia concentrou-se na busca pelo enten-
dimento de como se deu a variabilidade das espécies, a partir da contenção dessa
exponencialidade através das diferentes formas de competição. Este é um dos ele-
mentos fundamentais contribuição de Darwin para a formação do pensamento ecoló-
gico11.
A compreensão de como a “luta pela existência” poderia limitar a tendência
intrínseca de crescimento exponencial, engendrou a conceito de competição intraes-
pecífica. Esse tema, central desde o nascimento da ecologia, ganhou sua expressão
matemática quando, em 1920, o ecólogo Raymond Pearl incorporou os modelos ma-
temáticos propostos pelo estudioso belga Pierre-François Verhulst 12 (Kingsland,

10Para garantir ao princípio da exponencialidade uma validação científica, a ecologia recorreu


à matemática. Denominada de taxa líquida de aumento natural (Townsend et al., 2006, p. 211), é re-
presentada da seguinte maneira: dN/dt = rN. Essa equação diferencial descreve a somatória das con-
tribuições de cada indivíduo por um determinado período de tempo, dividido pelo número total da po-
pulação, dN/dt.(1/N) = r, que possibilita observar a velocidade média do aumento populacional por in-
divíduo. Sendo que N representa a população total, t o tempo e r a taxa intrínseca de aumento natural.
11 A luta pela existência é uma consequência inevitável da alta taxa à qual tendem a crescer

todos os seres orgânicos. Todo ser, que durante a sua vida natural produz vários ovos ou sementes,
precisa sofrer destruição durante algum período da sua vida, e durante alguma estação ou ano even-
tual, do contrário, pelo princípio do crescimento geométrico, os seus números rapidamente se tornariam
tão extraordinariamente grandes que nenhum país poderia suportar o produto. Daí, como são produzi-
dos mais indivíduos do que os possivelmente capazes de sobreviver, é preciso que haja em cada caso
uma luta pela existência, ou entre os indivíduos de espécies diferentes, ou com as condições físicas da
vida” (DARWIN, 1985, p.53).
12 Denominada de equação logística, ela fornece uma representação de como a densidade

populacional de uma única espécie encontra limitações na disputa pelos mesmos recursos, ou seja,
numa capacidade de suporte limitada: dN/dt = rN(1-(N/K)). De forma geral, essa equação incorpora a
capacidade de suporte K como limitante do crescimento exponencial, que confere, numa representação
gráfica, uma curva sigmoidal. Essa curva sugere um período de crescimento semelhante ao exponen-
cial, num primeiro momento, e um refreamento desse crescimento quando a população se aproxima
da capacidade de suporte do ambiente (TONWSEND et al., 2006).

29
1991). O próximo passo importante na teorização ecológica foi a elaboração do con-
ceito de competição interespecífica, através da equação Lotka-Volterra, (idem, p. 8).
Essa equação introduz na equação logística alguns elementos que permitem incorpo-
rar variáveis que contemplam tanto a competição intraespecífica quanto a interespe-
cífica13.
Em termos teóricos e simplificados, essas três equações – a exponencial, a
logística e a LotkaVolterra – ofereceram a base para o entendimento de como o cres-
cimento exponencial das populações naturais é limitado pela competição intraespecí-
fica e interespecífica.
No entanto, nos últimos milênios, a humanidade teria transformado a mera po-
tencialidade em efetividade, ao reunir as condições para a remoção dos entraves que
limitavam seu crescimento. Da perspectiva ecológica, a técnica removeu os limites do
crescimento humano. A manipulação permitida por ela empreendeu o rompimento da
dinâmica ecossistêmica na maior parte das paisagens naturais do planeta, colocando
em xeque a sua dinâmica, a ponto de ameaçar a própria presença humana (RIC-
KLEFS, 2003). Assim, existe, em termos ecológicos, uma dissociação entre a huma-
nidade e as demais populações existentes nos ecossistemas. Ou seja, a ecologia con-
centra a problemática da sustentabilidade na contradição existente entre a exponen-
cialidade irrestrita da humanidade e a exponencialidade limitada da demais formas de
vida. A questão de como adequar essas duas exponencialidades é o ponto de partida
para busca da sustentabilidade.
A ecologia de populações não esgota a discussão sobre as bases para a sus-
tentabilidade. A ecologia de comunidades oferece, por sua vez, o desenvolvimento de

13 Townsend et al. nos oferecem uma explicação sobre o modelo: “A base do modelo Lotka-
Volterra consiste na substituição deste termo (N) por outro que modela tanto a competição intraespe-
cífica quanto a interespecífica. No modelo denominamos N¹ o tamanho da população da população da
primeira espécie e N² o da segunda espécie. Suas capacidades de suporte e taxas intrínsecas de cres-
cimento são K¹, K², r¹ e r². Por analogia com a logística, esperamos que o efeito total sobre a competição
sobre digamos a espécie 1 (intra e interespecífico) seja tanto maior quanto mais elevados sejam forem
os valores de N¹ e N²; porém não podemos simplesmente colocá-los juntos já que os efeitos da com-
petição sobre as duas espécies sobre a espécie 1 não são provavelmente os mesmos. Então suponha
que os indivíduos da espécie 2 tenham, entre eles, somente o mesmo efeito competitivo da espécie 1
(intra e interespecífico) será, então equivalente ao efeito de (N¹+N² * 1/10) indivíduos da espécie 1. A
constante (1/10, no presente caso) é denominada coeficiente de competição simbolizado por ¹² (alfa
um dois). Assim multiplicando N² por ¹², faz a conversão deste para um número de N¹ equivalente, e a
adição de N¹ a ¹²N² nos dá o efeito competitivo total sobre a espécie 1” (TONWSEND et al., 2006, p.
232). Portanto, para a espécie 1 a equação se apresenta da seguinte forma: dN¹/dt = r¹N¹ (K¹ - (N¹ + ¹²
N²)) / K¹. O mesmo procedimento pode ser estendido para a espécie 2, invertendo-se as variáveis
atribuídas a espécie 1 na primeira fórmula. Com isso, temos a seguinte representação: dN²/dt = r²N²
(K² - (N² + ¹² N¹)) / K².

30
pesquisas relacionadas à manutenção da biodiversidade. Definido genericamente
como “o conjunto de espécies que ocorrem juntas num mesmo lugar” (idem, p. 21), o
conceito de comunidade é um dos pontos de discussão mais controversos da ecolo-
gia, pelas dificuldades de estabelecimento tanto de elementos definidores de escala
espacial, quanto da natureza das interações entre as espécies nessa espacialidade6
(Lewinsohn, 2004)14. No entanto, a ecologia de comunidades estabeleceu um dos ins-
trumentos mais utilizados para o reconhecimento da biodiversidade, a metodologia de
mensuração denominada de “riqueza de espécies”15.
A ecologia de ecossistemas também oferece elementos fundamentais para a
questão da sustentabilidade. Considerado por muitos como o conceito integrador das
diversas dimensões da análise ecológica – indivíduos, populações e comunidades –,
o ecossistema pode ser definido nos seguintes termos:

Os organismos vivos e o seu ambiente não-vivo (abiótico) estão inseparavel-


mente inter-relacionados e interagem entre si. Chamamos de sistema ecoló-
gico ou ecossistema qualquer unidade (bio-sistema) que abranja todos os or-
ganismos que funcionam em conjunto (a comunidade biótica) numa dada
área, interagindo com o físico de tal forma que um fluxo de energia produza
estruturas bióticas claramente definidas e uma ciclagem de materiais entre
as partes vivas e não-vivas. O ecossistema é a unidade básica na ecologia,
pois inclui tanto os organismos quanto o ambiente abiótico; cada um destes
fatores influencia as propriedades do outro e cada um é necessário para a
manutenção da vida, como a conhecemos, na Terra. Este nível de organiza-
ção deve ser nossa primeira preocupação se quisermos que nossa sociedade
inicie a implantação de soluções holísticas para os problemas que estão apa-
recendo agora ao nível do bioma e da biosfera (ODUM, 1988, p. 9).

O termo apareceu na ecologia através de Tansley (Kingsland, 1991), porém


suas especificações foram desenvolvidas por diversos ecólogos de forma paralela ao
longo da passagem dos séculos XIX e XX (Odum, 1988; Chapin et al., 2002). Nesse
sentido, a perspectiva ecossistêmica nos dá a possibilidade de compreender que a

14 A referida controvérsia remonta às próprias origens da ecologia como ciência. Dois de seus
fundadores clássicos, Frederic Edward Clements e Henry Allen Gleason ofereceram concepções radi-
calmente opostas à formação das comunidades ecológicas. Clements propõe a visão organísmica de
comunidade, no qual esta seria um supra-organismo (Clements, 1936). Gleason, por sua vez, formula
a hipótese individualística, a partir da premissa de que cada comunidade é constituída por fatores não
determináveis e únicos. (Gleason, 1926).
15 “In the scientific arena most attention has focused on studying biodiversity in terms of the

number of species present at a place. Defining the spatial limits of biodiversity has spawned a further
group of terms; α (alpha), β (beta) and γ (gamma) diversity. This group of terms differentiates between
local species richness (α diversity, the number of species at a location), the regional species pool (γ
diversity, the number of different species that could be at a location) and variability between localities (β
diversity). Concentrating on the number of species alone reduces biodiversity to a simple metric which
is easy to comprehend. In ecological terms, however, this aspect of biodiversity can be more correctly
defined as species richness, and describes only in the barest terms the biodiversity patterns which are
present on the planet” (THOMPSON & STARZOMSK, 2007, p. 1360).

31
competição intra e interespecífica das espécies, oferecida pela dinâmica populacional
na formação das comunidades bióticas, só pode desenvolver-se a partir da formação
de fluxos de energia e de nutrientes, integrando, assim, um conjunto de relações in-
terdependentes. Não há vida, portanto, sem as condições de reprodução dos ecossis-
temas. Há que se lembrar, ainda, a avaliação da composição das espécies, atual-
mente tem sido realizada a partir das “relações entre biodiversidade e funções de
ecossistemas” (LEWINSON, 2004, p. 116).
De que forma pode-se levar em conta essa teorização para o estabelecimento
de diretrizes para a sustentabilidade? Em 199116, a Ecological Society of America pu-
blicou o documento “The Sustainable Biosphere Initiative: An Ecological Research
Agenda” (Lubchenco et al., 1991), que apresenta uma série de diretrizes para orien-
tação de pesquisa na ecologia como suporte para as propostas de sustentabilidade.
O eixo fundamental compõe-se da articulação três orientações prioritárias de pesqui-
sas:

Global Change, including the ecological causes and consequences of


changes in climate; in atmospheric, soil, and water chemistry (including pollu-
tants); and in land – and water – use patterns. Biological Diversity, including
natural and anthropogenic changes in patterns of genetic, species, and habitat
diversity; ecological determinants ands consequences of diversity; the con-
servation of rare and declining species; and the effects global and regional
change on biological diversity. Sustainable Ecological Systems, including the
definition and detection of stress in natural and managed ecological systems;
the restoration of damaged systems; the management of sustainable ecolog-
ical systems; the role of pests, pathogens, and disease; and the interface be-
tween ecological processes and human social systems. (idem, p. 379).

O documento enfatiza a importância de se considerar a questão da exponenci-


alidade irrestrita da humanidade como fator fundamental na elaboração de estratégias
para a construção de parâmetros de sustentabilidade.

No discussion of the Earth’s environmental problem is complete without ex-


plicit consideration of the growth and shifting demographic patterns of the hu-
man population. As the world’s population continues to expand, and as devel-
oping nations move toward standards of living that imitate those of the more
development nations, the effects of human population growth on the Earth’s
resources will accelerate. It is essential to consider the impact of increased
economic demands for renewable and nonrenewable resources on ecological
systems, and to recognize that humans are essential elements of the ecosys-

16 A passagem entre décadas de 1980 e 1990 apresenta-se como um momento privilegiado


para essa discussão. A publicação do Relatório Bruntland (1991), em 1987, e a movimentação da Con-
ferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) no Rio de janeiro,
em 1992, contribuiu para o florescimento de um intenso debate sobre as diretrizes científicas para a
sustentabilidade.

32
tem we study (…) there is a real need to bring ecological techniques, espe-
cially methods from population biology, to bear on the problems of human
population growth. (…) To fully understand how human populations affect by
ecological processes, the complex interfaces between ecology and social and
economic sciences and policy analyses must be developed to a much greater
extent. (ibidem, p. 398).

Assim, as preocupações que emergem da ecologia quanto à sustentabilidade,


orientam-se na elaboração de propostas de, por um lado, conservação e manejo dos
ecossistemas e, de outro, de formulação da problemática do crescimento demográfico
humano como um problema central da sustentabilidade. Nesse sentido, a proposição
de políticas de contenção da taxa de crescimento humanas tem foro privilegiado na
ecologia.

We may recognize what has to be done immediately to sustain the Earth’s


biosphere. The actions must be: 1) Halt human population increase. In all like-
lihood the human population will have to be reduced. How much reduction is
ultimately required depends upon our success in address second point. 2)
Reduce per capita consumption of recourses. In the case of nonrenewable
resources such as petroleum, natural gas, and some metals, the net con-
sumption must be reduced to zero. In the case of the renewable resources,
the consumption must be reduced to levels far below the maximum yield level
in order to compensate for expected and unexpected variations in abundance.
Most importantly, we must allow a margin of safety, since our knowledge of
the underlying biological processes is in only a rudimentary form and will re-
mains rudimentary for the forseeable future (LUDWIG, 1993, p. 556).

No entanto, a discussão da sustentabilidade em ecologia tem, tal como Ludwig


demonstra acima, suas limitações. A partir desse reconhecimento, um chamado à co-
laboração entre as disciplinas científicas para o desenvolvimento de propostas mais
sofisticadas para a relação entre sociedades e naturezas.

Addressing sustainability is more than an academic exercise. It is a vital re-


sponse to a rapidly evolving crisis and should be at the top of our research
agendas. The forces that oppose social change for sustainability, whether
from indifference, incomprehension, or self-interest, are powerful, and neither
individual scientists nor isolated scientific disciplines will suffice to change un-
derstanding and policy. Science itself needs to be fully engaged in this chal-
lenge. The “science of humanenvironment interactions” and “sustainability sci-
ence” have emerged over the past decade. A combination of inter and trans-
disciplinary approaches to sustainability, unconstrained by traditional discipli-
nary domains and concepts, must be encouraged. Such approaches may
prove difficult to achieve within conventional university departments, and pur-
pose-built interdisciplinary centers will therefore be needed (MCMICHAEL et
al., 2003, p.1920).

Como a sociologia atendeu a esse chamado?

Sociologia e sustentabilidade

33
A resposta pode ser colocada nos seguintes termos:

(...) o conhecimento sócio-ambiental já produzido permite ir além da questão


dos impactos do progresso técnico sobre o ambiente natural e construído,
para o enfrentamento de temas que levam as ciências biológicas e sociais
convergirem para um pensamento operatório compartilhado e de uma lingua-
gem transfronteira. Não se trata, portanto, de abrirmos mão de nossas espe-
cificidades disciplinares, mas tentarmos analisar os diferentes objetos corre-
lacionados ao problema ambiental de forma mais ampla (FERREIRA, 2006,
p. 95-96).

A constituição de uma fase mais propositiva sobre as questões ambientais,


para além de seu momento denunciatório, exige, por certo, um aprofundamento da
articulação dos discursos científicos. Esse aprofundamento é umas das condições
para a formulação de respostas concernentes à hibridização que os riscos ambientais
impuseram ao mundo contemporâneo. Nesse sentido a discussão sobre sustentabili-
dade em sociologia está indissociavelmente relacionada à interdisciplinaridade. Inte-
ressante notar que, para atender as novas demandas explicativas de uma sociedade
ameaçada por esses riscos, a sociologia teve especializar-se num sub-campo, deno-
minado sociologia ambiental. Há, portanto, o florescimento de uma tensão criativa en-
tre disciplinaridade e interdisciplinaridade. A gradativa sensibilidade da teoria social
aos discursos ecológicos possibilitou a gestação desse processo ainda incipiente,
para a construção das propostas de sustentabilidade.
A década de 1970, fortemente marcada pela teorização dos ecologistas radi-
cais, buscou alternativas de adequação entre sociedades e naturezas tanto pela via
da descentralização (Ivan Illich, Jean-Pierre Dupuy e André Gorz) quanto da centrali-
zação (Willian Ophuls) políticoeconômica. De um lado, a proposta radical de uma so-
ciedade pós-industrial organizada através da auto-gestão e da ajuda-mútua, como
forma de combate à constituição heterônima de técnicas organizadas em monopólios
radicais17. Para Illich, a construção de um modo de organização que estabelece parâ-
metros sustentáveis de vida social e ambiental, a convivencialidade, deve ser empre-
endida a partir de uma visão kropotkiniana de sociedade:

17 9 O conceito de ferramenta para Illich: “As ferramentas supereficientes podem destruir o


equilíbrio entre o homem e a natureza e destruir o meio ambiente. Mas as ferramentas podem ser
supereficientes de uma maneira completamente diferente: podem alterar a relação entre o que as pes-
soas precisam fazer por si mesmas e o que obtém da indústria. Dentro desta última dimensão, uma
produção supereficiente provoca um monopólio radical. (...) Entendo por este termo, mais do que o
domínio de uma marca, o de um tipo de produto. Neste caso, um processo de produção industrial
exerce um controlo exclusivo sobre a satisfação de uma necessidade premente, excluindo nesse sen-
tido qualquer recurso às atividades não industriais” (ILLICH, 1976, p. 70-71).

34
Uns dizem que é mais fácil ocuparmo-nos da população, outros que é mais
cômodo reduzirmos a produção que origina a entropia. A honestidade obriga-
nos a todos a reconhecer a necessidade de uma limitação da procriação, do
consumo e do esbanjamento, mas importa mais abandonar a ilusão de que
as máquinas podem trabalhar por nós, ou de que os terapeutas nos podem
capacitar a servirnos delas. A única solução para a crise ecológica consiste
em fazer as pessoas compreenderem que seriam mais felizes se pudessem
trabalhar juntas e prestarse assistência mútua (ILLICH, 1976, p. 68).

Por outro lado, Ophuls, da perspectiva centralizadora, afirma que a constituição


de uma sociedade em estado de equilíbrio – inspirada na concepção de equilíbrio
ecossistêmico muito em voga na década de 1970 – deve incorporar as necessidades
de desenvolvimento humano em sentido lato.

However, it is important to understand from the outset that the exact nature of
the balance at any time depends on technological capacities and social
choice, and as choices and capacities changes, organic growth can occur. For
this reason, the stead-state is by no means a state of stagnation; it is instead
a dynamic equilibrium affording ample scope for the continued artistic, intel-
lectual, moral, scientific, and spiritual growth. Indeed, without substantial hu-
man growth in every dimension, the stead-state society never can be realized.
Devising an ecological technology or a new set of political institutions for the
stead state is the lesser part of problem, for its core is ethical, moral, and
spiritual (OPHULS, 1977, p. 13).

Atribuindo à escassez de recursos a fonte dos conflitos políticos e da degrada-


ção ambiental desenfreada, o autor recorre à concepção hobbesiana de política – o
Estado centralizado como ordenador e promotor do desenvolvimento humano – como
alternativa para a adequação entre estado de equilíbrio social e ecológico.
A passagem das décadas de 1980 e 1990, momento da institucionalização da
sociologia ambiental, coincide com o aparecimento de um discurso moderado em re-
lação à questão ambiental e à sustentabilidade. A produção teórica da sociologia am-
biental apresenta, também, uma compreensão mais complexa da relação entre ques-
tão ambiental, sociedade e política, do que o ponto de vista radical dos ecologistas da
década de 1970 (Ferreira, 2006). A evidência desse processo se materializa nos es-
tudos fundamentados no paradigma da modernidade reflexiva (Beck, 1998 e Giddens,
2000). Segundo Ferreira, essa perspectiva embasa tanto as teorias sobre moderniza-
ção ecológica (Spaargaren, Mol, Buttel, 2000), quanto a perspectiva construtivista (Ye-
arley,1996 e Hannigan, 2000).
A modernização ecológica apresenta-se como uma teoria social que possibilita
a construção de reorganização dos elementos da modernidade para a adequação da
relação entre sociedade e processos ecológicos.

35
As a theory of social change, ecological modernization meant a break with
demodernizing perspectives which had dominated the environmental dis-
course until then. As against both counter-productivity theory and radical eco-
logical thinking, the ecological modernization theory starts from the proposi-
tion that the environmental crisis can and should be overcome by a further
modernization of the existing institutions of modern society. As a formal the-
ory, it is attempt ‘to define nature as a new and essential subsystem’ and to
develop a specific set of social, economic and scientific concepts that make
environmental issues calculable and – by doing so – facilitate the ‘integration
of ecological rationality as a key variable in social decision making’ (…)
(SPAARGAREN, 2000, p. 56).

Ao recusar as teorias illichianas da contra-produtividade do modelo industrial e


das concepções radicais entre ecologização via centralidade estatal de Ophuls, os
propositores da modernização ecológica acreditam que as questões ambientais po-
dem ser mensuradas como um dos elementos da regulação estatal nas relações entre
mercado e sociedade. Assim, a sustentabilidade pode ser contabilizada. Ferreira
(2005) aponta que essa sustentabilidade quantificável obedece a duas dimensões bá-
sicas: uma sustentabilidade “fraca” e uma sustentabilidade “forte”18.
O modelo teórico construtivista, por sua vez, centra-se, na interpretação de
como que a materialidade das questões ambientais são socialmente formuladas, para
desse modo, ser transformadas em objetos de mobilização política. Nesse sentido, a
produção do conhecimento científico sobre os riscos ambientais deve ser considerada
como um elemento fundamental da construção social dos discursos sobre o ambi-
ente19. Dentro dessa perspectiva teórica, a sustentabilidade dever ser pensada como
um constructo formulado através da produção de conhecimento e da disseminação
da percepção dos riscos pela sociedade. Entre a materialidade dos processos ecoló-
gicos e os procedimentos de ação política nascidos desse constructo, Yearley define
desenvolvimento sustentável como

18 “Uma que segue o padrão da fraca sustentabilidade, na qual se acredita ser possível a subs-
tituição absoluta do capital natural pela capital material, onde a tecnologia tem perfeitas condições de
promover o processo de transformação, desde que determinado montante de recursos oriundos do
crescimento econômico seja investido exclusivamente nessa função, e outra que segue o padrão de
forte sustentabilidade, na qual as duas formas de capital não são substituíveis, e assim, o crescimento
econômico necessariamente teria que ser condicionado à manutenção constante do estoque de capital
natural, ou seja, mantidas as bases físicas da natureza inalteradas por intermédio do estabelecimento
de instrumentos políticos” (FERREIRA, 2005, p.100).
19 Hannigan reconhece seis “passos” para um processo de construção da discursividade ambi-

ental: “1. Scientific authority for and validation of claims. 2. Existence of ‘popularisers’ who can bridge
environmentalism and science. 3. Media attention in which the problem is ‘framed’ as novel and im-
portant. 4. Dramatization of the problem in symbolic and vision terms. 5. Economic incentives for taking
positive action. 6. Emergency of an institutional sponsor who can ensure both legitimacy and continuity”
(HANNIGAN, 2000, p.55).

36
(…) A form of socioeconomic advancement which can continue indefinitely
without exhausting the world’s resources or overburdening the ability of natu-
ral systems to cope with pollution. The key point is often expressed through
analogy, by saying that development means living off the interest of the
Earth’s natural productivity without gnawing away at the capital. Development
means of that sort could, in principle, continue indefinitely; it would face no
natural limits (YEARLEY, 1996, p. 131).

Essa concepção implica, segundo Ferreira (2005), numa dupla sustentabili-


dade: uma ecológica, referente aos processos naturais de manutenção ecossistêmica;
e, outra, ambiental, que implica no gerenciamento antrópico para a reprodução dos
ecossistemas, a partir de procedimentos tecnológicos.
Há nesse momento condições de esboçar uma comparação entre a perspectiva
de sustentabilidade apresentada pela teoria ecológica e pela teoria sociológica? A
ecologia, como vimos, constrói suas linhas gerais para a sustentabilidade dando ên-
fase mais às condições de renovabilidade dos ecossistemas, da conservação da bio-
diversidade e das condições climáticas que compõe a biosfera. Por outro lado, a so-
ciologia ambiental formula suas concepções de sustentabilidade a partir da ênfase
nas relações socioculturais e econômicas que possibilitariam uma relação não-des-
trutiva com os processos naturais. Quando se reporta as questões sociais, a ecologia
prioriza as possibilidades de contenção da exponencialidade irrestrita da humanidade,
para que esta não interfira no desenvolvimento dos processos ecológicos (Lubchenco
et al., 2001; Ludwig, 1993). A sociologia, por sua vez, refere-se à natureza como um
elemento que deve ser levado em conta para a resolução dos processos de regulação
socioeconômica da contemporaneidade (Ophuls, 1977; Spaargaren, 2000). Quando
não, considera a resolução das contradições sociais como principal fator para solução
dos problemas ecológicos (Illich, 1976). Desse modo, pelo prisma ecológico, as ques-
tões sociais fazem parte da sustentabilidade, desde que essa mantenha sua centrali-
dade na dimensão bio-ecológica. Pela ótica sociológica, as questões ecológicas fa-
zem parte da sustentabilidade, desde que essa mantenha sua centralidade na dimen-
são socioeconômica.
Talvez esteja aí a pertinência de Yearley ao sugerir a existência de uma sus-
tentabilidade bifurcada em uma esfera ecológica e uma esfera ambiental (Ferreira,
2005). No entanto, as duas perspectivas concentram esforços para a construção da
interdisciplinaridade. Quais são, então, as condições teóricas existentes na contem-
poraneidade em promover a articulação desses dois discursos, sem, no entanto, per-
der a especificidade que lhes confere força e originalidade?

37
Antropologia, sociedades e naturezas

Latour nos oferece a seguinte resposta:

Este dilema permaneceria sem solução caso a antropologia não nos hou-
vesse acostumando, há muito tempo, a tratar sem crise e sem crítica o tecido
inteiriço das naturezas-culturas. (...) Basta enviá-lo (o etnógrafo) aos arapesh
ou achuar, aos coreanos ou chineses, e será possível uma mesma narrativa
relacionando o céu, os ancestrais, a forma das casas, as culturas do inhame,
de mandioca ou de arroz, os ritos de iniciação, as formas de governo e as
cosmologias. Nem um só elemento que não seja ao mesmo tempo real, social
e narrado (LATOUR, 1994, p. 12).

O autor defende a posição de que antropologia, por sua tradição de analisar as


culturas nãoocidentais, teve de construir uma percepção metodológica capaz de com-
preender as concepções não dicotômicas entre sociedades e naturezas apresentada
por esses grupos. Nesse sentido, o discurso antropológico seria de grande auxílio
para a formulação de uma interpretação mais complexa em relação aos questiona-
mentos que a contemporaneidade, vivendo sob a égide do risco, precisa enfrentar.
Mas, como?
É possível encontrar os fundamentos teórico-metodológicos dessa visão articu-
ladora dos fenômenos em autores clássicos da antropologia, como, por exemplo, Bro-
nislaw Malinowski e Marcel Mauss. O primeiro estabeleceu as bases da etnografia
contemporânea, a partir de uma concepção de cultura como “(...) uma totalidade que
não podemos retalhar, isolando objetos da cultura material, sociologia pura ou lingua-
gem como um sistema contido em si mesmo” (MALINOWSKI, 1986. p. 171). Mauss
propôs, por sua vez, um poderoso conceito explicativo para essa articulação das di-
versas dimensões dos fenômenos socioculturais, denominado “fato social total”20. Ele
tenta dar conta da indissociabilidade das diferentes formas de relação – econômicas,
sociais, políticas e culturais –, tal como se apresenta pela expressão lógica do pensa-
mento não ocidental. Talvez seja necessário ressaltar que para Mauss, essa totali-
dade não se apresenta como um bloco fechado e estático de relações, mas como uma
miríade de relações autoimplicadas21.

20 Para Mauss, “nesses fenômenos sociais “totais”, como nos propomos chamá-los, exprime-
se, ao mesmo tempo e de uma só vez, toda espécie de instituições: religiosas, jurídicas e morais (...);
econômicas – supondo formas particulares de produção e consumo, ou antes, de prestação e de dis-
tribuição, sem contar os fenômenos estéticos nos quais desembocam tais fatos e os fenômenos mor-
fológicos que manifestam essas instituições” (MAUSS, 1992, p. 41).
21 Claude Lévi-Strauss adverte que, para Mauss, a ideia de fato social total não exprime a ho-

mogeneidade dos elementos socioculturais, mas, antes, uma totalidade “(...) folheada (...) e formada

38
A contribuição de Claude Lévi-Strauss nessa seara foi tentar compreender as
“opções secretas”22 que possibilitam a articulação dessas relações em cada configu-
ração sociocultural, a partir de um jogo de interações entre os elementos cognitivos
do inconsciente humano e as condições ecológicas nas quais cada sociedade se re-
aliza23. Nesse sentido, o autor concentra-se em compreender como a matriz incons-
ciente do pensamento “selvagem” opera, a partir de uma apreensão metafórica e me-
tonímica dos signos que compõe a reflexão mítico-mágica da existência. Como forma
de ilustrar a operacionalidade desse tipo de pensamento, Lévi-Strauss o compara ao
“Bricoleur”: este artesão, ao juntar partes de diferentes arranjos antigos para a cons-
trução de novos instrumentos ou peças, dá novo “sentido” às partes utilizadas, ge-
rando, assim, um novo arranjo, com uma função radicalmente diferente dos objetos
antigos. O mito, do mesmo modo, opera este “deslocamento” de significado de “obje-
tos antigos” para “novos objetos” e significantes, a partir da construção de narrativas
fantásticas, nas quais fenômenos humanizados e naturalizados se mesclam em busca
de sentidos para o mundo. O deslocamento de um significado de seu significante “ori-
ginal” para a denominação de novos e diferentes fenômenos possibilita, assim, um
pensamento integrador entre diversas dimensões da realidade.

de uma multidão de planos distintos e justapostos. (...) Esta totalidade não suprime o caráter específico
dos fenômenos (...), de tal modo que ela consiste, em suma, na rede de inter-relações funcionais entre
todos esses planos” (LÉVI-STRAUSS, 1993. p. 14).
22 A busca por uma lógica que orienta as configurações socioculturais é a busca fundamental

do autor: “O que faz a originalidade de cada uma delas [as culturas] está antes na sua maneira particular
de resolver problemas, de perspectivar valores, que são aproximadamente os mesmos para todos os
homens: pois todos os homens, sem exceção, possuem uma linguagem, técnicas, uma arte, conheci-
mentos positivos, crenças religiosas, uma organização social, econômica e política. Ora, essa dosagem
nunca é exatamente a mesma para cada cultura, e, cada vez mais, a etnologia moderna dedica-se
menos a erigir um inventário de traços separados, do que a descobrir as origens secretas dessas op-
ções” (LÉVI-STRAUSS, 1993. p. 349).
23 A passagem é digna de nota, já que o autor foi insistentemente acusado de atribuir ao in-

consciente humano um espaço esmagador na constituição das culturas: “A observação etnográfica não
nos obriga a escolher entre duas hipóteses: a de um espírito plástico, passivamente modelado por
influências exteriores, e a de leis psicológicas universais, porque inatas, engendrando por todo o lado
os mesmos efeitos sem deixar papel a desempenhar à história e às particularidades do meio ambiente.
O que nós observamos e devemos tentar descrever são antes as tentativas para realizar uma espécie
de compromisso entre, por um lado, certas orientações históricas e certas propriedades do meio ambi-
ente e, por outro, as exigências mentais que, em cada época, prolongam as que têm a mesma natureza
daquelas que as precederam no tempo. Ao ajustar-se uma a outra, estas duas ordens de realidades
fundem-se e constituem então um conjunto significante. (...) Confrontado com condições técnicas e
econômicas ligadas as características do meio ambiente natural, o espírito não fica passivo. Não reflete
estas condições; reage a elas e articula-as logicamente em sistema” (LÉVISTRAUSS, 1983 p. 152-
161).

39
Na década de 1970, o marxismo antropológico ressaltou essa propriedade ar-
ticuladora dos fenômenos para as culturas não-ocidentais, a partir da ênfase nas con-
dições materiais de existência. Para Maurice Godelier, a abordagem levi-straussiana
é importante, mas, insuficiente para explicar o processo de produção do social. Pos-
tulando uma antropologia econômica de inspiração explicitamente marxista, o autor
defende a ideia de que a conexão entre as condições materiais de existência, as ide-
alidades míticas e as relações de parentesco se faz através do “laço oculto” entre as
estruturas sociais24. Interessa ao autor definir qual esfera da superestrutura assume
a função de relações de produção no interior da infraestrutura de uma dada sociedade.
Para Godelier, nas sociedades ocidentais, a tendência é a formação de autonomia
entre as esferas estruturais, fato que geralmente leva à concepção das sociedades
não ocidentais como destituídas de economia. A íntima relação entre paisagens, or-
ganização econômica e relações de parentesco, por exemplo, pode apresentar uma
grande complexidade. No entanto, aos olhos ocidentais, esta conexão é, geralmente,
compreendida como simplicidade.
É interessante notar que, nos últimos trinta anos, há um significativo esforço de
se refletir sobre essa articulação entre propriedades simbólicas e práticas sociais –
tão presente na história da antropologia – para um exercício que incorpore o questio-
namento das fronteiras ontológicas entre cultura e natureza. Podemos considerar
Phillipe Descola, Tim Ingold e Eduardo Viveiros de Castro como interlocutores impor-
tantes dessa perspectiva. Descola, por exemplo, empreendeu um esforço acadêmico
considerável para demonstrar a não-existência da “natureza” entre cosmologias aní-
micas e totêmicas25. Diferentemente de nossa concepção “naturalista”, na qual cultura

24 Não é que estas análises estruturais sejam indispensáveis, mas não são suficientes. (...)
Portanto, ir além da análise estrutural das formas das relações sociais ou dos modos de pensamento
significa, de fato, praticar essa análise morfológica, de tal modo que se descubram os laços internos
entre a forma, as funções, o modo de articulação e as condições de aparecimento e de transformação
destas relações sociais e destes modos de pensamento no seio das sociedades concretas estudadas
pelo historiador e pelo antropólogo (GODELIER, 1978 p. 79).
25 Essas duas categorias analíticas se confundem com a própria formação da disciplina da an-

tropologia, sendo utilizadas desde os autores clássicos. Descola, por sua vez define animismo como
“(...) uma forma de objetivação social das entidades que chamamos naturais, uma vez que confere a
essas entidades não somente disposições antropocêntricas – isto é, uma qualidade de pessoa, muitas
vezes dotada de fala, que possui afetos humanos – mas também atributos sociais: a hierarquia das
posições, dos comportamentos baseados no parentesco, o respeito por certas formas de conduta e
obediência a códigos éticos. Estes atributos sociais fazem parte do repertório de cada cultura, que vai
assim caracterizar suas relações com este ou aquele segmento de seu meio ambiente em função dos
modos de sociabilidade localmente dominantes (...). Nesse sentido, o animismo pode ser visto não
como um sistema de categorização dos objetos naturais, mas como um sistema de categorização dos
tipos de relação que os humanos mantém com os não humanos” (DESCOLA, 2000, p.159) Por outro

40
e natureza são duas realidades bem demarcadas, essas configurações não-ociden-
tais concebem um universo de relações entre humanos e não-humanos dotado de
grande complexidade.

Mas pode-se realmente falar aqui de seres da natureza senão por comodi-
dade de linguagem? Há um lugar para a natureza em uma cosmologia que
confere aos animais e às plantas a maioria dos atributos da humanidade? (...)
O que chamamos de natureza não é um objeto que deve ser socializado, mas
o sujeito de uma relação social. No pensamento moderno, além disso, a na-
tureza só tem sentido por oposição às obras humanas, qualquer que seja o
termo por nós escolhido para denominá-las: cultura, sociedade ou história, na
linguagem da filosofia e das ciências sociais; ou espaço antropizado, media-
ção técnica ou ecúmeno, em uma terminologia mais especializada. Uma cos-
mologia em que a maior parte das plantas e animais está incluída em uma
comunidade de pessoas (...) não corresponde, de maneira alguma, aos crité-
rios de tal oposição (DESCOLA, 2000, p.152-153).

Viveiros de Castro (2002) afirma, ainda, que nas sociedades ameríndias, o ani-
mismo contém uma qualidade “perspectivista”, na qual a humanidade é uma condição
universal ao seres, o que confere uma miríade de pontos de vista, a partir da prolife-
ração da condição de sujeito aos seres não-humanos26. Ingold (2000), por sua vez,
ressalta a importância de uma interpretação contextualista das relações entre natu-
reza e sociedade através do conceito de “sociabilidade relacional”27.
Enfim, essa produção incorporou a problemática das relações natureza-cultura
no arcabouço teórico-metodológico concernente à indissociabilidade entre as diversas

lado o autor define totemismo como (...) “uma lógica classificatória que utiliza as descontinuidades di-
ferenciais entre as espécies naturais, a fim de organizar conceitualmente uma ordem segmentar, deli-
mitando unidades sociais. Plantas e animais oferecem um ponto de apoio ao pensamento classificató-
rio, constituem os estímulos naturais da classificação taxonômica e (...) tornam-se signos, aptos a ex-
pressar metaforicamente as diferenças internas necessárias à perpetuação da organização do clã
(idem, p 160).
26 No perspectivismo “(...) os animais são gente, ou se veem como pessoas. Tal concepção

está quase sempre associada à ideia de que a forma manifesta de cada espécie é um envoltório (uma
'roupa') a esconder uma forma interna humana, normalmente visível apenas aos olhos da própria es-
pécie ou de certos seres trans-específicos, como os xamãs. Essa forma interna do espírito do animal:
uma intencionalidade ou subjetividade formalmente idêntica a consciência humana, materializável, di-
gamos assim, em um esquema corporal humano oculto sob a máscara animal. Teríamos então, à pri-
meira vista, uma distinção entre uma essência antropomorfa de tipo espiritual, comum aos seres ani-
mados, e uma aparência corporal variável, característica de cada espécie, mas que não seria um atri-
buto fixo, e sim uma roupa trocável e descartável. A noção de 'roupa' é, com efeito, uma das expressões
privilegiadas da metamorfose - espíritos, mortos e xamãs que assumem formas animais, bichos que
viram outros bichos, humanos que são inadvertidamente mudados em animais -, processo onipresente
no "mundo altamente transformacional" (...) proposto pelas culturas amazônicas (VIVEIROS DE CAS-
TRO, 2002, p.351).
27 19 Como afirma Ingold: “(…) a autonomia do caçador-coletor é relacional, na qual a capaci-

dade pessoal de agir por sua própria iniciativa surge mediante uma história de envolvimento contínuo
como os outros em contextos de atividades ligadas e práticas”. (INGOLD, 2000, p. 117).

41
dimensões socioculturais. No entanto, como bem sabemos, esse arcabouço foi histo-
ricamente construído como uma ferramenta adequada à análise das sociedades ditas
“pré-modernas”. Qual é a contribuição, portanto, que a antropologia tem a oferecer
para o tratamento dos problemas ambientais típicos de nossa modernidade tardia,
assim como à necessidade reflexiva de buscar alternativas a essa problemática? De
forma mais específica, como a antropologia pode contribuir para o entendimento das
propostas de sustentabilidade que emergem dos discursos científicos? Se, como vi-
mos, a ecologia e a sociologia podem ser compreendidas como perspectivas opostas
quanto à centralidade do lócus analítico em relação à sustentabilidade, teria a antro-
pologia condições de contribuir para articulação desses discursos?

(...) Existe melhor maneira de separar o essencial do acessório, em meio a


tudo que moldou a nossa personalidade social, do que ser subitamente trans-
plantado para uma tribo exótica onde se pode contar apenas consigo
mesmo? Como então não nos questionarmos sobre aquilo que constitui
nossa identidade, sobre o que nos leva a agir e o que nos repugna, sobre os
motivos que justificam nosso apego a determinados valores de nossa comu-
nidade de origem e nos levam a rejeitar outros? (...) Longe de conduzir a uma
muito improvável adesão a crenças e modos de vida demasiado distantes
dos que formaram minha sensibilidade e julgamento, meus poucos anos de
convivência com o Achuar me ensinaram, pelo contrário, as virtudes desse
olhar crítico que nossa civilização soube tardiamente lançar sobre o mundo e
sobre si mesma, tentativa original, talvez sem precedentes na história, de fun-
dar o conhecimento do outro sobre o desvendamento das próprias ilusões
(DESCOLA, 2006, p. 461).

A primeira contribuição refere-se ao olhar distanciado (Lévi-Strauss, 1983) pro-


movido pelo exercício da alteridade. Esse olhar a si mesmo a partir da perspectiva do
outro, possibilita uma “desnaturalização” de nossas próprias práticas e concepções,
por meio de um interessante processo de descentramento, no qual a objetividade é
alcançada por uma espécie de deslocamento intersubjetivo. Nesse processo de tran-
sição entre subjetividades, marcam presença tanto um princípio explicativo – típico de
uma relação sujeito/objeto – quanto um princípio compreensivo de apreensão da di-
nâmica sociocultural28.

28 Dentre tantos exemplos possíveis na literatura antropológica, vale a pena “ouvir” a posição

de Lévi-Strauss sobre o assunto: “Cada vez que está em seu campo de ação, o etnólogo vê-se aban-
donado a um mundo onde tudo lhe é estrangeiro, frequentemente hostil. Não tem senão este eu, do
qual dispõe ainda, para permitir-lhe sobreviver e fazer sua pesquisa; mas um eu física e moralmente
abatido pela fadiga, pela fome, o desconforto, o choque com os hábitos adquiridos, o surgimento de
preconceitos no qual nem suspeitava; e que se descobre a si mesmo nessa conjuntura estranha (...).
Na experiência etnográfica, (...), o observador coloca-se como seu próprio instrumento de observação.
Evidentemente precisa aprender a conhecer-se, a obter um si mesmo, (...), uma avaliação que se tor-
nará parte integrante da observação de outras individualidades. (...) Porque para conseguir aceitar-se
nos outros, é necessário, primeiro, recusar-se a si mesmo” (LÉVI-STRAUSS, 1993, p.44).

42
Figura 1 – A objetividade como deslocamento intersubjetivo

Nesse sentido, o processo de produção da alteridade possibilita colocar um


“entre aspas” nos modos ocidentais de articulação entre cosmologias e práticas, na
medida em que nos colocamos num ponto de vista exterior à nossa própria experiên-
cia tardiamente moderna. Podemos, assim, atribuir à nossa configuração sociocultural
o mesmo tratamento lógico que é dispensado aos grupos não-ocidentais. Ou seja,
devemos conceber nossas concepções não como um fato científico incontestável,
mas antes, como uma das possíveis redes de natureza-cultura, como um campo de
possibilidades (Foucault, 2000) nos quais diferentes realidades podem emergir:

(...) A intenção exaustiva que inspira nossas pesquisas transforma-lhes am-


plamente o objeto. As técnicas tomadas isoladamente podem aparecer como
um dado bruto, herança histórica ou resultado de uma acomodação entre as
necessidades do homem e as repressões do meio. Mas, quando as situamos
neste inventário geral das sociedades que a antropologia se esforço por cons-
tituir, elas aparecem sob uma nova luz, pois nós as imaginamos como o equi-
valente de escolhas que cada sociedade parece fazer (linguagem cômoda,
que deve ser separada de seu antropomorfismo) entre as opções possíveis,
cujo quadro será traçado (LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 19).

Nesse sentido, as cosmologias, incluindo a nossa, podem ser vistas como di-
ferentes formas de conceber e agir sobre o mundo. O olhar antropológico pode, então,
contribuir para o exercício crítico de reflexão sobre a nossa postura saturadamente
moderna e degradante de agir sobre o mundo. Seguindo as orientações de Lévi-
Strauss, Descola propõe que uma antropologia pertinente, não só para a análise de
grupos não-ocidentais, mas também para as sociedades ocidentais, deve ousar a for-
mulação de uma teoria geral das relações entre sociedades e naturezas29. Assim,

29“Descola aboga un modelo transformacional para dar cuenta de los esquemas de praxis, en
gran parte implícitos, a través de los cuales cada sociedad objetifica tipos específicos de relaciones con
su medio ambiente. Sostiene que cada variación local es resultado de una combinación particular de
tres dimensiones básicas de la vida social: modos de identificación, o el proceso por el cual las fronteras
ontológicas se crean y se objetifican en sistemas cosmológicos como el animismo, el totemismo o el
naturalismo; modos de interacción que organizan las relaciones entre las esferas de humanos y no

43
para Descola, diferentemente de uma cosmologia totêmica ou anímica, nossa con-
cepção naturalista empreende uma profunda cisão entre natureza e sociedade.

O naturalismo é simplesmente a crença que a natureza existe, ou seja, que


certas entidades devem sua existência e seu desenvolvimento a um princípio
alheio ao acaso, bem como os efeitos da vontade humana. Típicos das cos-
mologias ocidentais desde Platão e Aristóteles, o naturalismo produz um
campo ontológico específico, um lugar de ordem e necessidade em que nada
advém sem uma causa, quer esta causa seja fruto de uma instância trans-
cendente, quer ela seja imanente à textura do mundo (DESCOLA, 2000.
p.161).

Dirigir o olhar descentrado, fruto da alteridade, para a concepção naturalista,


pode contribuir para o desenvolvimento de uma análise que privilegie as conexões
entre os diferentes aspectos que compõe a rede natureza-cultura de nossa contem-
poraneidade: a segunda contribuição da antropologia30.
Para Bruno Latour, a proliferação dos riscos ambientais é fruto de um processo
de purificação suscitado pelas propriedades epistemológicas do olhar naturalista. Es-
ses riscos, no entanto, se apresentam como híbridos de natureza e cultura, um traba-
lho de mediação entre aspectos antrópicos e naturais. Essa constatação permite ao
autor formular a hipótese de que a modernidade, ao tentar classificar, mensurar e

humanos, así como dentro de cada una de ellas, de acuerdo con principios como los de reciprocidad,
rapacidad o protección, y modos de clasificación (básicamente el esquema metafórico y el esquema
metonímico), por medio del cual los componentes elementales del mundo son representados como
categorias socialmente reconocidas” (DESCOLA & PÁLSSON, 2001, p. 29).
30 22 Pode-se notar um esforço por parte dos antropólogos em participar dos debates relacio-

nados às sociedades ocidentais de forma geral e do ambientalismo de forma específica. Ingold, por
exemplo, pergunta-se: “Que acontece se, em vez de olhar para as vidas dos caçadores-coletores, me-
diante a visão ocidental, invertermos a perspectiva e aplicarmos uma compreensão aguçada ao ouvir
o que os caçadores e coletores têm a nos dizer, para um exame de nossa própria experiência?” (IN-
GOLD, 2000, p. 126). Kay Milton, por sua vez, afirma: “I shall argue that anthropologists are well placed
to become theorists of environmentalism, that cultural theory can offer a complement to the more es-
tablished perspectives of social, political and economic theory” (MILTON, 1996, p.6). E, por fim, Descola
e Palssón são mais detalhistas na busca do espaço da antropologia: “Los antropólogos pueden desem-
peñar su papel de ciudadanos y de estudiosos utilizando su competencia para tratar una serie de pro-
blemas ambientales en discusión: los mecanismos de un modo de subsistencia sustentable en socie-
dades no industriales; el alcance y estatus del conocimiento tradicional y las técnicas de manejo de
recursos; las fluctuantes fronteras taxonómicas que traen consigo las nuevas tecnologías reproducti-
vas; los fundamentos ideológicos de los movimientos conservacionistas, y la mercancificación de mu-
chos componentes de la biósfera. De hecho, algunas das razones que llevan los antropólogos a revisitar
temas ambientales tienen que ver con los cambios que están produciéndose en la relación entre natu-
raleza y sociedad. No sólo la biotecnología moderna presenta a los humanos una “naturaleza” muy
diferente de la experimentada por generaciones anteriores (…), sino que el proceso de globalización
en marcha, la intensificación exponencial de relaciones sociales mundiales, también tiene efectos pro-
fundos” (DESCOLA & PÁLSSON, 2001, 23-24).

44
especificar os fenômenos, promove “nós górdios” cada vez mais indissociáveis. Fato
que, por si só, gera um questionamento do próprio estatuto da modernidade 31.

Qual o laço existente entre o trabalho de tradução ou de mediação e o de


purificação? Esta e a questão que eu gostaria de esclarecer. A hipótese (...)
é que a segunda possibilitou a primeira; quanto mais nos proibimos de pensar
os híbridos, mais seu cruzamento se torna possível; este é o paradoxo dos
modernos que esta situação excepcional em que nos encontramos nos per-
mite enfim captar. A segunda questão diz respeito aos pré-modernos, as ou-
tras naturezas-culturas. A hipótese, também demasiado ampla, é que, ao se
dedicar a pensar os híbridos, eles não permitiram sua proliferação (LATOUR,
1994, p. 16-17).

Isso lança um desafio formidável às potencialidades metodológicas da antro-


pologia: analisar as redes sócio técnicas produtoras desses híbridos. Para tanto, é
necessário adotar um ponto de vista na confluência entre fatos naturalizados e cons-
truções socioculturais para, assim, garantir a simetria valorativa entre as duas dimen-
sões. A discursividade antropológica teria a possibilidade de interligar os diferentes
discursos epistemológicos que se apropriam dos fenômenos híbridos da contempora-
neidade. Essa possibilidade se efetiva para Latour em três passos metodológicos fun-
damentais: [1] explicar “com os mesmos termos as verdades e os erros – é o primeiro
princípio de simetria”; [2] estudar “ao mesmo tempo a produção dos humanos e dos
não-humanos – é o princípio da simetria generalizada”; [3] finalmente, ocupar “uma
posição intermediária entre os terrenos tradicionais e os novos” (idem p. 101-102).
Isso nos leva, finalmente, às possibilidades de diálogo entre ecologia, sociolo-
gia e antropologia na produção dos discursos sobre a sustentabilidade. Podemos to-
mar a sociologia como um possível lócus privilegiado de formulação de discursos so-
bre a “produção dos humanos” relativos aos problemas ambientais. Por outro lado,
podemos conceber a ecologia como um espaço produtor de discursos sobre os “não-
humanos” nessa mesma seara ambiental. Interpretados como dois campos privilegia-
dos de atualização da cosmologia naturalista, estruturante das redes naturezacultura

31 Essa problemática é o que leva Latour sugerir que a modernidade não é tão moderna assim:

“A formulação do dilema encontra-se agora modificada: ou é impossível fazer uma antropologia do


mundo moderno - e é correto ignorar aqueles que pretendem oferecer uma pátria as redes sócio técni-
cas; ou então esta antropologia é possível, mas seria preciso alterar a própria definição do mundo
moderno. Passamos de um problema limitado – porque as redes continuam a ser incompreensíveis? –
a um problema maior e mais clássico: o que é um moderno? Ao cavar a incompreensão de nossos
ancestrais em relação a estas redes que acreditamos tecer nosso mundo, percebemos suas raízes
antropológicas. No que somos ajudados, felizmente, por acontecimentos de porte considerável que
enterram a velha toupeira da crítica em seus próprios tuneis. Se o mundo moderno tornou-se, por sua
vez, capaz de ser antropologizado, foi porque algo lhe aconteceu” (LATOUR, 1994, p. 13).

45
que compõem a modernidade tardia, a aplicação do princípio da simetria generalizada
pode contribuir significativamente para o rastreamento dos caminhos híbridos de pro-
dução dos discursos sobre a sustentabilidade. A hipótese que a presente reflexão faz
emergir, é que o trabalho de purificação – o próprio processo de construção das es-
pecialidades científicas que geram as propostas de sustentabilidade – é, ele mesmo,
um híbrido teórico-metodológico, um bricoleur científico, que encontra “pureza” ape-
nas ao nível da linguagem que caracteriza cada abordagem epistemológica distinta.
Para alcançar as condições de avaliar essa hipótese, a condução metodológica
da simetria generalizada não pode dispensar duas abordagens fundamentais para
análise da produção científica: o auxílio de uma sociologia do conhecimento científico,
que parte de Karl Mannheim (1974) até encontrar as recentes pesquisas de Yearley
(2005); e a contribuição de uma história das idéias, que tem como interlocução privi-
legiada as pesquisas de Michel Foucault (2004) sobre uma possível arqueologia do
saber.
Espera-se, assim, contribuir para o desenvolvimento de uma abordagem na
qual a sustentabilidade seja atualizada, revigorada e incessantemente reconstruída
numa tensão criativa entre disciplinaridade e interdisciplinaridade. Se o olhar especí-
fico de cada ciência é imprescindível para a explicação adequada dos fenômenos,
muitas vezes, ele se ossifica numa interpretação metonímica que deixa escapar a
compreensão dos híbridos produzidos por sua própria dinâmica. Nesse sentido, pro-
mover a interdisciplinaridade, através da alteridade entre as diferentes especialidades
científicas, pode contribuir decisivamente para a emergência de uma cientificidade
reflexiva (Beck, 1998), ciente dos seus próprios vícios e virtudes.

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