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LIÇÕES SOBRE OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DOS RECURSOS NATURAIS

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1 - Introdução
A procura e a utilização dos recursos naturais pelo
Homem, necessários a sua subsistência e condicionantes
das suas condições de vida e do progresso da civilização a
que pertence, foram uma constante na História da
Humanidade1. O Direito como fenómeno humano e
social2, a par das outras ciências como a Antropologia, a
Sociologia, a Demografia, Mineralogia, a Geologia, a
Geofísica, a Paleontologia, a Engenharia de Minas, a
Economia, etc., não ficou alheio ao estudo dos
fenómenos inerentes aos recursos naturais, e desde há
muito tempo vem tentando regular a revelação e
aproveitamento destes recursos pelo Homem.
O Direito dos Recursos Naturais é, pois, o conjunto de
princípios, regras e normas que garantem o modo de
revelação e aproveitamento dos recursos naturais bem
como definem o regime de propriedade de cada um dos
recursos e disciplinam os seus acesso e uso. É, no
essencial, um direito público, porém, incorpora vários
princípios, regras e normas do direito privado, como
veremos mais adiante.

1
Cf. José Luis Bonifácio Ramos, in O Regime e a natureza Jurídica do Direito dos Recursos Geológicos dos
Particulares, edições LLX jurídica, Lisboa, 1994, p.15;
2
Expressão usada por Oliveira Ascensão, in O Direito-Introdução e Teoria Geral, Coimbra, 1993, p.13
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De: Carlos Cavuquila – Docente Universitário
Para Estudantes do Curso de Direito dos Recursos Naturais da FD/UAN, Luanda 2015
LIÇÕES SOBRE OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DOS RECURSOS NATURAIS
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Segundo Antonieta Coelho3, os recursos naturais que interessam


ao DRN são as coisas que constituem parte do ambiente natural,
que são o resultado de processos ecológicos naturais,
“produtos”, “dádivas” da Natureza, em cuja criação não há, em
princípio, intervenção humana. São os componentes do
ambiente natural, como o ar, a água, o solo, a fauna, a flora, os
minerais e a energia fornecida pelo sol.

Do ponto de vista jurídico-económico, podemos defini-los como


o conjunto de riquezas naturais em estado bruto e que podem
ser exploradas pelo homem em seu benefício usando-as de
forma directa e imediata ou após transformação.

Estas riquezas vêm sendo exploradas desde a antiguidade,


começando-se inicialmente pelas riquezas mais abundantes e de
fácil uso como a água, o solo, a madeira, a fauna e os minerais
metálicos.

Os Recursos Naturais distribuem-se pelo globo de maneira


desigual e sua simples presença em forma bruta numa região
constitui factor de crescimento e desenvolvimento. Esta
distribuição desigual e o consequente desigual acesso aos
recursos naturais, vem criando entre os homens os mais variados
conflitos de interesses e de direitos que muitas vezes se
convertem em sangrentas e devastadoras guerras. Por outro
lado, o aproveitamento predatório das riquezas também sempre
existiu, facto que se tornou ainda mais preocupante com o
avanço da tecnologia a partir do Século XX.

É justamente para procurar regular as relações entre os homens


no acesso e utilização dos recursos naturais, bem como nos
3
In Direito dos Recursos Naturais (Texto de aulas ministradas na Faculdade de Direito da UAN)
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correspondentes direitos e deveres que surgem as várias


disciplinas jurídicas para cada um dos recursos.

É preciso ter em conta que a diversidade de regimes jurídicos


para os diferentes recursos, baseia-se nas características de cada
recurso e seu impacto na vida dos homens. Há tantos regimes
jurídicos quanto os recursos existentes.

Como nos diz Fisher, o conteúdo das normas de DRN é


condicionado, em primeiro lugar, pelas características físicas de
cada recurso, ou seja, o direito não responde de um modo
uniforme às necessidades de regulação de todos os RN, tudo
porque:

a) Existe uma multiplicidade de sujeitos que intervém no


processo, aos quais são afectados poderes que integram o
conteúdo dos direitos de RN e podem ser públicos
(parlamento, Governo, autarquias e outras entidades da
administração com poderes de controlo), privados
(empresas concessionárias) e comunidades locais;
b) Há uma diversidade e especificidade de coisas que
constituem o objecto desses direitos que podem ser
recursos renováveis e não renováveis, raros e abundantes,
essenciais e não essenciais à sobrevivência humana, etc.;
c) Regista-se uma fragmentação de poderes ou
desmembramento de direitos sobre a coisa, isto é, o núcleo
de poderes pode fragmentar-se e ser afectado a titulares
muito diversificados segundo mecanismos vários, com
destaque para o direito de propriedade cujos poderes
podem ser afectados separadamente em alguns
ordenamentos a entidades públicas e privadas, originando

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a separação propriedade/gestão. Ex: a propriedade dos


minerais é do Estado, mas não é ele que os explora.
d) Há uma heterogeneidade do objecto, integrando regimes
de direito público e direito privado, envolvendo instituições
públicas e privadas;
e) Há uma grande permeabilidade em relação aos valores
políticos, económicos e ambientais, em certa medida
externos à ordem jurídica, mas que condicionam os
conteúdos das normas e a própria organização da
regulamentação jurídica de forma mais directa do que nos
ramos “tradicionais”, como o direito civil;
f) É enorme a informalidade de algumas decisões
importantes sobre o aproveitamento dos recursos naturais,
isto é, mediante processos de tomada de decisões não
previstas na lei ou mesmo em contratos, por negociações
entre os interessados; ex: construir uma escola na
comunidade ou dar oferendas às autoridades tradicionais;
g) Existe uma flexibilidade que decorre da maior ou menor
amplitude deixada à discricionariedade da Administração e
a autonomia da vontade que é evidente em alguns
ordenamentos, por aproveitamento desses recursos tendo
como contraposição a quase ausência de legislação;
h) Ocorre uma elevada mutabilidade pois que dada a sua
permeabilidade a valores políticos, económicos e
ambientais, certos regimes de DRN são alterados
frequentemente, quer por legislação que representa uma
adaptação a novas circunstâncias políticas, incluindo as
resultantes de pressões sociais motivadas por novos
valores, quer as determinadas pela evolução da economia
mundial.

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Por isso, e para Fisher, o DRN integra um regime compósito de


gestão de recursos naturais que é um exercício de colaboração
entre os sectores público e privado, simultaneamente de
regulamentação de actividade empresarial, guiado por um
macro-sistema jurídico de poderes, responsabilidades,
obrigações, políticas, objectivos, mecanismos e planos.

O DRN é, na verdade, uma nova área do direito que regula o


acesso e uso de recursos naturais, e integra três grandes grupos
de normas, a saber: soberania, propriedade, planeamento e
gestão de recursos naturais. O DRN transcende a dicotomia
direito público/direito privado e integra normas de diversos
ramos tradicionais do direito.

- Normas sobre soberania, são as que se referem aos direitos


dos Estados perante outros Estados a Comunidade Internacional.
Implicam o poder de legislar sobre os recursos naturais situados
em seu território, bem como de celebrar contratos
internacionais a eles relativos, estando apenas limitado pelos
princípios e regras do Direito Internacional;

- Normas sobre propriedade, isto é, o conjunto de poderes para


tomar decisões sobre o uso, fruição e disposição dos recursos
naturais. Implica o direito de acesso aos recursos naturais bem
como o poder de transmitir a propriedade ou poderes que
integram esse direito;

- Normas sobre planeamento e gestão, entendidas como a


determinação de objectivos e prioridades no acesso e uso dos
recursos naturais, bem como nas obrigações contratuais de
apresentação de estudos e planos de utilização dos recursos por
entidades públicas e privadas que se candidatam incluindo as
que têm a ver com o exercício dos direitos de uso e de fruição;
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2 – AS DIVERSAS FUNÇÕES DOS RECURSOS NATURAIS

Os recursos naturais fazem parte do ambiente natural. O


ambiente natural, enquanto macro-sistema tem várias funções,
entre elas as seguintes:

a) Fornece recursos naturais necessários à satisfação de


necessidades não só dos seres humanos mas de todos os
seres vivos. No caso das necessidades humanas, os
recursos naturais são consumidos directamente (como o ar,
a água e muitas plantas e animais) ou são matérias-primas
ou fontes de energia utilizadas para produzir bens e
serviços;
b) Assimila resíduos de origem natural ou resultantes de
actividade humana em ciclos em que o ambiente se
regenera, gerando novos recursos;
c) Presta directamente outros serviços, tais como de apoio a
vida (manutenção e composição da atmosfera e regulação
do clima) e serviços de consumo directo (espaços para
recreação e para satisfação de necessidades estéticas ou de
investigação, como as paisagens e fauna selvagem);

O ambiente natural está subdivido em ecossistemas e estes


em espécies que por sua vez se dividem em populações e
estas em comunidades. São estes os níveis de organização da
vida na Terra e em cada nível há uma diversidade de funções.

As funções dos ecossistemas incluem os processos que se


desenvolvem no seu nível e que contribuem para a sua
permanência e, deste modo, para o bem-estar da
humanidade. Estas funções são também designadas “serviços

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dos ecossistemas”. Os Oceanos por exemplo, contribuem


aproximadamente com dois terços do valor dos serviços
prestados aos seres humanos pelo ecossistema global (a
biosfera).

3 – OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DOS RECURSOS NATURAIS

3.1 Princípios conformadores

A construção de uma sociedade livre, democrática, de paz,


justiça e progresso social, passa pela edificação de pilares de
uma organização social assente em princípios estruturantes e
demais valores axiológicos cuja vértice é o ordenamento jurídico
capaz de contribuir para a redução das assimetrias e da pobreza.

Em sede do Direito dos Recursos Naturais, qualquer que seja o


recurso em presença o acesso e aproveitamento devem estar
assentes em princípios conformadores e concretizadores dos
objectivos/finalidades do Estado que satisfaçam os interesses e
anseios das populações e que o Estado seja o garante
indispensável.

As finalidades estabelecidas no artigo 21º da CRA subsumem-se


em princípios que impõem aos órgãos do Estado, sobretudo o
legislador, a realização de fins e a execução de tarefas. Assim, o
DRN incorpora princípios que funcionam na ordem jurídica
interne e externa e princípios gerais da função política, da
função social e da valorização dos recursos naturais e do
utilizador pagador:

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PRNCÍPIOS DA ORDEM JURÍDICA INTERNA

A) DA FUNÇÃO POLÍTICA

3.1.1 Princípio de Propriedade do Estado sobre os Recursos


Naturais – Os recursos naturais são propriedade do Estado. São
por isso bens que integram maioritariamente o seu domínio
Público, tal como decorre do artigo 95º da CRA. Nos termos
deste imperativo constitucional, as águas interiores, o mar
territorial, os fundos marinhos contíguos, os lagos, as lagoas, os
cursos de águas fluviais e respectivos leitos, os recursos
biológicos e não biológicos existentes nas águas interiores, no
mar territorial, na zona contígua, na ZEE, e na plataforma
continental, os jazigos minerais, as nascentes de água
mineromedicinais, as cavidades naturais subterrâneas, e outros
recursos existentes no solo e no subsolo integram o domínio
público do Estado.

Já as terras – propriedade originária do Estado (porque não a


adquiriu de ninguém (artº 15º) e as rochas, as terras comuns, e
os materiais habitualmente utilizados como matéria prima na
construção civil, integram o domínio privado do Estado.

Assim, como veremos mais adiante, incumbe ao Estado


determinar as condições da concessão e o aproveitamento de
todos os recursos naturais, quer seja os do seu domínio público
como os do domínio privado, tal como dispõe o artigo 16º da
CRA. A diferença entre os regimes de uns e outros é que sobre os
bens do seu domínio privado o Estado pode transmitir o seu
direito de propriedade para terceiros, ao passo que em relação
aos do domínio público esta faculdade é vetada por lei.

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3.1.2 Princípio do desenvolvimento sustentável – tem um


grande grau de indeterminação e abstracção e complexidade, e
intersecta-se com outros princípios como o princípio
democrático, o princípio do bem-estar, o princípio da protecção
do ambiente e o princípio da integração. É um princípio que tem
consagração constitucional (art. 39º/2 CRA) e implica a adopção
de medidas necessárias à protecção do ambiente e das espécies
da flora e da fauna em todo o território nacional, a manutenção
do equilíbrio ecológico, a correcta localização das actividades
económicas e à exploração e utilização racional de todos os
recursos naturais. Implica igualmente que na exploração e
utilização dos recursos naturais sejam respeitados os direitos e
interesses das gerações futuras e a preservação das diferentes
espécies.

3.1.3 Princípio da inerente dignidade da pessoa humana – o


direito a vida tem consagração legal no artº 30º da CRA, no
artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no
artigo 4º da Carta Africana do Direito do Homem e dos Povos.
Trata-se de um direito que se desdobra numa multiplicidade de
direitos como, o direito à integridade física e psíquica, a
integridade pessoal (art. 31º CRA), o direito ao mínimo de
existência, isto é, o direito de toda pessoa a ter acesso a bens e
serviços que assegurem a sua sobrevivência, o direito à saúde e o
direito de viver num ambiente sadio e não poluído (art. 39º/1
CRA).

3.1.4 Princípio da protecção do ambiente e de viver num


ambiente sadio – É, em boa verdade, um sub-princípio dos
princípios anteriormente enunciados, e pressupõe que qualquer
desenvolvimento de actividades humanas que prejudique os
recursos naturais pode perturbar dimensões culturais
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importantes dos sistemas sociais. As normas, símbolos e


sistemas de crenças das comunidades são originadas no passado,
enquanto o sentido da vida e as suas expressões são em grande
medida derivados da interacção entre os seres humanos e o
ambiente natural. Assim a depreciação dos recursos naturais
reduz a base material da cultura material e espiritual.

3.1.5 Princípio da prevenção e da precaução – Previsto no art.


4º/c da LBA é um princípio específico de direito do ambiente que
conforma todos os regimes de recursos naturais. Segundo este
princípio de ser adoptadas ex-ante as medidas que evitem ou
minimizem danos ao ambiente ou aos recursos naturais
resultantes da acção humana.

3.1.6 Princípio do direito ao mínimo de existência – é também


uma das concretizações ao direito à vida, como vimos. Em
termos de acesso a bens, o direito ao mínimo de existência
refere-se, prima facie, à satisfação das necessidades básicas e
compreende diferentes direitos, tais como o direito a água e o
direito a alimentação, intrinsecamente ligados ao conceito da
segurança alimentar. Este princípio pressupõe, por um lado o
acesso livre e gratuito aos recursos naturais pelas pessoas de
rendimentos mais baixos, e, por outro lado a determinação de
áreas mínimas dos terrenos a serem utilizados pelos diversos
titulares de direitos fundiários, para assegurar ao mesmo tempo
o direito ao mínimo de existência e o direito ao
desenvolvimento. Na ordem jurídica angolana, o direito ao
mínimo de existência encontra-se consagrado nos seguintes
instrumentos jurídicos: art. 9º/1/a e 22º-23º da Lei de Águas (uso
comum prevalece sobre uso privativo; art. 1º/57 e 42º LRBA
(pesca de subsistência); art. 37º e 50º/a LT (domínio útil
consuetudinário e prova de insuficiência de meios económicos);
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art. 100º Regulamento Florestal (dispensa de licença para as


populações rurais quando a exploração visa o consumo; art. 75º
Dec. 40040 sobre caça (captura para subsistência); art. 16º, 18º,
167º e 170º CM (direitos das comunidades rurais, exploração
artesanal e cooperativas).

3.1.7 - O direito aos benefícios do uso racional dos recursos


naturais – os recursos naturais devem, no âmbito do princípio da
justiça social, ser utilizados e aproveitados “em benefício de
toda a comunidade”, concedendo a todos os cidadãos o dever
de defender e preservar o ambiente e seus recursos (art. 39º/1 e
al. e) art. 90º CRA). Isto inclui a dimensão objectiva do princípio
da partilha justa e equitativa dos benefícios decorrentes do
aproveitamento de recursos naturais. Isto inclui um conjunto de
direitos como:

a) Direito de acesso aos recursos naturais para assegurar o


mínimo de existência;

b) Igualdade de direitos e de oportunidades de acesso às


actividades económicas relativas aos recursos naturais;

c) Direito a afectações, directas (cartão kikuia) ou


indirectas, de rendimentos provenientes da renda dos recursos
de modo a realizar-se a justiça distributiva, prevista no art. 90º
CRA.

3.1.8 O princípio da igualdade de acesso aos recursos naturais


– proporcionando uma igualdade de oportunidades este
princípio tem como objectivo garantir a justiça social (art. 90º
CRA) e as condições mínimas de igualdade social. É a
concretização dos princípios democrático (art. 2º CRA) e da
igualdade (23º CRA).

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B) PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL

3.1.10 Princípio do aproveitamento útil e efectivo – segundo


este princípio a função dos recursos naturais é a promoção do
desenvolvimento e a satisfação das necessidades sociais.

Por isso o Estado ao conceder direitos sobre estes recursos


procura, à partida, a realização dos fins estritamente económicos
e sociais, promovendo maior volume de produção, a realização
de fluxos de receitas do Estado a título de renda, o aumento de
empregos nas regiões produtoras, etc. Em termos gerais, os
concessionários têm um conjunto de obrigações de assegurar a
adequada utilização dos bens. Nos regimes de recursos naturais
em Angola esta obrigação do aproveitamento útil e efectivo dos
recursos naturais de acordo com os fins económicos e sociais
parta os quais foram atribuídos encontramo-la nos artigos 7º/1
LT, 37º/a LRBA, só para citar estes. Há aqui uma excepção à regra
em direito civil, segundo a qual o “não uso, também é uso”,
sendo pois aqui o não uso considerado abuso do direito. Aliás, o
não uso é condição de resolução do contrato de concessão ((ver
a título de exemplo art. 48º e 64º al. b ) da LT)).

3.1.11 – Princípio da capacidade adequada – a realização do


princípio do aproveitamento útil e efectivo pressupõe a
capacidade de um dado titular de direitos sobre recursos
naturais fazer esse aproveitamento, capacidade essa que
depende de muitos factores económicos, sociais e culturais. Este
princípio estabelece a relação entre aproveitamento e os
requisitos subjectivos para o exercício de uma dada actividade.

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3.1.12 Princípio da partilha equitativa de benefícios – este


princípio tem uma vertente de justiça comutativa, como
adequada remuneração dos investimentos das empresas que
exploram recursos e também do Estado. Tem também uma
vertente de justiça distributiva, em termos de contribuições de
todos os que utilizam recursos naturais qualquer que seja o título
a que o fazem para a sociedade, e de redistribuição dos
rendimentos provenientes do uso dos recursos, em especial da
sua exploração, aspecto que é visto em sede da valorização dos
recursos naturais e da afectação da renda do recurso do Estado
(art. 90º CRA).

2.1.13 Princípio da socialização dos recursos naturais –


fundamenta-se na natureza indivisível do ambiente e dos
ecossistemas que levanta a questão da sua apropriação
colectiva, bem como nas funções destes recursos na realização
do desenvolvimento sustentável e na sobrevivência da própria
humanidade e das pessoas cujo mínimo de existência depende
do acesso aos recursos naturais4. Deste princípio decorre que
deve haver um dado grau de controlo social do acesso e uso dos
recursos naturais, pela sociedade.

C) FUNÇÃO DA VALORIZAÇÃO DOS R.N. E UTILIZADOR PAGADOR

3.1 14 Princípio da onerosidade dos recursos naturais – O uso


sustentável e a partilha dos benefícios do aproveitamento dos
recursos naturais pressupõem a atribuição de um valor aos
recursos naturais e aos serviços prestados pelos ecossistemas,
afim de se poder chegar a uma medida desse valor que permita
4
Fisher, Douglas – Natural Resources Law in Austrália, The Law Book Company Sidney
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um maior grau de certeza das decisões a eles relativos. Trata-se


de assegurar não só a justiça social mas também, em especial, a
utilização de instrumentos económicos de condicionamento dos
comportamentos relativos a recursos naturais.

BIBLIOGRAFIA (Consulta obrigatória)

ASCENSÃO, José de Oliveira – O Direito – Introdução e Teoria


Geral, Coimbra Editora, 1993, Portugal;

COELHO, Antonieta – Direito dos Recursos Naturais Vol. I Parte


Geral (Textos), Fevereiro de 2004, Luanda-Angola;

FISHER, Douglas – Natural Resources Law in Australia, Coletânea


The Law Book Company, Sidney

OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques – Manual de Direitos Reais de


Angola, Almedina, 2018, Lisboa;

RAMOS, José Luis Bonifácio – O regime e a natureza do Direito


dos Recursos Geológicos dos Particulares, LLX Jurídica Editora,
1994, Lisboa.

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