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SUMÁRIOS DAS AULAS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO MARCOS NGOLA

§ INTRODUÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

AULA - 7 e 8

SUMÁRIO: 3.1. Noção e estrutura das normas de conflitos de


leis no espaço – primeira aproximação. 3.2. Características
gerais das normas de conflitos de leis no espaço. 3.3.
Bibliografia. 3.4. Tarefa.

OBJECTIVOS ESPECÍFICOS: conceptualizar as normas de conflitos,


conhecer a sua estrutura tradicional e saber distingui - las
das normas de Direito material.

DATA: 31 de Março de 2020.

3.1. Noção e estrutura das normas de conflitos de leis no


espaço – primeira aproximação.

Segundo a Professora ISABEL MAGALHÃES COLLAÇO, a norma de


conflitos “é a norma que regula a questão privada
internacional através de remissão para uma das ordens
jurídicas locais a que a questão está ligada, ordem
jurídica essa, que é assim declarada competente para a
resolver”.

No que se refere a sua estrutura, tradicionalmente, as


normas de conflitos, assim como as normas jurídicas em
geral compõem – se de dois elementos: uma previsão e uma
estatuição.

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A previsão ou factie especie é chamado de conceito quadro e


a estatuição ou consequente, é chamada de elemento de
conexão.

Por meio do conceito - quadro identifica – se um


determinado sector normativo ou instituto (v.g. capacidade,
sucessões, relações de família, posse, propriedade),
portanto, define-se o domínio ou matéria jurídica em
questão. São os institutos jurídicos cujo regime, total ou
parcial, a norma de conflitos se propõe determinar.

Por meio do elemento de conexão se estabelece o critério


que, no caso concreto, permitirá determinar a lei
competente. Designa-se a conexão relevante que estabelece a
ligação entre a situação e uma das leis em contacto com a
relação jurídica.1 É o aspecto ou elemento da situação
plurilocalizada escolhido para individualizar a ordem
jurídica competente.

Tomamos como exemplo o n.º 1 do artigo 46.º do CC, relativo


aos direitos reais. A norma do n.º 1 deste artigo dispõe
que "O regime da posse, propriedade e demais direitos
reais, é definido pela lei do Estado em cujo território as
coisas se encontrem situadas":

 Conceito quadro = Institutos da posse, propriedade e


demais direitos reais.

 Elemento de conexão = Localização das coisas objecto


dos direitos reais, ou seja, o lugar da situação da
coisa.

1
Cfr. RIBEIRO, p.16.

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3.2. Características gerais das normas de conflitos de leis


no espaço

Embora nem todas sejam pacificamente aceitas, são


tradicionalmente atribuídas às normas de conflitos três
características fundamentais:

a) Normas de regulação indirecta, secundárias ou


remissivas;
b) Normas de conexão;
c) Normas fundamentalmente formais.2

Porém, para além destas, outras características são


apontadas às normas de conflitos:

d) Normas instrumentais;
e) Normas de fonte interna.

3.2.1. Normas de regulação indirecta, secundárias ou


remissivas

Dizem – se normas de regulação indirecta, secundárias ou


remissivas por oposição às normas de regulação directa,
primárias, materiais ou de regulamentação.

Contrapõem -se às normas materiais ou directas na medida em


que estas determinam o regime aplicável à situação descrita
na sua previsão. A consequência jurídica destas normas
modela situações jurídicas, designadamente, atribui
direitos e os correspondentes deveres, define a capacidade
jurídica das pessoas e os requisitos de validade ou
eficácia dos actos. Portanto, as normas materiais ou
2
Cfr. SANTOS, p. 14

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directas constituem, modificam e extinguem relações


jurídicas.

Por seu turno, as normas de regulação indirecta,


secundárias ou remissivas mandam aplicar à situação
descrita na sua previsão outras normas. A sua consequência
jurídica consiste no chamamento do Direito aplicável. As
normas de conflitos, enquanto normas de regulamentação
indirecta não modelam, de per si, as situações jurídicas
das pessoas.3

Portanto, as normas de conflitos criam – se e funcionam


dentro de um processo que se caracteriza por indirecto,
porquanto não constituem, não modificam, nem extinguem
relações jurídicas. É um processo que visa indicar ou
determinar, dentre as leis potencialmente competentes,
aquela que é capaz de fornecer a disciplina material.4-5

3
PINHEIRO, pp. 45, 46
4
FREITAS, p. 7.
5
Há uma divergência essencial na doutrina quanto ao modo de entender a
função das normas de conflitos em relação a conduta dos sujeitos, que
vale aqui referir: enquanto LIMA PINHEIRO, MARQUES DOS SANTOS, CASTRO
MENDES, OLIVEIRA ASCENSÃO, MAGALHÃES COLLAÇO, consideram que as normas
de conflitos são normas de regulação indirecta, secundárias ou
remissivas por oposição às normas de regulação directa, primárias,
materiais ou de regulamentação; FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO, em
sentido diametralmente diferente, consideram que as normas de
conflitos são normas directas (e por conseguinte, normas primárias ou
de regulamentação), cuja função específica é a de solucionar ou,
antes, de prevenir conflitos de leis no espaço e por conseguinte se
distinguem nitidamente das normas indirectas ou remissivas. SANTOS,
2000:p. 47 . Para os últimos, a norma de conflito é directa porque
cumpra a sua função ao indicar, através do seu elemento de conexão, a
lei competente para regular a situação suscitada pela relação jurídica
internacional. É primária ou de regulamentação porque resolve
directamente o seu problema, sem precisar de nenhuma outra lei. FERRER
CORREIA e J. BAPTISTA MACHADO entendem que só as normas materiais são
normas de conduta (Regulae agendi), ao passo que as normas de
conflitos, em princípio, só têm por destinatários os órgãos de
aplicação do Direito, são meras regras de decisão (Regulae decidendi).
Para LIMA PINHEIRO, na linha do que defende KAHN – FREUND, esta
concepção assenta numa visão judiciária do Direito Internacional
Privada: este ramo do Direito só entraria em acção quando um tribunal
se ocupasse de um litígio emergente de uma relação transnacional, por
isso deve ser recusada. PIERRE LALIVE argumenta que a maioria dos
juristas vêem o Direito Internacional Privado através de "lunetas

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Ela não dá uma solução imediata para a questão, mas


pressupõe - e exige – de determinadas normas de direito
material da ordem jurídica em causa. A resposta para a
questão de saber quem é o proprietário da coisa (móvel ou
imóvel) X que se encontra no país y pressupõe a mediação da
norma de conflitos constante do n.º 1 do artigo 46.º do CC.
Enquanto a norma do n.º 1 do artigo 46.º do CC contém uma
regra de conflitos, indirecta, secundaria ou remissiva, os
artigos 1251.º e ss do mesmo Código contêm as regras
materiais, isto é, as normas directas, primárias ou de
regulamentação respeitantes à posse, enquanto os 1302.º e
ss contêm idênticas regras relativas ao direito de
propriedade e dos artigos 1439.º e ss constam normas
homólogas que se referem aos demais direitos reais.

3.2.2. Normas de conexão

As normas de conflitos são normas de conexão porque


conectam uma situação da vida, ou um seu aspecto, com o
Direito aplicável, mediante um elemento ou um factor de
conexão. Diria RAAPE que o legislador do DIP é um Pontifex
que lança a ponte entre a situação e uma ordem jurídica.6

Esta conexão estabelece-se mediante a selecção de


determinados laços que o Direito Internacional Privado
considera juridicamente relevantes e decisivos para a
determinação do Direito aplicável: os elementos de conexão.

judiciárias". LIMA PINHEIRO, na esteira de I. MAGALHÂES COLLAÇO


defende que a norma de conflito é uma norma de conduta, embora de
regulação indirecta: cumpre a sua função reguladora através da
remissão para o Direito que vai regular directamente a situação.
PINHEIRO, p. 47
6 PINHEIRO, p. 48

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3.2.3. Normas fundamentalmente formais

São normas fundamentalmente formais porque na determinação


do Direito aplicável não atendem ao resultado material a
que conduz a aplicação de cada uma dessas leis em presença.
(e.g. artigo 49.º do CC).Na expressão de CAVERS, no método
conflitual o juiz actuaria de olhos vendados.

O carácter formal tem que ver o conteúdo valorativo das


normas. que é diferente entre as normas de conflitos e as
normas materiais.7

De um modo geral as normas de conflitos apresentam essas


características, mas existem algumas que não são normas de
conexão (lex mercatoria) ou fundamentalmente formais (uma
norma de conflito que mandasse aplicar o direito que dá
melhor solução material ao caso (na linha da chamada better
rule approach – critérios de justiça material).

3.2.4. Norma instrumental

Por servir de instrumento para determinação do ordenamento


jurídico que deve solucionar a questão.

3.2.5. Norma de fonte interna

Por considerar - se uma norma cuja fonte é o ordenamento


jurídico de um determinado Estado.

As normas de conflitos no sistema jurídico angolano vêm


previstas, grosso modo, na Secção II do Capítulo III do
Título I do Livro I do Código Civil. A referida seção tem
por epígrafe "Normas de Conflitos" e abrange os artigos
25.º a 65.º do mesmo diploma.

7
PINHEIRO, p. 52 e ss

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3.3. Bibliografia

COLLAÇO, I. Magalhães, Sumário das Lições proferidas no ano


lectivo de 1971/72.
CORREIA, A Ferrer, Lições de Direito Internacional Privado,
I, Almedina, 2004;
FREITAS, Carlos, apontamentos das aulas de DIP.
MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional
Público, 3º Edição Actualizada, Almedina, Coimbra, 2009.
PINHEIRO, Luís de Lima, Direito Internacional Privado, Vol.
I – Introdução e Direito de Conflitos, Parte Geral,
Almedina, 2008.
RIBEIRO, Manuel Almeida, Introdução ao Direito
Internacional Privado, Almedina, 2006.
SANTOS, A. Marques dos, Direito Internacional Privado
(Sumários), Lisboa, 1987
SANTOS, A. Marques dos, Direito Internacional Privado, Vol.
I, Lisboa, 2000

3.4. Tarefa

1. O que entendes por normas de conflitos?


2. As normas de conflitos são consideradas normas
fundamentalmente formais. Por quê?
3. Distinga regulae agendi de regulae decidendi?

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