Você está na página 1de 126

1

Ecologia geral

Ms. Rodrigo de Mello

Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de


Maringá (UEM-PR) e mestre em Ciências Ambientais/Ecologia de Am-
bientes Aquáticos pela mesma instituição. Atualmente, é aluno de douto-
rado no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Universi-
dade Federal de Goiás (UFG), desenvolvendo sua tese no Laboratório de
Genética e Biodiversidade (LGBio).

Ms. Iuli Pessanha Zviejkovski

Bióloga graduada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM-


-PR) e mestre em Ciências Ambientais/Ecologia de Ambientes Aquáticos
pela mesma instituição, com enfoque na área de restauração florestal. Atu-
almente, é aluna de doutorado no mesmo programa e desenvolve sua tese
sobre os aspectos da dinâmica de ciclagem de nutrientes, envolvendo a ser-
rapilheira e a recuperação da fauna de solo em florestas tropicais secundá-
rias do rio Paraná.

1. O QUE É E COMO ESTUDAR ECOLOGIA?

O material de Ecologia Geral tem o objetivo de apresentar uma vi-


são sobre a organização da história natural dos organismos na Natureza1. 1
A palavra “Natu-
Quanto mais soubermos sobre os hábitats e seus organismos residentes, reza” utilizada aqui
virá sempre com
melhor seremos capazes de generalizar padrões biológicos e biogeográficos. inicial maiúscula
Nas Ciências Naturais, o organismo é a unidade fundamental dos estudos para diferir do
ecológicos; assim como espécie é a unidade básica em estudos evolutivos. significado desta
palavra na expressão
As qualidades de todos os sistemas ecológicos expressam as adaptações “...a natureza das
evolutivas de suas espécies componentes. Como veremos ao longo da disci- coisas”

Ecologia Geral 13
plina, o ambiente tem papel fundamental nesses processos adaptativos que
impulsionaram os sistemas ecológicos ao longo do tempo. Nesse capítulo,
veremos porque a vida depende do ambiente físico, como se dá a interação
entre os organismos - e com os hábitats que os abrigam - e como a Ecologia
contribui para entendermos os níveis organizacionais que compõem a bio-
diversidade atual de nosso planeta.

1.1 História da ecologia e sua importância como ciência

Desde muito cedo na história humana a ecologia é de interesse práti-


co. Para sobreviver na sociedade primitiva, todos os indivíduos precisavam
conhecer o seu ambiente, ou seja, as forças da Natureza¹ e os vegetais e ani-
mais em volta deles. É sabido que o início da civilização humana coincidiu
com o uso do fogo e de outros instrumentos para modificar o ambiente.
Devido aos avanços tecnológicos, pode até parecer que dependemos menos
do ambiente natural para suprir as nossas necessidades diárias; esquecemos
que a nossa dependência da natureza continua. (ODUM, 1988).

As raízes da ecologia levam-nos aos estudos ligados à história natu-


ral, algo que, em essência, é tão antigo quanto o homem. Os egípcios e os
babilônios aplicaram métodos ecológicos para combater as pragas que as-
solavam suas culturas de cereais no vale do rio Nilo e na Mesopotâmia. Hi-
pócrates, Aristóteles e outros filósofos da Grécia antiga produziram textos
claramente ecológicos (ALLAN, 1970).

Passada a Idade Média, período caracterizado pelo domínio da igreja e


sua visão aristotélica da natureza, surgem novas contribuições ao estudo eco-
lógico. Antonie van Leeuwenhoek (1632-1723), naturalista holandês, mais
conhecido por ter inventado o microscópio, também estudou e evidenciou a
importância das cadeias alimentares e a regulação de populações. Gaunt (sécu-
lo XVI) foi o pioneiro da demografia. Ele trabalhou em censos da população
humana na cidade de Londres e reconheceu a importância da determinação
quantitativa das taxas de nascimentos, mortalidade, razão sexual e estrutura de
idade das populações. Outro naturalista, Buffon (1756), assinalou que existem
forças capazes de contrabalancear o crescimento populacional, ou seja, o princí-
pio básico da regulação ecológica das populações. E os escritos do botânico in-
glês Richard Bradley revelam uma boa compreensão da produtividade biológica
(EGERTON, 1969).

14 Licenciatura em Biologia
As contribuições mais importantes para o estabelecimento da eco-
logia moderna aconteceram somente ao final do século XVIII e durante a
primeira metade do século XIX. Malthus (1798) determinou que as po-
pulações podem crescer em ritmo exponencial (i.e., 2, 4, 8, 16, 32, 64...)
enquanto os recursos de que necessitam crescem em ritmo aritmético (i.e.,
2, 4, 6, 8, 10, ...). Verhulst (1838) derivou a curva logística de crescimento
populacional (modelo densidade-dependente). Farr (1843) descobriu a re-
lação existente entre taxa de mortalidade e densidade de uma população.

Thomas Malthus (1798) e Charles Darwin (1859) foram os perso-


nagens que mudaram em definitivo a ideia platônica de que a natureza sem-
pre esteve em “equilíbrio perfeito” (visão de Platão e Aristóteles) e a base
para essa mudança de pensamento está nos seguintes fatos:

• muitas espécies foram extintas no decorrer dos tempos;


• existe competição causada por pressão populacional;
• a seleção natural e a luta pela existência são mecanismos evidenciá-
veis na natureza.

Enquanto isso, na Alemanha, o zoólogo Ernst Heackel, em 1869,


propôs pela primeira vez o termo ‘ecologia’ (do alemão Ökologie). Mobius
(1877) introduziu a noção de biocenose estudando uma comunidade de
organismos existentes em um banco de ostras. Forbes (1887), estudando
ambientes aquáticos em Illinois, nos Estados Unidos (EUA), propôs o lago
como um sistema ecológico independente (microcosmo). Ele é conside-
rado, juntamente com Forel (1892, 1904), um dos pioneiros da ecologia
aquática, a limnologia.

Um nome ligado ao Brasil merece destaque especial. Os


estudos realizados por Warming (1909) no Cerrado foram
muito importantes para a ecologia. Seus estudos fitosso-
ciológicos (i.e., o estudo das características, classificação,
relações e distribuição de comunidades vegetais) em comu-
nidades de cerrado em Lagoa Santa (MG) constituíram-se
nos primeiros estudos sobre ecologia terrestre de que se tem
notícia mundialmente. No entanto, foi nos Estados Unidos
que a ecologia recebeu um impulso definitivo para o esta-
belecimento de seu status atual. Cowles (1899) descreveu a
sucessão ecológica nas dunas ao sul do lago Michigan. Cle-
ments (1916, 1935) desenvolveu o conceito de evolução de

Ecologia Geral 15
comunidade. A partir de seus trabalhos, a ecologia desenvol-
veu-se como ciência própria. Finalmente, Tansley (1935)
propôs o ecossistema como unidade básica de estudo da eco-
logia (PINTO-COELHO, 2000).

Para Refletir

Será que as nações industrializadas conseguiram o sucesso desvinculan-


do temporariamente a humanidade da Natureza, através da exploração de
combustíveis fósseis, produzidos pela Natureza e finitos, que estão sendo
esgotados com rapidez? Na verdade, a civilização ainda depende do am-
biente natural, não apenas para energia e materiais, mas também para os
processos vitais para a manutenção da vida, tais como os ciclos do ar e da
água. As leis básicas da Natureza não foram revogadas apenas por que as
esquecemos; apenas suas feições e relações quantitativas mudaram, à medi-
da que a população humana mundial e seu prodigioso consumo de energia
aumentaram nossa capacidade de alterar o ambiente. Em consequência, a
nossa sobrevivência depende do conhecimento e da ação inteligente para
preservar e melhorar a qualidade ambiental por meio de uma tecnologia
harmoniosa e não prejudicial.

Fonte: ODUM, E. P. 1988. Ecologia. Ed. Guanabara Koogan S.A. Rio de Janeiro, RJ.

Como pode ser notado, a ciência da ecologia teve um desenvol-


vimento gradativo durante a história registrada. Em sua infância como
ciência, a ecologia dividia-se nitidamente em ecologia vegetal e ecologia
animal, mas o conceito da comunidade biológica de F. E Clements e V.
E. Shelford, os conceitos de cadeia alimentar e ciclagem de matéria de
Raymond Linderman e G. E. Hutchinson e os estudos integrais de lagos
contribuíram para o estabelecimento de uma teoria básica unificada de
ecologia geral (ODUM, 1988).

Em ecologia, a divisão de comunidades e de populações é ainda hoje


muito empregada, sobretudo pela grande diferença entre os métodos de es-
tudos aplicados em cada uma dessas áreas. Entretanto, a divisão entre eco-
logia animal e ecologia vegetal está superada, considerando, sobretudo, o
crescente desenvolvimento dos aspectos integrados dessa ciência, que exige
o estudo simultâneo de diferentes níveis tróficos e das interações entre as
plantas e os animais a elas associados.

16 Licenciatura em Biologia
Desta forma, dado o pouco conhecimento acumulado nos
maiores níveis de integrações biológicas (populações, comuni-
dades e ecossistemas), não é de se estranhar que as leis ou os
princípios universais já existentes em outras ciências (física,
química) ainda inexistem em ecologia. Isto é típico das chama-
das soft science, que podem ser definidas como as ciências ainda
sem corpo teórico rigidamente determinado, tais como a física,
a matemática ou a química. O estágio atual da ecologia pode,
talvez, ser comparável ao da química no século XVIII (PINTO-
-COELHO, 2000).

1.2 Definição, escopo e importância da ecologia

Segundo o dicionário Aurélio, a Ecologia “estuda as relações entre os


seres vivos e o meio ambiente em que vivem, bem como as suas recíprocas in-
fluências”. Como vimos no tópico anterior, este ramo da ciência caracteriza-se
por ser particularmente confrontada com singularidade: milhões de espécies
diferentes, incontáveis bilhões de indivíduos geneticamente distintos, todos
vivendo e interagindo em um mundo variado e sempre mutável. O maior de-
safio da ecologia, portanto, é desenvolver o conhecimento sobre problemas
muito básicos e evidentes para reconhecer características únicas e a sua com-
plexidade, mas, ao mesmo tempo, buscar padrões e predições dentro dessa
complexidade. Em um bom aforismo, L. C. Birch diz que “a ecologia deve bus-
car a simplicidade, mas desconfiar dela” (BEGON et al., 2007).

A palavra ecologia vem do grego oikos, significando “casa”, e assim se


refere à nossa circunvizinhança imediata - o ambiente. Literalmente, portanto,
ela está interessada no ‘lugar onde se vive’. Como já dito anteriormente, este
termo foi usado pela primeira vez por Ernst Haeckel em 1869; mas foi em
1870 que o zoólogo alemão deu à palavra um significado mais abrangente:

Por ecologia, queremos dizer o corpo de conhecimento referente


à economia da natureza – a investigação das relações totais dos
animais tanto com seu ambiente orgânico quanto com seu am-
biente inorgânico; incluindo, acima de tudo, suas relações amigá-
veis e não amigáveis com aqueles animais e plantas com os quais
vêm direta ou indiretamente a entrar em contato – numa palavra,
ecologia é o estudo de todas as inter-relações complexas denomi-
nadas por Darwin como as condições da luta pela existência.

Ecologia Geral 17
As Definições Modernas de Ecologia

Abaixo são apresentadas algumas das definições mais conhecidas do ter-


mo “Ecologia”:

1) A História natural científica (ELTON, 1927);

2) Estudo científico da distribuição e da abundância de organismos (AD-


NERWARTHA, 1961);

3) Biologia de grupos de organismos. Estudo da estrutura e da função da


natureza (ODUM, 1963). É uma definição muito importante, uma vez que
ressalta a relevância dos processos ecofisiológicos na determinação da es-
trutura dos ecossistemas;

4) Estudo científico das interações que determinam a distribuição e a abun-


dância dos organismos (KREBS, 1972). Trata-se de uma visão que busca res-
saltar a importância das interações bióticas (competição, predação) na estru-
turação das comunidades;

5) Estudo do meio ambiente enfocando as inter-relações entre os organis-


mos e seu meio circundante. Observar que esta definição invoca noções
físico-biológicas (RICKLEFS, 1980).

Assim, podemos dizer que a Ecologia é a ciência pela qual estuda-


mos como os organismos (animais, plantas e micróbios/microrganismos)
interagem entre si e com o mundo natural. A palavra ecologia passou a ter
uso geral somente no fim do século XIX, quando os cientistas americanos
e europeus começaram a se autodenominar como ‘ecólogos’. As primeiras
sociedades e revistas dedicadas à Ecologia produziram um imenso corpo
de conhecimentos acerca do mundo que nos rodeia. Ao mesmo tempo, o
rápido crescimento da população humana e sua crescente tecnologia e ma-
terialismo aceleraram grandemente a deterioração do ambiente terrestre.
Como consequência, a compreensão ecológica é agora necessária mais do
que nunca para aprendermos as melhores políticas de manejar as bacias hi-
drográficas, as terras cultivadas, os alagados e outras áreas das quais a hu-
manidade depende para alimentação, suprimento de água, proteção contra
catástrofes naturais e saúde pública.

18 Licenciatura em Biologia
Os ecólogos proporcionam essa compreensão através de estudos de
controle populacional de predadores, da influência da fertilidade do solo no
crescimento das plantas, das respostas evolutivas de micróbios aos contami-
nantes ambientais, da dispersão de organismos sobre a superfície da Terra
e de uma multiplicidade de questões semelhantes. O manejo de recursos
bióticos (i.e., vivos) numa forma que sustente uma razoável qualidade de
vida humana depende do uso inteligente dos princípios ecológicos para re-
solver ou prevenir problemas ambientais, e para suprir o nosso pensamento
e práticas econômicas, políticas e sociais (RICKLEFS, 2003).

Para tanto, a ecologia basicamente procura responder a três tipos de


pergunta aparentemente muito simples:

• Onde estão os organismos?


• Quantos indivíduos ocorrem nesse ambiente?
• Por que eles estão lá (ou não estão)?

Na ecologia moderna, há ainda limitações teóricas e metodológicas


imensas para responder satisfatoriamente a essas perguntas, principalmente
a terceira. Por isso, a ecologia baseia-se em interações transdisciplinares, que
podem ser de três tipos básicos:

1. As interações com outras ciências biológicas cuja doutrina é essen-


cial para o desenvolvimento teórico da ecologia moderna. Nesse âm-
bito incluem-se a microbiologia, a botânica e a zoologia, por exemplo.
2. Ciências que forneçam ferramentas de trabalho ou novas abor-
dagens metodológicas. Nessa categoria incluem-se a informática, a
estatística e a demografia.
3. Ciências aplicadas nas quais o conhecimento ecológico pode vir a
ser aplicado: a medicina, o direito ou as engenharias.

Assim, os enfoques da ecologia moderna são principalmente de (i)


enfoque descritivo (história natural): este enfoque consiste em levantamen-
tos da fauna e da flora. Dado o seu caráter essencialmente descritivo, há ris-
cos de que a pesquisa se feche em si mesma, tornando-se redundante, sem
atingir resultados objetivos; e (ii) enfoque experimental: baseia-se em testes
de hipóteses, por meio de uma abordagem experimental, que pode tanto
conter experimentos de laboratório quanto conduzidos no campo. Embora
rígido sob o ponto de vista científico, tal enfoque pode, muitas vezes, levar

Ecologia Geral 19
a um excessivo distanciamento da realidade. Independentemente do enfo-
que, a questão central em ecologia é determinar as causas da distribuição
e da abundância de organismos. Isso pode ser avaliado tanto em nível da
comunidade quanto em nível das populações (PINTO-COELHO, 2000).

Os ecólogos também focalizam as rotas seguidas pela energia e pela


matéria à medida que estas se movem através de elementos vivos e não vivos
de uma categoria posterior de organização, o ecossistema, que compreende a
comunidade junto com seu ambiente físico. Com este nível de organização
em mente, Likens (1992) estende a nossa definição preferida de ecologia
incluindo “as interações entre organismos, bem como a transformação e o
fluxo de energia e matéria”. Entretanto, na nossa definição, transformações
de matéria/energia estão como subordinadas às “interações”.

Existem duas amplas abordagens que os ecólogos podem adotar


em cada nível de organização ecológica. Em primeiro lugar, muito pode
ser obtido partindo de propriedades em um nível abaixo: a fisiologia,
quando estudamos ecologia do organismo; o tamanho da ninhada, quan-
do investigamos a dinâmica de populações de determinadas espécies; as
taxas de consumo de alimento, quando tratamos das interações entre po-
pulações de predadores e de presas; os limites da similaridade de espé-
cies coexistentes, quando pesquisamos comunidades, e assim por diante.
Uma abordagem alternativa trata diretamente das propriedades do nível
de interesse – por exemplo, a largura do nicho no nível do organismo;
importância relativa de processos dependentes da densidade no nível da
população; diversidade em espécies no nível de comunidade; taxa de pro-
dução de biomassa no nível de ecossistema – e procura relacioná-las aos
aspectos abióticos ou bióticos do ambiente. Devido a essa amplitude de
campos que a Ecologia aborda é que Begon et al. (2007) julgam como
medíocres os ecólogos que não acreditam que os princípios da ecologia se
aplicam a todas as facetas do mundo ao nosso redor e a todos os aspectos
do esforço humano.

Em todos os níveis de hierarquia ecológica tenta-se realizar muitas


coisas diferentes. Em primeiro lugar, pode-se tentar explicar ou compreender.
Trata-se de buscar do conhecimento na tradição científica pura. No entanto,
para conseguir este intento, é necessário primeiramente descrever. Com isso,
também aumentamos nossos conhecimentos do mundo vivo. Evidente-
mente, para compreender algo, devemos dispor da descrição do que quere-
mos conhecer. Do mesmo modo, embora menos óbvio, as descrições mais

20 Licenciatura em Biologia
valiosas são aquelas realizadas tendo-se em mente um problema em especial
ou “uma necessidade de compreensão”.

Os ecólogos também tentam frequentemente prever o que aconte-


cerá a um organismo, a uma população, a uma comunidade ou a um ecos-
sistema sob um conjunto determinado de circunstâncias. Com base nessas
previsões, os ecólogos procuram controlar a situação. Trata-se de minimi-
zar os efeitos negativos dos gafanhotos prevendo que eles provavelmente
ocorrem e tomando as atitudes apropriadas. Tenta-se proteger as lavouras
prevendo quando as condições serão favoráveis a elas e desfavoráveis para
seus inimigos. Tenta-se preservar espécies ameaçadas propondo políticas de
conservação adequada, uma vez que é preciso conservar a biodiversidade
mantendo os “serviços” dos ecossistemas, tal como a proteção da qualidade
química das águas naturais (BEGON et al., 2007).

1.3 A hierarquia dos níveis de organização em ecologia:


espécies, populações, comunidades, ecossistemas e biosfera

Como toda ciência, a ecologia precisa adotar subdivisões de seu ob-


jeto de estudo – a Natureza. Para tanto, ela faz uso da teoria dos sistemas. Um
sistema é um conjunto cujos elementos unem-se por meio de propriedades
calcadas na interação, que formam um todo unificado (ODUM, 1963).

Odum (1988) diz que a melhor maneira de se delimitar a ecologia


moderna seja considerar-se o conceito de níveis de organização, visualizados
como uma forma de “espectro biológico”, como se vê na Figura 1. Comunida-
de, população, organismo, órgão, célula e gene são termos largamente empre-
gados para denominar os principais níveis bióticos, mostrados num arranjo
hierárquico do maior até o menor. Na verdade, o espectro de níveis, à seme-
lhança de um espectro de radiações ou de uma escala logarítmica, pode ser
estendido, teoricamente, até o infinito nos dois sentidos. Hierarquia significa
“um arranjo ou série contínua de graus ou escalas, em ordem crescente ou
decrescente.” A interação em cada nível com o ambiente físico (energia e ma-
téria) produz os sistemas funcionais característicos. Um sistema consiste em
“componentes interdependentes que interagem regularmente e formam um
todo unificado” (Webster’s Collegiate Dictionary), ou, de um ponto de vista
distinto, “um conjunto de relações mútuas que constitui uma entidade identi-
ficável, seja real ou postulada” (LASZLO & MARGENAU, 1972).

Ecologia Geral 21
ENERGÉTICA
EVOLUÇÃO COMPORTAMENTO

DESENVOLVIMENTO DIVERSIDADE

REGULAÇÃO INTEGRAÇÃO

Componentes Genes Células Orgãos Organismos População Comunidade


Bióticos

Componentes Matéria Energia


Abióticos

Sistemas Sistemas Sistemas Sistemas Sistemas Ecossistemas


Biossistemas
genéricos de células de orgãos de organismos de população

Figura 1. Hierarquia dos níveis de organização em Ecologia. Modificado de Barrett et


al., 1997.

Os sistemas que contêm componentes vivos (sistemas biológicos ou


biossistemas) podem ser concebidos ou estudados em qualquer nível ilus-
trado na Figura 1, ou em qualquer posição intermediária que seja conve-
niente ou prática para a análise. Por exemplo, o sistema hospedeiro-parasita

22 Licenciatura em Biologia
ou um sistema de duas espécies de organismos mutuamente ligados (como
o binômio fungo-alga, que constitui o líquen) são níveis intermediários en-
tre população e comunidade.

Os sistemas ecológicos são governados por


princípios gerais físicos e biológicos.

Podemos lidar facilmente com a complexidade dos sistemas ecológicos quan-


do compreendemos que eles são todos governados por um número peque-
no de princípios básicos.

- Sistemas ecológicos são entidades físicas: a vida se constrói so-


bre as propriedades físicas e as reações químicas da matéria. A difusão
de oxigênio através da superfície corporal, as taxas de reações químicas,
a resistência dos vasos ao fluxo de fluídos e a transmissão de impulsos
nervosos, todas obedecem às leis físicas da termodinâmica. Os sistemas
biológicos são impotentes para alterar estas qualidades físicas fundamentais
da matéria e da energia, porém, dentro de amplos limites impostos pelas
restrições físicas, a vida pode seguir muitas opções, e ela tem feito isso com
uma impressionante criatividade.

- Os sistemas ecológicos existem em estados estacionários dinâ-


micos: a despeito de nos focalizarmos sobre um organismo, uma popula-
ção, um ecossistema ou a biosfera inteira, cada uma destas entidades eco-
lógicas continuamente troca matéria e energia com os seus arredores, mas,
apesar disso, mantém suas características constantes. Um animal de sangue
quente continuamente perde calor para o ambiente frio. Esta perda é equi-
librada, contudo, pelo calor obtido do metabolismo dos alimentos, e assim
a temperatura corporal permanece constante. Quando os ganhos não se
somam às perdas por alguma razão, o corpo esfria. Analogamente, as prote-
ínas de nossos corpos são continuamente decompostas e substituídas por
proteínas recentemente sintetizadas. Muito do material de nossos corpos
que todos carregávamos há mais ou menos um ano atrás já foi substituído,
embora ainda tenhamos a mesma aparência.

Esta ideia de manter um estado estacionário em face de um contínuo fluxo


de matéria e energia entre um sistema ecológico e suas redondezas se aplica
a todos os níveis de organização ecológica. Para o indivíduo, o alimento e a

Ecologia Geral 23
energia assimilados devem equilibrar sua decomposição metabólica. Para a
população, os ganhos e as perdas são nascimentos e mortes. A diversidade
de uma comunidade biológica diminuirá quando uma espécie se torna extin-
ta, e aumenta quando novas espécies invadem o habitat da comunidade. Os
ecossistemas e a biosfera propriamente dita não podem existir sem a energia
recebida do Sol, embora este ganho seja equilibrado por energia térmica
irradiada em ondas infravermelhas de volta para o espaço. Como os estados
estacionários dos sistemas são mantidos e regulados é uma das mais impor-
tantes questões colocadas pelos ecólogos.

Fonte: RICKLEFS, R. 2003. A economia da Natureza. 5ª ed. Rio de Janeiro:


Guanabara-Koogan. 503p.

A ecologia trata principalmente dos níveis de sistema além da-


quele do organismo. O termo população, cunhado originalmente para
denotar um grupo de seres humanos, expande-se para incluir grupos de
indivíduos de um tipo qualquer de organismo. Da mesma forma, a co-
munidade, no sentido ecológico (às vezes denominada de “comunida-
de biótica”), inclui todas as populações que ocupam uma dada área. A
comunidade e o ambiente não vivo funcionam juntos como um sistema
ecológico ou ecossistema. Biocenose e biogeocenose (o que significa
literalmente vida e terra funcionando juntos), termos frequentemente
usados na literatura europeia e russa, equivalem à comunidade e ecos-
sistema, respectivamente. Bioma é um termo conveniente largamente
usado para denominar um grande biossistema regional ou subcontinen-
tal caracterizado por um tipo principal de vegetação ou outro aspecto
identificador da paisagem, como, por exemplo, o bioma da floresta decí-
dua temperada. O maior sistema biológico e o que mais se aproxima da
autossuficiência muitas vezes se denomina biosfera ou ecosfera, a qual
inclui todos os organismos vivos da Terra que interagem com o ambien-
te físico como um todo, para manter um sistema de estado contínuo,
intermediário no fluxo de energia entre a entrada de origem solar e o
dissipador térmico do espaço (ODUM, 1988) (Figura 2).

24 Licenciatura em Biologia
Biosfera
Parte da Terra
que contém
os ecossistemas
Ecossistema

Comunidades
e os componentes
não-vivos de
seu entorno
Comunidade

Populações
(de diferentes espécies)
que vivem juntas
em uma área definida
População

Grupo de organismos
de um tipo que vive
na mesma área
Organismo

Indivíduo vivo
de Células

Tecidos, órgãos
Grupo

ou sistemas
de órgãos
Células

A menor unidade
funcional da vida

Grupos de átomos;
Moléculas

a menor unidade
dos componentes
químicos

Figura 2. Resumo das definições de níveis organizacionais em Ecologia.

Ecologia Geral 25
A teoria hierárquica fornece um arcabouço conveniente para sub-
dividir e tratar de situações complexas ou gradientes externos. Como será
visto mais adiante, o estado organizado da vida é mantido por um fluxo de
energia contínuo, porém com trajeto em forma de escada. Assim, a divisão
de uma série graduada (i.e., hierárquica) em componentes é muitas vezes
arbitrária, mas, em alguns casos, as subdivisões podem basear-se em des-
continuidades naturais. Uma vez que cada nível no espectro biossistêmico
está “integrado” ou interdependente com os outros níveis, não pode haver
linhas divisórias abruptas e rupturas num sentido funcional, nem mesmo
entre organismo e população.

O organismo individual, por exemplo, não consegue sobreviver du-


rante muito tempo sem a sua população, do mesmo modo que o órgão não
poderia sobreviver durante muito tempo como unidade autoperpetuante
sem o organismo do qual faz parte. De forma semelhante, a comunidade
não consegue existir sem a ciclagem de materiais e o fluxo de energia do
ecossistema. Este argumento pode ser aplicado também à noção errônea,
anteriormente colocada, de que a civilização humana pode existir separada
do mundo natural.

Alguns atributos, evidentemente, tornam-se mais complexos e vari-


áveis à medida que se percorre a hierarquia de níveis de organização (de
baixo para cima na Figura 1), porém outros atributos tornam-se muitas ve-
zes menos complexos e menos variáveis ao longo do percurso da unidade
menor a maior. Estatisticamente, a variância do todo é bem menor do que
a soma da variância das partes. Por exemplo, a taxa de fotossíntese de uma
comunidade florestal é menos variável que a de folhas ou árvores individu-
ais dentro da comunidade, porque quando uma parte diminui a velocidade,
outra pode aumentá-la, compensando no total.

Considerando-se as propriedades emergentes (ver Quadro “O Princí-


pio das Propriedades Emergentes”) e o aumento da homeostase (i.e., a pro-
priedade de um sistema aberto, seres vivos em especial, de regular o seu am-
biente interno para manter uma condição estável), que se desenvolvem em
cada nível, não é necessário que se conheçam todas as partes componentes an-
tes que o todo possa ser compreendido. Este é um fato importante, pois alguns
argumentam que é inútil tentar-se trabalhar com populações e comunidades
complexas enquanto as unidades menores ainda não foram compreendidas
na sua totalidade. Muito pelo contrário, o estudo pode começar em qualquer
ponto do espectro, desde que sejam considerados os níveis adjacentes, além

26 Licenciatura em Biologia
do nível em questão, pois, como já foi assinalado, alguns atributos são previ-
síveis a partir das partes (propriedades coletivas), enquanto outros não o são.

O princípio das propriedades emergentes

Uma consequência importante da organização hierárquica é que, à medida


que os componentes ou subconjuntos combinam-se para produzir sistemas
funcionais maiores, emergem novas propriedades que não estavam presentes
no nível inferior. Portanto, uma propriedade emergente de um nível eco-
lógico ou unidade ecológica não pode ser prevista a partir do estudo dos
componentes desse nível ou unidade. Propriedades não reduzíveis, ou seja,
propriedades do todo que não podem ser reduzidas à soma das proprieda-
des das partes, é outra maneira de se expressar o mesmo conceito. Embora
as descobertas sobre um determinado nível ajudem no estudo do nível se-
guinte, elas nunca explicam a totalidade dos fenômenos que ocorrem no nível
seguinte, o qual precisa ser estudado, por sua vez, para completar o quadro.

Bastam dois exemplos, um do campo físico e outro do campo ecológico,


para ilustrar as propriedades emergentes. Quando o hidrogênio e o oxigênio
combinam-se numa certa configuração molecular, forma-se a água, líquido que
possui propriedades totalmente diferentes das dos seus componentes gasosos.
Quando certas algas e animais celenterados evoluem em conjuntos para pro-
duzir um coral, cria-se um mecanismo eficiente de ciclagem de nutrientes que
permite ao sistema conjugado manter uma alta taxa de produtividade em águas
com um baixíssimo conteúdo de nutrientes. Assim, a produtividade e a diversi-
dade fabulosas dos recifes de coral são propriedades emergentes encontradas
unicamente no nível da comunidade do recife.

Fonte:
ODUM, E. P. 1988. Ecologia. Ed. Guanabara Koogan S.A. Rio de Janeiro, RJ.

Cada nível de um biossistema possui propriedades emergentes e varia-


ção reduzida, além de uma soma dos atributos dos seus componentes. O antigo
conhecimento popular de que a floresta é mais do que uma mera coleção de
árvores é realmente um princípio operacional básico da ecologia. Enquanto que
a filosófica da ciência sempre foi holística (i.e., visão mais global) na sua procu-
ra de entendimento integral dos fenômenos, recentemente a prática da ciência
tem-se tornado cada vez mais reducionista na procura do entendimento dos fe-
nômenos através do estudo detalhado de componentes cada vez menores.

Ecologia Geral 27
A abordagem reducionista que denomina a ciência e a tecnologia
desde a época de Isaac Newton tem proporcionado boas contribuições.
Por exemplo, a pesquisa no nível celular e molecular está estabelecendo
uma base sólida para uma futura cura e prevenção do câncer, no nível de
organismo. Contudo, a ciência em nível de célula contribuirá muito para
o bem-estar ou a sobrevivência da civilização humana se continuarmos a
entender tão mal os níveis superiores de organização que não conseguirmos
encontrar qualquer solução para o crescimento excessivo da população, a
desordem social, a poluição e outras formas de câncer social e ambiental.
Deve-se, portanto, atribuir igual valor ao holismo e ao reducionismo, simul-
taneamente, não alternadamente. A ecologia, ciência emergente, procura a
síntese e não a separação. O ressurgimento das disciplinas holísticas pode
ter a sua origem, pelo menos em parte, na insatisfação do público com o
cientista especializado que não sabe responder aos problemas de grande es-
cala que precisam de atenção urgente (ODUM, 1988).

1.4 O ambiente físico

O ambiente físico varia largamente ao longo da superfície da Terra.


As condições de temperatura, luz, substrato, umidade, salinidade, nutrientes
do solo e outros fatores moldaram as distribuições e adaptações das plantas,
animais e microrganismos. A Terra possui muitas zonas climáticas distintas,
cujas extensões são em grande parte determinadas pela intensidade da ra-
diação solar e pela redistribuição do calor e da umidade pelo vento e pelas
correntes de água. Nas zonas climáticas, fatores geológicos, como a topo-
grafia e a composição da rocha matriz, diferenciam ainda mais o ambiente
numa escala espacial mais fina.

A superfície da Terra, suas águas e a atmosfera sobre ela compõem


uma gigantesca máquina de transformação de calor. Os padrões climáticos
se originam a medida que a Terra absorve a energia da luz do Sol. Confor-
me sua superfície varia desde rocha nua até solo florestado, oceano aberto
e lagos congelados, sua capacidade em absorver a luz solar também varia
criando, desse modo, um aquecimento e resfriamento diferencial. A energia
térmica absorvida pela Terra pode acabar sendo reenviada de volta para o
espaço, após sofrer transformações adicionais que realizam o trabalho de
evaporar as águas e causar a circulação da atmosfera e dos oceanos. Todos
esses fatores criaram uma grande variedade de condições físicas que, por
sua vez, promoveram a diversificação dos ecossistemas (RICKLEFS, 2003).

28 Licenciatura em Biologia
O ambiente de um organismo se consiste, pois, de um conjunto
de influências externas exercidas sobre ele, as quais são representadas
tanto por fatores quanto por fenômenos. Tais fatores podem ser físicos
e químicos (i.e., abióticos) ou mesmo outros organismos (i.e., bióticos).
O ambiente, portanto, conserva aqui a posição central concedida por
Haeckel em sua definição. Já a definição de Krebs (1972) tem o mérito
de localizar o tema central da ecologia: a distribuição e abundância dos
organismos – onde os organismos ocorrem, quantos ocorrem em um de-
terminado local e por que.

Para compreender, entretanto, a distribuição e abundância de uma


espécie, devemos conhecer primeiramente sua história, os recursos de que
necessita, as taxas individuais de natalidade, de mortalidade e de migração,
as suas interações intra e interespecíficas (i.e., dentro da mesma espécie e
entre espécies diferentes) e os efeitos das condições ambientais. Uma con-
dição é um fator ambiental abiótica que influencia no funcionamento de
organismos vivos. Os exemplos incluem a temperatura, a umidade relativa,
o pH, a salinidade e a concentração de poluentes. A temperatura, a umidade
e o pH do solo, por exemplo, podem ser alterados sob o dossel de uma flo-
resta. Porém, ao contrário dos recursos, as condições não são consumidas
ou esgotadas pelos organismos.

Para algumas condições, podemos estabelecer uma concentração ou


nível ótimo, em que um organismo exibe um desempenho máximo, com
sua atividade diminuindo nos níveis mais baixos e mais altos. Do ponto de
vista evolutivo, condições “ótimas” são aquelas sob as quais os indivíduos
deixam mais descendentes (são os mais aptos), que as medições da eficácia
biológica deveriam ser feitas por várias gerações. Em vez disso, com frequ-
ência medimos o efeito das condições sobre algumas propriedades-chave,
como a atividade de uma enzima, a taxa de respiração de um tecido, a taxa
de crescimento de indivíduos ou a sua taxa de reprodução. No entanto, o
efeito da variação das condições sobre essas diferentes propriedades muitas
vezes não será o mesmo; os organismos geralmente podem sobreviver em
uma gama mais ampla de condições do que lhes é permitido para crescer ou
se reproduzir (BEGON et al., 2007).

Assim, evitemos falar do vivo e do não vivo como opostos, pois eles
não existem isoladamente um do outro, pois a vida depende do mundo fí-
sico (ver Figura 3).

Ecologia Geral 29
COMPONENTES BIÓTICOS

Produtores

Sol Insolação Plantas

COMPONENTES ABIÓTICOS

Nutrientes
Consumidores

Gases
Calor

Carnívoros Herbívoros
Água

Minerais Decompositores Calor

Fungos Bactérias

energia de calor
liberada em cada fase

Figura 3. A importância do ambiente físico.

Os seres vivos também afetam o mundo físico: solo, atmosfera, lagos


e oceanos, e muitas rochas sedimentares devem suas propriedades em parte
às atividades das plantas e animais. Embora distintas dos sistemas físicos, as
formas de vida funcionam, contudo, dentro de limites estabelecidos por leis
físicas. O mundo físico proporciona o contexto para a vida, mas também
restringe sua expressão. Os sistemas biológicos precisam utilizar energia
para contrabalançar as forças físicas da gravidade, fluxo de calor, difusão e
reações químicas. Uma ave em voo gasta constantemente energia para se
manter no alto contra a gravidade que a puxa para baixo. Portanto, a vida
não existe fora do equilíbrio com o mundo físico (RICKLEFS, 2003).

30 Licenciatura em Biologia
Dois “E”s importantes da Biologia: Ecologia & Evolução

A história da vida na Terra tem mostrado que os atributos dos organismos


mudam ao longo do tempo. Tais mudanças são denominadas evolução. Em-
bora as propriedades físicas e químicas, da matéria e da energia sejam imu-
táveis, o que os sistemas vivos fazem com matéria e energia é tão variável
quanto todas as formas de organismos que existiram no passado, existem
hoje ou poderão evoluir no futuro. As estruturas e funções dos organismos
são produtos da mudança evolutiva numa população em resposta às carac-
terísticas do ambiente com as quais cada organismo deve se confrontar. Tais
características incluem tanto as condições físicas que prevalecem quanto os
vários outros tipos de organismos com os quais cada população interage.
Por exemplo, os animais quem têm como predadores caçadores visuais são
frequentemente coloridos de uma forma tal que se confundem com o seu
fundo e escapam de serem notados¹. Muitas plantas que crescem em
climas quentes e secos têm cutículas espessas e serosas que reduzem a perda
de água por evaporação através da superfície das folhas. Estes atributos de
estrutura e função que ajustam o organismo às condições de seu ambiente
são chamados de adaptações.

Esta correspondência íntima entre organismo e ambiente não é acidental. Ela


vem de um princípio único e fundamental dos sistemas biológicos: a seleção
natural. Somente aqueles indivíduos que estão bem adaptados aos seus am-
bientes sobrevivem e produzem descendentes. Os atributos herdados que
passam para sua prole são preservados. Indivíduos malsucedidos não sobrevi-
vem, ou produzem poucos filhotes, e assim seus atributos menos adequados
desaparecem da população como um todo. Como foi visto na disciplina de
Evolução Biológica, Charles Darwin foi o primeiro a reconhecer que este
processo permitiu às populações responder, devido à Seleção Natural, ao lon-
go de muitas gerações, às mudanças em seus ambientes. Portanto, uma coisa
maravilhosa sobre a seleção natural e a evolução é que, à medida que cada
espécie muda, novas possibilidades para mudanças adicionais se abrem para si
próprias e para outras espécies com as quais elas interagem.

Fonte:
RICKLEFS, R. 2003. A economia da Natureza. 5ª ed. Rio de Janeiro: Gua-
nabara-Koogan. 503p.

1. Procure por imagens de ‘mimetismo’ no Google para ver algu-


mas curiosas imitações na Natureza.

Ecologia Geral 31
Uma meta importante da Ecologia como ciência é compreender
como os sistemas ecológicos vieram a existir e como funcionam nas suas
configurações ambientais. As flutuações do clima, sejam locais ou afetando
a maior parte do globo, são uma manifestação das mudanças no ambiente
terrestre. Boa parte destas variações pode ser atribuída a mudanças na ra-
diação do Sol incidente ou a padrões espaciais estabelecidos pelas formas e
posições das bacias oceânicas, continentes e cadeias montanhosas da Terra.
Além dessas variáveis previsíveis, os próprios processos físicos e biológicos
estabelecem novos padrões de variação como resultado das interações im-
previsíveis entre seus componentes. Os ecólogos lutam para compreender
tanto a origem da variação no clima quanto suas consequências para os sis-
temas ecológicos.

Acima de tudo, e de modo diferente dos sistemas físicos, os organismos


vivos têm uma existência com propósito. Suas estruturas, fisiologia e compor-
tamento estão direcionados para a busca de energia e de recursos e para a gera-
ção de prole. A vida certamente sofre restrições físicas e químicas, assim como
a arquitetura é restringida pelas propriedades dos materiais de construção. No
entanto, assim como nos sistemas biológicos, o propósito do projeto de um edi-
fício não está relacionado à qualidade dos tijolos e da argamassa e as transcende
dos materiais de construção que a compõe (RICKLEFS, 2003).

Em última análise, a vida é uma parte especial do mundo físico, mas


existe em um estado de constante tensão com o seu entorno físico. Os or-
ganismos, em última instância, recebem sua energia da luz do Sol e seus
nutrientes do solo e da água, e eles precisam tolerar extremos de tempe-
ratura, umidade, salinidade e outros fatores físicos do seu entorno. O calor
e a aridez dos desertos excluem a maioria das espécies, assim como o frio
pungente das regiões polares desencoraja até os mais destemidos. Mas não
precisamos procurar muito longe por condições extremas para evidenciar
a tensão entre os reinos físico e biológico. A forma e a função de todas as
plantas e animais evoluíram parcialmente em resposta às condições prevale-
centes no mundo físico. Assim, devemos explorar os atributos do ambiente
físico que trazem mais consequências para a vida. Como os processos da
vida se iniciaram em ambientes aquáticos, e já que a água compõe a maior
parte de todos os organismos, a água parece um ponto de partida lógico para
nossa peregrinação pelo mundo físico. Em seguida, abordaremos o papel da
luz, da temperatura e de outros estímulos que os organismos utilizam para
interagir com o ambiente.

32 Licenciatura em Biologia
1.4.1 Respostas dos Indivíduos A Fatores Ambientais

Em nosso vocabulário, algumas palavras são relativas. Qual o sentido


de extremo, por exemplo? Parece muito natural descrever certas condições
ambientais como “extremas”, “severas” ou “estressantes”. Pode parecer óbvio
quando as condições são “extremas”: o calor do meio-dia de um deserto,
o frio do inverno antártico, a concentração de sal do Great Salt Lake, nos
EUA. Porém, isso significa apenas que essas condições são extremas para
nós, seres humanos, dadas as nossas particulares características e tolerâncias
fisiológicas. Para os cactos, não há extremo quando às condições desérticas
em que eles evoluíram; nem os redutos gelados da Antártida constituem um
ambiente extremo para os pinguins (WHARTON, 2002). É também fácil e
perigoso para o ecólogo admitir que todos os outros organismos sentem o
ambiente da mesma maneira que os seres humanos. Sem dúvida, esse pro-
fissional deveria tentar ver o ambiente com “olhos de verme” ou “olho de
planta”: enxergar o mundo como os outros seres vivos o enxergam. As pala-
vras emotivas, como severo e propício, e mesmo as relativas, como quente
e frio, deveriam ser usadas como muita cautela pelos ecólogos. A seguir, al-
guns dos principais fatores do meio externo que influenciam os organismos
em um contexto ecológico.

• Temperatura
O ambiente térmico proporciona diversas vias de ganho e perda
de calor.

A maior parte da radiação solar absorvida pela água, solo, plantas e


animais é convertida em calor. Cada objeto e cada organismo sobre a Terra
continuamente troca calor com o seu entorno. Quando a temperatura do
ambiente excede a de um organismo, o organismo ganha calor e se torna
mais aquecido. Quando o ambiente é mais frio, o organismo perde calor
para ele e se resfria. O balanço do calor de um determinado organismo in-
clui diversas vias de ganho e perda de calor, principalmente nos animais ec-
totérmicos, como pode ser visto na Figura 4.

As taxas de crescimento e de desenvolvimento, juntas, determinam


o tamanho final de um organismo. Por exemplo, para uma determinada taxa
de crescimento, uma taxa mais rápida de desenvolvimento conduzirá a um
tamanho final menor. Em consequência, se as respostas de crescimento e de-
senvolvimento a variações da temperatura não são as mesmas, a temperatura
afetará também o tamanho final. Na realidade, em geral o desenvolvimento se

Ecologia Geral 33
processa rapidamente com a temperatura do que o crescimento, de forma
que, para uma gama muito ampla de organismos, o tamanho final tende a
decrescer com a elevação da temperatura: “regra do tamanho-temperatura”.
Atkinson et al. (2003), por exemplo, demonstraram em para protistas uni-
celulares (72 conjuntos de dados de hábitats marinhos, salobro e de água
doce) que para cada 1ºC de aumento da temperatura, o volume celular final
decresce em cerca de 2,5%.

Radiação procedente
da atmosfera

Ra
dia
çã
Ra

os
dia

Poeira no ar ola
rr
ção

efl
eti
sol

da
ar
dir

Intercâmbio por
eta

convecção Evaporação
Convecção
Metabolismo

Temperatura no chão: Intercâmbio por


No sol condução
Na sombra

Figura 4. Principais vias de troca de calor os organismos e seu ambiente.

Esses efeitos da temperatura sobre o crescimento, o desenvolvimen-


to e o tamanho podem ser também de importância prática, além do valor
científico. Cada vez mais, os ecólogos são solicitados para fazer predições.
Nós podemos querer saber que consequências terá um aumento de 2ºC,
resultante do aquecimento global. Ou, por exemplo, podemos querer enten-
der o papel da temperatura nas variações sazonais, interanuais e geográficas
da produtividade de ecossistemas marinhos (BLACKFORD et al., 2004).

A vida em altas temperaturas

Talvez o aspecto mais importante a respeito dos perigos de temperaturas


altas seja que, para um determinado organismo, elas geralmente se situam

34 Licenciatura em Biologia
apenas poucos graus acima do ótimo metabólico. Isso é em grande parte
uma consequência inevitável das propriedades físico-químicas da maioria
das enzimas (WHARTON, 2002). Temperaturas altas podem ser perigosas
porque elas levam à inatividade ou mesmo à desnaturação de enzimas,
mas elas podem também ter efeitos danosos indiretos como consequên-
cia da desidratação.

O Vale da Morte (do inglês, Death Valley), Califórnia, no verão, é provavelmen-


te o local mais quente da Terra em que as plantas superiores mantêm um
crescimento ativo. A temperatura do ar durante o dia pode chegar a 50%,
e as temperaturas da superfície do solo podem ser muito mais altas. Uma
espécie perene conhecido como doce-mel-do-deserto (Tidestromia oblongi-
folia) cresce com vigor em tal ambiente, embora suas folhas morram quando
submetidas à mesma temperatura do ar. A transpiração muito rápida mantém
a temperatura das folhas em 40 a 45ºC, e, nessa faixa, elas podem exibir fo-
tossíntese extremamente rápida (BERRY & BJÖRKMAN, 1980).

A maioria das espécies vegetais que vivem em ambientes muito quentes so-
fre de escassez de água e, por isso, são incapazes de usar o calor latente de
evaporação da água para manter baixas as temperaturas foliares. Em especial,
esse é o caso de suculentas do deserto, em que a perda de água é minimizada
por uma baixa razão superfície/volume e uma baixa densidade de estômatos.
Em tais plantas, o risco de superaquecimento pode ser reduzido por espinhos
(que proporcionam sombra à superfície de um cacto) ou tricomas ou ceras
(que refletem uma grande parte da radiação incidente). Apesar disso, tais
espécies experimentam e toleram em seus tecidos temperaturas superiores
a 60ºC, quando a temperatura do ar está acima de 40ºC (SMITH et al., 1984).

A Biologia Molecular há um bom tempo se beneficia de seres vivos que su-


portam altas temperaturas para pesquisas em Biotecnologia ou qualquer tipo
de pesquisa que envolva a molécula de DNA de organismos. A Taq DNA po-
limerase, também denominada Taq polimerase, é uma molécula termoestável,
utilizada na amplificação de fragmentos de DNA através da técnica de PCR
(Cadeia em Reação Polimerase). O seu nome é devido a ter sido identi-
ficada pela primeira vez na bactéria Thermus aquaticus, uma forma de vida
extrema encontrada em fontes hidrotermais. Somente uma enzima adaptada
a estas altas temperaturas pode suportar a temperatura de 94ºC na qual a
fita de DNA se abre para sua amplificação in vitro, como os cientistas e pes-
quisadores fazem rotineiramente nos laboratório de Genética ou de Biologia
Molecular (Ramsden, 2009).

Ecologia Geral 35
Fonte:
BERRY, J. A. & BJÖRKMAN, O. 1998. Photosynthetic response and adaptation
to temperature in higher plants.Annual Review of Plant Physiology, 31, 491-543.

RAMSDEN, J. 2009. Bioinformatics: An Introduction. New York: Springer, 271 p. p. 191.

SMITH, S. D. DINNEN-ZOPFY, B. & NOBEL, P.S. 1984. High temperature res-


ponses of North American cacti. Ecology, 6, 643-651.

WHARTON, D. A. 2002. Life at the limits: organisms in extreme environ-


ments. Cambridge University Press, UK.

A ação do fogo na diversificação do Cerrado

As queimadas são responsáveis pelas temperaturas mais altas que os organis-


mos enfrentam na Terra. Antes da sua intensificação provocada por atividades
humanas, as queimadas eram causadas principalmente por ação de raios. O
risco recorrente do fogo moldou a composição em espécies de florestas
áridas e semiáridas em muitas partes do mundo. Todas as plantas são danifi-
cadas por queimadas, mas os notáveis poderes de rebrotamento a partir de
meristemas protegidos nos caules e da germinação de sementes permitem a
um conjunto especializado de espécies a recuperação do dano e a formação
de floras adaptadas ao fogo (HODGKINSON, 1992).

Embora o Cerrado tenha sido considerado uma formação vegetacional muito


antiga, com sugestões que ele já existia em forma prototípica no Cretáceo
(~145-65 milhões de anos atrás), antes da separação final dos continentes
Africano e Sul Americano (RATTER & RIBEIRO, 1996), estudos mais atuais
tem proposto uma origem mais recente para o bioma, com o fogo tendo
um papel decisivo em sua diversificação. Simon et al. (2009) investigaram a
diversificação de plantas no Cerrado usando abordagens filogenéticas com-
parativas, particularmente focando-se na hipótese de que a origem do bioma
coincidiu com o aumento da dominância de gramíneas C4 inflamáveis dentro
os últimos 10 milhões de anos (PENNINGTON et al. 2006a, 2006b). O Cer-
rado, tal como outras savanas tropicais, é dominado por gramíneas C4 que
se beneficiam da alta incidência solar e dos verões quentes e úmidos para
rapidamente acumular biomassa, que se torna inflamável em longos invernos
secos, promovendo fogo, geralmente várias vezes em uma década. (BOND &
KEELEY, 2005; SCHOLES & ARCHER, 1997). A sinergia entre o rápido (re)

36 Licenciatura em Biologia
crescimento e inflamabilidade permite que as gramíneas compitam com árvo-
res e arbusto, mantendo um dossel aberto típico de savanas em áreas onde,
sem a ação do fogo, as florestas provavelmente dominariam (BOND & KEE-
LEY, 2005). Diversas adaptações ao fogo são as características mais peculiares
à flora endêmica do Cerrado (GOTTSBERGER, G. & SILBERBAUER-GOTTS-
BERGER, 2006) e as adaptações fisiológicas e morfológicas em sua maioria
estão ausentes na flora de biomas adjacentes onde o fogo tem sido menos
importantes nas escalas de tempo evolutivo (PENNINGTON et al., 2006).

Referências:
BOND, W. J.; KEELEY, J. E. Fire as a global “herbivore”: the ecology and evolu-
tion of flammable ecosystems. Trends in Ecology & Evolution, v. 20, n. 7,
p. 387-394, 2005.

GOTTSBERGER, G. & SILBERBAUER-GOTTSBERGER, I. Life in the cer-


rado. A South American tropical seasonal ecosystem. v. I – Origin,
structure, dynamics and plant use. v. II – Pollination and seed dis-
persal. [S.l.] Ulm: Reta Verlag., 2006.

PENNINGTON, R. T.; LEWIS, G. P.; RATTER, J. A. An overview of the plant


diversity, biogeography and conservation of neotropical savannas and seaso-
nally dry forests. In: PENNINGTON, R. T.; LEWIS, G. P.; RATTER, J. A. (Eds.).
Neotropical savannas and seasonally dry forests plant diversity bio-
geography and conservation. [S.l.] CRC Press, 2006. p. 0-1.

PENNINGTON, R.T.; RICHARDSON, J. E.; LAVIN, M. Insights into the histori-


cal construction of species-rich biomes from dated plant phylogenies, neutral
ecological theory and phylogenetic community structure. New Phytologist,
v. 172, n. 4, p. 605-616, 2006.

RATTER, J. A. & RIBEIRO, J. F. RATTER, J. A.; RIBEIRO, J. F.RATTER, J. A.; RIBEI-


RO, J. F. 1996, Brasília. Anais...Brasília: Embrapa/CNPF, 1996

SCHOLES, R. J.; ARCHER, S. R. Tree-Grass Interactions in Savannas1. Annual


Review of Ecology and Systematics, v. 28, n. 1, p. 517-544, 1997.

SIMON, M. F. et al. Recent assembly of the Cerrado, a neotropical plant diver-


sity hotspot, by in situ evolution of adaptations to fire. Proceedings of the
National Academy of Sciences of the United States of America, v.
106, n. 48, p. 20359-20364, 2009.

Ecologia Geral 37
Falamos um pouco de organismos adaptados a altas temperaturas,
mas como se dá a tolerância ao frio? Mesmo dentro de uma espécie obser-
vam-se, com frequência, diferenças nas respostas à temperatura entre po-
pulações de locais distintos. Muitas vezes, constata-se que tais diferenças
não são atribuídas exclusivamente à aclimatação, mas resultam de diferenças
genéticas. Um estudo com o cacto Opuntia fragilis proporcionou uma forte
evidência de que a tolerância ao frio varia entre raças geográficas de uma
espécie. Em geral, os cactos são espécies de habitats quentes e secos, mas
O. fragilis atinge até 56ºC e em um determinado local foi registrada a uma
temperatura mínima extrema de -49,4ºC. De localidades diferentes no nor-
te dos EUA e do Canadá, amostraram-se vinte populações, que foram testa-
das quanto à tolerância à congelação e à capacidade de se aclimatar ao frio.
Os indivíduos da população mais tolerante à congelação toleraram -49ºC
em testes de laboratório e se aclimataram a 19,9ºC, e indivíduos de uma
população no clima mais suave de Hornby Island toleraram apenas -19ºC e
se aclimataram a somente 12,1º (LOIK & NOBEL, 1993).

Atividade

Pesquise animais ou plantas e suas adaptações para viver em ambientes ou


muito frios (e.g.,pinguins, leões-marinhos, etc.,) ou muito quente (e.g., trinta-
-réis-das-rocas, bacalhau antártico, etc).

• pH do solo e da água
O pH do solo, em ambientes terrestres, ou da água, em ambientes
aquáticos, é uma condição que pode exercer uma poderosa influência sobre
a distribuição e a abundância de organismos. O protoplasma das células das
raízes da maioria das plantas aquáticas é danificado como resultado direto
de concentrações tóxicas de íons de H+ ou OH- em solos com pH abaixo
de 3 ou acima de 9, respectivamente. Além disso, ocorrem efeitos indiretos,
pois o pH do solo influencia a disponibilidade de nutrientes e/ou a con-
centração de toxinas. A acidez elevada (pH baixo) pode atuar de três ma-
neiras: (i) diretamente, pela perturbação da osmorregulação, da atividade
enzimática ou das trocas gasosas através das superfícies respiratórias, (ii)
indiretamente, aumentando a concentração de metais pesados tóxicos – em
particular alumínio (Al3+), mas também manganês (Mn2+) e ferro (Fe3+) -,
que são nutrientes vegetais essenciais sob valores de pH mais altos e (iii)
indiretamente, pela redução da qualidade e amplitude de fontes alimenta-
res disponíveis aos animais (e.g., o crescimento fúngico é reduzido sob pH

38 Licenciatura em Biologia
baixo em riachos (HILDREW et al., 1984) e a flora aquática muitas vezes
inexiste ou exibe menos diversidade). Os limites de tolerância para pH va-
riam entre as espécies vegetais, mas apenas uma minoria é capaz de crescer
e reproduzir-se sob um pH abaixo de 4,5.

Já em solos alcalinos, o ferro (Fe3+), o fosfato (PO4+3) e certos elemen-


tos-traço, como o manganês (Mn+2), são fixados em compostos relativamente
insolúveis, e as plantas podem ser, então, prejudicadas, devido à pouca dis-
ponibilidade desses elementos. Em geral, solos e águas com pH acima de 7
tendem a ser favoráveis a muito mais espécies do que aqueles mais ácidos.
Campos de solos calcários geralmente têm uma flora (e fauna associada) mui-
to mais rica do que campos de solos ácidos, e essa situação é semelhante para
animais que habitam riachos, açudes e lagos (BEGON et al., 2007).

Saiba Mais

Muitas características podem variar de uma única espécie. Por exemplo, a planta
hortência (Hydrangea macrophylla) pode ter “flores” rosas — elas são na verdade
folhas modificadas — ou “flores” azuis. Mas isso não significa que nós podemos
classificar as duas formas como espécies diferentes. Na verdade, você pode fazer
com que uma planta de “flor” azul se torne uma planta de “flor” rosa apenas
trocando o pH do solo e a quantidade de alumínio absorvido pela planta.

Figura 5. Exemplares da espécie Hydrangea macrophylla e sua plasticidade fenotí-


pica de acordo com o pH que se encontra.

• Salinidade
Para as plantas terrestres, a concentração de sais na água do solo ofe-
rece resistência osmótica à absorção de água. As concentrações salinas mais
extremas ocorrem em zonas áridas, cujo movimento predominante da água
no solo é em direção à superfície, onde se acumula sal cristalino. Isso ocorre
especialmente quando as plantas de lavoura são cultivadas sob irrigação em
regiões áridas; desenvolvem-se, então, salinas, e o solo se torna inutilizado

Ecologia Geral 39
para a agricultura. O principal efeito da salinidade é provocar o mesmo tipo de
problemas osmorregulatórios constatados na seca e no congelamento, e mui-
tos dos problemas são registrados da mesma maneira. Por exemplo, muitas
das plantas superiores que vivem em ambientes salinos acumulam eletrólitos
em seus vacúolos, mas mantêm uma concentração baixa no citoplasma e nas
organelas (ROBINSON et al., 1983). Tais plantas mantêm pressões osmóti-
cas altas e, assim, permanecem túrgidas, sendo protegidas da ação prejudicial
dos eletrólitos acumulados por polióis e protetores de membrana.

Em hábitats marinhos, os organismos, na maioria, são isotônicos em


relação ao seu ambiente, de modo que não há fluxo líquido de água. Por
outro lado, existem muitos que são hipotônicos, de maneira que a água flui
desses organismos para o ambiente, colocando-os em posição semelhante
aos organismos terrestres. Assim, para muitos organismos aquáticos, a regu-
lação da concentração fluida do corpo é um processo vital e, às vezes, ener-
geticamente dispendioso. A salinidade de um ambiente aquático pode ser
uma influência importante sobre a distribuição e abundância, em especial
em locais como estuários, onde há um gradiente bem definido entre hábi-
tats verdadeiramente marinhos e de água doce (BEGON et al., 2007).

• Forças físicas de ventos, de ondas e de correntes


Na Natureza, existem muitas forças do ambiente que têm seu efeito
graças à força do movimento físico – o vento e a água são os melhores exem-
plos. Em riachos e rios, plantas e animais defrontam-se com o risco contí-
nuo de serem carregados. A velocidade média do fluxo geralmente cresce
para jusante, mas o perigo maior de os membros da comunidade bentônica
(habitantes do fundo) serem arrastados é nas regiões a montante, onde a
água é turbulenta e rasa. As únicas plantas encontradas em cursos de água
extremos são as espécies de “baixo perfil”, como algas incrustantes e fila-
mentosas, musgos e hepáticas. Onde a corrente é um pouco menos extre-
ma, existem plantas, como o ranúnculo (Ranunculus fluitans), que oferecem
pequena resistência ao fluxo e se fixam ao redor de um objeto imóvel por
meio de raízes adventícias densamente desenvolvidas. Begon et al., (2007)
salienta que plantas flutuantes como a lentilha-d’água (Lemna spp.) em geral
ocorrem apenas onde o fluxo é insignificante.

Os autores ressaltam, portanto, que as condições de exposição em


costões rochosos estabelecem limites rigorosos às formas de vida e aos há-
bitos de espécies que podem tolerar o embate e a sucção da ação repetitiva

40 Licenciatura em Biologia
das ondas. As algas marinhas fixadas sobre rochas sobrevivem às repetidas
trações e pressões da ação das ondas por meio de uma combinação da po-
derosa aderência de estruturas especializadas (apreensórios) e da extrema
flexibilidade dos seus talos. Os animais que vivem nesse ambiente se mo-
vem com a massa de água ou, como as algas, contam com mecanismos refi-
nados de aderência, como as substâncias orgânicas viscosas das cracas e os
pés musculosos das lapas. Uma diversidade comparável de especializações
morfológicas é encontrada entre os invertebrados que toleram os perigos
das turbulentas correntes de água doce.

1.4.2 A Água como Detentora de Propriedades


Favoráveis à Manutenção da Vida

A água é abundante na maior parte da superfície terrestre e, dentro


do intervalo de temperatura geralmente encontrado, ela é líquida. A água
também é um poderoso solvente. Consequentemente, é um excelente meio
para os processos químicos dos sistemas vivos. É difícil imaginar a vida ten-
do alguma outra base que não a água. Nenhuma outra substância comum
na superfície da Terra é líquida, e essa propriedade é necessária para a vida
como a conhecemos. O movimento dos organismos vivos depende da flui-
dez da água. As altas concentrações de moléculas necessárias para as reações
químicas rápidas dependem da densidade da água. Tente imaginar a vida
baseada num sólido rígido ou num gás volátil.

A água permanece líquida ao longo de um amplo intervalo de varia-


ção de temperaturas porque ela resiste às mudanças de temperatura. Além
disso, a água conduz o calor rapidamente, o que tende a espalhá-la unifor-
memente através de um corpo de água. Desse modo, a temperatura da água
muda lentamente, mesmo quando o calor é removido ou acrescentado ra-
pidamente, como pode acontecer na interface ar-água ou superfície de um
organismo. A água também resiste à mudança de estado entre as fases sólida
(gelo), líquida e gasosa (vapor de água). É preciso acrescentar quinhentas
vezes mais energia para evaporar uma quantidade de água do que para ele-
var sua temperatura em 1ºC! O congelamento requer a remoção de oitenta
vezes mais calor do que é necessário para reduzir a temperatura da mesma
quantidade de água em 1ºC. Essa propriedade ajuda a impedir que grandes
corpos de água congelem durante o inverno.

Ecologia Geral 41
Outra propriedade curiosa e vantajosa da água é que, enquanto a
maioria das substâncias se torna mais densa em temperaturas mais baixas,
a água se torna menos densa à medida que resfria abaixo de 4ºC. A água
também se expande e se torna até mesmo menos densa sob congelamento.
Consequentemente, o gelo flutua, o que impede que o fundo dos mares e
oceanos congele e permite que plantas e animais aquáticos ali encontre re-
fúgio no inverno (RICKLEFS, 2003).

Para lembrar de algumas questões importantes referentes à água:


• Todas as águas naturais contêm substâncias dissolvidas.
• A concentração de íons hidrogênio afeta profundamente os siste-
mas ecológicos.
• O carbono e o oxigênio estão intimamente envolvidos nas transfor-
mações biológicas da energia.
• A disponibilidade de nutrientes inorgânicos influencia a abundância
de vida.

Dê sugestões de documentários, pesquisas e filmes sobre a questão


da água no planeta.

Aspectos ecológicos da tragédia do Titanic

Aqueles que assistiram ao filme Titanic irão lembrar a terrível perda de vida
humana causada por congelamento nas águas geladas do Ártico. Alguém po-
deria ficar imaginando como o sangue e os tecidos do corpo poderiam ficar
congelados e sólidos em água totalmente líquida. A resposta é que as subs-
tâncias dissolvidas reduzem a temperatura de congelamento da água e de
outros líquidos. Enquanto a água pura congela a 0ºC, água do mar, que contém
aproximadamente 3,5% de sais dissolvidos, congela a quase -1,9ºC mais frio.
O sangue e os tecidos do corpo da maioria dos vertebrados, incluindo os hu-
manos, contêm menos da metade do teor de sal da água do mar e, portanto,
congelam a uma temperatura mais alta do que o ponto de congelamento do
oceano. Esse foi um problema terrível para as vítimas do desastre do Titanic. E
é também um problema para os peixes que vivem nos mares polares.

Assim, duas questões nos vêm à cabeça: 1) Por que os peixes polares não têm níveis
de sal tão altos nos seus sangue e tecidos? 2) Como esses peixes sobrevivem em
temperaturas tão baixas? Os peixes polares não usam os sais para impedir que os
seus fluidos corpóreos congelem porque os sais interferem em muitos processos
bioquímicos.A manutenção de um ambiente interno com baixo teor de sal permi-

42 Licenciatura em Biologia
te metabolismo e movimentos mais rápidos e eficientes. Em vez disso, os peixes
antárticos contornaram sua suscetibilidade ao congelamento aumentando os níveis
no seu sangue e tecido de compostos como o glicerol – a glicerina comum nas
farmácias – que reduz a temperatura de congelamento dos seus fluídos corpóreos,
mas não perturba severamente o funcionamento. À medida que olharmos para
estas e outras questões semelhantes nesse capítulo, iremos ver que, embora as
propriedades físicas do ambiente e dos materiais biológicos restrinjam a vida, elas
também oferecem soluções para muitos de seus problemas.

Fonte:
RICKLEFS, R. 2003. A economia da Natureza. 5ª ed. Rio de Janeiro: Gua-
nabara-Koogan. 503p.

1.4.3 Os Organismos Utilizam muitos Estímulos


Físicos para Perceber o Ambiente

Para funcionar em um ambiente complexo e mutável, os organismos


precisam ser capazes de perceber a mudança ambiental, detectar e localizar
objetos, e navegar na paisagem. Um predador precisa encontrar seu alimen-
to antes de comê-lo. O salmão precisa reconhecer o rio adequado no final
de sua migração para a desova. As plantas precisam perceber a mudança de
estação para florescer no momento certo. Os sentidos que o organismo uti-
liza geralmente combinam com os tipos de estímulos físicos disponíveis no
ambiente e com as maneiras pelas quais os organismos se relacionam com
eles; as plantas, por exemplo, não precisam da visão aguda que alguns pre-
dadores possuem. Ricklefs (2003) faz um apanhado geral com as principais
percepções que os organismos possuem para sobreviver em seus respectivos
hábitats de acordo com os comportamentos:

Percebendo a radiação eletromagnética – considerando os altos ní-


veis de energia disponíveis na parte visível do espectro e o fato de que a luz via-
ja em linha reta permitindo uma localização e resolução precisa dos objetos,
não é surpreendente que tantos organismos dependam da visão para perceber
seu ambiente. Nós mesmos usamos principalmente a visão para localizar o
alimento, particularmente da maneira como ele está disposto nas prateleiras
dos supermercados. Ainda assim, nossa acuidade visual é um tanto patética se
comparada com a dos falcões, e a de muitos insetos e aves que podem perce-
ber a luz ultravioleta, invisível para nós. Os insetos também podem detectar

Ecologia Geral 43
movimentos rápidos, como os de asas batendo 300 vezes por segundo; nós
humanos não conseguimos sequer distinguir quadros individuais de filmes
passando a uma velocidade de 30 vezes por segundo. Desse modo, diferentes
organismos usam a informação visual disponível em diferentes medidas.

Alguns animais que são ativos à noite, quando os níveis de luz visível
são baixos demais para serem usados eficientemente, dependem de outros
tipos de radiação. Entre os órgãos sensoriais mais incomuns estão as fossetas
loreais dos viperídeos, encontradas em um grupo de répteis que inclui as
cascavéis. As fossetas loreais, localizadas em cada um dos lados da cabeça
em frente aos olhos (Figura 6), detectam a radiação infravermelha que po-
dem detectar pequenos roedores a poucos metros de distância em menos
de um segundo. Além disso, por serem sensíveis à percepção das direções,
essas serpentes podem localizar objetos aquecidos com precisão suficiente
para atacá-los. Até mesmo as plantas fazem uso dos estímulos de luz para
medir o comprimento do dia como um sinal para as mudanças sazonais que
regulam a floração ou iniciam a dormência.
Narina

Fosseta
loreal

Figura 6. Fosseta loreal.

Percebendo o som – Aquilo que percebemos como sons são ondas


de pressão no ar, criadas pelos movimentos e impactos de objetos em vibra-
ção ou até a turbulência do ar fluindo dos objetos. As ondas de pressão se
propagam em todas as direções como pequenas ondulações na superfície da
água. Isto torna o som fácil de detectar, mas difícil de localizar. A energia das
ondas de pressão também diminui com a distância da fonte, efetivamente

44 Licenciatura em Biologia
limitando o alcance da detecção. Não obstante, o som pode alertar sobre
a aproximação de um predador, a despeito da direção de onde ele venha.
Alguns predadores noturnos podem perceber a direção de uma fonte sono-
ra pelos diferentes tempos de chegada das ondas sonoras pelos diferentes
tempos de chegada das ondas sonoras pelos diferentes tempos de chegada
das ondas sonoras em cada orelha. Quando a fonte de um som está exata-
mente na frente, os pulsos de pressão do som chegam a cada orelha simul-
taneamente. Quando a cabeça está virada em relação ao ponto de origem
de um som, os picos e vales da pressão alcançam as orelhas em momentos
diferentes, parcialmente cancelando ao invés de reforçar um ao outro. A sen-
sibilidade direcional da audição é maior quando a distância entre as orelhas
é aproximadamente a mesma que a distância entre as ondas sonoras. Sons
muito agudos possuem comprimentos de onda mais curtos e, portanto, são
fontes de informações mais úteis para animais menores.

As corujas, por exemplo, possuem uma audição tão sensível e informati-


va no que se refere à direção que podem localizar ratos e outras presas pelos sons
que eles fazem enquanto se movimentam através do hábitat. Sua habilidade para
localizar precisamente os sons é ajudada ainda mais pela forma assimétrica de
suas orelhas externas, que amortecem o som que chega de determinados ân-
gulos em relação aos sons recebidos de outras direções. Os morcegos podem
utilizar o som para encontrar seus caminhos e localizar as presas na ausência de
sons no ambiente porque eles mesmos produzem os sons por intermédio de
um sistema biológico de sonar (Figura 7). Os morcegos emitem pulsos de som
muito altos e agudos – geralmente acima do intervalo de audição humana – e
percebem os ecos que são refletidos pelos objetos no ambiente, incluindo presas
como mariposas em voo. O som tem que ser produzido em pulso de modo que
o morcego possa escutas os ecos cada vez mais fracos durante os intervalos de
silêncio entre os pulsos. À medida que um morcego se aproxima de sua presa,
ele emite pulsos mais frequentemente para aumentar a taxa de informação re-
cebida. Um morcego pode direcionar a maior parte de energia para o som de
ecolocalização diretamente em frente de sua linha de voo, o que aumenta o in-
tervalo efetivo do sonar. A audição do morcego também é altamente direcional
porque suas grandes orelhas externas podem canalizar os fracos ecos de retorno
para o tímpano. (Vide Box Saiba Mais: Santo focinho, Batman!).

Saiba Mais

Acesse o artigo “Santo focinho, Batman!”: http://cienciahoje.tumblr.com/


post/18398110012/santo-focinho-batman.

Ecologia Geral 45
Onda refletida (eco)

Onda emitida

distância (r)
Esquema da ecolocalização em morcego

Figura 7. Esquema de ecolocalização em morcegos. A cabeça de um morcego é adaptada


para produção e detecção de sinais de sonar.

Um dos mais notáveis usos do som é a comunicação a longa distância


das baleias. A alta densidade da água é ideal para a propagação dos sons,
especialmente aqueles que possuem frequências muito baixas. Algumas ba-
leias de grande porte produzem sons extremamente altos e profundos, pró-
ximos ao limite inferior da detecção pelos humanos (cerca de 20 ciclos por
segundo). Estes sons viajam centenas de quilômetros e presumivelmente
permitem que grupos de baleias amplamente dispersos se comuniquem uns
com os outros. Já sobre o que eles conversam não se sabe.

Percebendo os odores – O olfato é a detecção de moléculas que


se difundem através do ar ou da água. Esta fonte de informação possui
propriedades que diferem consideravelmente daquelas das ondas eletro-
magnéticas (visão) e das ondas de pressão no ar ou na água (audição).
Os odores transportados pelas correntes de ar e de água são difíceis de
localizar. Entretanto, como os odores são persistentes, a presença de uma
substância pode ser detectada muito tempo depois de sua fonte ter desa-
parecido. Uma vez que um odor seja detectado, um organismo pode se

46 Licenciatura em Biologia
mover perseguindo-o na direção do fluxo para localizar a fonte das mo-
léculas odoríferas. Esta é a base para uma ampla gama de comunicações
químicas, incluindo a produção de substâncias voláteis para atração de
parceiros por muitos insetos e as fragrâncias que muitas plantas utilizam
para atrair polinizadores. Alguns predadores seguem trilhas de químicos
voláteis para localizar presas potenciais e outras fontes de alimentos. As
serpentes percebem os químicos projetando suas línguas na direção do
chão à medida que se movimentam e transferindo os químicos que ade-
rem à língua para os órgãos sensitivos do olfato, localizados no teto da
boca. As línguas bifurcadas das serpentes e de outros répteis permitem a
eles testar, simultaneamente, odores à esquerda e à direita para determinar
a direção correta do movimento.

Percebendo campos elétricos – Uns poucos animais aquáticos


desenvolveram capacidade sensorial para detectar campos elétricos. Algu-
mas espécies de peixes elétricos continuamente descarregam eletricidade
a partir de órgãos musculares especializados, criando um campo elétrico
fraco ao seu redor. Objetos nas proximidades distorcem o campo, e essas
mudanças são captadas pelos receptores na superfície do peixe. Como es-
perado, a produção e a percepção dos campos elétricos são mais altamente
desenvolvidas em peixes que habitam águas escuras, onde a visibilidade é
pobre. O nariz longo e achatado da espátula, que vive em rios carregados
de silte nos Estados Unidos, é altamente sensível a perturbações elétricas
produzidas por pequenas presas (Figura 8). Como o nariz se projeta bem
na frente de sua boca, a espátula tem tempo para capturar o diminuto zoo-
plâncton que vai detectando à medida que este passa flutuando. Algumas
espécies utilizam sinais elétricos para se comunicar, e a arraia elétrica Tor-
pedo emprega correntes elétricas poderosas (até 50 volts a vários ampe-
res) para se defender e matar a presa.

Figura 8. A espécie de peixe Polyodon spathula e seu focinho peculiar.

Ecologia Geral 47
Percebendo o contato físico – Em contraste com os magníficos
sentidos de muitos organismos, outros percebem seu entorno apenas
de modo vago e contam com a possibilidade de esbarrar nas coisas. Nos
rios onde a visibilidade é pobre, as espécies que habitam o fundo, como
o bagre, utilizam barbatanas e barbelas alongadas em volta da boca
como receptores sensoriais do tato e do paladar. Mesmo com barbelas e
cerdas longas, o sentido do tato possui um alcance muito pequeno. Não
obstante, o tato pode fornecer uma tremenda quantidade de informação
não disponível através de outros sentidos por causa da riqueza textural
e estrutural do ambiente.

As modalidades sensoriais são limitadas pela disponibilidade de in-


formação que pode ser interpretada para revelar padrões e mudanças no
ambiente, e esta informação é uma característica do ambiente físico. O uso
de informação para perceber o ambiente nos lembra novamente que os or-
ganismos, acima de tudo, são sistemas físicos e, como tais, devem obedecer
a leis físicas e operar dentro de limites estabelecidos pelo ambiente físico.

Algumas ideias relevantes para enfatizarmos até aqui:


• Os organismos exigem muitos elementos para construir estruturas
biológicas necessárias e para manter os processos de vida. A disponi-
bilidade destes elementos varia tremendamente entre os ambientes.
• A radiação, a condução e a convecção e a evaporação determinam o
ambiente térmico dos organismos, especialmente nos habitas terres-
tres. No ar parado, os organismos são envolvidos por camadas limite
que impedem a troca de calor e vapor de água com o ambiente. O
balanço de calor de um organismo está intimamente ligado ao meta-
bolismo dos alimentos e à regulação de água e sais.
• As temperaturas mais altas geralmente aumentam a taxa de proces-
sos biológicos por um fator de 2 a 4 para cada 10ºC. Uma energia
térmica mais alta também faz com que as proteínas e outras molécu-
las biológicas se desdobrem e percam sua função, estabelecendo um
limite superior para a tolerância à temperatura.
• A maior parte dos organismos não pode sobreviver a temperaturas
muito superiores a 45ºC, mas as bactérias termofílicas crescem em
fontes de águas quentes, até 110ºC. Elas toleram estas temperaturas
porque suas proteínas são quimicamente projetadas para gerar pode-
rosas forças de atração que mantêm as moléculas juntas.

48 Licenciatura em Biologia
Saiba Mais

Os organismos apresentam uma determinada distribuição geográfica em par-


te por causa de suas adaptações ao ambiente físico. Temperatura, períodos
de chuva, nutrientes minerais, intensidade de luz, duração do dia, teor de
oxigênio e pH, todos limitam os lugares onde um organismo pode viver e se
reproduzir com sucesso. Na maioria dos casos, a importância desses fatores
é espécie específica, isto é, a influência relativa de cada um destes fatores é
diferente entre as espécies.

Há uma expectativa de que muitos fatores físicos na biosfera mudem como


uma consequência direta ou indireta das atividades humanas. Um desses fato-
res é o de que a concentração de CO2 atmosférico possa intensificar o efeito
estufa o suficiente para causar um rápido aquecimento global. Atualmente,
espera-se que a temperatura média da Terra aumente entre 1,5ºC e 3 ºC
(e talvez mais) até o ano de 2.050 (considerando que as taxas de emissão
permaneçam nos níveis de 1990). O que o aquecimento global significa para
as condições físicas que ditam as distribuições geográficas dos organismos?
Certamente, espera-se que as distribuições de muitas espécies se desloquem
lentamente na direção do polo e para maiores elevações.

Nos sistemas naturais, as espécies experimentação a fragmentação de suas


abrangências, e a taxa na qual os ambientes adequados serão deslocados,
determinarão se as espécies serão capazes de se deslocarem rápido o
bastante para acompanhar seus ambientes preferidos. Para os humanos, à
medida que as zonas agrícolas se deslocarem e os níveis do mar se elevar
devido ao derretimento das calotas de gelo, poderá haver deslocamentos
populacionais catastróficos. Sabemos que a Terra esteve aquecida antes,
muito mais quente do que está no momento atual ou que possa vir a estar
num futuro próximo. Entretanto, as mudanças previstas irão exigir que as
plantas e animais alterem suas interações a uma taxa que é de 10 a 100
vezes mais rápida do que eles jamais tiveram que fazer em resposta às mu-
danças climáticas já ocorridas.

Fonte:
BEGON, M., Townsend, C. R. & Harper, J. L. 2007. Ecologia: de indivíduos a
ecossistemas. 4ª edição. Porto Alegre. Artmed.

Ecologia Geral 49
1.4.4 As Variações no Espaço Físico

As flutuações do clima, sejam locais ou afetando a maior parte do


globo, são uma manifestação das mudanças no ambiente terrestre. Boa parte
destas variações pode ser atribuída a mudanças na radiação do Sol incidente
ou a padrões espaciais estabelecidos pelas formas e posições das bacias oce-
ânicas, continentes e cadeias montanhosas da Terra. Além dessas variáveis
previsíveis, os próprios processos físicos e biológicos estabelecem novos
padrões de variação como resultado das interações imprevisíveis entre seus
componentes. Os ecólogos lutam para compreender tanto a origem da va-
riação no clima quanto suas consequências para os sistemas ecológicos.

O ambiente físico varia largamente ao longo da superfície da Terra.


As condições de temperatura, luz, substrato, umidade, salinidade, nutrientes
do solo e outros fatores moldaram as distribuições e adaptações das plantas,
animais e microrganismos. A Terra possui muitas zonas climáticas distintas,
cujas extensões são, em grande parte, determinadas pela intensidade da ra-
diação solar e pela redistribuição do calor e da umidade pelo vento e pelas
correntes de água. Nas zonas climáticas, fatores geológicos, como a topo-
grafia e a composição da rocha matriz, diferenciam ainda mais o ambiente
numa escala espacial mais fina.

A superfície da Terra, suas águas e a atmosfera sobre ela compõem


uma gigantesca máquina de transformação de calor. Os padrões climáticos
se originam à medida que a Terra absorve a energia da luz do Sol. Confor-
me sua superfície varia, desde rocha nua até solo florestado, oceano aberto
e lagos congelados, sua capacidade em absorver a luz solar também varia
criando, desse modo, um aquecimento e resfriamento diferencial (Figura
9). A energia térmica absorvida pela Terra pode acabar sendo reenviada de
volta para o espaço, após sofrer transformações adicionais que realizam o
trabalho de evaporar as águas e causar a circulação da atmosfera e dos ocea-
nos. Todos esses fatores criaram uma grande variedade de condições físicas
que, por sua vez, promoveram a diversificação dos ecossistemas.

Os padrões globais de ventos interagem com outros aspectos da paisa-


gem para criar precipitação. As montanhas forçam o ar para cima, fazendo com
que ele resfrie e perca sua umidade como precipitação. As montanhas forçam
o ar para cima, fazendo com que ele resfrie e perca sua umidade como preci-
pitação na porção onde vem o vento (lado que encara o vento) de uma cadeia

50 Licenciatura em Biologia
montanhosa. À medida que o ar desce as encostas a sotavento (lado para onde
o vento vai, ou o lado protegido do vento) e viaja através das terras baixas além,
ele retira umidade e cria ambientes áridos denominados sombras de chuva. Os
desertos da Grande Bacia do oeste dos Estados Unidos e o Deserto de Gobi da
Ásia situam-se em sobre de chuva de extensas cadeias montanhosas.

Noite com Dia com


24 h dentro do 24 h dentro do
Círculo Ártico Círculo Ártico
Outono

Primavera
Dia com Noite com
24 h dentro do 24 h dentro do
Círculo Antártico Círculo Antártico

Figura 9. Orientação do eixo da Terra em relação ao Sol muda entre o inverno e o verão,
causando variação sazonal do clima.

El Niño e La Ninã em Galápagos

Algumas pessoas tomam decisões importantes baseadas na previsão do tem-


po. Prever o tempo é notoriamente difícil em virtude das mudanças irregu-
lares e imprevisíveis nas causas dos padrões de tempo. Numa escala global,
uma das condições de tempo mais dramáticas é o chamado El Niño, que está
associado a mudanças periódicas nos padrões de pressão atmosférica sobre
o Oceano Pacífico central e ocidental. A causa dessas mudanças é pouco co-
nhecida, mas seus efeitos têm sido experimentados, positiva ou negativamen-
te, pela maior parte da população humana. Por exemplo, o evento El Niño de
1991-92, um dos mais forte já registrados, foi acompanhado pela pior seca do
século XX na África, seguida por uma colheita pobre e fome em larga escala.
O evento também trouxe extrema aridez para muitas áreas da América do

Ecologia Geral 51
Sul e Austrália tropical. Secas e altas temperaturas na Austrália reduziram as
populações de cangurus vermelhos para menos da metade de seus níveis
antes do El Niño. Fora dos trópicos e dos subtrópicos, os eventos El Niño
tendem a aumentar ainda mais do que diminuir a precipitação, elevando a
produção de sistemas naturais e agrícolas, mas também causando enchentes.
O El Niño mais recente, em 1997-98, foi culpado por 23 mil mortes – a maior
parte por fome – e 33 bilhões de dólares em danos às colheitas e proprieda-
des em todo o mundo.

A corrente do Peru é uma massa de água fria que flui para o norte ao longo da
costa oeste da América do Sul e, finalmente, se desvia para longe da costa no
Equador, em direção ao arquipélago de Galápagos. A norte deste ponto, águas
costeiras tropicais e contracorrente quente, fenômeno conhecido como El
Niño (“o menino”, em espanhol, um nome que se refere ao menino Jesus,
porque este fenômeno surge por volta da época do Natal), se move para o
sul ao longo da costa na direção do Peru. Em alguns anos, a contracorrente
flui com força e extensão suficiente para forçar a fria Corrente do Peru a se
desviar da costa, levando com ela o suprimento alimentar de milhões de aves.

Os eventos El Niño são frequentemente seguidos por La Niña, um período


de fortes ventos alísios que acentuam as correntes oceânicas normais e a
ressurgência, e trazem climas extremos de um tipo diferente do El Niño para
boa parte do mundo. La Niña é caracterizada por chuvas fortes em muitas
regiões dos trópicos, seca nas regiões temperadas do norte, e um aumento
na atividade de furacões no Oceano Atlântico (Ver quadro El Niño e La Niña).

Alguns dos efeitos mais impressionantes dos eventos El Niño são evidentes
no arquipélago de Galápagos, cujas ilhas se distribuem pelo Equador a cerca
de 1.000 km de distância da costa oeste do Equador (país). O clima de Ga-
lápagos é fortemente influenciado pela Corrente do Peru, que traz água fria
e períodos de extrema seca às ilhas. Quando a Corrente do Peru falha du-
rante o El Niño, a água quente invade o arquipélago, disparando uma drástica
deterioração dos estoques pesqueiros de água fria locais e trazendo extra-
ordinárias quantidades de precipitação (i.e., chuvas). Assim, o El Niño leva ao
colapso das populações de aves marinhas e leões-marinhos que dependem
da abundância de peixes. Em terra, as fortes chuvas resultam no crescimento
luxuriante da vegetação e na abundância de insetos e sementes para as popu-
lações de aves e répteis que dependem desses alimentos. Esta gangorra entre
escassez e abundância possui consequências importantes para a dinâmica po-
pulacional e evolução dos organismos no arquipélago de Galápagos.

52 Licenciatura em Biologia
A aventura de Nemo nas correntes oceânicas

As condições físicas dos oceanos, assim como as da atmosfera, são complexas.A variação nas condições
marinhas é causada pelos ventos, que impulsionam as grandes correntes de superfície dos oceanos, e
pela topografia subjacente da bacia oceânica. Além disso, as correntes profundas são estabelecidas por
diferenças na densidade da água dos oceanos causadas por variações na temperatura e na salinidade. Em
grandes bacias oceânicas, a água fria circula na direção dos trópicos ao longo das costas ocidentais dos
continentes, e a água quente circula na direção das latitudes temperadas ao longo das costas orientais
dos continentes (Figura 10) – Para quem já assistiu ao filme Procurando Nemo, deve se lembrar da
‘carona’ que ele pega para chegar à Austrália com as tartarugas marinhas – que usam essas correntes
marítimas para migrarem grandes distâncias. Para quem não viu ou não lembra (e para quem viu, relem-
brar), eis o link desta passagem no filme: http://www.youtube.com/watch?v=uQfdiWJRF1Y

Corrente do
Golfo

Corrente Corrente
Equatorial Norte Equatorial
Norte
Contracorrente
Equatorial
Contracorrente Equatorial

Corrente
Corrente Equatorial Sul Equatorial Corrente Equatorial
Sul Sul

Corrente de
Corrente do Peru Benguel

Figura 10. Padrões das correntes marítimas.

1.4.5 Características Topográficas e Geológicas


Provocam Variações Locais no Clima

A topografia e a geologia podem modificar o ambiente numa escala


local dentro de regiões que de outro modo teriam clima uniforme. Em áreas

Ecologia Geral 53
montanhosas, a inclinação da Terra e sua exposição ao Sol influenciam a
temperatura e o teor de umidade do solo. Os solos em encostas íngremes
têm boa drenagem, frequentemente causando estresse de seca para a vegeta-
ção da encosta ao mesmo tempo em que a água satura o solo nas terras baixas
vizinhas. Em regiões áridas, os córregos das terras baixas e os leitos de rio sa-
zonais podem sustentar florestas ripárias (i.e., formação vegetal localizada nas
margens dos rios, córregos, lagos, represas e nascentes) bem desenvolvidas, o
que acentua a contrastante desolação do deserto circundante. No Hemisfério
Norte, as encostas voltadas para o sul encaram diretamente o Sol, cujo calor e
poder de ressecamento limitam a vegetação a formas arbustivas e resistentes à
seca (xerófilas). As encostas adjacentes voltadas para o norte permanecem re-
lativamente frias e úmidas e abrigam a vegetação que exige umidade (mésica).

A temperatura do ar diminui por cerca de 6-10ºC para cada aumento


de 1.000m na elevação, dependendo da região. Esta diminuição na tempera-
tura, que é causada pela expansão do ar nas pressões atmosféricas mais baixas
em altitudes superiores, é chama de resfriamento adiabático. Se você subir o
bastante, mesmo nos trópicos, encontrará temperatura congelantes e neves
eternas. Nos lugares onde a temperatura ao nível do mar é em média de 30ºC,
temperaturas congelantes são alcançadas a cerca de 5.000m, a altitude aproxi-
mada da linha de neve nas montanhas tropicais (RICKLEFS, 2003).

Ecólogos no campo

Quando as geleiras regrediram na maior parte da Europa e América do Norte, co-


meçando há cerca de 18 mil anos, mudanças dramáticas na vegetação e nos solos
atingiram toda a paisagem. Na Europa Central, estepes frias e secas foram substituídas
por florestas de coníferas e depois pelas florestas decíduas, que atualmente ocorrem
por toda a região.Aproximadamente na mesma época de transição de coníferas para
floresta decídua, houve uma mudança de solos fortemente podzolizados para solos
marrons de floresta mais ricos. Isso teria resultado numa mudança na composição da
floresta, ou a vegetação mudou primeiro e subsequentemente alterou o solo?

A resposta, pelo menos para uma área no nordeste da Hungria, vem de uma
amostra de sedimentos tirada do pequeno e raso lago Kis-Mohos Tó, pela
ecóloga britânica Kathy Willis. Os sedimentos do lago preservam um registro
das condições locais ao longo do tempo. Os grãos de pólen ficam aprisiona-
dos nos sedimentos (Figura 11) da mesma maneira que os minerais trans-
portados dos solos no entorno do lago pela drenagem da água. O pólen e os
minerais contam a história da mudança na vegetação e nos solos.

54 Licenciatura em Biologia
Figura 11. Grãos de pólens de diferentes tipos de plantas têm padrões de superfície
distintos que lhes permitem serem reconhecidos em sedimentos de lagos. Estas
micrografias eletrônicas de varredura mostram grãos de pólen com um aumento
de cerca de 500 vezes.
Os registros de pólen nos conta que a floresta local mudou de coníferas para
decíduas em poucos séculos. Na Figura 12 é possível ver que árvores como
o pinheiro, a bétula, árvores típicas de floresta boreal, desapareceram abrup-
tamente da região há cerca de 9.500 anos, e foram rapidamente substituídas
por uma floresta decídua de carvalho.

Carvão
Ocorrência relativa de elementos

Cálcio

Fósforo
e carvão

Manganês

Ferro

Bário

Estrôncio

Hornbeam Ecologia Geral 55


pólen

Carvalho
Ocorr
Bário

Estrôncio

Hornbeam

Ocorrência relativa de pólen


Carvalho

Samambaia

Bétula

Pinheiro

Espruce

14.000 12.000 10.000 8.000

Milhares de anos atrás

Figura 12. As camadas de sedimentos em lagos preservam a história das mudan-


ças ambientais na bacia circunvizinha. Esta amostra mostra a substituição de tipos
florestais e as mudanças que a acompanharam nos solos há cerca de 10 mil anos.
Modificada de Willis et al. 1997.

2. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DE ECOSSISTEMAS

Como a vida é composta de moléculas que são raras ou inexistentes no


mundo inanimado, os organismos vivos não estão em ‘equilíbrio’ com o am-
biente físico. Um organismo desempenha papéis ecológicos no hábitat que vive,
e isso requer energia e nutrientes – em forma de elementos químicos. A energia
perdida como calor e movimento deve ser substituída pelo alimento metaboli-
zado, que o organismo captura e assimila a certo custo. Para compreendermos
o funcionamento de um ecossistema, precisamos conhecer as vias pelas quais a
matéria e a energia entram e saem das comunidades ecológicas, bem como as
rotas que elas percorrem e os processos que as afetam. Este capítulo, portanto,
aborda os principais mecanismos que os ecossistemas aquáticos e terrestres re-
alizam para receber e processar a radiação incidente nos nutrientes inorgânicos
do meio ambiente, e transformá-los em uma intricada e complexa rede de in-
terações - que se reflete na espantosa diversidade biológica do mundo natural.

56 Licenciatura em Biologia
2.1 Características dos Ecossistemas Ecológicos

Em 1935, Arthur George Tansley, introduziu o conceito de ecossis-


tema em seu artigo “O uso e abuso dos conceitos e termos vegetacionais”
(do inglês The use and abuse of vegetational concepts and terms), como sendo
um sistema biológico formado por dois elementos, a comunidade biológica
(biocenose) junto com o ambiente abiótico em que ela esta inserida.

Desde então, o interesse dos ecólogos de comunidades é saber como


agrupamentos de espécies estão distribuídos e as maneiras pelas quais tais agru-
pamentos podem ser influenciados tanto por fatores abióticos quanto bióticos.
Comunidades, assim como entidades biológicas, necessitam de matéria para sua
construção e energia para suas atividades. Examinaremos as formas pelas quais
uma grande variedade de consumidores e seus alimentos são agregados em uma
teia alimentar de elementos interativos, através da qual a energia e a matéria são
movidas. Essa abordagem ecossistêmica envolve produtores primários, decompo-
sitores e detritívoros, um compartimento de matéria orgânica morta, herbívoros,
carnívoros e parasitas além do ambiente físico-químico que fornece condições de
sobrevivência e atua tanto como fonte quanto dreno de energia e matéria.

As atividades em nível populacional têm consequência para o pró-


ximo nível hierárquico – a comunidade. Uma comunidade é uma assem-
bleia de populações de espécies que ocorrem juntas no espaço e no
tempo. A ecologia de comunidades procura entender a maneira como
agrupamentos de espécies são distribuídos na Natureza e as formas pelas
quais tais agrupamentos podem ser influenciados pelo ambiente abiótico
e pelas interações entre as populações das espécies. Em termos bem ge-
rais, as espécies que se reúnem para formar uma comunidade são deter-
minadas por: (i) restrições em dispersão, (ii) restrições ambientais e (iii)
dinâmicas internas (FIGURA 13) (BELYEA & LANCASTER, 1999).
COMPARTIMENTO TOTAL DE ESPÉCIES
Restrições
Ambientais

Compartimento Compartilhamento Restrições à


de hábitat ecológico dispersão
Dinâmica Interna

Compartimento
COMUNIDADE geográfico

Figura 13. Ilustração dos principais aspectos que determinam uma comunidade. Adaptada
de Begon et al. 2007.

Ecologia Geral 57
Como uma comunidade é composta por indivíduos e populações,
é possível identificar e estudar propriedades coletivas diretas, como diver-
sidade de espécies e biomassa da comunidade. Entretanto, organismos da
mesma espécie ou de espécies diferentes interagem entre si em processos de
mutualismo, parasitismo, predação e competição. A natureza da comunida-
de é obviamente mais do que a soma de suas espécies constituintes. Assim
como nos casos em que estamos interessados no comportamento de mis-
turas complexas, existem propriedades emergentes que aparecem quando
a comunidade é o foco de atenção. Por exemplo, um bolo possui caracterís-
ticas emergentes de textura e sabor que não são aparentes nos ingredientes.
No caso de ecologia de comunidades, os limites de similaridade entre espé-
cies competidoras e a estabilidade de teias alimentares frente à perturbação
são exemplos de propriedades emergentes.

Uma comunidade pode ser definida em qualquer escala dentro


de uma hierarquia de hábitats. Em um extremo, podem ser reconhecidos
em uma escala global padrões gerais na distribuição de tipos de comuni-
dades. O bioma Cerrado é um exemplo; sua amplitude de distribuição na
América do Sul é mostrada na Figura 14.

Nessa escala, os ecólogos geralmente reconhecem que o clima é o fator


mais importante na determinação dos limites de tipos de vegetação. Em uma
escala, os ecólogos geralmente reconhecem que o clima é o fator mais impor-
tante na determinação dos limites de tipos de vegetação. Em uma escala mais
detalhada, um bioma pode ser representado por comunidades de duas espé-
cies de árvores em particular, juntamente com um grande número de outras
espécies menos notáveis de plantas, animais e microrganismos. O estudo de
comunidades pode ser focado nesta escala. Em uma escala ainda mais deta-
lhada, pode-se estudar a distinta comunidade de invertebrados que habitam
cavidades que contêm água em árvores, ou ainda a flora e fauna intestinal de
lobos-guarás. Entre essas diversas escalas de estudo de comunidades, ne-
nhuma é mais legítima do que outra. A escala de investigação apropriada
depende dos tipos de questões que estão sendo propostas.

58 Licenciatura em Biologia
BIOMA CERRADO NA AMÉRICA DO SUL

Microrganismo no intestino do cervo

Comunidade de invertebrados,
Grupos de de formigas, cupins, lagartos,
Nos galhos das árvores.

Figura 14. Podemos identificar uma hierarquia de hábitats, aninhados um dentro do outro: um bioma de vegetação
como a do Cerrado, uma mata com ipês ou pequizeiros; ou o intestino de um mamífero. Em qualquer uma das
escalas, existem comunidades e compete ao ecólogo escolher qual delas estudar.

Ecologia Geral 59
2.2 Composição e Estrutura das Comunidades

Uma forma de caracterizar uma comunidade é simplesmente contar ou


listar as espécies presentes. Parece um procedimento fácil e objetivo descrever
e comparar comunidades por meio de suas ‘riquezas’ em espécies (i.e., o
número de espécies presentes). Na prática, entretanto, isso é surpreenden-
temente difícil, em parte devido a problemas taxonômicos, mas também
porque, em geral, apenas uma subamostra dos organismos em uma área
pode ser contada. O número de espécies registradas depende do número de
amostras obtidas, ou do volume do hábitat que foi explorado. As espécies
mais comuns provavelmente serão observadas nas primeiras amostras e,
conforme mais amostras são obtidas, espécies mais raras vão sendo adicio-
nadas à lista. Mas até que ponto deve-se cessar a amostragem? Idealmente,
o investigador deve continuar com a amostragem até o número de espécies
alcançar um platô (i.e., atingirem uma linha reta em relação ao eixo X de
um gráfico). No mínimo, as riquezas de diferentes comunidades devem ser
comparadas usando-se um mesmo tamanho de amostragem (em termos de
área de hábitat explorado, tempo gasto na amostragem ou, a melhor situa-
ção, número de indivíduos ou módulos incluídos nas amostras).

Um aspecto importante da estrutura de comunidades é completa-


mente ignorado quando a composição da comunidade é descrita simplesmen-
te em termos do número de espécies presentes. Ignora-se a informação de que
algumas espécies são raras e outras comuns. Considere uma comunidade de
10 espécies com número igual de indivíduos para cada uma delas. Considere
também uma segunda comunidade, também consistindo em 10 espécies, mas
com mais de 50% dos indivíduos pertencentes à espécie mais comum e menos
de 5% em cada um das outras nove espécies. Cada comunidade possui a mesma
riqueza em espécies, mas a primeira, com uma distribuição mais ‘equitativa’ de
abundâncias, é claramente mais diversa do que a segunda. Riqueza e estabili-
dade combinam-se para determinar a diversidade de uma comunidade.

Conhecer o número de indivíduos presentes em cada espécie pode


também não ser suficiente para uma resposta completa. Se a comunidade é
definida de forma bem restritiva (e.g., a comunidade de aves em particular
de uma mata), as contagens de números de indivíduos em cada espécie po-
dem ser suficientes para muitos propósitos.

A medida mais simples para caracterizar a comunidade, e que leva


em consideração tanto o padrão de abundância (ou biomassa) quando a

60 Licenciatura em Biologia
riqueza de espécies, é o índice de diversidade de Simpson (Ds), pois não
somente considera o número de espécies (s) e o total de números de
indivíduos (N), mas também a proporção do total de ocorrência de
cada espécie. A dominância de Simpson calcula a probabilidade de 2 in-
divíduos sorteados de uma comunidade pertencerem à mesma espécie é
estimada através da seguinte equação:

Ds = 1-
∑ n s (n s -1)
N (N - 1)

Onde: ni é o número de indivíduos de cada espécie; N é o número de in-


divíduos. Em que S é o número total de espécies na comunidade (isto é, a rique-
za). Atenção, nessa fórmula, quanto maior o valor de “D”, menor é a diversidade.

Saiba Mais

Calcule a diversidade de uma comunidade hipotética no link: http://www.


fapas.pt/~fapasp/simpson/index.html

Principais características de um Ecossistema

• O ecossistema tem capacidade de autorregulação: um ecossistema


é resultado de uma longa evolução com processos de adaptação entre as
espécies e o meio, sendo capazes de resistir a modificações relativamente
significativas;
• A natureza e a extensão dos ecossistemas são variáveis: são entida-
des sem dimensões, uma poça d’água ou uma floresta podem ser considera-
das ecossistemas.
• Os ecossistemas são sistemas compartimentados: cada elemento de
um ecossistema é responsável por um processo,
• Os ecossistemas são sistemas abertos: eles mantêm intercâmbios de
matéria e energia com o meio, tendendo a um estado estável (clímax), ou
seja, capacidade de atingir o mesmo estado final a partir de condições iniciais
diferentes, ou seguindo caminhos diferentes.

Fonte:
BEGON, M., Townsend, C. R. & Harper, J. L. 2007. Ecologia: de indivíduos a
ecossistemas. 4ª edição. Porto Alegre. Artmed.

Ecologia Geral 61
2.3 A Energia nos Sistemas Ecológicos

A energia define-se como a capacidade de realizar trabalho. O


comportamento da energia é descrito pelas seguintes leis. A primeira lei da
termodinâmica, ou a lei da conservação da energia, afirma que a energia
pode ser transformada de um tipo em outro, mas não pode ser criada nem
destruída. A segunda lei da termodinâmica, ou a lei da entropia, pode ser
enunciada de várias formas, inclusive a seguinte: nenhum processo que im-
plique uma transformação de energia ocorrerá espontaneamente, a menos
que haja uma degradação da energia de uma forma concentrada para uma
forma dispersa. O calor de um objeto quente, e.g., tenderá espontaneamen-
te a se dispersar no ambiente mais frio. A segunda lei da termodinâmica
pode ser expressa também na forma seguinte: que já alguma energia sempre
se dispersa em energia térmica não disponível, nenhuma transformação es-
pontânea de energia (e.g., luz) em energia potencial (e.g., protoplasma) é
100% eficiente. A entropia é uma medida energética não disponível que
resulta das transformações de energia. O termo também é usado como
índice geral da desordem associada com a degradação da energia.

Uma classificação de Ecossistemas baseada na Energia

A fonte e a qualidade de energia disponível determinam, a um grau maior ou menor, os tipos e a abundân-
cia dos organismos, o padrão dos processos funcionais e de desenvolvimento e o estilo de vida dos seres
humanos. Já que a energia é um denominador comum e a função motriz final em todos os ecossistemas,
sejam antropogênicos ou naturais, ela fornece uma base lógica para uma classificação de “primeira ordem”:

1) Ecossistemas naturais que dependem da energia solar, sem outros subsídios – Exemplos: oceanos
abertos, florestas de altitude. Estes sistemas constituem o módulo básico de sustentação da vida na
nave espacial Terra – Fluxo energético anual (nível de potência – kcal/m2) 1.000-10.000 (2.000)
2) Ecossistemas naturais que dependem da energia solar, com subsídios de outras fontes naturais de energia
– Exemplos: estuário de marés, algumas florestas úmidas. São estes os sistemas naturalmente produtivos da na-
tureza que, além de apresentarem uma grande capacidade para a sustentação da vida, produzem um excedente
de matéria orgânica, que pode ser exportado a outros sistemas ou armazenado. – 10-000-40.000 (20.000)
3) Ecossistemas que dependem de energia solar, com subsídios antropogênicos – Exemplos: agri-
cultura, aquacultura. Estes são sistemas produtores de alimentos e fibras, sustentados por com-
bustível auxiliar ou por outras formas de energia fornecida pelo homem – 10.000-40.000 (20.000)
4) Sistemas urbano-industriais, movidos a combustíveis (fósseis, orgânicos ou nucleares) – Exemplos:
cidades, bairros residenciais, zonas industriais. Estes são os nossos sistemas geradores de riqueza (e
de poluição), em que o combustível substitui o Sol como a principal fonte de energia. São dependen-
tes (i.e., parasitas) das classes 1-3 para a manutenção da vida e para alimentos e combustíveis.

62 Licenciatura em Biologia
A Barcos, redes, mãos-de-obra

$
MARÉS

Vendas de peixes
Plantas e cadeias
SOL alimentar Peixe Pesca
Vendas de peixes

Trabalho do estuário de manter a produção


de peixes e outros serviços valiosos Valores em dólares de produtos derivados
(valores sem preço) dos peixes (inclusive o valor acrescentado
no processamento) é da ordem
Com a energia convertida em dólares, de US$ 10²/acre/ano
vale da ordem de US$ 10³/acre/ano

B FONTES DE ENERGIA CONVERSÃO DE ENERGIA USO DE ENERGIA

Combustíveis
Conversão
fósseis,
tecnológica
urânio

Economia
mundial
Ecossistemas
domésticos
(agricultura,
silvicultura)

ENERGIA
SOLAR

Ecossistemas
naturais

Figura 15.A. Na economia convencional, o dinheiro não está envolvido antes de os peixes serem pescados; o trabalho do
estuário em produzir os peixes não recebe qualquer valor. O valor total do estuário, em termos de trabalho útil em prol
do homem, é de pelo menos dez vezes o valor dos produtos colhidos (setas cheias representam fluxos de energia; setas
tracejadas representam fluxos de dinheiro). B. Sistema de sustentação energética para os seres humanos. Fluxos de dinhei-
ro ($) acompanham os fluxos de energia de ecossistemas artificiais e domesticados, mas não de ecossistemas naturais.
Modificada de Odum et al. 1988.

Fonte:
ODUM, E. P. 1988. Ecologia. Ed. Guanabara Koogan S.A. Rio de Janeiro, RJ.

Ecologia Geral 63
Os organismos, os ecossistemas e a biosfera inteira possuem a carac-
terística termodinâmica essencial: eles conseguem criar e manter um alto
grau de ordem interna, ou uma condição de baixa entropia (pequena quan-
tidade de desordem ou de energia não disponível num sistema). Alcança-se
uma baixa entropia através de uma contínua e eficiente dissipação de ener-
gia de alta utilidade (e.g., luz ou alimento) para dar energia de baixa utilida-
de (e.g., calor). No ecossistema, a “ordem” de uma estrutura complexa de
biomassa é mantida pela respiração total da comunidade que “expulsa” con-
tinuamente a desordem. Desta forma, os ecossistemas e os organismos são
sistemas termodinâmicos abertos, fora do ponto de equilíbrio, que trocam
continuamente energia e matéria com o ambiente para diminuir a entropia
interna, à medida que aumenta a entropia externa (obedecendo assim às
leias termodinâmicas).

Os conceitos fundamentais da física delineados no parágrafo ante-


rior são as mais importantes entre as “leis” naturais que se aplicam a tudo
quanto existe. Ao que se saiba, não há exceções e nenhuma inovação tecno-
lógica pode “violar” estas leis da física. Qualquer sistema, artificial ou na-
tural, que não esteja de acordo está condenado ao fracasso. As duas leis da
termodinâmica estão ilustradas pelo fluxo de energia através de uma folha
de carvalho, na Figura 16.
a Raios solares, 100 unidades c Açúcares,
Forma diluida de energia 2 unidades
Forma concentrada
de energia

Sol

b Calor, 98 unidades
Forma muito diluída
(dispersada) de energia

Figura 16. Ilustração das duas leis da termodinâmica – conversão de energia solar em ener-
gia alimentar (açúcares) pela fotossíntese. A = B + C (primeira lei); C é sempre menor que
A, por causa da dissipação durante a conversão (segunda lei). Modificada de Odum et al. 1988.

As várias formas de vida estão todas acompanhadas por mudanças


energéticas, apesar de nenhuma energia ser criada nem destruída (primeira

64 Licenciatura em Biologia
lei da termodinâmica). A energia que chega à superfície terrestre sob forma
de luz é equilibrada pela energia que sai da superfície sob forma de radiação
térmica. A essência da vida reside na progressão de tais mudanças como o
crescimento, a autoduplicação e a síntese de relações complexas de matéria.
Sem as transferências de energia, que acompanham todas essas mudanças,
não poderiam existir nem a vida e nem sistemas ecológicos. A civilização
é apenas uma das extraordinárias proliferações naturais que dependem do
influxo constante da energia concentrada. Se a civilização se tornasse um
sistema fechado pela sua incapacidade de obter e armazenar uma quantida-
de suficiente de energia de alta utilidade, ela logo se tornaria desordenada,
conforme dita a segunda lei.

Os ecólogos investigam como a luz está relacionada com os sistemas


ecológicos e como a energia é transformada dentro do sistema. Assim, as
relações entre vegetais produtores e animais consumidores, entre predador
e presa, para não falar das quantidades e tipos de organismos num dado am-
biente, são todas limitadas e controladas a formas dispersadas. Os ecólo-
gos interessam-se especialmente em como se transformam o combustível,
a energia atômica e outras formas de energia concentrada nas sociedades
industriais. A diferença é que os sistemas vivos utilizam uma parte da sua
energia disponível internamente para o autoconserto e para a ‘expulsão’ da
desordem, enquanto as máquinas têm que ser consertadas e substituídas
com o uso de energia externa (ODUM, 1988).

H. T. Odum (1967), fundamentando-se sobre os conceitos de A. J. Lotka


(1925) e Schrodinger (1945), coloca da seguinte forma os princípios ter-
modinâmicos no contexto ecológico. No ecossistema, a razão entre respi-
ração total (R) da comunidade e biomassa total (B) da comunidade (R/B)
pode ser considerada a razão entre manutenção e estrutura, ou como uma
função de ordem termodinâmica. Esta “razão de Schrodinger” é uma taxa
de reposição ecológica. Se R e B são expressas em colorias (unidades de
energia) e divididas pela temperatura absoluta, a razão R/B torna-se a razão
entre o aumento de entropia da manutenção (e de trabalho relacionado) e
a entropia da estrutura ordenada. Quanto maior a biomassa, maior o custo
de manutenção; mas, se o tamanho das unidades de biomassa (organismos
individuais, por exemplo) for grande (como grandes árvores numa floresta),
diminui a manutenção antitérmica por unidade de estrutura de biomassa.

Ecologia Geral 65
Uma das questões teóricas que está sendo debatida é se a natureza maximi-
za a razão entre estrutura e metabolismo de manutenção ou se é o próprio
fluxo energético que é maximizado

Fonte:
Fonte: ODUM, E. P. 1988. Ecologia. Ed. Guanabara Koogan S.A. Rio de Janeiro, RJ.

2.3.1 O Conceito de Produtividade

Define-se a produtividade primária de um sistema ecológico,


de uma comunidade ou de qualquer parte deles, como a taxa na qual
a energia radiante é convertida, pela atividade fotossintética e quimio-
sintética de organismos produtores, em substâncias orgânicas. Odum
(1988) distingui as quatro etapas sucessivas no processo produtivo:

1) Produtividade bruta: é a taxa global de fotossíntese, incluindo a


matéria orgânica usada na respiração durante o período de medição.
Também se chama “fotossíntese total” ou “assimilação total”.
2) Produtividade primária líquida: é a taxa de armazenamento de ma-
téria orgânica nos tecidos vegetais, em excesso relativamente ao uso
respiratório pelas plantas durante o período de medição. Também se
chama “fotossíntese aparente” ou “assimilação líquida”. Na prática, a
quantidade de respiração geralmente é acrescentada às medidas de
fotossíntese “aparente” como correção, para estimar a produção.
3) Produtividade líquida da comunidade: é a taxa de armazena-
mento de matéria orgânica não utilizada pelos heterótrofos (ou
seja, a produção primária líquida menos o consumo heterotrófico)
durante o período em consideração, geralmente a estação de cres-
cimento, ou um ano.
4) Finalmente, as taxas de armazenamento energético em níveis de
consumidores são denominadas produtividades secundárias. Uma vez
que os consumidores utilizam apenas materiais alimentares já produzi-
dos, com as perdas respiratórias apropriadas, convertendo-os em teci-
dos diversos por um só processo geral, a produtividade secundária não
deve ser dividida em quantidade “bruta” e “líquida”. O fluxo energético
total em níveis heterotróficos, análogo à produção bruta dos autótro-
fos, deveria ser designado “assimilação”, e não “produção”.

66 Licenciatura em Biologia
LUZ SOLAR Energia perdida
Energia perdida
e indisponível
para os consumidores
Fotossíntese
Respiração

Assimilação total

Produção
primaria bruta

Produção primária líquida


(energia disponível para os
consumidores)

Figura 17.Tipos de produção primária. Modificada de Ricklefs et al. 2003.

2.3.2 Estrutura Trófica, Pirâmides Ecológicas


e Cadeias Alimentares

A interação do fenômeno da cadeia alimentar (perda de energia em


cada transferência) com relação entre tamanho e metabolismo resulta em
que as comunidades possuem uma estrutura trófica definida, a qual, muitas
vezes, caracteriza um determinado tipo de ecossistema (lago, floresta, recife
de coral, pasto, etc.). A estrutura trófica pode ser medida e descrita tanto em
termos da biomassa existente por uma unidade de área, quanto em termos
de energia fixada por unidade de área e por unidade de tempo, em níveis tró-
ficos sucessivos. A estrutura e a função tróficas podem ser mostradas grafica-
mente pelas pirâmides ecológicas, onde o primeiro nível, o dos produtores,
constitui a base, níveis sucessivos formando as camadas até o ápice.

As pirâmides ecológicas (Figura 18) podem ser de três tipos gerais:


(1) a pirâmide de números, na qual se representa o número de organismos
individuais; (2) a pirâmide de biomassa, baseada no peso seco total, no va-
lor calórico ou em outra medida da quantidade total de material vivo; e (3)
a pirâmide de energia, na qual se mostra o fluxo energético e/ou a produtivi-
dade em níveis tróficos sucessivos. As pirâmides de números e de biomassa

Ecologia Geral 67
podem ser invertidas (ou parcialmente), ou seja, a base pode ser menor que
uma ou mais das camadas superiores, se os organismos produtores indivi-
duais forem maiores, em média, que os consumidores individuais. Por outro
lado, a pirâmide de energia deve ter sempre uma forma piramidal reta, não
invertida, desde que se considerem todas as fontes de energia alimentar do
sistema (ODUM, 1988).

Carnívoro Secundário
Carnívoro Primario
Herbívoro
Planta

Figura 18. Uma pirâmide ecológica de energia. A largura de cada barra representa a produtivida-
de líquida de um nível trófico no ecossistema. Para esse sistema particular, as eficiências são 20%,
15% e 10% entre os níveis tróficos, mas estes valores variam muito em diferentes comunidades.
Modificada de Ricklefs et al. 2003.

Dos três tipos de pirâmides ecológicas, a pirâmide de energia é a que


proporciona, de longe, a melhor imagem geral da natureza funcional das co-
munidades. O número e a massa de organismos que podem ser sustentados
num dado nível, numa dada situação, não dependem da quantidade de energia
fixada presente, num determinado momento, no nível imediatamente inferior,
mas sim da velocidade em que o alimento está sendo produzido. Ao contrário
das pirâmides de números e de biomassa, que ilustram os estados instantâneos
(i.e., os organismos presentes num momento qualquer), a pirâmide de energia
demonstra a velocidade de passagem da massa alimentar ao longo da cadeia tró-
fica. A sua forma não é afetada por variações no tamanho e na taxa metabólica
dos indivíduos e, se todas as fontes de energia foram consideradas, ela deve estar
sempre na posição direita, por casa da segunda lei da termodinâmica.

O conceito de fluxo de energia (Figura 19) permite não apenas que


se comparem os ecossistemas entre si, como também que se avalie a impor-
tância relativa das populações dentro do subsistema da comunidade biótica.

68 Licenciatura em Biologia
a Armazenamento b

o
çã
cre
Ex

Produção
Ingestão Crescimento
Assimilação
Respiração

Biomassa

Entrada de Energia disponível


energia para o para o próximo nível
organismo trófico

Figura 19. Modelo universal de E. P. Odum do fluxo de energia ecológico. (a) Um único nível trófi-
co. (b) Representação de uma cadeia alimentar.A produção líquida de um nível se torna a energia
assimilada do próximo nível mais alto. Modificada de Ricklefs et al. 2003.

Uma das perguntas que mais despertam interesse dos ecólogos é sa-
ber o que determinado animal come em seu hábitat natural. O estudo das
interações tróficas é essencial para o entendimento dos mecanismos que
controlam o funcionamento de todo o ecossistema. Este tipo de estudo de-
monstra o grau de inter-relações existente entre os organismos e aponta os
principais elementos da manutenção da estrutura do ecossistema. Uma das
formas mais tradicionais de se estudar a ecológica trófica está na identifica-
ção das rotas alimentares dentro dos ecossistemas.

Assim, as cadeias alimentares tratam de uma sequência de eventos


do tipo comer/ser comido dentro de uma comunidade ou ecossistema. As
cadeias são, em princípio, uma grande simplificação da teia das relações tró-
ficas existentes em um ecossistema. Podem, no entanto, ser de grande uti-
lidade, pois expressam a síntese das principais ligações tróficas existentes.
Existem basicamente dois tipos de cadeias alimentares listados por Pinto-
-Coelho (2000):

1) Pastoreio: Nesses sistemas, as principais rotas tróficas envolvem o


consumo de matéria vegetal vida pelos herbívoros do tipo grazers – pas-
tadores. Existem vários tipos de herbívoros: zooplâncton filtrador de
microalgas, moluscos raspadores de vegetais, insetos consumidores de
frutos e sementes, etc. Exemplos desse tipo de cadeia seriam: fitoplânc-
ton —▶ zooplâncton —▶ peixes; gramíneas —▶ ruminantes —▶ felinos.

Ecologia Geral 69
2) Detritos: Os pastadores (grazers) são relativamente incapazes de
consumir a biomassa vegetal viva, que possui em geral elevados teores
de celulose ou de lignina. Nesse caso, a principal rota trófica está liga-
da ao consumo de restos vegetais mortos pelos detritívoros. Exemplos
deste tipo de cadeia seriam: macrófitas —▶ detritos —▶ detritívoros
(insetos, moluscos, fungos, etc.); árvores —▶litter —▶ organismos do
solo (colêmbolos, ácaros, anelídeos, nematoides, coleópteros, etc.).

Na Natureza, as relações tróficas não podem ser expressas de modo sim-


plificado, como o que foi visto no caso das teias alimentares. Há carnívoros que
podem ter um amplo espectro de presas em potencial, que, por sua vez, se alimen-
tam de uma variada gama de plantas. Embora essas redes possam ter uma razoável
complexidade em termos de expansão horizontal, como se verá adiante, há um
limite vertical (ou do número de níveis tróficos) para essas relações tróficas.

Normalmente, à medida que o estudo de uma comunidade se aprofunda,


novas ligações são acrescentadas à teia. No entanto, uma análise quantitativa crite-
riosa poderá mostrar que dentre muitas ligações possíveis, cadeias relativamente
simples podem ser isoladas dentro de uma rede alimentar muito complexa. Isso
ocorre, por exemplo, quando um herbívoro monopoliza os recursos disponíveis,
como seria o caso de certos organismos do zooplâncton lacustre (Daphnia) que
são capazes de consumir a grande maioria das algas palatáveis (nanoplâncton) em
um curto espaço de tempo. Esses organismos causam o estágio das águas claras ao
eliminarem grande parte da turbidez biogênica causada pelas algas em suspensão
na coluna d’água. Quando uma espécie é capaz de monopolizar a disponibilidade
de certos recursos essenciais ao meio, é chamada de espécie-chave.

Os atributos de uma teia alimentar

A existência de padrões recorrentes em diferentes teias alimentares pode


ser observada pela comparação das diversas teias já publicadas na literatura,
que, em 1988, já somavam 133 (LAWTON, 1988). Os principais atributos de
uma dada teia alimentar são os seguintes:

a) Número total de espécies numa dada rede (S);


b) Densidade de ligações (D), que é o número de ligações tróficas associadas
a cada espécie presente na rede;
c) Espécie trófica: conjunto de espécies que compartilham o mesmo conjun-
to de presas ou são atacadas pelo mesmo predador;

70 Licenciatura em Biologia
d) Predador de topo: espécie que não é predada por nenhum predador na
rede onde se alimenta;
e) Espécies basais: organismos que não se alimentam de nenhuma outra es-
pécie – geralmente são produtores primários;
f) Ciclos tróficos: ocorrem quando um organismo A alimenta-se do organis-
mo B, que, por sua vez, alimenta-se do organismo C, que se alimenta de A;
g) Conectância: número de interações tróficas realizadas, dividido pelo nú-
mero de interações tróficas possíveis;
h) Nível trófico: número de ligações tróficas entre uma dada espécie na rede
e a espécie basal a ela associada, podendo haver uma espécie que ocupe si-
multaneamente mais de um nível trófico;
i) Onívoro: organismo que se alimenta em dois ou mais níveis tróficos diferentes;
j) Compartimentos: ocorre quando existe um grupo com fortes interações
tróficas, podendo haver, em uma dada rede, certo paralelismo trófico, ou seja,
a existência de vários compartimentos relativamente independentes entre si.

Ecologia Geral 71
A A A B B B C C C
Peixes PeixesPeixes Truta Truta Truta LagartosLagartos
Lagartos
grandesgrandes
grandes marrommarrommarrom

Filhotes Filhotes
Filhotes AranhasAranhas
Aranhas
Insetos Insetos
Insetos
de peixesde peixes
de peixes fiandeiras
fiandeiras
fiandeiras
predadores
predadores predadores
e insetose insetos
e insetos
predadores
predadores
predadores

Insetos Insetos
Insetos Artrópodes
Artrópodes
Artrópodes
Insetos Insetos
Insetos herbívoros
herbívoros
herbívoros
herbivoros
herbivoros herbivoros
quironomídeos
quironomídeos
quironomídeos

Algas AlgasAlgas Algas AlgasAlgas Indivíduos


Indivíduos
Indivíduos
filamentosas
filamentosas
filamentosas da uva-do-mar
da uva-do-mar
da uva-do-mar

Figura 20. Ilustração de teia alimentar com vários tipos de organismos. Nos exemplos a, b e c
podemos resumir teias alimentares hipotéticos com 4 níveis tróficos: (a) ausência de onivoria
(alimentação em mais de um nível trófico) nesta comunidade de curso d’água indica que
ela funciona como um sistema com quatro níveis tróficos. Por outro lado, a teia (b) de uma
comunidade de riacho e a teia (c) de uma comunidade terrestre funcionam com três níveis
tróficos. Isto se deve aos fortes efeitos diretos dos predadores de topo onívoros sobre os
herbívoros e seus efeitos menos importantes sobre os predadores intermediários.

Fonte:
PINTO-COELHO, R. M. 2000. Fundamentos em Ecologia. Porto Alegre, RS.
Artmed Editora.

2.3.3 A Teoria da Complexidade, a Energética de


Escala e o Conceito de Capacidade de Suporte

À medida que aumentam o tamanho e a complexidade de um sistema,


o custo energético de manutenção tende a aumentar proporcionalmente a uma
taxa maior. Ao se dobrar o tamanho do sistema, torna-se geralmente necessá-
rio amis que o dobro da quantidade de energia, a qual deve ser desviada para
se reduzir o aumento na entropia associado à manutenção da maior complexi-
dade estrutural e funcional. Conforme um ecossistema torna-se maior e mais

72 Licenciatura em Biologia
complexo, aumenta a proporção da produção bruta que deve ser respirada pela
comunidade para sustentá-la e diminuir a proporção que pode ser dedicada ao
crescimento. No momento do equilíbrio entre estas entradas e saídas, o tama-
nho não pode aumentar mais. A quantidade de biomassa que pode ser susten-
tada sob estas condições denomina-se a capacidade máxima de suporte. As
evidências indicam cada vez mais que a capacidade ótima de suporte, susten-
tável durante muito tempo frente às incertezas ambientais, é mais baixa, talvez
50% mais baixa que a capacidade teórica máxima de suporte (ODUM, 1988).

Um estudo do fluxo de energia em colônias de formigas poderia reve-


lar alguma coisa sobre a energética de escala e a capacidade de suporte que se
pode aplicar ao Homo sapiens. Por exemplo, as saúvas Attica colombia, que vivem
nas florestas tropicais úmidas, coletam segmentos de folhas novas da vegetação,
levando-os aos formigueiros subterrâneos a fim de servirem de substrato para
culturas de fungos, dos quais se alimentam. Os jardins de fundos são cuidados
e fertilizados (em parte com os dejetos das formigas) de forma similar às cultu-
ras criadas pelo agricultor humano. Lugo et al. (1973) estimaram os gastos de
energia para doas as atividades principais dentro da colônia e concluíram que
a capacidade de suporte (i.e., o tamanho máximo da colônia) é atingida quan-
do a entrada de calorias combustíveis (na forma de folhas coletadas) equilibra
o custo energético do trabalho envolvido no corte e transporte das folhas, na
manutenção das trilhas e no cultivo dos fungos. Num dado momento, nas colô-
nias grandes, os pesquisadores observaram que 25% das formigas estavam car-
regando folhas e que 75% estavam mantendo as trilhas e os jardins de fungos.
Quando a entrada de energia equilibra estes custos de manutenção, a colônia
para de crescer. A retroalimentação de subsídios a outros organismos, como cin-
zas depositadas pelas formigas no solo, as quais promovem o crescimento foliar,
aumenta a eficiência e eleva a capacidade de suporte.

Estimar-se a capacidade de suporte de sociedades urbano-industriali-


zadas é uma tarefa muito mais difícil, pois estas sociedades sustentam-se com
subsídios enormes importados de fora, tirados, muitas vezes, de depósitos acu-
mulados antes da chegada do homem, tais como combustíveis fósseis, águas
subterrâneas (não renováveis), florestas virgens e solos orgânicos profundos.
Todos estes recursos diminuem com o uso intensivo. Uma coisa é inegável: os
seres humanos parecem aproximar-se dos níveis máximos, ou K, da capacidade
de suporte do ambiente; a nossa população tende a aumentar até, ou mesmo
além, de um limite após outro (sendo o alimento, o hábitat e os combustíveis
fósseis os limites atuais que causam preocupação) (ODUM, 1988).

Ecologia Geral 73
2.4 Eficiências Ecológicas

As proporções (ou razões) entre os fluxos de energia em diversos


pontos ao longo da cadeia de alimentos, quando expressas em percentuais,
são designadas de eficiências ecológicas. O fluxo de energia em um dado ní-
vel trófico pode ser desmembrado em diferentes modos. Parte do alimento
ingerido não é absorvida, sendo excretada sob a forma de fezes. Do total
assimilado, uma parte é destinada à manutenção do metabolismo basal (res-
piração). A parte de energia assimilada restante, isto é, aquela não usada no
metabolismo basal é a produção secundária.

O esquema abaixo (Figura 21) ilustra as relações entre essas variáveis.


Todas elas, na realidade, podem ser usadas para estimar o fluxo de energia
entre dois níveis tróficos diferentes. Considerando os valores existentes na
literatura, Pinto-Coelho (2000) faz as seguintes tentativas de generalização:

a) Ao subir de nível trófico, a eficiência aumenta;


b) O metabolismo de manutenção tende a se elevar com a comple-
xidade filogenética;
c) Nem sempre eficiências elevadas significam alto grau evolutivo;
d) Evolutivamente talvez tenha mais sentido maximizar a ocupação
do espaço em vez de manter taxas de eficiência de transferência ener-
gética muito altas.

I = ingestão
A = assimilação
F = fezes
R = metabolismo basal
CS = crescimento somático
R RP = reprodução
P = produção sedundária
A P = CS + RP

CS
P
RP

Figura 21. Relações entre ingestão, assimilação, produção de excretas, respiração e produ-
ção secundária. Modificada de Pinto-Coelho et al. 2000.

74 Licenciatura em Biologia
2.5 A Ciclagem de Nutrientes: Ciclos Biogeoquímicos

Os elementos circulam na biosfera entre os compartimentos (po-


ols) abióticos e a biomassa animal e vegetal. Os nutrientes normalmente
se acham presentes na rocha-matriz que é o depósito abiótico de renova-
ção lenta. Graças ao intemperismo, podem ser realocados para o depósito
abiótico de renovação rápida, que pode ser tanto na forma de íons dissol-
vidos na água quanto na forma de gases na atmosfera e, ainda, em sedi-
mentos rasos de rios e lagos. Os nutrientes são, a seguir, absorvidos pelas
plantas e assim entram na cadeia trófica, passando sucessivamente pelos
herbívoros, carnívoros, etc. Em algum momento são liberados de volta ao
meio abiótico via excretas ou, então, após a morte da planta ou animal, via
cadeia de detritos, na qual é muito importante a ação de microrganismos,
sejam eles bactérias ou fungos. Um esquema geral desses processos pode
ser visto na Figura 22.

Todos os ciclos possuem reservatórios (pools) abióticos, que podem


ser dos seguintes tipos:

a) Reservatório atmosférico (ciclo do N);


b) Reservatório rochoso (ciclo do fósfoto);
c) Reservatório misto (ciclo da água).

O compartimento (pool) biológico pode ser de natureza muito varia-


da e englobar substâncias orgânicas não vivas. Húmus, excretas, sedimentos
orgânicos, turfeiras, etc. constituem importantes exemplos de subcompar-
timentos biológicos desse pool nos diversos ecossistemas. O pool biológico
normalmente é muito mais restrito que o abiótico, porém é muito dinâmico
(sua taxa de renovação é muito alta).

O controle e o monitoramento de poluição ou o estabelecimento


de técnicas de manejo sustentado de ecossistemas são exemplos práticos
do uso aplicado do estudo quantitativo dos ciclos biogeoquímicos. Outros
campos interessantes de aplicação desse enfoque referem-se à determina-
ção e ao controle da perda de fertilizantes na agricultura, ao uso racional
de recursos hídricos e de minerais não renováveis, à agricultura biológica,
ao controle do aumento de CO2, na atmosfera e na aquicultura (PINTO-
-COELHO, 2000).

Ecologia Geral 75
ATMOSFERA Aumento de
emissões para
a atmosfera
Precipitação
absorção gasosa
e de aerossóis Remoção da
vegetação, silvicultura
agricultura

Atividades
humanas Colheita
Aumento da
COMUNIDADES CICLAGEM concentração
TERRESTRES INTERNA na água
COMUNIDADES CICLAGEM
Respiração, emissão AQUÁTICAS INTERNA
gasosa e de aerossóis
Absorção
biótica Escoamento

Fluxo de corrente Absorção


ÁGUA EM RIOS, biótica
NO
LAGOS
SOLO
E OCEANOS
Sedimentação
SEDIMENTOS
DO OCEANO

Intemperismo

ROCHA
Elevação geológica
criando novas terras

Figura 22. Principais rotas globais de nutrientes entre as “reservas” abióticas da atmosfera, da água (hidrosfera), da
rocha e de sedimentos (litosfera) e as “reservas” bióticas constituídas pelas comunidades terrestres e aquáticas. As
atividades humanas (em laranja) afetam, direta e indiretamente, os fluxos de nutrientes das comunidades terres-
tres e aquáticas por meio de seus efeitos sobre os ciclos biogeoquímicos globais, bem como pela liberação adicional
de nutrientes para a atmosfera e para a água. Modificada de Begon et al. 2007.

Tipos de ciclos

Os ciclos podem ser classificados em três tipos básicos, dependendo


da natureza do reservatório abiótico (ODUM, 1972): gasosos, sedimenta-
res e mistos.

76 Licenciatura em Biologia
• Ciclos gasosos
Possuem o compartimento abiótico na atmosfera. Graças à grande
dinâmica desse meio, têm mecanismos eficazes de autorregulação. Exem-
plos: ciclo do nitrogênio e ciclo do oxigênio.

• Ciclos sedimentares
O compartimento abiótico está na crosta terrestre em rochas. Esses
são mais vulneráveis a perturbações externas pelo fato de esse comparti-
mento ter um tempo muito elevado de recirculação. Exemplos: ciclo do cál-
cio e ciclo do fósforo.

Dos mais de 100 elementos conhecidos da Natureza, sabe-se que 30


a 40 são necessários aos organismos vivos. Alguns elementos, tais como o
carbono, o hidrogênio, o oxigênio e o nitrogênio, são necessários em gran-
des quantidades; outros são necessários em quantidades pequenas, ou até
mínimas. Seja qual for a necessidade, os elementos essenciais exibem ciclos
biogeoquímicos definidos. Os elementos não essenciais (i.e., os elementos
não necessários para a vida), apesar de estarem menos intimamente ligado
aos organismos, também apresentam ciclos, muitas vezes fluindo junto com
os elementos essenciais, por causa das suas afinidades químicas com estes.

“Bio” refere-se aos organismos vivos, e “geo” às rochas, ar e água da


Terra. A geoquímica lida com a composição química da Terra e com as tro-
cas de elementos entre as várias partes da crosta terrestre, da atmosfera e dos
oceanos, rios e outras massas de água. A biogeoquímica se tornou um termo
proeminente nas primeiras monografias de G. E. Hutchinson (1944, 1950)
e vem a ser o estudo da troca (i.e., movimento alternado) de materiais entre
os componentes vivos e não vivos da biosfera.

O fundamento lógico para se classificarem os ciclos biogeoquímicos


em tipos gasosos e tipos sedimentares está em que alguns ciclos, tais como
aqueles que envolvem carbono, nitrogênio ou oxigênio, ajuntam-se bastante
rapidamente a perturbações, por causa dos grandes reservatórios atmosfé-
ricos ou oceânicos, ou ambos. Os aumentos locais na produção de CO2 por
oxidação ou combustão, por exemplo, tendem a ser rapidamente dissipa-
dos por movimentos atmosféricos, sendo o aumento dessa produção com-
pensado pelo aumento de absorção pelas plantas e formação de carbonatos
no mar. Os ciclos do tipo gasoso, com grandes reservatórios atmosféricos,
podem ser considerados como “bem-tamponados” em termos globais, por

Ecologia Geral 77
causa da grande capacidade de se ajustarem às mudanças. Entretanto, exis-
tem limites definidos à capacidade de ajuste, mesmo de um reservatório tão
grande quanto à atmosfera (ODUM, 1988).

Os ciclos sedimentares, que envolvem elementos como fósforo ou


ferro, tendem a ser muito menos controlados ciberneticamente e a ser mais fa-
cilmente afetados por perturbações locais, porque a grande massa de material
está no reservatório relativamente inativo e imóvel da crosta terrestre. Con-
sequentemente, alguma parcela do material permutável tende a ficar perdido
por grandes períodos de tempo, quando o movimento “ladeira abaixo” se tor-
na mais rápido do que o retorno “ladeira acima”. Os mecanismos de retorno
ou de reciclagem, em muitos casos, são principalmente bióticos.

Em um ensaio primoroso, Hutchinson (1948) assinala que os seres


humanos diferenciam-se não apenas por precisarem dos 40 elementos es-
senciais, mas também por usarem quase todos os demais elementos, além
dos elementos sintéticos recentes. Aceleramos tanto o movimento de mui-
tos materiais que, ou os ciclos tendem a se tornar imperfeitos, ou o processo
se torna acíclico, resultando na situação paradoxal de haver carências em um
lugar e excessos em outro. Por exemplo, mineramos e processamos a rocha
de fosfato com tanta negligência, que criamos séria poluição local perto das
minas e das usinas de fosfato. Depois, com miopia igualmente aguda, au-
mentamos a entrada de fertilizantes fosfatados em sistemas agrícolas, sem
controlarmos de modo algum o aumento inevitável na quantidade que es-
coa, prejudicando gravemente nossos rios e lagos e reduzindo a qualidade
de água. O objetivo de conservação dos recursos da natureza, no sentido
mais amplo, é o de se tornarem mais cíclicos os processos acíclicos. O con-
ceito de “reciclagem” deve se projetar como uma meta prioritária na socie-
dade. A reciclagem da água é um bom início, porque se o ciclo hidrológico
puder ser mantido e consertado, existirá uma melhor chance de se controla-
rem os nutrientes que se movimentam junto com a água.

• Ciclo da Água
Segundo Leonardo da Vinci, “a água é o condutor da natureza”. A
biosfera pode ser definida em termos de disponibilidade de água: é a região
do planeta onde há suprimento de energia externa e água no estado líqui-
do. O ciclo da água é caracterizado por um depósito atmosférico pequeno,
porém extremamente dinâmico, sendo, inclusive, responsável pela caracte-
rização dos diversos climas terrestres. O volume total de água da biosfera é

78 Licenciatura em Biologia
de cerca de 1,5 bilhões de quilômetros cúbicos. A água está distribuída de
modo muito desigual pela superfície da Terra (512 milhões de quilômetros
quadrados). A maior parte da água está no mar (97%, BERNER & BER-
NER, 1987). Os 3% restantes são constituídos por água doce (a maior par-
te em geleiras, 2,06%). O depósito de águas subterrâneas (0,67%) é muito
maior do que o de águas superficiais. Rios e lagos contribuem muito pouco
(~0,01%) para o total de água doce existente, mas eles são essenciais para a
renovação do ciclo, já que o tempo de renovação médio das águas superfi-
ciais é pequeno (ao redor de um ano).

Atmosfera (0,0013)
Transporte de Vapor 0,037

Evaporação
Precipitação 0,037
0,110 Gelo (29)

Evaporação Precipitação Escoamento


0,423 0,386 0,037
Rios e Lagos
(0,13)

Água subterrânea
Oceano (1.370)
(9,5)

Figura 23. Ciclo hidrológico, mostrando os fluxos e tamanhos dos compartimentos (x 106 km³). Os valores entre
parênteses representam o tamanho dos diferentes compartimentos (segundo Berner & Berner, 1987).

A água, portanto, é uma substância vital para a biosfera. É solvente


universal graças à sua estrutura atômica com elevada constante dielétrica.
Foram soluções iônicas e colóides com miscelas de carga eletrostática com
grande facilidade. Além disso, suas pontes de hidrogênio permitem a estabi-
lidade da fase líquida em uma amplitude térmica muito grande (a 100ºC).
A estrutura química da água também possibilita a formação de solução não

Ecologia Geral 79
eletrolítica. A água ainda apresenta grande capacidade em dissolver gases,
tais como o oxigênio e o gás carbônico. Essa capacidade é, no entanto, muito
influenciável pela temperatura, pressão e tipo do gás. Outra característica
da molécula da água de grande importância para a manutenção da vida nos
ecossistemas aquáticos refere-se ao seu comportamento anômalo em rela-
ção à densidade. Expande quando é resfriada de 4ºC a 0ºC. A densidade da
água a 4ºC é 1,0 e a 0ºC é de 0,92. Assim, a água congela-se de cima para
baixo. Esse fato explica por que é possível a vida aquática (aliás, intensa) nas
zonas polares (PINTO-COELHO, 2000).

A água apresenta maiores variações de densidade sob temperaturas


mais altas. Assim, uma pequena diferença de um ou dois graus Celsius acar-
retará maior variação de densidade quanto mais elevada for a temperatura
da água. Isso explica a grande estabilidade térmica encontrada em mares
e lagos tropicais. Cerca de 70% da superfície da Terra é coberta por água.
As grandes massas de água estão nos oceanos, onde se acham em contínuo
movimento. As correntes marítimas são cruciais para o estabelecimento
dos padrões globais de circulação atmosférica e do clima. A estratificação
térmica em lagos e mares é muito importante, pois implica estratificação
química e muitas vezes biológica. Naturalmente, tal característica implica
importantes consequências para os demais ciclos biogeoquímicos em am-
bientes aquáticos.

• Ciclo do Carbono
O ciclo do carbono tem uma renovação mais lenta e um tempo de
residência maior que o ciclo da água. A maior parte do carbono da bios-
fera encontra-se sob a forma de carbonatos dissolvidos na água dos mares
profundos (Figura 24). Assim, para entender o funcionamento do ciclo
do carbono é necessário conhecer as principais vias desse ciclo nos ocea-
nos. Além dos carbonatos dissolvidos, o carbono pode estar estocado em
grandes quantidades nos sedimentos marinhos que formam os precurso-
res do petróleo (querogênio). Existem, ainda, consideráveis quantidades de
carbono orgânico e particulado nas águas dos mares. Todo esse carbono é
continuamente reciclado dentro da cadeia planctônica (fitoplâncton, zoo-
plâncton) e o nécton (peixes) que o devolve ao compartimento inorgânico
via respiração. Os carbonatos também podem ser direcionados à atmosfera
e vice-versa.

80 Licenciatura em Biologia
Luz do Sol

Respiração das
plantas
Fotossíntese

Emissão das
fábricas

Respiração dos
animais
Carbono Respiração
Orgânico das Raízes

Decomposição de Captação dos


orgarnismos oceanos
Organismos mortos e
resíduos mortos

Fosseis e Combustíveis Fosseis

Figura 24. Esquema simplificado do Ciclo do Carbono.

O ciclo do carbono é um dos mais influenciados por atividades an-


trópicas. As principais formas dessa interferência ocorrem pela queima de
matéria orgânica (combustíveis fósseis) e pela queima de florestas. Nos
países de clima temperado e frio, são alocadas grandes quantidades de gás
natural e óleo para a produção de calor destinado ao aquecimento. Adicio-
nalmente, os países industrializados, ao privilegiarem de forma indiscrimi-
nada o transporte individual em veículos equipados com motores a explo-
são, também contribuem de forma expressiva para a liberação de CO2 para
a atmosfera. Os países com grandes extensões florestais, principalmente na

Ecologia Geral 81
faixa tropical, têm gerado um impacto adicional nessa emissão de gás car-
bônico. Muitas vezes, no entanto, os países situados nessa região têm sido
injustamente acusados pelas comunidades dos países industrializados como
os maiores responsáveis pela crescente emissão de CO2.

Existem, no entanto, grandes quantidades de carbono imobilizadas


sob a forma de rochas calcárias na crosta terrestre. Eventualmente, esse car-
bono pode vir a ser remobilizado via movimentos geológicos da Terra. O
ciclo do carbono é um ciclo misto e também possui um pequeno depósito
atmosférico. O CO2 é responsável por cerca de 0,033% da composição ga-
sosa total da atmosfera terrestre. Em decorrência do aumento das entradas
de CO2 na atmosfera, sua concentração tem sofrido um acréscimo notável
a partir da segunda metade do século XIX, quando ainda eram registradas
cerca de 260 ppm. Nas últimas três décadas, os máximos anuais passaram
de pouco menos de 320 ppm, em 1959, para mais de 350 ppm em 1987
(PINTO-COELHO, 2000).

Em 1970, foram liberados por essa via cerca de 8 bilhões de tonela-


das de CO2. Essa molécula é capaz de absorver relativamente mais radiação
infravermelha proveniente do Sol do que as moléculas de nitrogênio e oxigê-
nio. Desse modo, apesar de sua pequena dimensão, o depósito atmosférico
de carbono tem capacidade de influenciar o clima da Terra, pois um peque-
no aumento nas concentrações de CO2 atmosférico pode estar associado a
um aumento de sua temperatura média. A esse fenômeno dá-se o nome de
efeito estufa. Outras moléculas gasosas monocarbônicas tais como o meta-
no (CH4), também podem contribuir para o agravamento desse fenômeno.
O metano é originado nas zonas da biosfera onde predomina o metabo-
lismo anaeróbico. Nessa região irão proliferar várias bactérias anaeróbicas,
dentre elas as bactérias que produzem o metano. Salinas de evaporação da
água do mar, arrozais e demais águas alagadas rasas com elevados teores de
matéria orgânica em geral são os ambientes onde existem as maiores emis-
sões de carbono.

• Ciclo do Nitrogênio
É um ciclo tipicamente gasoso. O depósito abiótico encontra-se sob
a forma de nitrogênio gasoso N2. A quantidade desse gás na atmosfera ter-
restre é bem superior à quantidade de nitrogênio gasoso existente na atmos-
fera dos planetas vizinhos. O modo usual de incorporação do nitrogênio
pelas plantas é sob a forma de nitrato ou de amônia. Na biomassa, o nitro-
gênio desempenha um papel fundamental como elemento estrutural de

82 Licenciatura em Biologia
praticamente todas as classes de compostos bioquímicos (proteínas, ácidos
nucleicos, lipídeos, etc.). O nitrogênio volta ao pool abiótico via excreção de
ureia, amônia ou ácido úrico ou, então, por decomposição bacteriana e fún-
gica de cadáveres. Por ação bacteriana, é rapidamente oxidado de nitrogênio
albuminoide a amônia, nitrito e nitrato (Figura 25).
Mais reduzido Amonificação Fixação denitrogênio por
Nitrogênio
Amônia Rhizobium, Azotobacter,
orgânico
Nitrificação por cianobactérias
Nitrosomona,
Nitrosococcus
Nitrogênio molecular (N2)

Óxido nitroso (N2O)


Nitrito (NO2”) (NO)

Redução Nitrificação por Denitrificação


assimilativa do Nitrobacter, Nitrococcus por Pseudomonas
nitrogênio Nitrato (NO3”)
Mais oxidado
Redução Oxidações aeróbicas Reações de reprodução anaeróbicas acopladas
consuimidora liberadoras de com oxidações liberadoras de energia
de energia energia

Figura 25. Diagrama esquemático das transformações de compostos no ciclo do nitrogênio. Modificada de Odu-
met al. 1988.

A fixação biológica do nitrogênio atmosférico é muito importante


sob o aspecto ecológico e ocorre graças à ação de certas bactérias e algas,
em meio anaeróbico, requerendo aporte de energia (Figura 25). Ambas as
condições estão presentes nos nódulos das raízes de leguminosas e nos he-
terocistos das algas azuis. O cobalto e o molibdênio são importantes, uma
vez que estão nas enzimas que catalisam o processo. Várias bactérias, sejam
de vida livre ou não, são capazes de fixar o nitrogênio.

Várias plantas possuem simbioses com bactérias fixadoras. Dentre


elas podemos citar: várias leguminosas (soja e feijão), Araucária, Casuarina
e algumas gramíneas. As gramíneas Digitaria decumbens e Zea mays apre-
sentam simbioses com a bactéria Spirillum lipoferum, sendo que, no caso do
milho, tais bactérias são encontradas no córtex.

A figura 25 acentua a circularidade dos fluxos e dos tipos de microrganis-


mos que são necessários para as trocas básicas entre os organismos e o ambiente.
O nitrogênio do protoplasma é decomposto, passado de uma forma orgânica
para uma forma inorgânica, pela ação de uma série de bactérias decomposito-
ras, cada uma delas especializada em realizar uma parte do processo. Parte desse
nitrogênio se transforma em amônia e nitrato, as formas mais facilmente utiliza-
das pelas plantas verdes. A atmosfera, que contém 80% de nitrogênio, é o maior

Ecologia Geral 83
reservatório e a válvula de escape do sistema. O nitrogênio entra continuamente
na atmosfera pela ação das bactérias desnitrificantes, e continuamente retorna
ao ciclo pela ação das bactérias ou algas fixadoras de nitrogênio (biofixação), por
meio da radiação e por outras formas de fixação física.

Ácido
Orgânico

Figura 26. Os fungos ectomicorrízicos associados a raízes de árvores podem mobilizar fósforo, potássio, cálcio e magnésio
provenientes de substratos minerais sólidos, mediante secreção orgânica ácida. Esses nutrientes tornam-se depois disponí-
veis a planta hospedeira por meio de um componente fúngico denominado micélio. Modificada de Begon et al. 2007.

As etapas desde as proteínas até os nitratos fornecem energia para os


organismos que realizam esta decomposição, enquanto que a transforma-
ção no sentido inverso requer energia de outras fontes, tais como a matéria
orgânica ou a luz solar. As bactérias quimiossintetizantes Nitrosomonas (que
convertem a amônia em nitrito) e Nitrobacter (que convertem a amônia em

84 Licenciatura em Biologia
nitrato), e.g., obtêm energia da decomposição química, enquanto que as
bactérias desnitrificantes e fixadoras de nitrogênio precisam de energia de
outras fontes para realizarem as suas respectivas transformações.

Até cerca de 1950, acreditava-se que a capacidade de se fixar o nitro-


gênio atmosférico estava limitada a estes poucos, embora abundantes, tipos
de microrganismos:

1) Bactérias de vida livre – Azotobacter (aeróbia) e Clostridium (anaeróbia).


2) Bactérias simbióticas dos nódulos das plantas leguminosas – Rhi-
zobium
3) Algas verde-azuladas (cianofíceas), também conhecidas como ciano-
bactérias – Anabaena, Nostoc e outros membros da ordem Nostocales.

Descobriu-se, então, que a bactéria roxa Rhodospirillum e outros repre-


sentantes das bactérias fotossintéticas são fixadores de nitrogênio (ver KAMEN
& GEST, 1949; KAMEN, 1953) e que uma variedade de bactéria do solo, pare-
cida com Pseudomonas, também tem esta capacidade (ANDERSON, 1955).
Mais tarde, descobriu-se que os actinomicetos (um tipo de fungo primitivo), en-
contrados nos nódulos das raízes dos amieiros (Almus) e de certas outras plan-
tas lenhosas não leguminosas, fixam o nitrogênio com tanto eficiência quanto
as bactérias Rhizobium nos nódulos das leguminosas, muito embora os nódulos
actinorrizais sejam menos complexos e menos avançados em termos evolutivos
(TJEPHEMA & WINSHIP, 1980). Ao contrário das plantas leguminosas, que
são na maioria tropicais em sua origem, essas plantas fixadoras de nitrogênio
se originam na zona temperada. A maioria das espécies está adaptada a solos
pobres, arenosos ou pantanosos, onde a disponibilidade de nitrogênio é baixa.
Algumas espécies, tais como os amieiros, possuem o potencial de aumentar a
produção florestal quando plantadas alternadamente com espécies madeireiras.

• Ciclo do Fósforo
É um ciclo tipicamente sedimentar (Figura 27). O fósforo inorgâni-
co é absorvido pelos vegetais sob a forma de ortofosfato (PO43-). Na maioria
dos ecossistemas, as quantidades disponíveis de ortofosfato, seja no solo ou
na água, são muito baixas e esse elemento é o fator limitante da produção
biológica. A eutrofização de corpos d’água, caracteriza por aumento dese-
quilibrado da produção primária, é muitas vezes causada pelo aporte exter-
no de fósforo. Dessa maneira, o entendimento dos mecanismos que contri-
buem para aumentar a taxa de circulação do fósforo entre o pool inorgânico
e a biomassa é fundamental em ecologia.

Ecologia Geral 85
CHUVA

Decomposição das
rochase liberação
de fosfato Rochas ficam
descobertas

Plantas

Fosfato em solução Precipitação


Fosfato

Sedimentação = formação
Decompositores de novas rochas

Figura 27. Diagrama esquemático dos grandes compartimentos e transferências no ciclo


do fósforo.

A determinação dessas taxas é tão importante quanto a delimitação


das quantidades presentes nos diversos compartimentos do ecossistema
(pool inorgânico, biomassa vegetal, animal, detritos, etc.). As principais ta-
xas metabólicas que afetam a ciclagem de fósforo nos diversos ecossistemas
são as seguintes:

a) De absorção de fósforo pelos vegetais;


b) De consumo de vegetais pelos herbívoros;
c) De excreção de fósforo pelos heterótrofos mais abundantes;
d) De remineralização de fósforo pelos microrganismos decompositores
(bactérias e fungos).

Certos organismos que passariam quase despercebidos em um ecos-


sistema, como o molusco Modiolus demissus, podem ser fundamentais
para a circulação de um elemento no ecossistema. Esse mexilhão põe em
circulação a cada dois dias e meio uma quantidade de fósforo equivalente
à concentração desse elemento na água onde vive. Os organismos, por sua
vez, necessitam de quantidades mínimas de fósforos bastante diferentes:

86 Licenciatura em Biologia
Nitzschia palea e Botryococcus braunni são duas algas que necessitam de
18 a 90 ug/l de fósforo para crescer em condições ótimas, respectivamente.

• Ciclo do Enxofre
É um ciclo misto. O componente sedimentar é representado pelas rochas
pirita e calcopirita. No meio aquoso, as formas do enxofre vão depender do es-
tado de oxidação do meio. Em condições oxidantes (meio aeróbico), o enxofre
encontra-se sob a forma de sulfatos (SO4) e em condições redutoras sob a forma
de sulfetos (S2). A ciclagem do enxofre é muito influenciada pela ação bacteriana
(Figura 28). Muitas vezes certos processos que ocorrem em um ciclo podem in-
fluenciar a ciclagem de outro elemento. Em condições redutoras (meio anaeróbi-
co), o enxofre apresenta-se normalmente sob a forma de H2S. Em tais condições,
o sulfeto normalmente se combina com o ferro liberando o fósforo:

A água combina-se com o


enxofre produzindo chuvas ácidas

Através da queima de
As chuvas ácidas aumentam
combustíveis fósseis
a meteorização das rochas
o Homem libera
mas também afetam a Biosfera
ácido sulfúrico

Os rios transportam sedimentos Os processos de


e enxofre dissolvidos para hidrosfera geodinâmica externa
libertam enxofre cativo
nos minerais das rochas

As plantas absorvem
compostos com enxofre

O enxofre lixiviado do solo


é depositado sob a forma de sulfato (gesso)
e sulfuretos (Pirite)

O enxofre pode ser lixiviado Os microrganismo nas áreas Os seres vivos se


do solo e transportado pantanosas decompõem a matéria alimentam das plantas
para ambiente aquático orgânica produzindo ácido sulfúrico,
que reagindo com o ferro, produz Pirite

Figura 28. Diagrama esquemático das transformações de compostos no ciclo do enxofre.

Ecologia Geral 87
H2S <—> 2 H+ + S-2

S2 + FePO4 <—> FeS + FeS2 + PO43+

Assim, a formação de zonas anóxicas em lagos eutróficos causada


pela crescente decomposição anaeróbica de matéria orgânica pode levar a
um ulterior agravamento de eutrofização, graças à liberação do fósforo reti-
do nos sedimentos anaeróbicos, como visto na reação acima.

• Ciclos Biogeoquímicos nos Trópicos


O conhecimento dos mecanismos envolvidos nos ciclos biogeo-
químicos em ecossistemas tropicais é de grande relevância para o desen-
volvimento de estratégias sustentáveis de desenvolvimento humano nessas
regiões. A falta de observância desse tipo de conhecimento tem sido uma
das principais causas de tentativas fracassadas de transposição de métodos
agroflorestais derivados das zonas temperadas para as zonas mais quentes
da biosfera. No Brasil, por exemplo, pode-se citar os cultivos intensivos da
borracha na Amazônia no início do século XX, a transformação de várias
áreas florestais para a formação de pastagens para cultivo extensivo de gado
(Rondônia, nas décadas de 70 e 80), além de diversos outros projetos agro-
florestais na região amazônica. Todas essas iniciativas, quando não foram
um completo fracasso, geraram um grande passivo ambiental, que torna
difícil a justificativa desses empreendimentos. Uma característica distintiva
dos ciclos biogeoquímicos nas zonas tropicais é o fato de que uma maior
percentagem dos elementos está assimilada na biomassa, ou seja, maiores
porções do elemento estão intrabolizadas. Isso é particularmente verdadei-
ro para certos nutrientes essenciais, tais como fósforo e o potássio.

Outra característica dos ciclos biogeoquímicos nas zonas tropicais


é a alta taxa de renovação da biomassa, aliada a uma maior magnitude dos
processos de decomposição e de excreção de nutrientes pela biota. Adicio-
nalmente, várias simbioses entre autótrofos e heterótrofos facilitam a volta
dos elementos contidos no corpo de organismos em decomposição para a
biomassa vegetal. Os micorrizos em florestas tropicais ou as associações en-
tre corais e algas em recifes, zooxantelas, são alguns exemplos de simbioses.
Os micorrizos fúngicos que atacam a serapilheira nas florestas tropicais po-
dem associar-se às raízes ou até mesmo nelas penetrar. As florestas tropicais
também tem uma notável capacidade de lixiviar os nutrientes ali contidos.
É consequência do baixo pH do solo associado a certa ausência de argilas
capazes de “segurar” o nutriente no solo. Desse modo, a única maneira de

88 Licenciatura em Biologia
manter os elementos em contínua circulação é retê-los o maior tempo pos-
sível na biomassa, seja ela vegetal ou animal (PINTO-COELHO, 2000).

Técnicas agrícolas de sucesso nos trópicos devem necessariamente


levar em consideração tais aspectos. Um bom exemplo seria agricultura iti-
nerante utilizada pelos ameríndios, que consiste em abandonar um campo
agrícola após alguns anos de uso para que o depósito abiótico dos elemen-
tos possa se regenerar. Outra técnica é associar diferentes culturas, como o
uso simultâneo de leguminosas e gramíneas (por exemplo, milho e feijão),
uma vez que muitas leguminosas em associação com bactérias fixadoras
simbiontes, tais como o Rhizobium, são capazes de fixar nitrogênio. Nos
arrozais asiáticos, o nitrogênio é usualmente fixado graças à ação de ciano-
bactérias (Nostoc) capazes de ficar o nitrogênio. Recentemente, o plantio
direto tem sido adotado com sucesso em muitas culturas tropicais. Trata-
-se de uma técnica baseada no desmate seletivo e na manutenção de uma
camada de vegetação contendo os restos vegetais após a colheita. Essa téc-
nica permite, entre outras vantagens, minorar a lixiviação do solo, além de
proporcionar uma redução de custos com insumos, tendo como benefício
maior uma melhor proteção do meio ambiente.
Processos geológicos,
Processos biológicos, mais rápidos e mais intensos
mais lentos e menos intensos
FORMAS ORGÂNICAS

Animais Detritos Compostos orgânicos


indiretamente disponíveis
(turfa, carvão, óleo)

Água, plantas e Micróbios


bactérias autotróficas

Erosão, queima
de combustíveis
Assimilação, Respiração desassimilação fósseis
fotossíntese e excreção, lixiviação
FORMAS INORGÂNICAS

Intemperização
Solo

Compostos inorgânicos
Atmosfera Água Erosão indiretamente disponíveis
(calcário, vários minerais)
Formação de
rocha
Sedimentos
sedimentar

Figura 29. Um modelo geral de compartimento do ciclo dos elementos nos ecossistemas.
Em cada compartimento, podemos reconhecer subcompartimentos; por exemplo, o com-
partimento que representa as formas orgânicas disponíveis de nutrientes é ainda mais sub-
dividido em compartimentos ocupados por autótrofos, animais, detritos e microrganismos.
Modificada de Ricklefs et al. 2003.

Ecologia Geral 89
2.6 Sucessão Ecológica: Desenvolvimento e Evolução
dos Ecossistemas

Assim como os organismos vivos que se modificam ao longo dos anos,


os ecossistemas também são cabíveis de tais mudanças temporais. O tamanho
desta escala temporal vai depender do ecossistema e da comunidade que o habi-
ta, podendo variar de horas a séculos. Por exemplo, a colonização por bactérias
decompositoras pode mudar em questão de horas. Por outro lado, a colonização
de uma lagoa ou de uma área florestal pode levar centenas de anos. Desta forma,
podemos definir sucessão ecológica como mudanças na estrutura e composi-
ção de espécies e processos da comunidade ao longo do tempo, resultando na
modificação do ambiente físico pela comunidade (ODUM, 1988) (Figura 30).

Figura 30. Na visão organísmica, as comunidades de plantas (espécies ilustrada pelas letras minúscu-
las) formam unidades discretas, com limites definidos. Na visão individualista proposta por Gleason,
as populações respondem de modo independente a gradientes ambientais, a tal ponto que as comu-
nidades se sobreponham numa série contínua, dificultando o reconhecimento de unidades discretas.

90 Licenciatura em Biologia
2.6.1 Primeiros Estudos em Sucessão

No final do século XIX se iniciaram os primeiros estudos sobre


sucessões vegetais. Um pesquisador da Universidade de Chicago, Henry
Chandler Cowles, no ano de 1899, publicou um trabalho sobre suas obser-
vações no processo de colonização da vegetação presente em dunas de areia
nas margens do Lago Michigam, no Estado de Indiana (USA) (Figura 31).
Ele observara que a vegetação que cobria as dunas mudava sua composi-
ção com o tempo, mesmo que o meio aparentemente permanecesse estável.
Para Cowles, estas mudanças seriam previsíveis e ordenadas. Entretanto, ele
sempre considerou a importância dos fatores físicos neste processo, particu-
larmente a umidade.

Apesar de não ter sido o primeiro a utilizar o termo sucessão, Cowles


foi o estudioso que mais conhecimento transmitiu a respeito de sucessão.
Tempo depois, em 1916, Frederic Edward Clements lançou novas ideias so-
bre a teoria sucessional. Em seu artigo intitulado Plant succession, an analy-
sis of the development of vegetation, Clements comparou o ecossistema a um
organismo - que nasce, cresce, atinge a maturidade e morre. Este estágio de
maturidade da comunidade vegetal, Clements chamou de clímax.

Figura 31. Dunas do Lago Michigan, que por meio de suas observações estimulou Cowles
a desenvolver as bases da teoria sobre sucessão ecológica.

Ecologia Geral 91
2.6.2 Algumas Definições em Sucessão

Tanto na visão de Cowles quanto na de Clements, o processo suces-


sional seguiria por um caminho de mudanças na composição da comunida-
de de um determinado ecossistema, em uma escala temporal. Mas qual seria
o ponto de partida destas mudanças? Quais seriam as condições necessárias
para se iniciar a sucessão?

O início do processo sucessional depende da criação de qualquer


novo habitat, p.ex., um campo lavrado, fezes de animais, dunas de areia, cla-
reiras, entre outras. Se a sucessão se inicia com a colonização de novas áreas
é chamado de sucessão primária. Estas novas áreas podem ser formadas
por lavas vulcânicas, afloramentos rochosos, depósitos de areia, ou seja, um
local onde não tenha existido vida ainda, sem a presença de matéria orgâni-
ca depositada (Figura 32). Contudo, se o processo se iniciar em uma área
onde previamente já havia uma comunidade estabelecida e esta sofrer um
distúrbio ambiental, o processo é chamado de sucessão secundária. O dis-
túrbio se caracteriza por um evento pontual (não continuado) que retarda
ou regride o processo sucessional. Pode ser de origem natural (p.ex. furacão,
inundações) ou antrópica (p.ex. pastagem, abertura de rodovias).

As mudanças na comunidade durante a sucessão envolve aumento


na densidade e mudanças na composição de espécies. A sequência de comu-
nidades que se substituem é chamada de sere.

líquens - briófitas - plantas herbáceas - plantas arbustivas - árvores (pioneiras, secundárias e clímax)

Figura 32. Esquema exemplificando o processo de sucessão primária. Após a exposição do


novo solo, geralmente os primeiros organismos a colonizarem a nova área constituem as
bactérias e os líquens que prepararão o solo para instalação de comunidades vegetais mais
avançadas sucessionalmente.

92 Licenciatura em Biologia
As primeiras espécies a colonizarem uma nova área são chamadas de
pioneiras. Estas espécies são adaptadas a habitats perturbados e facilitam a
colonização por novas espécies, chamadas de secundárias. Estas espécies
secundárias serão sucessivamente substituídas por outras até que a comu-
nidade atinja sua estrutura e composição originais, chamada de clímax –
último estágio de um processo sucessional, onde a comunidade estaria em
equilíbrio, até que fosse atingida por um novo distúrbio. Um exemplo se
sucessão secundária e suas seres são ilustrados na figura 33.

1 2 3 4

5 6 7 8

Figura 33. Exemplo de sucessão secundária com distúrbio originado pelo fogo. Note que em
(1) temos uma floresta em equilíbrio clímax, após sua destruição pelo fogo o solo fica nu (4),
mas logo se inicia a colonização pelas pioneiras (5) e secundárias (6,7), até que o clímax
seja atingido novamente (8).

Mesmo a ilustração tendo demonstrado que após o distúrbio a flo-


resta voltou ao estado original, devemos levar em conta que muitas vezes
esse fato não retrata a realidade, visto que, a natureza da comunidade clímax
depende das condições ambientais e a natureza do distúrbio que o criou,
podendo resultar em uma comunidade clímax diferente da original.

2.6.3 Teorias sobre o Clímax

Durante o processo sucessional, comunidades mais simples vão


sendo gradualmente substituídas por comunidades mais complexas até
que se estabeleça um equilíbrio entre comunidade e ambiente - comu-
nidade clímax. Neste estágio de equilíbrio dinâmico, a velocidade de al-
teração das espécies é bem lenta. Geralmente, as que ali estão presentes
sempre são repostas por outras das mesmas espécies. Desde que não haja

Ecologia Geral 93
grandes mudanças climáticas ou físicas, não irá existir a substituição por
outras espécies diferentes daquelas do clímax.

Baseado nestas considerações, alguns cientistas propuseram algumas


teorias que tentam apontar quais fatores que determinam a composição das
espécies em uma comunidade clímax:

• Teoria Monoclímax
Defendida por Clements (1916), também conhecida como clímax
climático, propõe que a comunidade se desenvolva para um único estágio
final em certa região influenciado pelo padrão climático regional, ou seja,
independente do solo e do distúrbio, o clima da região é o que realmente
determinaria a composição de espécies presentes no clímax.

• Teoria Policlímax
Na visão de outro pesquisador Arthur Tansley (1935) em seu reno-
mado trabalho The use and abuse of vegetational concepts and terms, o clímax
não seria determinado apenas pelo clima (clímax climático), mas também
pela combinação de outros fatores que influenciam na sucessão, como topo-
grafia, nutrientes e fatores abióticos (p.ex. pastejo de animais). Assim, essa
teoria reconhece a validade de vários tipos de vegetação como sendo co-
munidades clímax, dependendo das condições locais. Tansley ainda propôs
que a sucessão seria um processo contínuo, podendo ser interrompida por
catástrofes, assumindo um caráter progressivo ou regressivo.

• Clímax Padrão
Proposto por Whittaker (1953), a comunidade se adaptaria a totalida-
de de fatores, uma área com padrão climático definido poderia conter diver-
sas comunidades clímax, de acordo com gradientes de condições ambientais.
Desta forma, dentro de um determinado padrão regional de comunidades
clímax, a composição em qualquer localidade dependeria das condições am-
bientais particulares naquele ponto, criando um continuum de clímax.

O clímax existe?

Apesar de várias teorias terem sido propostas para explicar os caminhos que po-
dem levar uma comunidade ao clímax, uma pergunta colocaria em dúvida toda
uma teoria ecológica: existiria realmente um estágio de clímax? Proposta em 1969
por Lewontin, a Teoria Alternativa dos Estados Estáveis, investiga a possibili-
dade de ambientes existirem em mais de um estado configurável de equilíbrio, ou

94 Licenciatura em Biologia
seja, em termos sucessionais, existiria diferentes clímax em resposta a diferentes
condições ambientais. Assim, não existiria um ponto final na sucessão, mas muitos
estados de transição ao longo do tempo ecológico.

Se formos considerar as condições climáticas como o principal fator que direciona


a sucessão, de acordo com a Teoria do Monoclímax, poderíamos dizer que uma co-
munidade nunca terá seu clímax por muito tempo, pois sabemos que as condições
climáticas do planeta são cabíveis de grandes modificações como glaciações, avan-
ços e retrocessos do nível do mar, aumento da temperatura global, entre outras.

Informações retiradas de:ALTERNATIVE STABLE STATE. In:WIKIPÉDIA, a enciclo-


pédia livre. Flórida:Wikimedia Foundation, 2012.

Disponível em: < http://en.wikipedia.org/wiki/Alternative_stable_state>.Acesso em:


11 ago. 2012.

Como visto, a sucessão corresponde a uma série de mudanças que


conduzem ao clímax. Nesse estágio final, existe um equilíbrio com o meio
ambiente e a substituição de espécies passa a ocorrer pelas mesmas espécies
presentes na comunidade, sendo assim, a aparência geral do ecossistema
permanece o mesmo. Porém, nem todo clímax permanece imutável, como
p.ex. em lagoas temporárias. Neste tipo de ambiente o desenvolvimento
da comunidade animal e vegetal alcança seu máximo com a temporada de
cheia. Quando a época da seca chega, ocorre um retrocesso desta lagoa
destruindo a comunidade, somente no próximo período de cheia a lagoa
iniciará novamente seu processo de desenvolvimento. Este tipo de clímax
determinado pela sazonalidade é conhecido como clímax transitório, que
também pode ser determinado por um recurso, como na decomposição de
carcaças de animais mortos.

Em comunidades menos complexas, podemos observar particularida-


des no processo sucessional, onde o tempo de vida de cada espécie dominante
determinará a duração de cada sere, levando a um clímax cíclico. Neste tipo
de clímax, uma espécie depende de outra para se desenvolver. Imagine uma
espécie X que somente pode germinar sob uma espécie Y, esta somente sob a
espécie Z, e a Z somente sob a espécie X. Esta situação cria um ciclo de domi-
nância de espécies na ordem X—▶Y—▶Z—▶X. As microssucessões cíclicas
são provocadas por perturbações e contribuem para manter a heterogeneida-
de espacial e a renovação em formações que atingiram o estágio clímax.

Ecologia Geral 95
Sucessão e a perícia criminal

Em 1894 um veterinário francês Pierre Mégnin publicou um livro chamado


de ”La faune des cadavres: application de l’entomologie à la médicine légale”,
que enfatizava a importância dos insetos na medicina legal. Hoje este ramo da
ciência é conhecido como entomologia forense, que é a aplicação do estudo
dos insetos e outros artrópodes na área criminal, como uma ferramenta de
auxílio na investigação de crimes (Desuó et al., 2010). Mas o que a entomolo-
gia forense possui em comum com a sucessão ecológica?

Existe um tipo de sucessão que os pesquisadores chamam de sucessão de-


gradativa. Neste processo estão envolvidos os organismos decomposito-
res, ou seja, aqueles organismos capazes de transformar moléculas orgâni-
cas complexas em substâncias simples. Este evento sucessional não envolve
a produção primária e geralmente ocorre em curta escala de tempo. Na
decomposição de cadáveres existe o envolvimento de diversos organismos
como fungos, bactérias e animais. Dentre os animais, é conhecido que alguns
gêneros e famílias de insetos participam desse processo, atuando como colo-
nizadores nesses cadáveres. No âmbito criminal, a entomologia forense pode
auxiliar na obtenção de informações a cerca das causas da morte, se houve
ou não uso de substâncias tóxicas, sobre os locais do crime e, sobretudo,
sobre o tempo decorrido entre a morte e o descobrimento do cadáver, o
Intervalo Pós-Morte (IPM).

A cronossequência da sucessão de insetos que colonizam cadáveres de ma-


míferos pode envolver os seguintes estágios:

1) Moscas pertencentes aos gêneros Musca, Calliphora e Cytoneura depositam


os ovos na pele do cadáver;
2) Quando o cadáver começa a exalar odor amoniacal, moscas do gênero
Lucilia e Sarcophaga se estabelecem;
3) Coleópteros do gênero Dermetes e lepidópteros do gênero Aglossa, se
estabelecem para as larvas se alimentarem de gordura;
4) Com a fermentação amoniacal das proteínas do cadáver, larvas de coleóp-
teros do gênero Necrobia e moscas do gênero Piophila se estabelecem;
5) O estágio seguinte da decomposição envolve moscas como Orphrys, Phora
e Lonchaea, e coleópteros como Hister, Saprinus e Necrophorus;
6) Quando o corpo se torna mumificado, ácaros como Tyroglyphus e Uropo-
da se tornam abundantes. Novos coleópteros também surgem (Attagenus
e Anthrenus);

96 Licenciatura em Biologia
7) Por último, quando restam apenas resquícios de músculos e pele aderidos
aos ossos, entram em ação os coleópteros Ptinus e Tenebrio.

Desta forma, o conhecimento desta cronosequência permite aos peritos em


medicina legal estimar o IPM quando do encontro de um cadáver.

Informações retiradas de: PRINCÍPIOS DE ECOLOGIA, DAJOZ. R. 7ª ed. Rio


de Janeiro: Artmed, 2005. 520p

2.6.4 As Características das Espécies através de cada


Estágio Sucessional

Durante o processo sucessional em hábitats terrestres, é possível


apontar diferenças entre as espécies que colonizam cada etapa da sucessão,
principalmente no que tange ao crescimento e reprodução. As espécies dos
estágios iniciais precisam ter uma alta capacidade de dispersão para poder
colonizar, com rapidez, locais recentemente criados ou perturbados. Por
outro lado, as espécies de clímax possuem uma dispersão e crescimento
mais lento, com capacidade de germinação sob a sombra. Algumas carac-
terísticas das plantas em cada etapa sucessional são comparadas na tabela 1.

As espécies pioneiras são assim chamadas, por serem responsáveis


pela colonização de novos ambientes por meio de seu rápido crescimento.
Para tal feito, elas precisam produzir sementes em grandes quantidades e
de fácil dispersão, desta forma, suas sementes são leves e dispersas princi-
palmente pelo vento, como p. ex. dente-de-leão, ou aderidas ao corpo dos
animais, p.ex. picão. As sementes de plantas pioneiras ficam por um longo
tempo (um ano ou mais) viável no solo formando o banco de sementes. A
quebra da dormência destas sementes é proporcionada pela luz direta, pos-
sibilitando a sua germinação e posterior colonização de áreas abertas.

Intermediária às plantas pioneiras e clímax se encontram as espécies


secundárias. Estas possuem características intermediárias aos dois estágios.
Suas sementes conseguem germinar a sombra de outras árvores, mas preci-
sam de luz para crescer. Por isso, essas árvores chegam ao dossel da floresta
chegando a ultrapassá-lo (árvores emergentes). Com a copa exposta ao ven-
to, este se torna o principal agente dispersor de suas sementes, que logo ao

Ecologia Geral 97
caírem no solo se encontram prontas para germinarem. Um exemplo de es-
pécie secundária é o cedro (Cedrela fissilis), cujo fruto possui uma pequena
“asa” que facilita sua dispersão pelo vento (Figura 34).

Figura 34. Principais diferenças quanto ao tamanho e dispersão de cada tipo de semente. Note
que o dente-de-leão possui sementes leves dispersas pelo vento, característico de espécies se-
cundárias. O cedro, espécie secundária, e suas sementes aladas que facilitam a dispersão tam-
bém pelo vento. Abaixo, sementes e frutos de guanandi (Calophyllum brasiliense), e castanha-
-do-pará (Bertholletia excelsa) espécies clímax, note o tamanho e volume de suas sementes.

No estágio final da sucessão se instalam as espécies clímax. Estas es-


pécies conseguem completar todo o seu ciclo de vida à sombra. Por essa
razão, não precisam crescer muito em altura em busca de luz e, geralmente,
suas copas estão abaixo das grandes árvores. Suas sementes geralmente são
grandes, e seus frutos carnosos e volumosos que são um atrativo alimentar
para os animais. O palmiteiro (Euterpe edulis) e o óleo-de-copaíba (Copaife-
ra langsdorffii) são exemplos de plantas clímax (FERRETTI, 2002).

Características Estágio inicial Estágio Final

Número de sementes Muito Poucas

Tamanho da semente Pequeno, leve Grande, pesado

Dispersão Vento, presos a animais Por gravidade, alimento de animais

98 Licenciatura em Biologia
Viabilidade da semente Longa, latente no solo Curta

Raiz: taxa de brotamento Baixa Alta

Taxa de crescimento Rápida Lenta

Tempo de vida Curto (até 10 anos) Longo (podendo ultrapassar 100


anos)

Tolerância à sombra Baixa Alta

Tabela 1. Características gerais das plantas durantes os estágios iniciais e finais da sucessão.
Fonte: Economia da Natureza (Ricklefs,1996).

Além das mudanças nas características dispersivas e reprodutivas das


plantas em cada sere, outras propriedades da comunidade mudam à medida
que o processo sucessional avança. Com o amadurecimento da comunidade, a
biomassa aumenta e a produtividade primária diminui, em decorrência do au-
mento no gasto respiratório na manutenção de grandes árvores, que já não ne-
cessitam de crescimento e sim de manutenção. Outro ponto importante ressalta
o aumento da diversidade com a chegada do clímax, como resultado do aumen-
to de nichos e da heterogeneidade estrutural do hábitat. Por outro lado, alguns
estudos encontraram um aumento na diversidade em estágios intermediários,
devido à presença de plantas de estágios pioneiros e da comunidade clímax.

2.6.5 Mecanismos de Ação das Espécies Pioneiras

Como visto anteriormente, as espécies pioneiras são as primeiras es-


pécies vegetais que conseguem se estabelecer em uma área recém-criada,
seja por ação antrópica ou natural. Suas sementes possuem uma alta viabili-
dade no solo e dispersão facilitada pelo vento. Germinam e crescem sob al-
tos níveis de radiação solar. Sua longevidade é baixa, e logo criam condições
de sombreamento para o desenvolvimento de outras espécies vegetais como
as secundárias e clímax. Como forma de compreender os mecanismos que
regem a sucessão de espécies vegetais na colonização de novas áreas, Con-
nell & Slatyer (1977) apresentaram três modelos de sucessão, que podem
explicar os mecanismos que determinam a sequência de espécies:

• Modelo da facilitação: as espécies alteram o ambiente tornando-o


pouco favorável à sua persistência e mais favorável para as espécies
sucessoras. As espécies pioneiras criariam condições para o estabe-
lecimento das secundárias, e estas das climácicas, como melhoria do
solo e sombreamento necessário à germinação.

Ecologia Geral 99
• Modelo da inibição: as espécies dificultam a ocupação progressiva
por outras espécies, inibindo através da liberação de substâncias ale-
lopáticas ou outro meio inibidor, como o sombreamento. A compe-
tição por espaço e nutrientes faz com que, após o estabelecimento de
espécies mais avançadas sucessionalmente, ocorra a morte das que
precediam a colonização.
• Modelo da tolerância: as espécies se estabelecem independente-
mente da presença ou ausência de outras. A espécie com maior su-
cesso competitivo predomina no clímax.

Os três modelos descritos acima, tentam esclarecer como ocorre o


estabelecimento, a competição e a substituição das espécies no processo
sucessional. Para Clements, a sucessão é considerada uma substituição
florística, onde as espécies iriam se substituindo até a chegada do clímax.
Contudo, para outro pesquisador, Egler (1954), a sucessão não seria apenas
uma substituição de espécies, e sim um processo heterogêneo, dependente
da Composição Florística Inicial (IFC). Este modelo proposto por Egler
sugere que a composição das espécies no clímax seria influenciada pela
composição das espécies nos estágios sucessionais iniciais, e não apenas por
fatores físicos, como o clima.

Dinâmica de clareiras

A todo o momento em uma floresta estão surgindo novas clareiras,


seja pela morte ou queda de árvores ou galhos, decorrentes de raios, incên-
dios, vendavais ou mesmo por envelhecimento (Figura 35). A formação de
uma clareira permite que as florestas se regenerem e se desenvolvam nau-
tralmente, pois cada vez que uma clareira é aberta o processo sucessional se
reinicia. Esta colonização pelas plantas pioneiras é resultado do surgimento
de novos microclimas (temperatura, umidade, oferta de luz), em decor-
rência da chegada da luz solar ao solo. Alguns estudos relatam que depois
da abertura de uma clareira a floresta regenera-se em média dentro de 125
anos, voltando a ser novamente uma clareira (FERRETTI, 2002).

Por isso que o conceito de clímax tem sido tão discutido, assumindo
mais um caráter dinâmico do que estático. Uma floresta que chegou ao está-
gio clímax não é um sistema uniforme e imutável (Figura 36). É um conjun-
to heterogêneo de parcelas de idades diferentes, decorrentes da formação de
clareiras, em resposta a algum distúrbio.

100 Licenciatura em Biologia


Figura 35. Observe como a queda de uma árvore acarreta na queda de outras árvores, resultando
na formação de clareiras, possibilitando a chegada de luz ao solo. Com o aumento da luminosidade
o ambiente se torna favorável às plantas pioneiras, reiniciando o processo sucessional e cicatrizando
a clareira aberta na floresta. Imagem clareira: Fonte: Arquivo pessoal (Iuli Pessanha Zviejkovski).

S
S
S S
S S
P S

P P
P P
P
P

Figura 36. Ao se observar o dossel de uma floresta tropical aparentemente toda ela se
encontra em clímax. Contudo, devemos considerar uma floresta como um ambiente hete-
rogêneo, com manchas de espécies pioneiras, secundárias e clímax, devido à formação de
clareiras que constantemente estão surgindo em pontos distintos da floresta (Imagem ao
lado, P: pioneiras, S: secundárias). Imagem floresta. Fonte: http://commons.wikimedia.org/
wiki/File:Amazon_Manaus_forest.jpg. Autor: Phil P Harris

Ecologia Geral 101


2.6.6 Fatores que Afetam a Sucessão Florestal

Segundo os pesquisadores, uma área em sucessão sempre tenderá ao


clímax, contudo, diante de tantos distúrbios contínuos causados pelo ho-
mem, muitas áreas abandonadas não conseguem se recuperar sozinhas após
o seu abandono. Muitas vezes essas áreas devastadas precisam de alguma
intervenção humana, como forma de promover a sua restauração florestal.
Diante desse quadro, muitas técnicas de plantio de mudas e controle de er-
vas daninhas surgiram como ferramentas na promoção da recuperação de
florestas. Após um ecossistema passar por um distúrbio, seja ele natural ou
antrópico, a velocidade e a qualidade da recuperação desta área irão depen-
der de alguns fatores como:

• A intensidade e duração do distúrbio sofrido: se a área degradada


era utilizada como pastagem, lavoura, quanto tempo durou a ativi-
dade, a intensidade de uso deste solo, quanto mais intenso for o uso
mais tempo levará para a recuperação. Muitas vezes os distúrbios na-
turais são tão intensos que também comprometem essa recuperação,
como no caso de um furacão ou terremoto de grande magnitude.
• Qualidade do solo: o estado de conservação de um solo após o seu
uso pode influenciar na recuperação florestal. Áreas utilizadas para
pastagem por muito tempo tendem a apresentar um alto nível de
compactação do solo, pelo pisoteio do gado, dificultando assim a ger-
minação de sementes. Muitos anos de cultivo podem levar à escassez
de nutrientes presentes no solo;
• A presença de fragmentos florestais perto da área em questão:
fragmentos floretais servem como fonte de frutos e sementes, seja
pela dispersão pelo vento ou animais. Sendo assim, quanto mais lon-
ge da área em recuperação estiver um fragmento florestal, mais difícil
será a chegada de novos propágulos;
• A presença de animais dispersores: muitas plantas devem a sua ca-
pacidade de colonização a animais como a cutia, que é responsável por
enterrar os frutos da castanha-do-pará, promovendo sua germinação;
• A qualidade do banco de sementes e a presença de propágulos:
áreas que tiveram o solo muito danificado, com queimas constantes
ou muito tempo de uso, podem ter uma baixa qualidade de seu banco
de sementes, dificultando a colonização das espécies pioneiras;
• A presença ou não de espécies invasoras: as espécies invasoras
são apontadas como um dos principais fatores de perda de biodi-
versidade. Essas espécies quando ocorrem fora de sua área natural

102 Licenciatura em Biologia


tendem a dominar e excluir as espécies nativas, mudando os rumos
naturais da sucessão;

A recuperação de uma floresta pode levar de anos a séculos. Esta ve-


locidade vai depender também da capidade da resiliência deste ambiente.
Os ambientes clímax são muito complexos e possuem várias inter-relações
em níveis muito específicos. Muitas vezes dependendo da intensidade e
frequência do distúrbio, uma floresta pode recuperar seus atributos físicos
(como riqueza e biomassa), mas muitas das relações ali existentes podem
nunca mais serem recuperadas.

Questões de aprendizado:

• O que é sucessão ecológica?


• Diferencie sucessão primária e secundária.
• Imagine uma ilha recém-formada no meio do oceano, como ocorre-
ria a sucessão nesta ilha?
• O que é clímax? Quais são as principais teorias sobre clímax?
• Após ter alcançado o clímax, uma comunidade ficará para sempre
nesta condição?
• Quais as características das espécies vegetais em cada sere?
• Quais os mecanismos que determinam a sequência de plantas em
uma sucessão?
• Qual a relação das clareiras e a estabilidade do clímax?
• Quais os fatores que podem influenciar no processo sucessional?

3. ECOLOGIA DE COMUNIDADES

Em todo lugar na Terra, desde uma simples poça d’água até uma flo-
resta tropical, existem muitos organismos que coexistem e compartilham dos
mesmos recursos. Estes organismos interagem entre si por meio de suas ca-
deias alimentares e outras ações comportamentais, constituindo a comunida-
de biológica de um determinado hábitat. Esta comunidade é composta por
plantas, animais e microorganismos, que participam dos processos de fluxo de
energia e ciclagem de nutrientes dentro dos ecossistemas. Neste capítulo, ve-
remos como a inter-relação entre os diversos organismos de uma comunidade
pode influenciar nos processos populacionais, determinando o tamanho de
uma dada população. Por último, veremos como a comunidade seleciona os
genótipos e, por isso, influenciam a evolução de espécies coexistentes.

Ecologia Geral 103


3.1 Visão Holística x Visão Individualista

Um debate há muito tempo discutido em ecologia versa sobre a unida-


de da comunidade. No tópico sobre sucessão ecológica, viu-se que, segundo a
teoria do monoclimax de Clements (1916), a sucessão agiria como uma mu-
dança direcional em comunidades de vegetação que conduzem a um estado
clímax, enfatizando o papel de uma comunidade de plantas na modificação do
ambiente para a instalação do próximo estágio sucessional. Nesta visão, uma co-
munidade de plantas seria comparada a um superorganismo com suas próprias
características, por isso é chamada de visão holística ou organísmica. Após a
publicação do artigo, Gleason (1917) escreveu um artigo contrário às ideias de
Clements. Para Gleason, as espécies dentro de uma comunidade se agrupavam
de forma individual de acordo com suas características genéticas e o gradiente
ambiental. Desta forma, durante a sucessão, as espécies não seriam dependentes
de outras, mas sim de suas exigências ambientais, por isso ficou conhecida como
visão individualista de desenvolvimento da comunidade (Figura 37).
Visão Organísmica
ABUNDÂNCIA

C E
B D
A

Gradiente Ambiental

Visão Individualista
ABUNDÂNCIA

B D

A E

Gradiente Ambiental

Figura 37. Na visão organísmica, as comunidades de plantas (espécies ilustrada pelas letras minúscu-
las), formam unidades discretas, com limites definidos. Na visão individualista, proposta por Gleason,
as populações respondem de modo independente a gradientes ambientais, a tal ponto que as comu-
nidades se sobreponham numa série contínua, dificultando o reconhecimento de unidades discretas.

104 Licenciatura em Biologia


Quadro 1. Parâmetros das comunidades

Para se estudar como está estruturada uma comunidade, alguns dados são
necessários para tentarmos entender como esta comunidade funciona. Den-
tre os vários parâmetros que podemos utilizar nos estudos de comunidade
se destaca a riqueza de espécies, que é expressa pelo número de espécies
presente em um determinado ambiente, conhecida também como biodi-
versidade. Os valores de riqueza são amplamente utilizados, pois permitem
comparações entre diferentes ecossistemas. Não confundam riqueza com
densidade, enquanto a primeira se refere ao número de espécies, a densidade
contabiliza o número de indivíduos de uma dada população por uma unidade
de área. A abundância relativa é utilizada na ecologia para determinar o
tamanho da população de uma espécie em um determinado habitat em re-
lação as outras populações. A frequência de uma espécie é a proporção de
amostras em que a espécie ocorre. Em estudos de comunidades vegetais al-
guns parâmetros são de maior interesse. A dominância de uma espécie tem
a ver com o volume físico que ela ocupa no espaço. Geralmente se utiliza o
valor da área basal para se calcular a dominância, este valor é representado
pela área que o tronco da árvore ocupa no espaço, ou seja, seu perímetro.
Sendo assim, espécies mais dominantes são aquelas que ocupam uma maior
área no ambiente. Outro índice muito utilizado para plantas é o de valor de
importância (VI), que é obtido através da soma dos valores de densidade,
frequência e dominância para cada espécie. Por meio deste índice podemos
ver qual espécie é a mais representativa em uma comunidade vegetal.

3.2 Conceitos de Nicho Ecológico, Habitat e Guildas

Quando se referimos ao lugar onde um organismo ou comunida-


de vive chamamos este lugar de habitat. Além do local propriamente dito,
onde o organismo vive, podemos também classificar como habitat qualquer
local em potencial que abrigaria o organismo. O nicho ecológico inclui,
além do especo físico ocupado pelo organismo, seu papel funcional dentro
da comunidade, como posição trófica, e sua posição nos gradientes ambien-
tais de temperatura, umidade, pH, solo e outras condições que limitam a
sua dispersão. Espécies podem ter o mesmo habitat, mas dificilmente terão
o mesmo nicho, veja os exemplos dos percevejos remadores Notonecta e Co-
rixa. Ambos os percevejos vivem em lagos, nas regiões mais rasas próximas
as margens, onde se desenvolve vegetação. Contudo, apesar de possuírem

Ecologia Geral 105


o mesmo habitat, essas duas espécies ocupam nichos diferentes, pois Noto-
necta é um predador ativo ao passo que Corixa se alimenta de vegetação em
decomposição. Desta maneira, ambos podem coexistir sem que haja com-
petição, ou o que veremos adiante, sobreposição de nichos.

Charles Elton (1927) deu ênfase ao termo nicho, considerando as


relações energéticas, por isso, sua versão do conceito é denominada de ni-
cho trófico. Em 1957, Hutchinson sugeriu que o nicho poderia ser visuali-
zado como um espaço multidimensional ou hipervolume, dentro do qual o
ambiente permite a um indivíduo sobreviver. Assim, o nicho proposto por
Hutchinson passou a ser designado de nicho multidimensional ou nicho
hipervolumétrico, não dependendo apenas de onde ele viva, mais também
incluindo a soma de suas exigências ambientais (Figura 38).

A B

Eixo 2

Eixo 1

C
Eixo 3

Eixo 1
o2
Eix

Figura 38. O nicho multidimensional pode ser definido como um espaço imaginário com
muitas dimensões, no qual cada dimensão ou eixo representam a faixa de alguma condição
ambiental ou biótica na qual a espécie possa sobreviver, crescer e se reproduzir. Neste exem-
plo, definimos um nicho com três eixos para melhor visualizarmos. Contudo, um nicho real
resulta da interação de n fatores (Figura retirada de Townsend et al, 2006).

Na montagem de um nicho multidimensional, devemos levar em con-


ta que nem todos os eixos são ambientais, p.ex. padrão diário de atividades de
um organismo, e que nem todos os eixos podem ser ordenados linearmente ou
contabilizados, como p.ex. o comportamento antipredação. Dentre as principais
dimensões de um nicho podemos considerar: tática de forrageamento e dieta,

106 Licenciatura em Biologia


tática reprodutiva, organização social, defesa contra predação e tolerância a fa-
tores ambientais.

Ainda em seu trabalho, Hutchinson distinguiu entre nicho funda-


mental e nicho realizado (Figura 39). O nicho fundamental represen-
ta uma série de condições sob a qual um organismo (população, espécie)
pode sobreviver e reproduzir, na ausência de interações com outras espécies
(competição, predação, parasitismo), ou seja, é a dimensão onde há condi-
ções para o organismo sobreviver. O nicho realizado é o fundamental, con-
siderando as interações com outros organismos, é o nicho que o organismo
realmente vive.
Salinidade

Temperatura
Tamanho
da presa

Figura 39. Ao considerarmos três dimensões para este eixo (salinidade, temperatura e ta-
manho da presa), conseguimos delimitar no espaço o seu nicho. A área em amarelo seria o
nicho fundamental, que reúne condições necessárias para o organismo viver e se reproduzir.
A área em vermelho corresponde ao nicho realizado, note que ele é menor, pois aqui consi-
deramos as interações como a competição. Por último, em verde, seria a área que reuniria
as condições ótimas para o organismo, onde ele teria o seu melhor fitness (desempenho
do indivíduo para a manutenção da espécie, ou seja, melhor taxa reprodutiva e número de
descendentes férteis).

Em toda comunidade temos diversas espécies de plantas e animais


convivendo juntos. Pense em uma floresta tropical e imagine como seria se
definíssemos os nichos de todas as espécies ali existentes. Com certeza, have-
ria espécies com nichos mais largos e outras com nichos mais estreitos (Figura
40). Apesar de diferenças na largura dos nichos, quando temos várias espécies
coexistindo, sempre existirá uma sobreposição de nichos, visto que algumas
dimensões do nicho seriam compartilhadas por espécies diferentes.

Ecologia Geral 107


ESPÉCIES GENERALISTAS Largura do nicho ESPÉCIES ESPECIALISTAS

Figura 40. Diferenças quanto à largura de nichos. Nichos mais estreitos geralmente são representados por espécies
especialistas, pois são mais exigentes e eficientes em relação aos recursos e são espécies topo de cadeia alimentar, os
grandes predadores. Por outro lado, as espécies generalistas são responsáveis por nichos ecológicos mais largos, pois
são espécies pouco exigentes com hábitos alimentares variados, além de terem uma alta dispersão e taxa reprodutiva.

Em situações de sobreposição de nichos, teremos competição pelo


recurso em que esta havendo a sobreposição. Neste caso, a espécie mais
competitiva exclui a outra ou mudam de nicho (se o recurso em questão
for escasso) (Figura 41). Quanto mais espécies coexistirem em um habitat,
menor será a largura dos seus respectivos nichos.

A B
DISTÂNCIA ENTRE
PICOS DE NICHO
UTILIZAÇÃO DE RECURSOS

espécies i espécies j

Sobreposição
de nicho

Dimensão do nicho

Figura 41. Em (a) temos a representação da sobreposição do nicho de duas espécies que coexistem. (B) duas espécies
ocupam nichos não sobrepostos. Quando os nichos se sobrepõem, há o aumento da competição e necessidade de
ocupação de novas dimensões do nicho, como indicado pelas setas.

O termo guilda é utilizado para grupos ou agrupamentos de espécies


que possuem papéis e dimensões de nichos comparáveis dentro da comuni-
dade. Como exemplo de guildas podemos citar insetos que se alimentam de
sangue, plantas trepadeiras, vermes parasitas intestinais, enfim, agrupando

108 Licenciatura em Biologia


espécies dentro de uma unidade funcional, podemos estudar as comunida-
des sem considerar cada espécie como uma entidade separada.

3.3Interações entre os Organismos

Para garantir a sua sobrevivência os organismos que vivem um uma


comunidade direta ou indiretamente dependem de outros organismos. Nes-
te emaranhado de interações surgem relações benéficas e outras, às vezes,
nem tão vantajosas, mas na natureza nem sempre alguém tem que perder
para outro ganhar. Muitas relações podem gerar benefícios mútuos e outras
nem sequer interferem no transcorrer do desenvolvimento. O fato que não
pode ser ignorado é que essas interações regulam a estrutura e a dinâmica
de uma comunidade e de suas populações. As relações interespecíficas, ou
seja, aquelas entre espécies diferentes, estão agrupadas em três categorias,
descritas na tabela abaixo:

Interações interespecíficas

Tipo de interação Espécie 1 Espécie 2 Descrição da interação

Competição - - Disputa pelos mesmos recursos


do ambiente existentes em
quantidade limitada

Amensalismo - 0 Relação em que uma das


espécies inibe o crescimento
ou reprodução das outras

Comensalismo + 0 Associação em que uma das


espécies se beneficia, sem
prejudicar a outra

Parasitismo + - Associação em que uma das


espécies vive sobre ou dentro
da outra, alimentando-se dela

Predação (incluindo + - Relação em que uma das


herbivoria) espécies, mata a outra para se
alimentar

Protocooperação + + Interação favorável para


ambas, mas não obrigatória

Mutualismo + + Interação favorável para


ambas, sendo obrigatória

Tabela 2. Principais relações entre espécies diferentes viventes em uma mesma comunidade.
O sinal (-) indica prejuízo para uma espécie, o sinal (+) designa vantagem, e o sinal (0)
quando nenhuma das espécies é afetada.Tabela modificada de Odum & Barret, 2007.

Ecologia Geral 109


As interações interespecíficas podem ser divididas em harmôni-
cas, quando não há prejuízo para os envolvidos e vantagem para um deles,
e desarmônicas – pelo menos um dos envolvidos é prejudicado. É impor-
tante frisarmos que se leia prejudicial para designar aumento na taxa de
mortalidade, redução na taxa de natalidade, decréscimo da taxa de cres-
cimento ou redução na capacidade de transporte e benéfico o contrário
de tudo isso.

3.2.1 Competição

A competição refere-se à disputa entre dois organismos por um mes-


mo recurso, que em geral não está disponível em quantidade suficiente para
todos. A competição pode ocorrer entre organismos da mesma espécie (in-
traespecífica) ou entre organismos de espécies diferentes (interespecífica),
mas ambas possuem a capacidade de regularem o tamanho das populações.
Neste capítulo, abordaremos os aspectos da competição entre indivíduos de
espécies distintas.

A competição entre os organismos pode ocorrer pelos mais variados


recursos como por espaço, alimento, nutrientes, luz, fêmeas e várias outras
interações. A competição por interferência ocorre quando duas espécies
entram em contato direto com a outra, como em uma luta. Na competição
por exploração, uma espécie explora o mesmo recurso com outra, como
comida, presa, mas sem o contato físico.

Organismos que competem em baixas intensidades resultam em


equilíbrio no tamanho de suas populações, contudo, quando esta competi-
ção é severa pode ocorrer de uma população substituir outra, forçar a outra
a se mudar ou ainda que utilize outra fonte alimentar. A explicação para
esta condição foi proposto por Gause (1932), como princípio de Gause
ou como princípio da exclusão competitiva. O princípio de Gause diz
que duas espécies competidoras podem coexistir em um ambiente, mas
isso só é possível como resultado da diferenciação de nicho. Contudo, se
não existir essa diferenciação de nicho, uma espécie pode excluir a outra.
Esta exclusão é mais provável de ocorrer em ambientes onde não exista
migração, como em ilhas e culturas laboratoriais. Um exemplo de exclusão
competitiva pode ser ilustrado pela distribuição de duas espécies de cracas
em costões rochosos (Figura 42).

110 Licenciatura em Biologia


Maré alta
Chthamalus máxima

Maré alta
média
Balanus
Maré média

Maré baixa

Figura 42. Distribuição de duas espécies de cracas em costões rochosos. A espécie Balanus
é maior e resiste menos à dessecação, por isso ocupa a faixa inferior do costão. A espécie
menor Chthamalus, como resiste mais a dessecação e perde competitivamente para Bala-
nus, restringiu sua distribuição à parte superior do costão. Note que na faixa de maré alta
média, é a zona de maior competição entre as cracas, região de sobreposição dos nichos.
Modificada de Odum & Barret at al. 2007.

3.3.2 Predação e Herbivoria

A predação é uma relação ecológica na qual o predador mata e se


alimenta de uma presa. Quando o predador é um consumidor primário, ou
seja, se alimenta de plantas, a interação é denominada de herbivoria. Os
carnívoros são considerados predadores verdadeiros, pois atacam e matam
suas presas. Os herbívoros são também chamados de pastejadores, visto que
consomem apenas parte de cada item da presa, usualmente não matando
suas presas, pelo menos a curto prazo (Figura 43).

Figura 43. A predação é a relação em que o predador se alimenta de sua presa. Os carní-
voros são considerados predadores verdadeiros, pois matam e comem as suas presas. Por
outro lado, os herbívoros são chamados de pastejadores, pois estes não necessariamente
matam suas presas para se alimentarem.

Ecologia Geral 111


Os predadores podem causar redução na abundância de suas presas
em decorrência da redução do crescimento, da fecundidade ou da sobrevi-
vência de sua presa. Entretanto, porque os predadores não conseguem dizi-
mar a população de suas presas? Porque não seria interessante por parte dos
predadores ficarem sem alimento, além disso, existem alguns efeitos que são
compensatórios da predação:

• Herbivoria: as plantas podem compensar o efeito da herbivoria de


diversas maneiras. A remoção de folhas de uma árvore pode diminuir
o sombreamento sobre as demais favorecendo o aumento na taxa de
fotossíntese. Com a herbivoria, geralmente as gemas são estimuladas
a se desenvolver, favorecendo o crescimento das plantas. Respostas
defensivas também são uma arma ao herbivorismo. Como defesa, as
plantas produzem substâncias químicas indigestas ao paladar ou mu-
dam a estrutura de suas folhas, como o aumento de fibras, tornando-
-as menos nutritivas.
• Predadores: as presas que não serviram de alimento tem uma me-
nor densidade, desta forma existe uma redução na competição intra-
específica, como consequência, mais disponibilidade de alimento e
maior fecundidade. Geralmente, os predadores atacam os mais fracos
e vulneráveis como forma de economizar energias na caça, poupan-
do as presas com maior capacidade reprodutiva. Estes organismos
por processos reprodutivos se encarregam de aumentar a população
de presas (Figura 44).

REDUZ POPULAÇÃO
PREDAÇÃO
PRESAS

AUMENTA POPULAÇÃO REDUZ COMPETIÇÃO


DE PRESAS INTRA-ESPECÍFICA

AUMENTA RECURSOS
E REPRODUÇÃO

Figura 44. Esquema demonstrando o efeito compensatório da predação, na relação presa x predador.

112 Licenciatura em Biologia


Esta flutuação no tamanho das populações de presa também reflete
no tamanho da população de predadores. Segundo o modelo presa-pre-
dador de Lotka-Volterra, um aumento na população de presa gera um au-
mento na de seus predadores, e este aumento reduz a população de presas.
Desta forma, os predadores e suas presas apresentam uma oscilação conjun-
ta na abundância (ciclo populacionais) (Figura 45).

PRESA
Abundância

PREDADOR

Tempo

Figura 45. Flutuações das populações de presa x predador de acordo com o modelo de Lotka-Volterra.
Um aumento na população de predador implica na diminuição do tamanho da população de presas.

Quadro 2. O predador faz bem à presa?

Poderíamos imaginar que a vida de uma presa sem o seu predador seria muito mais
tranquila não tendo que sempre estar alerta para se defender de um ataque. Na
savana africana, presas como zebras, gnus e cervos vivem sob constante ameaça de
seus predadores, como leões e chitas. Porém, a falta de um predador pode causar
prejuízo a suas presas. Se retirássemos todos os predadores da savana a população
das presas iria aumentar consideravelmente, aumentando a herbivoria a ponto de
diminuir o alimento disponível para pastejo.A diminuição do alimento seria o fator
limitante para os herbívoros, resultando assim na diminuição da população. Apesar
de ser agressiva uma caçada de um leão a uma zebra, temos que levar em conside-
ração que este ato é para o bem coletivo de toda a população de presas.

Um estudo clássico feito por Robert Paine (1974) demonstrou a importância


de predadores na regulação de comunidades biológicas, influenciando os resul-
tados das interações competitivas entre as espécies de presas. Ao estudar um
costão rochoso, Paine verificou que uma estrela-do-mar (Pisaster ochraceus) se
alimentava de várias espécies de cracas, mexilhões, quitões e lapas. Ao remover
a estrela-do-mar das áreas experimentais, verificou-se uma redução no número

Ecologia Geral 113


de espécies de presas (de 15 para 8 espécies). A diversidade de presas diminuiu
porque, com a retirada da estrela-do-mar, as populações de cracas e mexilhões
aumentaram, e estas deslocaram as outras populações de presas, visto que
eram competidoras mais bem-sucedidas. Com este experimento, Paine conse-
guiu demonstrar que em uma comunidade a predação promove a coexistência
de espécies entre as quais haveria exclusão competitiva, pois, como visto ante-
riormente, a predação reduz a densidade que reduz a competição por recursos.
Este fato é conhecido como coexistência mediada pelo predador.

No exemplo anterior, podemos considerar a estrela-do-mar Pisaster achraceus


como sendo uma espécie-chave – espécie cuja remoção leva à extinção
ou a grandes mudanças na abundância de outras espécies produzindo uma
comunidade com uma composição de espécies e aparência físicas distintas.

Fonte: FUNDAMENTOS EM ECOLOGA. TOWNSEND, C.R., BEGON, M. &


HARPER, J.L. Editora Artmed, 2006.

Figura 46. Pisaster ochraceus, considerada uma espécie-chave por controlar a di-
versidade da comunidade por meio da predação. Fonte: http://commons.wikimedia.
org/wiki/File:Starfish,_Oregon_coast.jpg. Autor: Steven Pavlov.

3.3.3 Parasitismo

Uma boa parte das espécies vive dentro ou sobre os corpos de ou-
tros organismos. Enquanto o predador mata a sua presa para comê-la, os
parasitas retiram recursos de seu hospedeiro, mas não o matam, pelo me-
nos a curto prazo. Geralmente, os parasitas são mais especializados que os
predadores, eles se instalam em uma ou poucas espécies, por outro lado os
predadores possuem uma gama maior de presas. Assim como os predado-
res, os parasitas ajudam a manter os seus hospedeiros em baixas densidades,
assim eles não destroem seus próprios suprimentos de alimentos e habitat.

114 Licenciatura em Biologia


Os parasitas podem ter os mais variados tamanhos, desde milíme-
tros, como os ácaros, a vários metros, como as solitárias. Os parasitas tam-
bém podem habitar a superfície ou o interior dos seus hospedeiros. Quando
vivem sobre o corpo de seus hospedeiros, como piolhos e carrapatos, são
conhecidos como ectoparasitas e, geralmente, possuem facilidades para a
dispersão, mas essa exposição ao meio ambiente exige custos, como maior
exposição à seca, ao frio e ataque de predadores. Quando os parasitas vi-
vem dentro do corpo de seus hospedeiros, como os vermes, são chamados
de endoparasitas (Figura 47). Os endoparasitas geralmente são altamente
especializados em seus hospedeiros e a extinção do mesmo também causa
a sua extinção, como aconteceu com o pombo viajante. No ano de 1914, o
pombo viajante foi extinto. Ele era o hospedeiro de duas espécies de pio-
lhos mastigadores (Columbicola extinctus e Campanulotes defectus). Com a
extinção do pombo viajante, essas duas espécies de piolhos também foram
extintas com seu hospedeiro (TOWNSEND, et al, 2006).

Mas como os parasitas evoluíram juntamente com seus hospedeiros?


Os ectoparasitas podem ter evoluído a partir de espécies que a princípio
eram comensais ou ocupantes ocasionais da superfície do corpo do hospe-
deiro. Os ancestrais de endoparasitas devem ter sido ingeridos acidental-
mente e sobreviveram, o que os levou a uma rápida seleção de características
necessárias ao relacionamento parasitário. Nos vermes que possuem hospe-
deiro intermediário em seu ciclo de vida, o próprio hospedeiro interme-
diário deve ter sido o original. Quando o primeiro hospedeiro foi ingerido
pelo segundo hospedeiro, o parasita sobreviveu no novo hospedeiro, mas as
adaptações que já tinham evoluído exigiram que se preservasse o estágio do
primeiro hospedeiro no ciclo do parasita (RUPPERT & BARNES, 1996).

Figura 47. Os parasitas podem ser classificados de acordo com a região do corpo que para-
sitam. A sanguessuga é um exemplo de ectoparasita, pois parasita a pele do hospedeiro. Ao
contrário, os endoparasitas irão se alojar no interior do corpo de seus hospedeiros.

Ecologia Geral 115


Quadro 3. Piolhos, pulgas e carrapatos

Os ectoparasitas mais comuns entre os humanos, piolhos, pulgas e carrapatos,


no geral são bem especializados em poucos hospedeiros e no mesmo hos-
pedeiro existem ectoparasitas especializados em partes específicas do corpo,
como os piolhos em humanos. Existem três espécies de piolhos que parasitam
o ser humano, sendo que um é restrito aos cabelos (Pediculus capitis) e outro
aos pelos do corpo e roupas (Pediculus humanus.) e o piolho que parasita a área
íntima (Pthirus pubis), popularmente conhecido como chato. Algumas pulgas de
galináceos (Tunga penetrans) podem também se instalar no ser humano se de-
senvolvendo no conhecido bicho-de-pé.As pulgas também podem transmitir ao
homem o verme Dipylidium caninum, que normalmente é encontrado em cães.
Contudo, quando uma pulga portadora do verme parasita o ser humano, ele
pode ser transmitido ao homem, neste caso chamamos de parasito acidental –
parasitas que acidentalmente vivem em um hospedeiro que não é o de costume.

Figura 48. Piolho, ácaro e carrapato.

Ácaros são parasitas que podem também se instalar na pele dos seres humanos, levan-
do a caso de escabiose, as famosas sarnas (Sarcoptes scabiei). Esta infecção pode ocorrer
por contato direto com a área infectada de animais ou outras pessoas. Os ectoparasitas
que vivem se alimentando do sangue ou de restos de pele morta, desencadeiam graves
quadros de irritação decorrentes de coceiras. Crianças com infestações de piolhos po-
dem ter irritações decorrentes de noites mal dormidas e baixo rendimento escolar de-
vido à coceira intensa.A infestação em aves pode levar a baixa produtividade em granjas,
pois a irritação causada por piolhos tornam as aves inquietas assim elas não comem ou
digerem o alimento corretamente, causando prejuízos econômicos.

Os carrapatos podem sugar uma grande quantidade de sangue de seus hospe-


deiros, além de inocular substâncias tóxicas e transmitir doenças (como a febre
maculosa) deixando-os fracos e anêmicos. Esta condição nutricional pode abrir
portas para outras infecções e levar o hospedeiro a morte. Em gados leiteiros,

116 Licenciatura em Biologia


cada fêmea de carrapato suga cerca de 0,5 ml a 1,0 ml de sangue, que resultará
na diminuição de 8,9 ml de leite por vaca (BRITO et al, 2010).

Fonte:UM INSETO NA CABEÇA.InVivo/FioCruz.Sarita Coelho.Disponível em:


http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=235&sid=8.
Acesso: 04 de set. 2012.

Apesar dos parasitas que vivem no interior dos intestinos de outros


organismos possuírem proteção e isolamento, esta mesma proteção dificulta
a sua dispersão de um hospedeiro para o outro. Muitas espécies de parasitos
intestinais resolveram o problema mediante ciclos de vida complexos, neces-
sitando de um hospedeiro intermediário, como no caso do ciclo dos vermes
conhecidos como tênias. O ciclo deste verme envolve a passagem de ovos dos
parasitos em fezes humanas para o gado (Taenia saginata) ou porco (Taenia
solium), em alimento contaminado. O parasito então se desenvolve no gado/
porco e pode ser transferido ao homem pelo consumo de carne mal cozida.

Apesar de a morte do hospedeiro geralmente significar a morte do para-


sita, alguns parasitas podem matar seu hospedeiro e depois continuar a crescer
e se reproduzir sobre o corpo morto, p.ex. moscas varejeiras (Lucilia) e fungos
(Figura 49). Estes organismos são ditos facultativos, pois nem sempre são obri-
gados a ser parasitas, mas ao começar a decompor seu recurso alimentar antes
que seu hospedeiro esteja morto, eles têm uma vantagem sobre os outros que
tem que esperar pela morte para inicializar a decomposição. Os parasitas que so-
mente sobrevivem enquanto seus hospedeiros viverem são ditos obrigatórios.

Figura 49. Sapo com deposição de ovos de mosca-varejeira (Lucilia) em suas costas. Inicial-
mente as larvas se alimentam de detritos junto à pele ou de feridas e depois se penetram
no tecido vivo de onde começam a se alimentar, frequentemente matando o hospedeiro ou
tornando-o mais suscetível à morte. As larvas continuam a consumir o corpo morto até que
incubem para se tornar uma mosca adulta.

Ecologia Geral 117


Como visto os parasitas nunca desejam a morte de seu hospedeiro,
por isso eles tendem a manter a infestação em níveis intermediários. Mas
como os parasitas conseguem regular a sua população? Da mesma forma
que qualquer outra população, os parasitas também são dependentes da
densidade, por isso um aumento na densidade resulta na competição intra-
específica, controlando a infestação.

Na internet:

• Parasitas, os donos do mundo


Disponível em: http://super.abril.com.br/ciencia/donos-mundo-
441746.shtml. Acesso em: set. 2012.

• Menor mosca do mundo: parasita as cabeças de formigas


Disponível em: http://www.jornalciencia.com/meio-ambiente/
animais/1853-menor-mosca-do-mundo-e-um-parasita-terrivel-e-tem-o-
-tamanho-de-um-grao-de-sal. Acesso: set. 2012.

Quadro 4. Parasitismo vegetal

O parasitismo não acontece somente entre animais quando se alimentam de


sangue ou de nutrientes como os vermes intestinais. No reino vegetal exis-
tem algumas plantas que parasitam outras plantas. Um exemplo conhecido
é a erva-de-passarinho (Tripodanthus acutifolius e T. flagellaris), que com suas
raízes penetram nos tecidos da árvore hospedeira e dependem dela para ob-
terem água e nutrientes minerais. A infestação por erva-de-passarinho pode
causar a debilidade da planta hospedeira. A erva-de-passarinho é considerada
uma hemiparasita, pois é capaz de realizar fotossíntese independente. Di-
ferentemente da cuscuta (Cuscuta spp.) que é um parasito verdadeiro, pois
não possui clorofila. A cuscuta penetra na planta hospedeira, utilizando-se dos
produtos da fotossíntese, de nutrientes e água.

Além das próprias plantas agindo como parasitas, as plantas podem ser parasi-
tadas por outros organismos, como os fungos no caso da ferrugem. As galhas
são respostas a uma invasão por parasitas (vírus, bactérias, fungos, nematóides,
ácaros ou insetos) que desenvolvem uma hiperplasia ou hipertrofia do tecido
como maneira de isolar a área infectada. No caso dos vermes nematóides, no
estágio juvenil eles entram no corpo da planta e alimentam-se das células vivas,
produzindo as galhas ou causando a morte tecidual. A reprodução ocorre den-
tro do hospedeiro, e uma nova geração de juvenis migra para outras plantas.

118 Licenciatura em Biologia


Figura 50. Parasitismo vegetal:
Tripodanthus flagellaris (erva-de-passarinho).
Cuscuta europaea. Note como esta planta parasita se enrola em uma folha de
monocotiledônea. Popularmente são conhecidos como fios de ovos e cabelo de anjo.
Galha provocada pela invasão de um verme nematódeo. Esta estrutura age como
uma barreira física, impedindo a disseminação do parasita para toda a planta. Os
organismos galhadores geralmente possuem alta especificidade as plantas.

Fonte: Autotrofia em Tripodanthus acutifolius (erva-de-passarinho) – um regis-


tro. Emilio Rotta. Comunicado técnico, n 115, dez. 2004. EMBRAPA. Disponí-
vel em: http://www.cnpf.embrapa.br/publica/comuntec/edicoes/com_tec115.
pdf. Acesso: 04 de set. 2012.

3.3.4 Amensalismo

O amensalismo ocorre quando uma espécie tem um efeito negativo


sobre a outra, mas não existe um efeito recíproco (-/0), como p.ex. no caso
dos antibióticos, como a penicilina, que inibe o crescimento de bactérias.
Na interação entre vegetais, o amensalismo é chamado de alelopatia (-/+).

Certos vegetais são capazes de liberar substâncias que impedem as


outras de se estabelecerem e crescerem. Os efeitos alelopáticos possuem um
importante papel no processo sucessional, pois influência na cronossequ-
ência das espécies. As interações químicas podem afetar a diversidade e a
composição das comunidades, visto que algumas espécies possuem um alto
poder alelopático contribuindo para uma baixa diversidade de espécies.

Em 1925, pela primeira vez a ciência começou a explicar as causas


do fenômeno, quando A.B. Massey observou que morriam todos os pés de
tomate plantados a uma distância de até 16 metros do tronco da noguei-
ra (Juglans nigra). Quando os pés de tomate eram plantados além dessa
distância eles se desenvolviam bem. Como essa distância coincidia com a
extensão das raízes da nogueira, ele supôs que as raízes liberassem no solo

Ecologia Geral 119


uma substância tóxica para outras plantas. Depois se descobriu que a área da
copa da árvore também influía no fenômeno e demonstrou-se que as folhas
da nogueira produziam uma substância que era extraída pela umidade e, ao
penetrar no solo, sofria hidrólise e oxidação, transformando-se em uma naf-
toquinona, toxina que recebeu o nome de juglona (Figura 51). A substância
produzida era inofensiva para a própria nogueira, porém, uma vez no solo,
passava a ser extremamente tóxica para outras plantas, levando-as à morte e,
inclusive, inibindo a germinação de sementes.

16 metros 16 metros

Figura 51 - No experimento realizado por Massey, os pés de tomate não se desenvolviam


em um raio de 16 metros a partir da nogueira. Esta distância é delimitada pelo alcance das
raízes que libera o composto alelopático juglona.

3.3.5 Comensalismo, Protocooperação e Mutualismo

Até aqui discutimos separadamente a importância de cada tipo de


relação desarmônica, ou seja, aquela em que uma das partes leva prejuízo na
interação. Porém, na estruturação de uma comunidade as relações em que
ambas as partes são beneficiadas também possuem sua importância, pois as
relações positivas e negativas tendem a se equilibrar de forma recíproca. De
acordo com ODUM & BARRET (2007), as interações positivas foram se
desenvolvendo na seguinte sequência evolutiva:

• Comensalismo: apenas uma população se beneficia;


• Protocooperação: ambas as populações se beneficiam;
• Mutualismo: ambas as populações se beneficiam e tornam-se com-
pletamente dependentes uma da outra.

O comensalismo é comum entre organismos sésseis, como moluscos


e esponjas que hospedam outros organismos que necessitam de abrigo dos
hospedeiros, mas em troca não causam danos nem benefícios. Alguns caran-
guejos vivem na cavidade do manto de ostras, de onde asseguram proteção e
restos alimentares. Uma conhecida relação comensal é a existente entre as rê-
moras e os tubarões (Figura 52). As rêmoras possuem ventosas que se aderem

120 Licenciatura em Biologia


à superfície ventral dos tubarões, assim elas conseguem um meio de transpor-
te e podem se alimentar dos restos alimentares consumidos pelos tubarões.

Figura 52. Comensalismo entre tubarão e rêmora. Apesar de o tubarão não levar vantagem e
nem desvantagem nesta relação, ele permite à rêmora que se fixe ao seu corpo por ventosas, fa-
cilitando assim seu transporte e se alimentando de restos alimentares consumidos pelo tubarão.

As plantas epífitas, como as orquídeas, bromélias e samambaias são


muito comuns nas florestas brasileiras e se caracterizam por viverem sobre
outras árvores, conseguindo assim absorver uma maior quantidade de luz se
comparado às plantas que crescem no nível do solo.

Quando ambos os envolvidos ganham com a relação, mas conse-


guem sobreviver separadamente, essa relação é chamada de protocoopera-
ção (Figura 53). Alguns caranguejos e celenterados se associam e usufruem
de benefícios mútuos. Os celenterados se fixam sobre as costas dos caran-
guejos e conferem a estes, proteção, pois possuem tentáculos com células
urticantes. Por sua vez, os celenterados são beneficiados pela locomoção
prestada pelo caranguejo facilitando a obtenção de alimento. Ambos sobre-
vivem separadamente, mas a união gera benefícios mútuos.

Figura 53. Protocooperação entre caranguejo e anêmona. O caranguejo promove locomoção


à anêmona, que por sua vez oferece proteção ao caranguejo contra os predadores, devido
aos seus tentáculos urticantes. Apesar de sobreviverem separados, neste caso os dois juntos
agregam maiores vantagens para ambos.

Ecologia Geral 121


No último estágio de avanço nas relações harmônicas, o mutualismo
ou simbiose obrigatória, as espécies se beneficiaram tanto com a união,
que não podem mais viver isoladamente. Geralmente, ocorre com organis-
mos com necessidades diferentes, senão resultaria em competição, como
entre os autótrofos e heterótrofos. Um clássico exemplo desse tipo de inte-
ração ocorre entre algas (autótrofo) e fungos (heterótrofos) na formação de
liquens (Figura 54). Nesta associação, a alga fornece a glicose oriunda da fo-
tossíntese, e o fungo retém umidade e sais minerais necessários ao processo.
Em decorrência desta união, ambos são possibilitados de sobreviverem em
lugares que isoladamente não ofereceriam as condições necessárias.

Figura 54. Associação mutualística entre algas e fungos. Neste tipo de associação a interde-
pendência não permite que sobrevivam separados.

O homem deve boa parte da sua alimentação às relações mutualísticas.


A produção de alimento em larga escala requer um solo rico em nutrientes,
principalmente o nitrogênio que age como fator limitante para o crescimento
de plantas. Apesar de o nitrogênio constituir a maior parte da nossa atmosfera,
as plantas não conseguem absorvê-lo na forma gasosa. Neste ponto, entra em
ação a importância da associação mutualística entre as raízes de leguminosas e
bactérias do gênero Rhizobium, formando o que chamamos de micorrizas. Es-
tas bactérias formam nódulos nas raízes das leguminosas e conseguem captar
o nitrogênio atmosférico e convertê-lo em amônia, que pode posteriormente
ser utilizada para a produção de aminoácidos. As bactérias se utilizam dos de-
rivados da fotossíntese para sobreviverem.

Muitos cientistas acreditam que as primeiras células eucarióticas sur-


giram da fusão de uma arqueobactéria com uma eubactéria. As mitocôn-
drias responsáveis pela respiração celular e os cloroplastos responsáveis pela
fotossíntese, já foram procariotos com vida independente. À medida que
o ecossistema evolui o mutualismo parece substituir o parasitismo. Muitas

122 Licenciatura em Biologia


relações mutualísticas julgam-se terem se iniciado por um processo parasi-
tário em que ambos evoluíram para uma interdependência. Muitos micro-
organismos existentes no interior de seus hospedeiros ruminantes são de
vital importância na digestão da celulose. Animais como o gado, coelhos e
cupins não conseguem retirar energia a partir da celulose porque não fabri-
cam a enzima celulase, desta forma eles precisam de bactérias e flagelados
que produzem esta enzima para a realização da digestão. Em troca, os micro-
organismos conseguem um meio de cultura com temperatura controlada.

Quadro 5. A formiga cortadeira

Algumas relações mutualísticas podem ocorrer fora do corpo do hospedeiro.


Quando vemos formigas cortadeiras atacando uma planta e depois carregando
os fragmentos de folhas para o interior dos formigueiros, este ato nos leva
a crer que as formigas se alimentarão das folhas no sossego do formigueiro.
Entretanto, estas formigas se alimentam não das folhas que elas coletam, e sim
de fungos basidiomicetos que crescem sobre as folhas que elas depositam no
interior das câmaras dos formigueiros. Em troca, as formigas além de levar as
folhas que servem como alimento para os fungos no processo de decomposi-
ção, elas depositam material fecal que contém enzimas proteolíticas que faltam
aos fungos.

As formigas cortadeiras compreendem 2 gêneros; Atta e Acromyrmex; com


um total de cerca de 40 espécies; alguns dos quais são sérias pragas agrícolas.
Algumas espécies de Atta, por exemplo, são capazes de desfolhar uma laranjei-
ra inteira em menos de 24 horas. A maioria dos venenos que é utilizado para
eliminar as formigas cortadeiras age diretamente na destrutição do fungo, que
indiretamente destruirão as formigas.

Figura 55 - Imagem Formiga Cortadeira

Ecologia Geral 123


Fonte: FORMIGA-CORTADEIRA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida:
Wikimedia Foundation, 2012. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.
php?title=Formiga-cortadeira&oldid=29893144>. Acesso em: 4 set. 2012.

Para refletir:

Em sua opinião em qual destas relações estudadas o ser humano melhor se


enquadra na relação com o meio ambiente em que vive?

Infelizmente, os seres humanos estão agindo como parasitas do planeta Terra,


pois retiram do campo grandes quantidades de comida e água, degradam os
recursos naturais e eliminam uma quantidade enorme de substâncias tóxicas
no ambiente. Para que a humanidade não venha a destruir o seu hospedeiro a
ponto de destruir a si mesma, é preciso evoluir esta relação de parasitismo para
um estágio mutualístico.

3.4 Coevolução

A coevolução é a evolução conjunta de duas ou mais espécies não in-


tercruzantes (sem troca de material genético), que têm uma estreita relação
ecológica, como as plantas e os herbívoros e os parasitas e hospedeiros. A evo-
lução de uma espécie na relação depende, em parte, da evolução da outra.

A noção de coevolução foi proposta por Ehrlich & Raven (1964).


Neste estudo, eles observaram a relação entre um inseto fitófago e uma
planta que servia de alimento. Esta planta produz um composto levemente
tóxico, como estratégia de evitar a herbívoria por parte do inseto. Contudo,
alguns insetos conseguem se alimentar desta planta, e cada vez mais ela so-
fre mutações que aumenta a toxicidade da substância. Dessa forma, com o
aumento dos componentes tóxicos os insetos que a atacam se tornam cada
vez mais raros, e a planta, por sua vez, pode se diversificar produzindo novas
espécies. Mas nessa corrida evolucionária, alguns insetos também sofreram
mutações e se adaptaram aos novos níveis tóxicos, muitas vezes o incorpo-
rando ao seu metabolismo. Chega-se assim, a um conjunto de espécies que
se especializaram em uma ou em algumas plantas.

Os herbívoros também exercem uma forte pressão seletiva sobre as plan-


tas que pastam (Figura 56). As plantas são capazes de produzir compostos se-

124 Licenciatura em Biologia


cundários que as tornam mais indigestas ou tóxicas. Os herbívoros, por sua vez,
se adaptam a essas substâncias químicas por meio de mudanças em seu próprio
metabolismo genético ou fisiológico. Sendo assim, herbívoros e plantas coevo-
luem nessa corrida pela sobrevivência.

Figura 56. Capivara exercendo pressão seletiva sobre a pastagem. Neste processo, todos os
envolvidos evoluem em conjunto na tentativa de aumentarem a sua sobrevivência.

Questões de Aprendizado:

1) Quais são os principais enfoques no estudo de comunidades?


2) Defina e dê exemplos de simbiose, parasitismo, mutualismo e co-
mensalismo.
3) Quanto à forma de obtenção de nutrientes, qual a diferença entre os
parasitas e os mutualistas que habitam os intestinos dos vertebrados?
4) Discuta as seguintes sentenças:
a) “Os herbívoros ruminantes não são realmente herbívoros, mas
sim consumidores dos subprodutos dos mutualistas que vivem em
seus intestinos”
b) “Os parasitas intestinais, na maioria, são competidores de
seus hospedeiros por nutrientes”
5) Como um parasita pode prejudicar seus hospedeiros?
6) Diferencie predadores verdadeiros e pastejadores.
7) Uma população de gafanhotos que consuma uma planta até a sua
morte, deve ser considerada um predador ou pastejador?
8) A predação é ruim para o organismo que virou presa. Discuta como
a predação pode ser benéfica para aqueles que não são consumidos.
9) Explique porque existe uma tendência do tamanho de populações
de presas e predadores flutuarem em ciclos.
10) Defina coevolução. Ela ocorre em nível de população ou comunidade?

Ecologia Geral 125


3.5 Padrões de Riqueza de Espécies em Comunidades

Riqueza (S) foi definida como o número de espécies existente em


determinada comunidade. Um dos desafios dos ecólogos é compreender
como a riqueza varia no tempo e no espaço.

A sobreposição de nichos em uma comunidade é uma das condições


para o aumento do número de espécies. Como visto anteriormente, o nicho
ecológico de uma espécie representa, além do especo físico por ela ocupado,
o seu papel funcional e os gradientes ambientais que a distribui dentro da co-
munidade. Sendo assim, quanto maior a quantidade de recursos oferecidos por
um ecossistema, maior será o número de indivíduos ali presente. Sabendo que
cada espécie possui o seu nicho e que quanto mais indivíduos viverem em um
habitat, maior será a probabilidade de esses nichos se sobreporem. Sendo assim,
se em um determinado ecossistema a maioria das espécies forem especialistas,
os nichos serão estreitos, permitindo coexistir mais espécies. Isso pode explicar,
em parte, a alta diversidade de ambientes mais desenvolvidos sucessionalmente.

Quadro 6.Tamanho amostral e índice de diversidade

Contar o número de espécies existentes em uma comunidade parece simples, mas na


prática fatores bióticos e abióticos influenciam na estimativa. O número de espécies
levantado depende do número de amostras levantadas.As espécies mais comuns são
as registradas nas primeiras e poucas amostras, contudo, devemos considerar que a
maioria das espécies são raras, ou seja, estão distribuídas em baixas densidades. Mas
como saber se o esforço amostral foi suficiente para expressar a diversidade na área
amostrada? Pesquisadores se utilizam de um método conhecido como curva do co-
letor. Este método consiste em plotar cada ocorrência nova de espécie por amostra,
até que o número de espécies alcance um valor constante (platô). (Figura 57)
RIQUEZA

Platô

NÚMERO DE AMOSTRAS

Figura 57 - Curva do coletor. Observe que o incremento de espécie é rápido no iní-


cio da amostragem, depois de algumas amostras a mais, encontrar novas espécies
vai ficando mais difícil, até que a riqueza se estabilize (platô). Neste ponto, o esforço
amostra é suficiente.

126 Licenciatura em Biologia


Apesar de a riqueza ser um bom indicador de biodiversidade, ele pode mascarar
alguns aspectos importantes relacionados à estrutura e composição da comunida-
de, pois não diferencia espécies raras de comuns. Observe as duas comunidades
abaixo, ambas com o mesmo número de espécie.

Comunidade A Comunidade B

Número de indivíduos por espécie

Espécie 1 10 15

Espécie 2 15 90

Espécie 3 09 11

Espécie 4 12 05

Espécie 5 18 04

Espécie 6 11 10

Espécie 7 17 09

Espécie 8 15 14

Espécie 9 16 12

Espécie 10 10 05

Densidade Total 133 175

Ao compararmos a comunidade A com a comunidade B, vemos que ambas possuem


a mesma riqueza (10 espécies), contudo, com uma melhor observação, veremos que
a abundância relativa das espécies em cada comunidade é diferente. Na comunidade
A, a densidade de cada espécie está distribuída de forma mais equilibrada, enquanto
na comunidade B, somente a espécie 2, conta com mais de 50% dos indivíduos amos-
trados. Neste caso, para podermos melhor representar os dados, podemos incluir
o cálculo do índice de diversidade. Este índice permite combinar os dados de
riqueza e a uniformidade na distribuição dos indivíduos entre as diferentes espécies.

Existem diferentes índices de diversidade. O mais utilizado é o índice de Shan-


non-Weaver (simbolizado pela letra H) (Magurran, 1988).

Onde:
H’: índice de Shannon-Weaver
S: número total de espécies
pi: abundância relativa de cada espécie, que é expressa pela fórmula
N: número total de todos os organismos
ni: número dos indivíduos em cada espécie; a abundância de cada espécie

Ecologia Geral 127


Calculando o índice de diversidade para ambas as comunidades, o resultado demons-
trou que a comunidade A (H’: 0,98) possui um índice maior que a comunidade B (H’:
0,74). O menor índice da comunidade B se deve ao fato da equitabilidade na distri-
buição das espécies serem baixas (a espécie 2 foi responsável pela queda no índice).

3.5.1Fatores que Influenciam na Riqueza

O valor de riqueza entre os diferentes biomas ao redor do mundo é


muito variável (procurar tabela com valores). Mas como explicar valores de
biodiversidade tão altos para florestas tropicais e tão baixos para ambientes
desérticos? Existem vários fatores que podem influenciar na riqueza e sua
distribuição ao redor do mundo, que serão detalhados logo abaixo:

3.5.1.1Competição

Em uma comunidade dominada pela competição os recursos estão


sendo explorados ao máximo. Desta forma, a riqueza será influenciada pela
quantidade de recursos disponíveis e sobreposição de nichos.

3.5.1.2 Predação

A predação pode diminuir a riqueza diante de uma intensa taxa de


predação, extinguindo espécies, ou ter o efeito contrário, aumentando a ri-
queza em decorrência da queda da competição interespecífica, permitindo,
assim, a coexistência das presas e a sobreposição de nicho (coexistência me-
diada pelo predador – Quadro 2).

3.5.1.3 Produtividade Primária

O aumento na produtividade primária acarreta no aumento da bio-


massa e, consequentemente, na disponibilidade de alimento. Um ambiente
que possui uma maior oferta de alimento poderá abrigar um maior número
de espécies diferentes, com necessidades diferentes. Geralmente, ambientes
com altas taxas de produtividade são decorrentes de uma alta riqueza de
plantas que se reflete na riqueza de animais.

128 Licenciatura em Biologia


No entanto, algumas vezes um incremento na produtividade não
quer dizer necessariamente, um incremento na produtividade. O aumento
na produtividade eleva o crescimento populacional, que pode aumentar a
competição entre as espécies e a extinção. Por isso que muitos autores suge-
rem que níveis intermediários de produtividade sejam o ideal para propor-
cionar aumento na riqueza.

3.5.1.4 Heterogeneidade Espacial

Ambientes heterogênicos conseguem proporcionar um maior nú-


mero de micro-habitats, microclimas, um maior número de esconderijos
contra predadores, locais para postura de ovos, enfim, a diferenciação do
habitat permite a diferenciação das espécies (Figura 58).

Figura 58. Ao compararmos uma floresta com uma região desértica fica fácil entender a
maior riqueza encontrada no ecossistema florestal. A heterogeneidade espacial permite
uma fonte maior de micro-habitats, proporcionando maior número de espécies. A região
desértica possui um ambiente mais constante ao longo do seu território, refletindo em
uma menor riqueza.

3.5.1.5 Ambientes Extremos

Um ambiente pode ser chamado de extremo quando os organismos


não conseguem sobreviver nele, como fossas hidrotermais (onde a tempe-
ratura da água é muito elevada), regiões desérticas (baixa pluviosidade) e o
mar Morto (alta concentração de sal). Mas mesmo nesses ambientes com
condições extremas, alguns poucos organismos se adaptaram para viver nes-
sas regiões, o que torna a riqueza baixa nesses ambientes, caracterizados por
baixa produtividade primária e heterogeneidade ambiental.

Ecologia Geral 129


3.5.1.6 Variações Climáticas

Em ambientes previsíveis, com baixas mudanças sazonais, as espécies


conseguem se adaptar a essas mudanças, sem que haja mortalidade perante
condições climáticas adversas. Ambientes estáveis comportam mais espé-
cies especialistas e sobreposição de nichos, resultando em uma maior rique-
za. Geralmente, ambientes estáveis estão em níveis próximos à capacidade
de suporte, o que pode resultar em exclusão de espécies por competição.

3.5.1.7 Distúrbios

Quando uma comunidade passa por um distúrbio, ela tende a voltar


para seus estágios iniciais de sucessão. Se o distúrbio for muito frequente
manterá a comunidade nos estágios iniciais onde a riqueza tende a ser baixa,
se por outro lado o distúrbio for muito raro, farão com que as espécies mais
competitivas dominem, resultando também em baixas riquezas. Tentando
explicar os padrões de riqueza em florestas tropicais e em recifes de corais,
Connel (1978) propôs a hipótese do distúrbio intermediário (Figura
59), no qual se espera que as comunidades contenham mais espécies quan-
do a frequência de um distúrbio não é nem muito intensa, nem muito rara.
Exclusão
competitiva
P+S+C
RIQUEZA

P+S

P C

TEMPO

Distúrbio Distúrbio Distúrbio


Frequente Intermediário Raro

Figura 59. Gráfico ilustrando a hipótese do distúrbio intermediário (Connel 1978). A riqueza
é baixa mediante distúrbio frequentes, pois só temos espécies pioneiras (P). Em níveis in-
termediários de distúrbios, a comunidade consegue avançar sucessionalmente, aumentando
a riqueza, pelo incremento de espécies secundárias (S) e a chegada das clímax (C). Se a
comunidade se mantiver muito tempo sem distúrbio, ela se estabelece com as espécies
clímax. Neste estágio, a riqueza diminui, pois aumenta a competição entre os organismos.

130 Licenciatura em Biologia


3.5.1.8 Tempo Evolutivo

Muitos pesquisadores argumentam que os trópicos são mais ricos


em espécies do que as regiões temperadas, pois existem há mais tempo, e
não sofreram períodos evolutivos ininterruptos, como as regiões tempera-
das que passaram por períodos de glaciações. Essas constantes perturbações
leva essas regiões a apresentarem menor riqueza, pois elas já alcançaram
certo equilíbrio evolutivo.

3.5.2 Gradientes de Riqueza de Espécies

Na sessão anterior vimos alguns fatores que podem influenciar as


variações da riqueza no tempo e no espaço. A seguir iremos abordar os gra-
dientes que distribuem a riqueza ao redor do mundo.

3.5.2.1 Teoria Biogeografia de Ilhas

É de conhecimento que o número de espécies em uma área de-


cresce conforme diminui a área disponível, como demonstrado na relação
espécie-área. Com a diminuição da área, espera-se uma diminuição da
heterogeneidade ambiental e da riqueza. Visando entender os padrões de
colonização em ilhas oceânicas, em 1967, McArthur & Wilson propuse-
ram a teoria do equilíbrio da biogeografia de ilhas. Nesta teoria, eles
argumentaram que o número de espécies presentes em uma ilha não está
condicionado apenas ao seu tamanho, mas também ao grau de isolamento
desta ilha (distância do continente ou de outra ilha – áreas fontes), que
influencia no balanço entre imigração e extinção (Figura 60). Esta teoria
pode ser expandida para outros habitats, as “ilhas” podem ser referidas
como qualquer habitat isolado como topos de montanha, clareiras no meio
da mata ou ilhas geológicas e edáficas.

Desta maneira, podemos listar alguns pontos importantes sobre a


teoria de McArthur & Wilson:

• Com o passar do tempo o número de espécies em uma ilha deve se


tornar constante;
• A constância ocorre pela substituição de espécies que estão se extin-
guindo (exclusão competitiva) pelas que estão chegando;

Ecologia Geral 131


• Ilhas grandes suportam mais espécies que ilhas pequenas, pois pos-
suem diferentes habitats;
• Quanto mais distante de uma área fonte a ilha for, maior será seu
isolamento e menor o número de espécies.
• Em ilhas isoladas as taxas de evolução tendem a serem maiores que
as taxas de colonização;
A B
Taxa de imigração

Taxa de extinção
Ilha próxima e grande
Ilha pequena

Ilha distante e pequena


Ilha grande

Riqueza Riqueza

Figura 60.Teoria do equilíbrio da biogeografia de MacArhur & Wilson (1976). (a) A taxa de
imigração é maior para ilhas próximas as áreas fontes e maiores, isto favorece a chegada
de novos indivíduos e aumenta a riqueza. (b) A taxa de extinção é maior em ilhas pequenas
do que grandes, pois a extinção aumenta como consequência da exclusão competitiva.
Modificado de Townsend et al, 2006.

3.5.2.2 Gradientes Latitudinais

Um dos padrões mais conhecido é o de aumento de riqueza em dire-


ção à linha do equador (Figura 61) em todas as dimensões de organismos.
Várias explicações foram propostas para explicar a maior riqueza em comu-
nidades tropicais, como:

• Maior número de predadores especializados: a predação intensi-


va leva a uma redução na competição, permitindo a sobreposição de
nichos e aumento da riqueza.
• Produtividade: a região da linha do equador possui uma maior inci-
dência de luminosidade e calor o ano todo, aumentando o regime de
chuvas na região tropical. A maior luminosidade e pluviosidade ele-
vam as taxas fotossintéticas e a produtividade primária, aumentando
a variedade de espécies vegetais e animais.

132 Licenciatura em Biologia


• Estabilidade climática: em decorrência da maior luminosidade o
ano todo, as regiões equatoriais possuem uma maior constância cli-
mática, com baixas amplitudes térmicas. Esta estabilidade climática
permite o estabelecimento de espécies mais especialistas, com ni-
chos mais estreitos, elevando a riqueza.
• Maior idade evolutiva dos trópicos: os períodos de fragmentação
e união dos refúgios da floresta tropical promoveram uma maior es-
peciação e diferenciação gênica, aumentando a riqueza nos trópicos.

Figura 61. As setas indicam o aumento da riqueza em direção à linha do equador. Uma das
explicações para o aumento da riqueza em baixas latitudes é a alta incidência de luz solar,
que eleva a fotossíntese, a produtividade primária e, consequentemente, a riqueza.

3.5.2.3 Gradientes de altitude e profundidade

Quanto mais alto e profundo for um ambiente menor será sua ri-
queza, devido às condições mais adversas destas regiões. Topos de monta-
nha, além de terem uma menor área, ainda contam com baixas temperatu-
ras, maior intensidade dos ventos e menos oxigênio dissolvido. Por outro
lado, altas profundidades, levam à escassez de oxigênio e baixa luminosida-
de. Desta forma, os organismos fotossintetizantes não sobrevivem, residin-
do somente os adaptados a condições anóxicas.

Questões para ampliar o seu aprendizado:

1) Porque a medida de riqueza pode mascarar os dados de biodiver-


sidade de um local? Porque o uso de índices de diversidade é com-
plementar ao de riqueza na estruturação de uma comunidade?

Ecologia Geral 133


2) Como a predação e a competição podem influenciar nos diferentes
padrões de riqueza observados em diferentes ecossistemas do planeta?
3) Explique a teoria da biogeografia de ilhas. Que outras áreas po-
dem também ser consideradas ilhas?
4) Quais as possíveis causas de áreas como a Floresta Amazônica
possuir uma alta biodiversidade?

134 Licenciatura em Biologia


Referências

ANDERSON, G. G. Nitrogen fixation by pseudomonas-like soil bacteria.


J.Bacteriol. 70: 129-133, 1955.

ALLAN, D. J. The phylosophy of Aristotle. 2nd ed. Inglaterra: Oxford Univ. Press.
Oxford, 1970.

ANDERWARTHA, H. G. Introduction to the study of animal populations.


Chicago: University of Chicago Press, 1961.

ATKINSON, D., CIOTTI, B. J. & MONTAGNES, D. J. S. Protists decrease in size


linearly with temperature: ca 2,5% ºC-¹. Proceedings of the Royal Society of
London, Series B, 270, 2605-2611, 2003.

BEGON, M., Townsend, C. R. & Harper, J. L. Ecologia: de indivíduos a ecossistemas.


4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.

BELYEA, L. R. & LANCASTER, J. Assembly rules within a contingent ecology. Oikos,


86, 402-416, 1999.

BERNER, E. K. & BERNER, R. A. The global water cycle: geochemistry and envi-
ronment. Englewood Cliffs: Pretice-Hall, 1987.

BERRY, J. A. & BJÖRKMAN, O. Photosynthetic response and adaptation to tempera-


ture in higher plants. Annual Review of Plant Physiology, 31, 491- 543, 1998.

BLACKFORD, J.C., ALLEN, J. I. & GILBERT, F. J. Ecosystem dynamics at six contrasting


sites: a generic modeling study. Journal of Marine Systems, 52, 191-215, 2004.

BRITO, L.G.; ROCHA, R.B.; SILVA-NETO, F.G.; BARBIERI, F.S.; OLIVEIRA, M.C.S.;
GONÇALVES, M.A.R. & CARVALHO, G.L.O. 2010. Eficácia de carrapacitidas em
gados leiteiros de Rondônia-RO. Circular técnica, n 113, EMBRAPA.

BUFFON, G. L. L. 1756. Natural History: general and particular. Tradução Eng. W.


Cheech, Edinburg, 1780.

CLEMENTS, F. E. Plant succesion: na analisys of the development of vegetation. Car-


negie Inst. Washington Publ. n. 242, 1916, 512 p.

______. Nature and structure of climax. Journal of Ecology, 24:252-284, 1936.

CONNEL, J.H. Diversity in tropical rainforest and coral reefs. Science, 199, 1302-
1310, 1978.

COWLES, H. C. The ecological relations of the vegetation on the sand dunes of


Lake Michigan. Bot. Gaz., 27:95-117, 1899.

DAJOZ, R. Princípios de ecologia. 7. ed. São Paulo: Artmed, 2005.

DARWIN, C. The origin of species by means of natural selection. New York:


Modern Library (reprint), Random House, 1859.

Ecologia Geral 135


EGETON, F. N. Leeuwenhoek as a founder of animal demography. J. Histo. Biol.
1:1-22, 1968.

ELTON, C. Animal ecology. Londres: Sidwick & Jackson, 1927.

EHRLICH, P.R. & RAVEN, P.H. Butterflies and plants: a study of coevolution. Evolu-
tion 18:586-608, 1964.

FARR, W. 1843. Causes of mortality in town districts. Fifth Annual rept. Reg.
Gen. of Births, Deaths and Marriages in England. 2nd ed. p. 406-435.

FORBES, S. A. The lake as a microcosm. Reprinted in Bull. Illinois Nat. hist. Surv.,
15:537-550 (1925), 1887.

GAUSE, G.F. Ecology of populations. Quarterly Review of Biology 7:27-46, 1932.

GLEASON, H. A. The Structure and Development of the Plant Association. Bulletin


of the Torrey Botanical Club 43: 463-481, 1917.

HILDREW, A. G., TOWNSEND, C. R., FRANCIS, J. & FINCH, K. Cellulolytic decom-


position in streams of contrasting pH and its relationship with invertebrate commu-
nity succession. Ecology Letters, 5, 665-675, 1984.

HODGKINSON, K. C. Water relations and growth of shrubs before and after fire in
a semi-arid woodland. Oecologia, 90, 467-473, 1992.

HUTCHINSON, G. E. Nitrogen and biogeochemistry of the atmosphere. Am. Sci.


32:178-195, 1944.

______. Circular causal systems in ecology. Ann. N.Y. Acad. Sci. 50:221-246, 1948.

______. Survey of contemporary knowledge of biogeochemistry. III. The biogeoche-


mistry of vertebrate excretion. Bull. Am. Mus. Nat. His, 95:554, 1950.

______. A treatise on limnology. Geography, physics and chemistry. New York:


John Wiley, 1957. v 1.

KAMEN, M. D. Discoveries in nitrogen fixation. Sci. Am. 188:38-42, 1953.

KAMEN, M. D. & GEST, H. Evidence for a nitrogenase system in the photosynthetic


bacterium Rhodospirillum rubrum. Science, 109-560, 1949.

KREBS, C. J. 1972. Ecology – The experimental analysis of distribution and


abundance. Harper International. New York. EUA.

LASZLO, E. & MARGENAU, H. 1972. The emergence of integrating concepts in


contemporary science. Philos. Sci. 39:252-259.

LAWTON, J. H. Food webs. In: CHERRET, J. M. (ed.). Ecological concepts – the con-
tribution of Ecology to an understanding of the natural world. 29th Symposium of
British Ecological Society. Inglaterra: Blackwell Scientific Publications, Oxford, 1988.

LIKENS, G. E. The ecosystem approach: its use and abuse. Excellence in Ecology,
Book 3. Ecology Institute. Oldendorf-Luhe, Germany, 1992.

LOIK, M. E. & NOBEL, P. S. Freezing tolerance and water relations of Opuntia fragilis
from Canada and the United States. Ecology, 74, 1722-1732, 1993.

136 Licenciatura em Biologia


LUGO, A. E., FARNWORTH, E. G., POOL, D. JERES, P & KAUFMAN, G. The impact
of the leaf cutter ant Attica Colombia on the energy flow of a tropical wet forest.
Ecology, 54: 1292-1301, 1973.

MACARTHUR, R.H. & WILSON, E.O. The theory of Island Biogeography. Prin-
centon: Princenton University Press, 1967.

MALTHUS, T. R. An essay on the principle of population. London: Johnson.


(Reprinted in Everyman´s Library, 1914), 1798.

MARGURRAN, A.E. Ecological diversity and its measurement. Princeton:


Princeton University, 1988. 179 p.

MASSEY, A. B. Antagonism of the walnuts (Juglans nigra L. and J. cinerea L.) in certain
plant associations. Phytopathology 15:773-784, 1925.

MÖBIUS, K. Die Auster und die Austernwirtschaft. Berlim: Wiegundt, Hempel


& Parey.

ODUM, E. P. Ecology. New York: Holt Rinehart & Winston, 1963.

______. Ecologia. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan S.A., 1988.

ODUM, E.P. & BARRETT, G.W. Fundamentos de ecologia. São Paulo: Thomson
Learning, 2007.

PAINE, R.T. Interdital community structure: experimental studies on the relationship


between a dominant competitor and its principal predator. Oecologia 15:93-120, 1974.

PINTO-COELHO, R. M. Fundamentos em ecologia. Porto Alegre: Artmed Edito-


ra, 2000.

RAMSDEN, J. J. Bioinformatics:An Introduction. New York: Springer, 2009. 271 p. p. 191.

RICKLEFS, R. E. Ecology. 2. ed. London: Nelson, 1980.

RICKLEFS, R. A economia da Natureza. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan,


2003. 503 p.

ROBINSON, S. P., DOWNTON, W. J. S. & MILLHOUSE, J. A. Photosynthesis and ion


content of leaves and isolated chloroplasts of salt-stressed spinach. Plant Physio-
logy, 73, 238-242, 1983.

RUPPERT, E.E. & BARNES, R.D. Zoologia dos invertebrados. 6. ed. São Paulo:
Roca, 1996. 1179 p

SMITH, S. D. DINNEN-ZOPFY, B. & NOBEL, P.S. High temperature responses of


North American cacti. Ecology, 6, 643-651, 1984.

TANSLEY, A. G. The use and abuse of vegetational concepts and terms. Ecology,
16:284-307, 1935.

TJEPHEMA, J. D. & WINSHIP, L. J. Energy requirement for nitrogen fixation in acti-


norhizal and legume root nodules. Science, 209:279-281, 1980.

TOWNSEND, C.R., BEGON, M. & HARPER, J.L. Fundamentos em ecologia.


Editora Artmed, 2006.

Ecologia Geral 137


VERHULST, P. F. Notice sur la loi que la population suit dans son accroissement.
Corresp. Math. Phy. 10:113-121, 1838.

WARMING, Oecology of Plants. New York: Oxford University Press, 1909.

WHARTON, D. A. Life at the limits: organisms in extreme environments. Cam-


bridge University Press, UK, 2002.

138 Licenciatura em Biologia

Você também pode gostar