Você está na página 1de 14

Universidade Aberta

7. Ecologia

Ulisses Miranda Azeiteiro


2011
Objetivos de aprendizagem

Após o estudo do sétimo capítulo o leitor deverá ser capaz de:

 Identificar a terminologia utilizada.

 Explicar os conceitos usados.

 Explicar o significado ecológico da adaptação.

 Identificar interações específicas.

 Explicar o significado evolutivo das interações específicas.

168
Este último capítulo seguirá a linha condutora dos anteriores. O Tema
Integrador continua a ser a Evolução. Basicamente, toda a ecologia é
evolutiva.

Uma das questões básicas da ecologia é a da adaptação1, fenómeno 1


Adaptação Uma parte
específica da anatomia, um
complexo, que se traduz no facto dos organismos adquirirem caraterísticas processo fisiológico (como a
que mantêm ou aumentam as suas probabilidades de sobrevivência e de taxa de respiração) ou um
padrão de comportamento
reprodução num dado ambiente, nele persistindo nas gerações sucessivas. (como uma dança de
acasalamento) que melhora as
Admite-se na teoria da evolução moderna que o principal factor da probabilidades de o organismo
sobreviver e de se reproduzir.
evolução biológica e das adaptações é a seleção natural. A seleção
natural é o processo orientador da evolução, que modela a diversidade dos
organismos numa ligação causal complexa relativamente às condições do
ambiente.

Os objectivos gerais da ecologia dizem respeito ao conhecimento das


inter-relações dos organismos, à causalidade das adaptações, à influência
dos factores físicos (ou abióticos) e biológicos (ou bióticos) que
constituem o meio, à ação do isolamento geográfico e da seleção natural
sobre os organismos, à determinação das causas históricas e atuais que
presidem à distribuição das espécies e ao significado que todos estes
aspectos podem ter para uma melhor elucidação dos processos da
evolução biológica da biodiversidade.

7.1 Conceitos gerais


Saber mais:
A ecologia ocupa-se do estudo das relações dos organismos entre si e com http://pt.wikipedia.org/wiki/Portal:Ecologia

o ambiente. É uma área multidisciplinar com objectivos que respeitam ao 2


Bentos Comunidade aquática
que habita na estreita
conhecimento das interações dos organismos com o ambiente, à interdependencia do sedi-
causalidade das adaptações, à ação da seleção natural e à compreensão mento (endobentónicos:
vivem no interior do
dos processos da evolução. sedimento; epibentónicos:
vivem acima do sedimento;
supra-bentónicos: que mantém
Os estudos de distribuição geográfica - biogeografia (fito- e zoogeografia), uma estreita dependência do
etologia (ciência do comportamento), sociobiologia e ecologia humana sedimento).

dependem da ecologia e dela recebem fundamental contribuição. 3


Plâncton Comunidade
aquática que habita na coluna
de água movendo-se com as
A fragmentação da ecologia em áreas de investigação (ecologia das correntes.
populações, ecologia das comunidades e ecossistemas), ambientes 4
Necton Comunidade aquática
(ecologia marinha, ecologia estuarina ou ecologia das águas doces e com movimentação própria na
ecologia terrestre), ou ainda por grupos (ecologia vegetal, ecologia animal coluna de água.

169
ou ecologia bentónica2, ecologia planctónica3 e ecologia nectónica4)
reflecte necessidades científicas distintas (de objecto ou de método). A
genética ecológica, ecologia fisiológica e ecoclimatologia reflectem outro
aspecto que é a da interpenetração disciplinar.
5
O mundo físico e biótico está Os ecossistemas possuem uma certa “disciplina” na sua estrutura e
subdividido em nichos, quer
dizer, em oportunidades, em funcionamento. Uma comunidade pode ser definida como um conjunto de
posições funcionais a populações que, numa determinada área, interatuam, constituindo um todo
preencher na comunidade, em
espaços no habitat a ocupar, funcional em íntima união com o habitat ou biótopo que lhe dá suporte e
em recursos a explorar. Nicho
poderá entender-se como a significado. Neste conjunto de populações que coexistem no tempo e no
fracção dos factores físicos e espaço cada população tem o seu modo peculiar de utilizar os recursos,
biológicos do ambiente à qual
uma espécie está adaptada, interatua com um certo número de factores do meio (abióticos e bióticos) e
que ela utiliza, fracção que,
em princípio, será diferente
tem necessidades próprias. Doutro modo cada população (ou unidade
para cada espécie, o que organísmica) é caraterizada pelas adaptações que resultam da interação de
oferece a vantagem de evitar
ou quebrar a competição. O factores genéticos e de factores selectores do ambiente (com valor
nicho ecológico é uma ecológico). Este aproveitamento diferencial do ambiente resulta na
descrição pluridimensional do
ambiente no seu conjunto e do definição de nicho ecológico5. O desenvolvimento das comunidades é o
modo de vida de um
organismo. Na descrição de resultado da complexa interação de números e tipos de organismos que
nicho entram factores físicos, respondem a mudanças ambientais, muitas das quais são provocadas pelas
como temperatura e
humidade; factores biológicos, próprias populações em desenvolvimento.
como natureza e quantidade
de recursos alimentares e
número de predadores, e
factores etológicos do próprio
organismo, como organização
social, tipos de movimentos e 7.2 Adaptação
ciclos de actividade diários e
estacionais.
Propriedade verdadeiramente fundamental dos seres vivos, a adaptação
traduz uma relação de ajustamento e continuidade da sua parte às
condições do ambiente. A adaptação é um fenómeno real. É uma situação
e um processo. Significa, em termos simples, que os seres vivos tendem a
ajustar-se às condições do ambiente em que vivem. A principal tarefa para
a teoria da evolução é a de explicar a adaptação dos organismos. A
adaptação é uma caraterística global do organismo, é a sua própria
organização em transação equilibrada com o ambiente. A adaptação é,
assim, a expressão de um equilíbrio espácio-temporal transitório
conseguido por seleção natural.
6
Ontogenia Sucessão de
estados de desenvolvimento, O estudo da adaptação pode fazer-se do ponto de vista da filogénese ou da
diferenciação e crescimento
por que passa um organismo, ontogenia6. As estratégias ontogenéticas constituem uma parte importante
é o conjunto das suas das adaptações. Estratégia é o modo como uma população responde
transformações embrionárias e
pós-embrionárias desde a fase adaptativamente a uma situação particular, adaptação genética obtida por
de ovo até atingir a forma
definitiva. seleção natural. Em termos de investimento reprodutivo e sobrevivência,
os organismos estão sujeitos a dois tipos de seleção natural, designados
por r e K, dependentes o primeiro da taxa intrínseca de crescimento de

170
uma população, e o segundo da capacidade biótica do ambiente. A
importância relativa de um e de outro depende das caraterísticas do
ambiente às quais os organismos responderam desenvolvendo uma de
duas estratégias reprodutoras, r ou k (Tabela 7.1). Sabe-se hoje que existe
uma gama de condições entre dois extremos de uma escala r-k.

7.3 Ecologia comunitária

Os organismos que habitam uma determinada área constituem uma


comunidade ecológica. As espécies numa comunidade interatuam e
determinam assim a estrutura e funcionamento ecológico da comunidade.
Os tipos de interação ecológica entre espécies estão definidos na Tabela
7.2. Estas interações definem as várias dimensões de complexidade de
uma comunidade.

Uma dimensão de complexidade é a definida pela simbiose (“vida em


conjunto”), que se traduz, de um modo geral, como a associação íntima de
duas ou mais espécies. A simbiose pode assumir três formas: o
parasitismo, o comensalismo e o mutualismo.

No parasitismo, um dos simbiontes (o parasita) depende de um segundo


simbionte (o hospedeiro) prejudicando-o sem o matar. Sendo comido em
pequenas parcelas de cada vez e sobrevivendo, um organismo hospedeiro
consegue suportar uma população inteira de parasitas. Pode também suster
muitas espécies de parasitas em simultâneo. Um ser humano não
medicado pode, pelo menos em teoria, suportar o piolho-da-cabeça
(Pediculus humanus capitis), o piolho-do-corpo (Pediculus humanus
humanus), o piolho-do-púbis (Pthirus pubis), as pulgas humanas (Pulex
irritans), gastrófilos (Dermatobia hominis), e uma multidão de vermes
nematóides, vermes cestódeos, fascíolas, protozoários, fungos e bactérias,
todos metabolicamente adaptados à vida no corpo humano.

Contribuintes ainda mais importantes para a diversidade são os comensais,


organismos simbióticos que vivem associados a outras espécies as quais
não são prejudicadas nem ajudadas.

171
Tabela 7.1 - Estratégias adaptativas em consequência da seleção r e k.

CARATERÍSTICA Seleção r Seleção K

Ambiente físico Instável e/ou imprevisível Estável e/ou previsível

Capacidade homeostática Limitada Extensiva

Tempo de Maturação Curto Longo

Duração da vida Curta (em regra inferior a um ano) Longa (em regra mais de um ano)

Mortalidade Alta (muitas vezes catastrófica, acidental, Baixa (em regra mais selectiva,
independente da densidade) dependente da densidade)

Nº de descendentes por Muitos Poucos


episódio reprodutivo

Nº de reproduções por ciclo de Normalmente uma Geralmente várias


vida

Idade na primeira reprodução Cedo Tarde

Tamanho dos ovos ou progénie Pequenos Grandes

Cuidados com a progénie Nenhuns Extensivo

Seleção favorece (1) Reprodução uma só vez na vida do (1) Reprodução repetida na vida do
indivíduo (semelparidade), indivíduo (iteroparidade),
(2) Precocidade da reprodução, (2) Reprodução tardia,
(3) Ontogenias rápidas, (3) Ontogenias lentas,
(4) Elevada taxa de crescimento, (4) Taxa de crescimento lenta,
(5) Propágulos reprodutivos (ovos ou (5) Ovos ricos de vitelo; protecção dos
sementes) pequenos, pobres de reservas; fraca gâmetas; viviparidade; estruturas
ou nula protecção da progénie, complicadas da reprodução e da
ontogenia (anexos e outros órgãos
(6) Descendentes numerosos, de pequenas
transitórios); protecção orgânica e
dimensões e fraco peso corporal.
comportamental da progénie,
(6) Menor número de descendentes, de
maior tamanho e mais peso corporal.

Dimensão da população Variável no tempo; ausências de equilíbrio; Aproximadamente constante no


em regra muito abaixo da capacidade biótica tempo; em equilíbrio ou quase em
(K) do ambiente; ecossistemas não saturados relação à capacidade biótica (K) do
no todo ou nalgumas das suas partes; «vazios» ambiente; ecossistemas saturados;
ecológicos, recolonização anual recolonização desnecessária

Competição Variável, em regra débil Em regra forte

172
Tabela 7.2 – Tipos de interações ecológicas

EFEITOS NO ORGANISMO 2

Benefício Interação Ausência de Exs. Mutualismo ver:


http://www.nearctica.com/ecology/pops/mutual.htm
Interação Negativa Interação
EFEITOS NO ORGANISMO 1

Positiva Exs. Comensalismo ver:


http://www.nearctica.com/ecology/pops/commens.htm
Benefício Mutualismo Predação ou Comensalismo
Interação Parasitismo
Positiva

Interação Predação ou Competição Amensalismo


Negativa Parasitismo

Ausência de Comensalismo Amensalismo


Interação

Uma terceira categoria de relações simbióticas é o mutualismo. Grande


parte da vida na Terra depende, em última instância, de mais um destes
relacionamentos: as micorrizas (literalmente, do termo grego para “raiz de
fungo”) consistem na coexistência íntima e mutuamente dependente de
fungos e sistemas radiculares de plantas. Muitos tipos de plantas, desde os
fetos até às plantas com flor, albergam fungos que estão especializados na
absorção de nutrientes químicos simples do solo. Os fungos micorrizas
cedem parte destes materiais vitais aos seus hospedeiros vegetais e as
plantas pagam-lhes com abrigo e um abastecimento de carbohidratos. As
plantas privadas dos seus fungos simbiontes crescem mais lentamente e
muitas podem morrer. Sem a associação planta-fungo, a própria
colonização da Terra por plantas superiores e animais, entre 450 milhões e
400 milhões de anos atrás, não teria provavelmente acontecido. O solo
estéril daquela época, não era hospitaleiro para organismos mais
complexos do que as bactérias, algas simples e musgos.
7
Cadeia alimentar Parte da
teia alimentar de uma
determinada comunidade de
organismos, consistindo em
7.4 O Conceito de Nicho predadores e presas,
predadores que se alimentam
de outros predadores, e assim
por diante, desde as plantas
O nicho ecológico inclui o espaço físico ocupado por um organismo fotossintéticas aos predadores
(nicho espacial ou de habitat) e o seu papel funcional na comunidade: de topo e decompositores que
consomem os restos de
relações alimentares7 (nicho trófico ou alimentar) e posição nos gradientes organismos mortos.

173
abióticos (temperatura, humidade, radiação solar, pH, salinidade, etc.)
(nicho multidimensional ou fundamental).

A noção atual de nicho é uma exigência lógica, directamente decorrente de


pressupostos que estão na base da teoria da especiação e de todo o
instrumental conceptual do Darwinismo e da moderna teoria da evolução.
Os conceitos de coexistência e de competição tinham que impor o
conceito de nicho. A especiação não é concebível sem ele. Cada espécie
animal tende a desempenhar uma função particular, nova na comunidade,
a fim de quebrar ou anular a competição com as espécies concorrentes. A
especiação é isso mesmo: é a faculdade de uma população ocupar (criar)
um novo nicho, um novo modo de vida, uma nova posição física ou
funcional no ecossistema.

A evolução biológica é bastante eficiente, a longo prazo, no


preenchimento de nichos ecológicos à medida que estes surgem. Quando
existe uma oportunidade de sobreviver de uma certa forma, é provável que
algum organismo evolua para a explorar.

No final do Cretácico, há cerca de 65 milhões de anos, deram-se grandes


8
Extinção. O fim de qualquer alterações atmosféricas que ajudaram a produzir a extinção8 do Cretácico,
linhagem de organismos, da
subespécie à espécie e a a qual extinguiu os grandes dinossauros e muitas outras formas de vida.
categorias taxonómicas mais Centenas de milhões de anos antes, durante o Câmbrico, “abriu-se” um
elevadas, do género ao filo. A
extinção pode ser local, em enorme número de nichos ecológicos, os quais foram preenchidos por
que uma ou várias populações
de uma espécie ou de outra
novas formas de vida. As novas formas de vida criaram ainda mais nichos,
unidade desaparecem, mas e assim sucessivamente.
outras há que sobrevivem em
certas zonas, ou total (global)
em que todas as populações Com o tempo, os genomas tem tendência para se alterarem gradualmente,
desaparecem.
de um modo que não afecta profundamente a viabilidade do fenótipo.
Como resultado desse processo de “deriva”, um agregado de genótipos
que constitui uma espécie poderá deslocar-se para uma situação instável,
na qual alterações genéticas bastante pequenas podem alterar radicalmente
o fenótipo. Pode acontecer, num dado momento, que um certo número de
espécies de um ecossistema se aproxime desse género de instabilidade,
criando uma situação propícia à ocorrência de mutações que conduzem a
alterações fenotípicas importantes de um mais organismos. Essas
alterações podem dar origem a uma série de ações em cadeia, na qual
alguns organismos têm maior sucesso, outros morrem, todo o ecossistema
é alterado e abrem-se novos nichos ecológicos. Um levantamento destes
pode depois provocar alterações em ecossistemas vizinhos, à medida, por
exemplo, que novos tipos de animais migram para lá e competem com
sucesso com as espécies já estabelecidas.

174
7.5 Predação e Competição

A competição não significa na maioria dos casos combate físico ou


agressão. A raridade de manifestações agressivas de competição não prova
a insignificância da competição, mas que a seleção natural permitiu que se
desenvolvessem hábitos ou preferências que reduzem a severidade da
competição. Competição significa sempre que duas espécies procuram
simultaneamente um recurso essencial do meio (alimento, lugar para
viver, ocultar ou reproduzir) que é limitado.

Competição pode ser entendida como o processo pelo qual as formas mais
estáveis tendem a substituir formas menos estáveis, e que vários
organismos têm diferentes graus de utilização dos recursos do ambiente,
de onde resultam substituições e deslocações de alguns deles. A seleção
natural deve talvez favorecer a quebra de competitividade, fazendo que
cada espécie tenha o seu nicho. Duas espécies não podem coexistir
indefinidamente na mesma localidade se têm exigências ecológicas
idênticas.

A competição entre duas espécies semelhantes numa área de sobreposição


geográfica exerce uma forte pressão de seleção, que leva à divergência de
carácter. Embora esta divergência seja a princípio estritamente ecológica,
consistindo na utilização de diferentes nichos do mesmo habitat, ela será
posteriormente reforçada pela seleção de diferenças morfológicas, na
medida em que elas facilitam a divergência ecológica.

A competição tem consequências evolutivas importantes. A competição


favorece a especiação, pois a seleção natural tende a aumentar as
diferenças ecológicas entre as espécies em competição, favorecendo assim
a sua entrada em novos nichos e, mais geralmente, uma radiação
adaptativa, quer dizer, uma divergência evolutiva dos membros de uma
população inicial, constituindo normalmente subespécies.

Em termos ecológicos a especiação traduz um ensaio de sobrevivência,


cujo significado será o de atenuar ou suprimir a competição entre
populações. Uma nova espécie seria então uma tentativa de coexistir de
modo mais eficaz, mais duradoiro e mais original. Quanto à predação, ela
é na realidade um factor limitativo obstando à invasão e instalação de
novos organismos, mas pode, em situações de perturbação, abrir novos
espaços ecológicos e atuar como agente de mudança, alterando não só os
ecossistemas, mas favorecendo especiações, favorecendo, assim, a entrada
e fixação de outras espécies.

175
7.6 Parasitismo e Evolução

Reconhece-se grande importância ao parasitismo tanto em biologia


evolutiva como em ecologia. Registe-se o seu significado na regulação
populacional, na manutenção do polimorfismo genético, na organização
social e na evolução do sexo.

Pensa-se que a origem dos parasitas se fez a partir de espécies livres


possuidoras, provavelmente, de um certo número de caraterísticas e
propriedades que facilitaram e condicionaram o terem enveredado por essa
via adaptativa. O parasitismo exprime uma adaptação ao meio biológico
que se traduziu numa riqueza imensa de modalidades e soluções. O
parasitismo é apenas o extremo de um largo espectro onde podem seriar-
Saber mais: se situações gradativas desde o simples ecto- ou endocomensal9
http://www.cbu.edu/~seisen/ExamplesOfParasitism.htm facultativo, até ao parasita organicamente simplificado, e tão intimamente

associado ao seu hospedeiro exclusivo, que sem ele não terá existência.

Os organismos unicelulares ou multicelulares, foram desde o início


compelidos à invasão de todos os meios possíveis, susceptíveis de serem
explorados, e entre esses ambientes, os próprios seres vivos ofereciam
vastas possibilidades, os quais, com as suas superfícies e cavidades,
tinham necessariamente que atrair inúmeras espécies. Certas condições
prévias básicas terão que existir para que as formas livres tenham tido
algum sucesso para enveredarem pelo parasitismo. Entre elas podemos
9
Hermafroditas. Indivíduos referir um elevado potencial de multiplicação, o hermafroditismo9, um
que possuem os dois sexos. vasto polimorfismo combinado com larga plasticidade de adaptação a
diferentes ambientes e modos de vida.

No caso dos endoparasitas será legítimo pensar que a sua condição


adaptativa já não permitirá o aproveitar de oportunidades evolutivas,
sobretudo quando a especialização conseguida em relação a dado tipo de
hospedeiro atingiu elevado grau, quando as modificações morfológicas e
fisiológicas do parasita não lhe deixam, talvez, outra alternativa que não
seja a de invadir outro hospedeiro afim, circunstância que, por isso
mesmo, pouco exigirá de modificações ao invasor para aí se instalar. As
especiações dos parasitas são, portanto, restritas ou poderão mesmo estar
bloqueadas. Um endoparasita especializado não parece capaz de se
emancipar da sua sujeição ao meio biológico, que é o hospedeiro.

É possível conceber a origem de um parasita especializado a partir de


sucessivas especiações. Dessas inúmeras espécies, a traduzir múltiplos
ensaios de instalação em hospedeiros possíveis, só conhecemos os estados
terminais, as espécies parasitas bem sucedidas, tendo-se extinguido os

176
estados intermediários, as soluções malogradas, e as adaptações
insuficientes. As espécies que subsistiram são o termo de sucessivas
especiações em grande número de hospedeiros, e não parece difícil admitir
que isto se tenha realizado pela ação de processos de mutação e seleção.

A adaptação à vida parasitária envolveu modificações morfológicas e


metabólicas: perda ou atrofia de orgãos (aparelho digestivo, órgãos para a
locomoção, para a predação, e ainda orgãos dos sentidos e sistema nervoso
central); hipertrofia do aparelho sexual; especialização e novos
ajustamentos para nutrição intensiva; hipertrofia, por vezes, de partes, com
armazenamento de reservas; estruturas de fixação. É legítimo pensar que
certas pré-adaptações devem ter existido nas espécies livres antes da
invasão dos hospedeiros. Assim, a eficiência reprodutora, a fecundidade
elevada, foi decerto uma das caraterísticas que mais facilitou o
parasitismo, e que depois se deve ter intensificado e aperfeiçoado durante
a associação. A própria sobrealimentação dos endoparasitas sedentários
deve ter aumentado a fecundidade, e consolidado o parasitismo. A
reprodução assexuada é muito mais frequente nos parasitas do que nas
formas livres pelo que deve ter predominado nas espécies que
antecederam as espécies parasitas. A assexualidade é uma disposição mais
apropriada à vida parasitária do que a reprodução sexuada com sexos
separados. Muitos endoparasitas foram concerteza precedidos por espécies
livres hermafroditas ou com reprodução assexuada. Outras pré-adaptações
poderão ter sido, por exemplo, a resistência de ovos, larvas e adultos à
ação dos fermentos digestivos de hospedeiros que acidentalmente são
invadidos, ou o facto de não suscitarem reações fagocitárias da parte do
meio biológico que infestam. Ainda outras pré-adaptações, como órgãos
de fixação, métodos especiais de nutrição e de metabolismo, incluindo a
capacidade de o exercer dispondo de pouco ou nenhum oxigénio livre,
devem ter estado na origem de diversos endoparasitas.

O comensalismo pode conduzir, por vezes, ao parasitismo autêntico, quer


ao ectoparasitismo, quer ao endoparasitismo (Fig. 7.1).

O comensalismo pode, também, servir de ponto de partida para o


mutualismo, precisamente quando os dois associados entram em relação,
de modo que, retirando vantagens recíprocas da sua união, se tornam
indispensáveis um ao outro.

177
MUTUALISMO ENDOPARASITISMO
OBRIGATÓRIO

MUTUALISMO
ECTOPARASITISMO
FACULTATIVO

COMENSALISMO

MONOFAGIA

VIDA LIVRE

Figura 7.1 - Evolução do comensalismo, mutualismo e parasitismo.

Os fenómenos de parasitismo e de mutualismo são uma vasta e importante


10
Coevolução A evolução de problemática de fenómenos de co-evolução10. Muitas outras relações
duas ou mais espécies devida
a influência recíproca. bióticas são também processos de co-evolução: efeitos populacionais das
inter-relações dos organismos de espécie diferente, e os seus aspectos
ecológico-evolutivos e biogeográficos. Os fenómenos de competição, as
coexistências e tolerâncias, não deixam de manifestar também
significativos aspectos co-evolucionais.

7.7 Co-Evolução

Nas evoluções que mutuamente se influenciam, cujos destinos são


inseparáveis, em que a evolução de uma das partes interatuantes como que
orienta a evolução da outra, estabelecem-se relações de ordem vária. O
desenvolvimento de certas morfologias, fisiologias e comportamentos
numa das partes conjugadas (endoparasita em relação ao hospedeiro, ou
planta com flor em relação ao insecto polinizador) só parece explicar-se
como o resultado de interações evolutivas, da ação de selecções
recíprocas.

178
Para a teoria simbiótica, se é da natureza dos seres vivos reunir recursos, e
fundirem-se ou associarem-se sempre que possível, temos aí um novo
meio de progressivo enriquecimento e complexificação dos organismos. A
simbiose seria uma forma de parassexualidade: a reunião e fusão de
indivíduos distintos. A simbiose deverá ter tido origem num período
substancial de co-evolução.

As espécies não estão desvinculadas nos ecossistemas, de modo que as


suas evoluções fazem-se em relação mútua, seja em conjuntos predador-
presa, plantas-animais, parasitas-hospedeiros, seja em associações
comensais-hospedeiros, ou como associados mutualistas. Toda a biosfera
está penetrada por densas e intrincadas séries de co-evoluções. Quase
todas as interações bióticas produzem fenómenos de co-evolução, quer se
trate de mutualismo, de parasitismo ou de fenómenos de competição, de
relações predador-presa e mesmo de muitos aspectos das relações intra-
específicas, nomeadamente as manifestações da sociabilidade. Como toda
a comunidade biótica é uma trama complexíssima de interações bióticas,
os fenómenos de co-evolução constituem uma das suas manifestações
mais importantes.

Uma das manifestações mais curiosas das relações dos organismos com o
ambiente é a sua “imitação” do ambiente imediato habitual, sendo também
o comprovativo da ação da seleção natural e da sua função na génese de
adaptações. Entre as manifestações mais interessantes, podem mencionar-
se as colorações adaptativas, os disfarces, as imitações de outras espécies,
etc. Por exemplo a imitação, ou mimetismo, é protectora porque o
predador confunde os indivíduos sápidos e apetecidos com os indivíduos
repugnantes ou nocivos, facto que aumenta as probabilidades de
sobrevivência dos primeiros. A seleção natural, por favorecer a
reprodução daqueles indivíduos que possuem alguma vantagem nesse
sentido, tende a acentuar as caraterísticas que conferem mimetismo. Estes
fenómenos de mimetismo traduzem também processos de coevolução.

7.8 O Ambiente na Evolução e na Adaptação

A evolução dos organismos está intimamente ligada à evolução dos


ambientes. A vida não poderia ter resistido à constante evolução dos
ambientes sem uma contínua modificação de si mesma no sentido de
ajustar-se o melhor possível às novas condições do meio (processo nem
sempre eficaz: houve grandes extinções de formas viventes que não
puderam sobreviver às transformações do ambiente). A adaptação de uma

179
população, de uma espécie ou de uma comunidade de espécies, é o seu
ajustamento transitório (nas dimensões do tempo geológico) a um dado
ambiente através das gerações, a sua permanência no espaço e no tempo
nesse ambiente, com eficaz aproveitamento dos recursos da área habitada.
A adaptação é, assim, a expressão de um equilíbrio espácio-temporal
organismo e ambiente. A evolução resulta de uma ruptura desse equilíbrio
dinâmico organismo e ambiente. Um ambiente estável mantém o tipo
médio da espécie: o seu papel é conservador, elimina os tipos anómalos
para o ambiente em questão. O ambiente funciona de “filtro”, que só deixa
passar estatisticamente os organismos mais viáveis, aqueles cujos
genótipos obtêm a mais ampla realização no ambiente. Quando o ambiente
se transforma (ou quando os organismos invadem novos ambientes), o seu
papel de agente evolutivo traduz-se no acrescentar à ação conservadora a
ação inovadora. A “filtragem” separa agora os genótipos mais favoráveis,
as combinações hereditárias individuais mais eficazes no aproveitamento
do novo ambiente, com maior sobrevivência nele. Com o tempo, com o
predomínio dos genótipos com maior valor de sobrevivência, resulta uma
nova espécie, se acaso a modificação foi suficientemente profunda para
determinar o isolamento sexual (da população), podendo, assim, ao abrigo
de cruzamentos com outras espécies, entrar em nova linha de divergência
evolutiva. O papel do ambiente é decisivo; ele é o agente principal da
seleção. A seleção é um processo da Natureza, pelo qual o ambiente
determina uma reprodução não-ao-acaso dos genótipos presentes. É um
processo de reprodução diferencial, como resposta à ação do ambiente. Os
ambientes são na sua interação com os organismos, os estimulantes da
evolução dos organismos.

Questões de aprendizagem

Após o estudo do sétimo capítulo o leitor deverá ser capaz de responder às


seguintes questões:

7.1 Defina adaptação.

7.2 Explique o significado ecológico-evolutivo do parasitismo.

7.3 Relacione coevolução e simbiose.

7.4 Defina nicho ecológico.

7.5 Relacione competição e especiação.

180

Você também pode gostar