1.

Introdução à biologia
 Objetivos de aprendizagem

Após o estudo do primeiro capítulo deverá ser capaz de:

 Identificar a terminologia utilizada.

 Explicar os conceitos usados.

 Definir os temas unificadores em Biologia.

 Explicar o papel da Biologia na Ciência.

 Compreender o significado da diversidade biológica.

 Definir espécie.

 Explicar a importância da evolução em Biologia.

14
O propósito deste livro é o de o introduzir ao estudo da biologia. Este livro
foi concebido como texto introdutório e de forma a servir de referência ao
longo da sua aprendizagem em ciências biológicas.

Em muitos aspetos a biologia é a mais exigente das ciências, por um lado

pelo facto de os sistemas biológicos serem altamente complexos e, por
outro lado, pela sua multidisciplinaridade que requer um conhecimento
profundo de química, de física, de geologia e de matemática. Os vários
campos de estudo da biologia estão em contínua transformação, de modo
que a melhor maneira de se iniciar nesta vasta e multifacetada área da
ciência é começar pelo estudo dos temas unificadores e integrantes em
biologia.

A química da vida, o estudo da célula, os mecanismos genéticos, o

conceito de espécie, a evolução, a diversidade e a ecologia serão os temas
a desenvolver nesta abordagem ao estudo da ciência da vida.

1.1 A natureza da Ciência e a Biologia

A ciência é um sistema lógico que se foi construindo ao longo da história

e que se define pelo método que usa para explicar a realidade circundante
(o objeto da ciência). Um dos objetivos das ciências é a descoberta da
consistência do comportamento da Natureza, nas manifestações das
propriedades da matéria e da energia e a sua formulação em termos de leis
que “regulam” os fenómenos observados e permitem prever outros. O
método científico é a arte de interrogar a Natureza, ordenando os factos em
relações lógicas, coerentes e objetivas que explicam e reproduzem os
factos experimentais. Para poder colocar uma interrogação clara, é
necessário ter previamente uma ideia sobre as respostas possíveis, ou seja,
é preciso possuir como hipótese uma teoria dos fenómenos a indagar.

A ciência é o conhecimento que pode ser submetido a condições de

“observação explícita”. O método científico conduz, inevitavelmente, a
conclusões de grande alcance sobre o planeta Terra e o nosso papel na sua
história. A Terra é imensamente antiga, formada - como todos os planetas
e estrelas - a partir das poeiras e fragmentos cósmicos. O nosso planeta é
dinâmico, com continentes e oceanos que foram criados e destruídos
várias vezes no passado. Neste, a humanidade é apenas um pequeno e
recente passo em quatro biliões de anos de evolução da vida na Terra, um
processo que, de uma única célula viva, originou a maravilhosa
diversidade de organismos que hoje encontramos. Ao longo deste

15

1
Evolução Se bem que as
raízes do evolucionismo
mergulhem nas ideias de
vários autores dos séculos
XVII e XVIII que defendiam
a transformação das espécies,
foi no século XIX que as
ideias transformistas ganha-
ram força, acabando por
impor o evolucionismo como
paradigma da origem e
diversidade das espécies (ver
Capítulo 5).
2
Darwinismo A teoria da
evolução acabou por se impôr
no mundo científico graças a
Charles Darwin, depois de
uma viagem de circum-
navegação ao globo terrestre e
das observações nela
efetuadas, em especial no
arquipélago dos Galápagos
(ver Capítulo 5).
16
percurso, milhares de espécies surgiram e quase outras tantas foram
extintas.
Mais facilmente ainda do que a matemática ou a física, a biologia encontra
raízes em épocas muito recuadas da vivência humana. Contudo, o termo
ciência da vida só foi introduzido no século XIX.
Diferentes ciências são
distinguíveis, não só pelos seus
campos de estudo (objeto da
ciência), mas também pela
forma como os problemas são
aflorados, o seu estilo analítico
(método científico). O que
carateriza a biologia é que
quase todas as questões são
entendidas como sendo
essencialmente históricas, e
relacionando-se com a
1
evolução . Neste sentido o que
acaba por definir a maneira
como determinada investigação
faz sentido biologicamente é a
forma como ela contribui para
um entendimento da origem,
persistência ou declínio das Figura 1.1 – Charles Darwin
Darwin, Charles Robert (1809 – 1882) Criador,
espécies. Esta abordagem com Alfred Russel Wallace, da teoria da evolução
histórica dos problemas por seleção natural, autor de A Origem das
Espécies e fundador do modo de pensamento
biológicos ficou a dever-se evolutivo omnipresente na biologia atual.
essencialmente ao naturalista
britânico Charles Darwin2 (Fig.1.1).
1.2 Biologia, a ciência da Vida
Os processos que culminaram na origem da vida iniciaram-se há 4 biliões
de anos atrás pela interação de pequenas moléculas, que resultou na
síntese de moléculas e macromoléculas biológicas. Estas moléculas, cada
vez maiores e mais estáveis, puderam participar num número cada vez
maior de reações químicas. Há cerca de 3,8 biliões de anos, estes sistemas
moleculares isolar-se-iam do meio circundante por intermédio de sistemas
membranares. Há cerca de 2 biliões de anos atrás, todas as células eram
pequenas e simples, viviam nos oceanos e continham pequenas
quantidades de informação genética.

A biologia é o estudo do vivo. As caraterísticas que definem a vida são (i)

a ordem e organização hierárquica, (ii) a resposta a estímulos, (iii) o
crescimento, desenvolvimento e reprodução e (iv) a regulação.

A vida está organizada em níveis estruturais hierárquicos. A organização

biológica é baseada na hierarquia dos vários níveis estruturais. O texto
desta obra segue, basicamente, a própria organização do mundo vivo,
começando pelo estudo da química da vida e acabando no estudo dos
ecossistemas.

A célula ocupa um lugar especial na hierarquia da organização biológica,

constituindo a unidade básica, estrutural e funcional dos organismos. As
células podem variar muito no tamanho, caraterísticas estruturais e
funcionais, mas constituem entidades estruturalmente organizadas onde a
vida se desenrola. Assim como a nível celular, em todos os níveis de
organização biológica, a estrutura e a função estão interligadas. A ordem
implica informação. As instruções são fundamentais na manutenção da 3
DNA ver Capítulos 2 e 4
ordem biológica e estão codificadas numa molécula muito particular, o
DNA3. O DNA é a substância dos genes4 e todas as formas de vida usam, 4
Gene A unidade básica da
hereditariedade (ver Capítulo
essencialmente, o mesmo mecanismo genético. 4).

1.3 Diversidade e o conceito de Espécie

O conceito de espécie é crucial para o estudo da biodiversidade5. O 5

Biodiversidade. Existem dois
níveis básicos na diversidade
dinamismo do processo evolutivo e a individualidade da espécie tornam da vida: a variação genética
improvável que uma definição de espécie completamente universal venha no interior de uma espécie e as
diferenças entre as espécies
a ser adoptada (Tabela 1.1). Neste sentido, é provável que a espécie (ver Capítulo 6).
biológica, definida como um grupo de indivíduos que em condições
naturais são capazes de se cruzarem entre si, dando origem a descendentes
férteis, permaneça central na explicação da diversidade biológica. As
imperfeições do conceito e, por conseguinte, do nosso sistema
classificativo, reflectem a essência idiossincrática da diversidade
biológica.

O conceito biológico de espécie acentua o facto das espécies serem

entidades reais formadas por populações, apresentando uma coesão
genética que resulta da evolução do seu património hereditário (“gene
pool”). Assim, os membros de cada espécie constituem uma comunidade
reprodutora, uma unidade ecológica e etológica, e uma unidade genética.

17
 Tabela 1.1 – Três conceitos diferentes de espécie
6
Taxonomia ver Capítulo 6.
Conceito Morfológico de Coloca o ênfase nas diferenças anatómicas
Espécie quantificáveis. Os critérios usados na
taxonomia6 são morfológicos.
7
Isolamento Reprodutivo ver
Capítulo 5. Conceito Biológico de Coloca o ênfase no isolamento reprodutivo7
Espécie interespecífico.
8
Fenótipo Os caracteres
observados num organismo Conceito Coesivo de Coloca o ênfase na coesão dos fenótipos8 como
(ver Capítulo 4).
Espécie base da integridade da espécie. Cada espécie é
definida pelo seu complexo integrado de genes
e adaptações. Espécies com uma zona de
9
Uma zona de hibridização é a hibridização estável.9
região onde duas populações
que divergiram após isola-
mento geográfico mantêm
cruzamentos quando há sobre-
posição geográfica. Estas
populações mantêm a sua
A criação da diversidade biológica foi lenta e difícil: 3000 milhões de anos
identidade taxonómica embora de evolução para fazer nascer a profusão de animais que habitam os
hibridizem (ver Capítulo 5).
mares, outros 350 milhões de anos para edificar as florestas de chuva em
que vivem mais de metade das espécies terrestres (Fig.1.2).

1.4 Evolução e Ecologia

A Biologia Evolutiva considera a espécie como a unidade evolutiva real e

10
Especiação é o processo de a especiação10 – que consiste no aparecimento de novos complexos de
formação de novas espécies a
partir de uma população ou genes capazes de se adaptar a novos nichos ecológicos11 – como o método
populações ancestrais (ver pelo qual a evolução progride.
Capítulo 5).

Charles Darwin (1809-1882) baseou a sua teoria da evolução –

11
Nicho Ecológico. Num
sentido evolutivo, um nicho é
Darwinismo - nas seguintes hipóteses:
um local ou uma função
potencial no interior de dado 1. a Terra é bastante antiga e os organismos têm mudado de um modo
ecossistema para o qual as
espécies podem ou não ter estável;
evoluído (ver Capítulo 7).
2. todos os organismos são descendentes de um só ascendente comum;
12
Seleção natural. Na luta 3. a diversidade encontrada na Terra resulta do facto de novas espécies
pela sobrevivência, os
descendentes que possuem surgirem a partir de outras já existentes;
variações vantajosas,
relativamente ao meio em que 4. a evolução é um processo de alteração gradual ao nível das
se encontram, têm maior taxa populações;
de sobrevivência, sendo
eliminados os indivíduos que 5. o agente principal da evolução é a seleção natural12.
possuem variações
desfavoráveis (ver Capítulo
5).

18
 TOTAL DE ESPÉCIES 1413000

Protozoários
Plantas Superiores 30800
248400

Algas
26900
Fungos
69000 Insectos
M onera (Bactérias e outros 751000
microorganismos) Vírus
4800 1000

Outros Animais
281000

ANIMAIS
TOTAL DE ESPÉCIES 1032000
Nemat odes Equinodermes
Anelí deos
12000 6100 out ros Filos
Plat elmint es 12000
Cnidários e Ct enóf oros 12200 M oluscos 9300
9000 50000
Homópt eros e Hemí pt eros
Espongiários
82000
5000
Out ros Cordados
38300 M amí f eros
4000
Out ras Classes de Art rópodes
50000 Coleópt eros
Aracní deos 290000
73400

Out ras Ordens de Insectos

65500

Dí pt eros
98500 Himenópt eros
103000
Lepidópt eros
112000

PLANTAS SUPERIORES
TOTAL DE ESPÉCIES 248000

Fetos
Briófitas 10000 Gimnospérmicas
16600 529
Outras
1300

Monocotiledóneas
50000

Dicotiledóneas
170000

Figura 1.2 – Diversidade biológica.

19

13
Biologia evolutiva. Um
termo geral para uma vasta
gama de disciplinas que têm
em comum estarem centradas
no processo evolutivo e por
consequência no processo de
criação da biodiversidade. A
biologia evolutiva inclui o
estudo da evolução molecular,
a ecologia, a biologia das
populações, a sistemática, a
biogeografia e os aspectos
comparativos da anatomia,
fisiologia e comportamento
animal.
20
A adaptação evolutiva, que implica sempre uma modificação hereditária, o
princípio da seleção natural ou de sobrevivência diferencial e a ação do
meio ambiente conjugam-se no conceito de evolução biológica. O estudo
da evolução une a paleontologia à ecologia e à genética. A evolução por
seleção natural acentua a divergência genética e promove os mecanismos
de isolamento reprodutor, donde resulta também o desenvolvimento
progressivo de mecanismos de adaptação ecológica cuja história evolutiva
pode, por vezes, ser reconstituída a partir do estudo dos fósseis.
A evolução por seleção natural é também um dos importantes contributos
teóricos para a ecologia. O que melhor compreendemos acerca da
evolução é essencialmente a sua genética, e o que menos entendemos é
sobretudo a sua ecologia. O teor das principais questões remanescentes da
biologia evolutiva13 é mais ecológico do que genético, e tem a ver com as
pressões de seleção do ambiente. Os maiores progressos da biologia
evolutiva serão realizados pela ecologia, com uma explicação mais
perfeita das razões pelas quais a diversidade da vida (a seleção natural é a
fonte da diversidade biológica) tem a natureza que lhe conhecemos. Esta
obra terminará precisamente com um capítulo dedicado à ecologia.
Questões de aprendizagem
Após o estudo do primeiro capítulo deverá ser capaz de responder às
seguintes questões:
1.1 Indique as características dos sistemas vivos.
1.2 Descreva a natureza da Biologia como Ciência.
1.3 Discuta o conceito de espécie.
1.4 Explique a importância da teoria da evolução.