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Universidade Aberta

5. Evolução

Ulisses Miranda Azeiteiro


Paula Bacelar Nicolau
2011
Objetivos de aprendizagem

Após o estudo do quinto capítulo o leitor deverá ser capaz de:

 Identificar a terminologia utilizada.

 Explicar os conceitos usados.

 Compreender os diferentes fundamentos do Evolucionismo.

 Compreender as limitações do conceito biológico de espécie.

 Compreender que o processo evolutivo proposto na teoria de


Darwin se baseia na Seleção Natural.

98
Introdução

Evolução significa que as espécies se modificam ao longo dos tempos, se


adaptam a um meio em mudança, que algumas espécies se extinguiram,
que outras são recentes (em termos de tempo geológico) e, neste sentido,
Saber mais:
evolução constitui um facto observável. Evolução é também a palavra http://www.simbiotica.org/teorias.htm
usada para indicar a teoria científica de explicação de como este processo http://www.pbs.org/wgbh/evolution/

de evolução biológica ocorre e, neste sentido, Evolução é um modelo


científico.

A nossa convicção de que a Evolução ocorreu centra-se em três


argumentos gerais. Primeiro, existem evidências observáveis, abundantes
e directas, da Evolução em ação, tanto no campo como em laboratório.
Esta evidência vai desde experiências sobre as mutações das moscas-do-
vinagre, Drosophila sp., submetidas a seleção artificial em laboratório até
às observações de populações de mariposas, Biston betularia, britânicas
que “se tornaram” escuras quando a poluição industrial escureceu as
árvores onde pousavam (as mariposas protegem-se das aves, suas
predadoras, confundindo-se com o “fundo”1). 1
Mimetismo. O mimetismo
serve, neste caso, para que os
indivíduos não sejam
O segundo e terceiro argumentos a favor da Evolução não envolvem detetáveis no ambiente e
assim esconderem-se dos seus
observações directas da Evolução em ação mas assentam em deduções. As predadores.
mudanças evolutivas maiores requerem demasiado tempo para uma
observação direta na escala da história humana registada e são deduzidas a
partir de observações: organismos vivos ou fósseis2. 2
Fóssil. Quaisquer vestígios
deixados por um organismo,
O segundo argumento – de que a imperfeição da natureza revela Evolução como um rasto ou um osso
mineralizado, que foram
– parece irónico para a maioria das pessoas, porque acham que a evolução preservados através do tempo
geológico.
deve ser elegantemente exibida, numa adaptação quase perfeita, expressa
por alguns organismos – a curvatura da asa de uma gaivota ou as
borboletas que não podem ser vistas sobre um fundo de folhas caídas por
3
as imitarem tão bem. A perfeição (desenrolada pela Seleção Natural3) Seleção Natural. Atuando
sobre a variedade de fenótipos
oculta os dados da história, e a história – a evidência de descendência – é a existentes numa população
privilegia, através de níveis
marca da Evolução. A Evolução expõe às imperfeições que registam uma superiores de sobrevivência,
história de descendência. Por que é que deveria um rato correr, um os organismos mais bem
adaptados a um determinado
morcego voar, um golfinho nadar, ou teclar o computador para a escrita meio numa determinada
altura. Este efeito traduz-se
deste capítulo com o mesmo tipo de ossos, se não porque todos nós consequentemente numa
herdámos esses ossos de um antepassado comum? Por que deverão ser selecção de genótipos
específicos, o que resulta
marsupiais todos os mamíferos originários da Austrália, se não porque numa variação do fundo
descendem de um antepassado comum isolado nesse continente-ilha? Os genético da população numa
perspectiva estabilizadora,
marsupiais não são os “melhores”, nem estão idealmente adaptados à disruptiva ou direccional.

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Austrália; muitos foram banidos por outros mamíferos placentários
importados de outros continentes pela mão do homem.
Saber mais:
http://curlygirl.no.sapo.pt/evolucao.htm O terceiro argumento são as “transições” frequentemente encontradas no
registo fóssil (fósseis de transição). As transições conservadas em bom
estado não são comuns – e não o devem ser, de acordo com o nosso
4
Fóssil de Transição. Em conceito de evolução4. O maxilar inferior dos répteis é constituído por
Paleontologia dá-se o nome de
forma ou fóssil de transição a vários ossos, enquanto o dos mamíferos tem apenas um. Os ossos do
um organismo conhecido maxilar dos mamíferos são reduzidos, passo a passo, nos antepassados dos
apenas do registo fóssil que
combina características dos mamíferos, até que se convertem em finas apófises situadas na parte
seus descendentes e
antecessores evolutivos. posterior do maxilar. O martelo e a bigorna do ouvido dos mamíferos são
descendentes dessas apófises (Fig. 5.1). Como é que se realiza uma
transição deste tipo? Sem dúvida que um osso ou está inteiramente no
maxilar ou está inteiramente no ouvido. Não obstante, os paleontólogos
descobriram duas linhagens de transição nos terapsídeos (ou chamados
répteis-mamíferos) com uma articulação mandibular dupla – uma, mais
antiga composta pelos ossos quadrado e articular (que cedo se
transformam no martelo e na bigorna), e a outra, formada pelos ossos
escamoso e dental (tal como nos mamíferos modernos). Por outro lado,
que forma melhor de transição poderíamos encontrar do que a do humano
mais antigo, Australopithecus afarensis, com o seu palato de símio, a sua
postura erecta de humano e uma capacidade craniana superior a qualquer
símio do mesmo tamanho corporal, mas mil centímetros cúbicos inferior à
nossa?

ouvido médio
tambor estribo ouvido interno tambor ouvido médio

ouvido interno

estribo

Incus
Som Som

Malleus

Ossos do ouvido nos Répteis Ossos do ouvido nos Mamíferos

Figura 5.1 – Evolução dos ossos do ouvido nos mamíferos

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5.1 Argumentos a favor da Evolução

Os argumentos a favor da Evolução podem ser encontrados no registo


fóssil, nos estudos de anatomia comparada, na embriologia, nos padrões
de distribuição geográfica das populações e nos estudos de citologia e
bioquímica molecular.

O estudo do registo fóssil de espécies extintas permite a elaboração de 5


Órgãos ou estruturas
fortes argumentos a favor do Evolucionismo. homólogas são órgãos que
têm a mesma origem, a
mesma estrutura básica e
A anatomia comparada baseia-se no estudo comparativo das formas e posição idêntica no orga-
nismo, podendo desempenhar
estruturas dos organismos com o fim de estabelecer possíveis relações de funções diferentes.
parentesco entre eles. Realça a unidade existente entre as diferentes 6
Órgãos ou estruturas
formas de vida. A presença de órgãos homólogos5, análogos6 e vestigiais7 análogas são órgãos que têm
origem, estrutura e posição
são provas importantes, que evidenciam relações filogenéticas entre relativa diferentes, mas
diferentes espécies. A existência de órgãos homólogos explica-se à luz do desempenham a mesma
função.
Evolucionismo por fenómenos de divergência. Estes evoluíram a partir de
7
Órgãos ou estruturas
uma estrutura ancestral comum, à medida que os diferentes grupos se iam vestigiais são órgãos que
adaptando a diversos ambientes e ocupando nichos ecológicos8 diferentes, resultam da atrofia de um
órgão primitivamente desen-
passando a desempenhar funções diferentes. Isto reflecte uma evolução volvido.
divergente. Os órgãos análogos surgem quando espécies ancestrais 8
Nicho O lugar ocupado por
diferentes colonizam habitats semelhantes adquirindo adaptações uma espécie no seu
semelhantes. Este fenómeno conduz a uma evolução convergente. ecossistema – onde vive, o
que come, a sua rotina de
procura de alimentos, a sua
Em determinados grupos animais, as relações de parentesco são mais estação de actividade e assim
por diante (ver Capítulo 7).
facilmente percebidas na fase embrionária do que na fase adulta. Nas fases
precoces do desenvolvimento embrionário, existem semelhanças entre os
embriões das diferentes classes de Vertebrados que podem ser explicadas
se pensarmos que, no decorrer do processo embrionário, se esboça o plano
estrutural básico do corpo que todos herdaram de um ancestral comum.

A distribuição geográfica dos seres vivos, fruto das mudanças que a Terra
experimentou ao longo dos tempos geológicos, só faz sentido num
contexto geohistórico de Evolução.

De acordo com a Teoria Celular, todos os seres vivos são constituídos por
células. O facto de existir uma certa uniformidade nos processos e
mecanismos celulares dos seres dos vários reinos constitui um forte
argumento a favor da Evolução.

As provas bioquímicas a favor da Evolução baseiam-se na semelhança


existente:

101
i. entre os compostos químicos orgânicos (ex: no número e sequência de
nucleótidos de DNA e no número, sequência e tipo de aminoácidos das
proteínas);

ii. entre as vias metabólicas (ex. síntese de proteínas e modo de actuação


das enzimas);

iii. na universalidade do código genético e do ATP como energia biológica


utilizada pelas células.

5.2 A Teoria da Evolução pela Seleção Natural de Darwin

Saber mais:
Antes de Darwin vários cientistas desenvolveram sistemas de pensamento
http://anthro.palomar.edu/evolve/evolve_2.htm Evolutivo. Contudo, atribui-se a Charles Darwin a fundação da sua teoria
http://www.cientic.com/tema_evol_pp2.html
http://www.literature.org/authors/darwin-charles/ sobre como a Evolução ocorreu através da Seleção Natural. No entanto, e
como o próprio Darwin reconhece (no prefácio histórico acrescentado às
edições mais tardias de A Origem das Espécies), outros dois autores o
precederam na formulação do princípio da evolução por seleção natural.
Durante a viagem à volta do Mundo, a bordo do HMS Beagle, Darwin leu
o livro de Charles Lyell, Principles of Geology, onde o autor apresentava a
ideia de que a Terra, ao longo da sua história, esteve sujeita a constantes
modificações produzidas pela ação de forças naturais. Darwin também
estudou atentamente a obra apresentada por Thomas Malthus sobre o
modo de crescimento das populações face aos recursos alimentares.
Decorridos cerca de vinte anos após a regresso de Darwin a Inglaterra, e
ainda sem ter publicado os seus resultados, recebeu uma carta do
naturalista Alfred Russel Wallace que propunha a seleção natural como
mecanismo importante para a formação das espécies.

A teoria de Darwin pode ser formulada do seguinte modo: dada uma


9
População: em biologia, é população9 de indivíduos, com as propriedades da multiplicação, da
qualquer grupo de organismos
pertencentes à mesma espécie variação e da hereditariedade, e visto que algumas das variações afetam o
no mesmo tempo e lugar (ver êxito de sobrevivência e multiplicação dos indivíduos que as apresentam,
Capítulo 7).
essa população evoluirá, ou seja, a natureza das suas indivíduos
constituintes modificar-se-á com o tempo. Das três propriedades
essenciais, (i) a multiplicação significa que um indivíduo pode dar origem
a outro, seu semelhante, (ii) a variação significa que nem todas as
entidades são idênticas, (iii) e a hereditariedade significa que o semelhante
gera o semelhante. Este processo está ilustrado na figura 5.2. Nesta, o
ponto essencial consiste em que, quando se verifica a multiplicação, a
espécie A, em geral, dá origem a A, a espécie B a B, e assim

102
sucessivamente. Se a hereditariedade fosse exata, as modificações
evolutivas acabariam por diminuir e parar; a Evolução contínua exige que
a hereditariedade seja inexata e que, consequentemente de tempos a
tempos surjam novas variantes. Não se trata de uma teoria da Evolução
plenamente previsível, pois o curso da evolução também dependerá do
reportório de variação que surgir. É de prever, no entanto, que os
organismos que evoluíram por seleção natural tenham órgãos que os
ajudem a sobreviver e reproduzir-se, isto é, que tenham “partes”
funcionais i.e. com “funções”.

A Teoria da Seleção Natural enunciada por Darwin tinha duas


componentes. A primeira era a preposição de que todos os organismos da
Terra descendem, com modificações mais ou menos profundas, de uma ou
de algumas formas ancestrais simples – princípio da descendência
universal comum. Este “fato” da Evolução é quase universalmente aceite
pelos biólogos contemporâneos. A segunda componente consistia em que
a causa principal (mas não a única) da modificação evolutiva era a Seleção
Natural. Os organismos conseguem adaptar-se e sobreviver em ambientes
específicos e têm partes que funcionam de modo a assegurar essa
sobrevivência. A teoria da Evolução explica a adaptação10. Os organismos 10
Adaptação ver Capítulo 7.
têm as propriedades da multiplicação, da variação e da hereditariedade,
donde resulta que se adaptam à sobrevivência, o que é sublinhado pela
Seleção Natural. Existe uma conexão necessária entre um conjunto de
observações relativas à reprodução e outro conjunto relativo à adaptação.
A Seleção Natural é o único mecanismo relevante que leva à evolução da
adaptação. A Seleção Natural representa uma escolha automática feita
pela Natureza dos organismos melhor adaptados às suas condições de
existência. A Seleção Natural é o sucesso diferencial na reprodução, e o
seu produto é a adaptação dos organismos ao meio ambiente. Assim
sendo a Seleção Natural ocorre através da interacção entre o ambiente e a
variabilidade inerente a qualquer população.

A
A
C
A
A
A
Figura 5.2 – Hereditariedade e
A
Variação. O significado da
B
hereditariedade consiste em que,
B quando a multiplicação se verifica,
B o semelhante dá origem ao
B semelhante: A dá origem a A e B a
B B. A variação exige que esta regra
B seja quebrada de vez em quando,
B como quando A dá origem a C.

103
5.3 O que aciona a Evolução?

Esta questão, a que Darwin respondeu em essência, foi aperfeiçoada pelos


biólogos do século XX para produzir a síntese conhecida por
11
Neodarwinismo. O
desenvolvimento dos
Neodarwinismo11. Responder a esta questão é ir para além da espécie até
conhecimentos de genética aos genes e cromossomas, às fontes primordiais da diversidade biológica.
permitiu reinterpretar a teoria
da evolução de Darwin,
sintetizando e correlacionando O evento evolucionista fundamental é a mudança na frequência genética e
os diversos conhecimentos das
áreas da genética, da citologia
nas configurações cromossómicas de uma população. A Evolução é, em
e da bioquímica. Dessa síntese absoluto, um fenómeno de populações (os indivíduos e os seus
surgiu, no início da década de
1940, uma teoria evolucionista descendentes imediatos não evoluem). As populações evoluem, no sentido
mais consistente, que ficou em que as proporções de portadores de diferentes genes mudam com o
conhecida como Neo-
Darwinismo. tempo. Esta conceção de Evolução ao nível da população resulta
indiscutivelmente da ideia da Seleção Natural.

A evolução por seleção natural é um acontecimento contínuo. O seu


ponto de partida é, em termos moleculares, o aparecimento de variação
genética por mutações. Mutação genética pode ser definida como qualquer
alteração aleatória na sequência genómica de um organismo (na
composição química de genes, na localização de gene nos cromossomas,
ou no número dos próprios cromossomas). O tipo de mutação mais
comum é a alteração química de um gene, nomeadamente a substituição
acidental de um par de nucleótidos por outro.

As mutações genómicas aleatórias podem produzir mudanças


12
Alelo ver nota 13, Capítulo 4.
correspondentes na anatomia, fisiologia ou comportamento do seu
portador, ou seja, a alteração do genótipo pode, em consequência, gerar
um fenótipo diferente. Da profusão de mutações genéticas e rearranjos
cromossómicos que surgem numa população, em cada geração, muitos
deles são tão insignificantes que se revelam neutros, em termos evolutivos,
não favorecendo nem desfavorecendo a sobrevivência ou a reprodução de
quem os transporta. No entanto, quando um mutante ou uma nova
combinação de alelos12 raros ou preexistentes consegue superiorizar-se ao
alelo comum, “normal”, há a tendência para se esta difundir pela
população ao longo das gerações seguintes e, com o tempo, tornar-se a
nova forma genética mais comum.

Novos fenótipos, ou caracteres alterados da anatomia, da fisiologia ou do


comportamento, têm normalmente um certo efeito na sobrevivência e na
reprodução. Se o efeito é favorável, se confere taxas elevadas de
sobrevivência e/ou reprodução, os genes mutantes que os determinam
continuam a difundir-se na população. Se o efeito for desfavorável, os
genes responsáveis declinam e podem desaparecer totalmente.

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Três características da Evolução concorrem para lhe darem grande
potencial criativo. A primeira é a vasta matriz de mutações, incluindo
substituições de pares de nucleótidos, troca das posições dos genes nos
cromossomas, alterações do número dos cromossomas e transferência de
fragmentos de cromossomas (todas as populações estão sujeitas a uma
“chuva” contínua de novos tipos genéticos). Uma segunda fonte de
criatividade evolutiva é a velocidade a que a Seleção Natural pode atuar.
A seleção natural não precisa do tempo geológico, que se estende por
milhares ou milhões de anos, para transformar uma espécie, como é o caso
13
da expressão fenotípica da condição heterozigótica13. A terceira O indivíduo heterozigótico
para um dado fenótipo possui
característica consiste na aptidão que a Seleção Natural possui para reunir dois alelos diferentes no gene
novas estruturas e processos fisiológicos, incluindo novos padrões de dos dois cromossomas
homólogos. Em contraste, o
comportamento, sem outra matriz ou força subjacente que não seja a da homozigótico possui duas
cópias do mesmo alelo no
própria Seleção Natural (cuja ação atua sobre mutações aleatórias). gene dos dois cromossomas
homólogos (ver Capítulo 4).
A Seleção Natural é a fonte da Diversidade Biológica. As diferenças de Quando o fitness biológico
dos heterozigóticos, em
alelos que surgem entre indivíduos, em todos genes e os cromossomas que comparação com os
homozigóticos, leva a um
transportam, juntamente com as diferenças de número e estrutura dos aumento relativamente rápido
próprios cromossomas, constituem variação genética. É através desta das frequências génicas isto
traduz-se numa vantagem
variação genética que se originam novas espécies, dando origem às seletiva.
barreiras reprodutivas hereditárias que separam as “velhas” espécies.
Existem, assim, dois níveis básicos na diversidade da vida: a variação
genética no interior de uma espécie e as diferenças genéticas entre as
espécies.

Os fatores que podem alterar a composição genética das populações


fazendo-as evoluir são diversos. Em resumo as mutações, as migrações
(fluxo de genes), os cruzamentos direcionados (tendência para a formação
de subgrupos no interior das populações com um fundo genético diferente
da população global) e a deriva genética (quando a população se divide
em grupos pequenos isolados do ponto de vista reprodutivo) constituem os
fatores de evolução de uma população, conjuntamente com a seleção
natural.

5.4 Microevolução e Macroevolução

Os dois níveis de diversidade biológica - a variação genética no interior de


uma espécie e as diferenças genéticas entre as espécies - têm um
paralelismo aproximado na microevolução (Tabela 5.1) e na
macroevolução (Tabela 5.2). Entende-se por microevolução a pequena
alteração evolucionária ao nível do gene e do cromossoma (muitas vezes

105
descrita como alteração da frequência de alelos) que ocorre geralmente
num curto “espaço” de gerações, dentro de uma espécie ou população.
Em contraste, a macroevolução é uma alteração genética mais complexa e
profunda do que a microevolução, que ocorre ao nível de espécie ou acima
de espécie, geralmente ao longo de milhares de anos. A macroevolução
pode ser vista como um somatório de longos períodos de microevolução.
Deste modo, os dois processos são similares do ponto de vista qualitativo,
mas distintos do ponto de vista qualitativo. O fator tempo não é
necessariamente distintivo dos dois processos evolucionários, podendo a
macroevolução ocorrer numa única ou em poucas gerações, situação que é
comum em plantas.

Tabela 5.1 – Causas de Microevolução

Mecanismo Ação no fundo genético

Deriva Genética Alterações aleatórias no fundo genético devido a


erros na propagação dos alelos.

Fluxo Genético Modificações no fundo genético devido a


migrações de indivíduos entre populações, ou seja,
transferência de alelos entre populações.

Mutação Alterações nas frequências dos alelos devido a


mutação, ou seja, substituição de um alelo por outro
no fundo genético dessa população.

Acasalamentos A seleção de fenótipos para acasalamento reduz a


direcionados frequência de genótipos heterozigóticos. O caso
mais extremo é a autofertilização nas plantas.

Seleção Natural O sucesso reprodutor diferencial aumenta a


frequência de alguns alelos e diminui a de outros.

Exemplos observáveis de microevolução são estudados, por exemplo, no


âmbito da ecologia genética. A ecologia genética estuda a genética de
populações naturais, e em particular as caraterísticas que detêm um
significado ecológico, isto é, adaptações que afetam a sobrevivência e
sucesso reprodutivo de um organismo. Exemplos disso podem ser o tempo
de floração, a tolerância à seca, polimorfismos, mimetismo, mecanismos
de defesa contra predadores ou a resistência a antibióticos por bactérias.
Nenhuma destas alterações é suficientemente profunda, em termos
genéticos para, por si só, originar um evento de especiação.

106
A macroevolução está na origem de grupos taxonómicos superiores14 à 14
Grupos Taxonómicos, ver
Capítulo 6.
espécie. A origem dos mamíferos a partir dos seus ancestrais reptilianos é
um exemplo de macroevolução. De um modo genérico a macroevolução é
a história da evolução revelada nos fósseis (os registos fósseis
documentam a macroevolução). O fracionamento de uma só espécie de
ave numa vasta matriz de espécies (por radiação adaptativa), desde as aves
canoras às semelhantes a tentilhões, é macroevolução.

Tabela 5.2 – Evidências da Macroevolução

A Paleontologia testemunha a evolução. O estudo dos


Registo Fóssil
fósseis permite reconstituir a história evolutiva.

As diferenças encontradas entre as moléculas biológicas


de duas espécies traduzem a natureza e o número de
mutações que ocorreram, entre elas, ao longo da evolução.
Registo molecular
Quanto maiores forem as diferenças encontradas, maiores
foram as alterações genéticas ocorridas e mais afastadas,
do ponto de vista filogenetico17, estão essas espécies. 17
Filogénese: história
evolutiva de uma espécie ou
Os órgãos homólogos – estruturalmente semelhantes e grupo de espécies
relacionadas.
Homologias com origem comum - são interpretados como provas
evidentes da evolução.

O estudo do desenvolvimento embrionário dos diferentes


grupos de Vertebrados mostra grande semelhança
morfológica entre eles, sendo por vezes difícil distinguir,
Desenvolvimento entre si, as primeiras formas embrionárias desses grupos.
As semelhanças encontradas levam a concluir que os
vários grupos evoluíram a partir de um antepassado
comum em condições ambientais diversas.

Alguns Vertebrados possuem estruturas sem função que


Estruturas
se assemelham a estruturas funcionais noutros
vestigiais
Vertebrados.

A existência de órgãos análogos (estruturalmente


diferentes, com origem diferente mas com a mesma
Evolução função), por vezes em organismos muito diferentes,
convergente fornece argumentos a favor de uma evolução convergente.
São provas de adaptação de organismos diferentes a um
mesmo meio.

A distribuição geográfica de uma espécie depende das


Padrões de
suas exigências ecológicas atuais, mas também de fatores
distribuição
históricos que condicionaram a sua evolução.

107
5.5 A Variação genética constitui o substrato para a Seleção
Natural

A variação genética constitui o substrato para a Seleção Natural e a


Seleção Natural constitui o mecanismo da Evolução Adaptativa. A
variação genética é gerada através de mutações e recombinação genética, e
15
Poliploidia: condição de é preservada pela diploidia15 e polimorfismo16 balanceado. A natureza
uma célula ou um organismo
em que o número de conjuntos diploide da maior parte dos eucariotas esconde uma quantidade
completos de cromossomas considerável de variação genética na forma de alelos recessivos nos
(por célula) é superior a dois.
A poliploidia é um meio heterozigóticos.
comum pelo qual as espécies
se multiplicam, em especial as
vegetais. A “proteção heterozigótica” mantém uma grande quantidade de alelos que
podem não ser favoráveis nas condições atuais, mas podem trazer
16
Polimorfismo: consiste na benefícios num ambiente em mudança. A seleção pode preservar a
existência, dentro da mesma
população, de indivíduos com
variação em alguns loci nos genes. Este modo que a Seleção Natural tem
diferentes formas, indepen- de preservar a diversidade numa população é designado por polimorfismo
dentemente das variações
associadas ao sexo ou idade balanceado. Um dos mecanismos para a preservação da variação é a
dos indivíduos. designada vantagem heterozigótica. Se os heterozigóticos para um locus
determinado apresentam uma taxa de sobrevivência e sucesso reprodutor
maior que os homozigóticos, então um ou mais alelos serão mantidos
nesse locus pela Seleção Natural.

Um organismo expõe ao ambiente o seu fenótipo – as suas caraterísticas


físicas, metabolismo, fisiologia e comportamento – e não o seu genótipo.
A Seleção Natural, ao atuar sobre os fenótipos, indiretamente, adapta uma
população ao seu ambiente aumentando ou mantendo os genótipos do
fundo genético que são favoráveis para esse ambiente.

A Seleção Natural consegue afetar a frequência dos caracteres hereditários


numa população de três modos diferentes, dependendo dos fenótipos que
são favorecidos nessa população. Estes três modos são designados por
seleção estabilizadora, direcional e diversificadora (Fig. 5.3).

A seleção estabilizadora atua contra fenótipos extremos e favorece os


fenótipos intermédios, o que reduz a variação desse fenótipo. Pensa-se que
este tipo de seleção atue na natureza em ambientes relativamente estáveis.
A seleção direcionada ocorre quando um fenótipo extremo é favorecido,
ou seja, quando aumenta, de forma continuada, a frequência desse
fenótipo extremo. A seleção direcionada é o tipo de seleção mais comum
nos períodos de mudança ambiental ou quando se dão migrações de alguns
membros de uma população para novos habitats com diferentes condições
ambientais. outro exemplo, observável através do registo fóssil, mostra
que os ursos pretos na Europa evoluíram de forma “direcionada” para

108
dimensões menores nos períodos interglaciares, e aumentaram durante os
períodos glaciares. A seleção diversificadora ocorre quando as condições
ambientais são tais que favorecem os extremos da variação fenotípica;
aumenta a variação do fenótipo e a população divide-se em dois grupos
distintos. Suponha uma hipotética população de coelhos, cuja cor de
pelagem varia entre branco e preto; se essa população ocorrer numa zona
com rochas brancas e pretas, os extremos de variação do fenótipo serão
favorecidos, contra os intermédios, cinzentos, que mais dificilmente se
esconderão dos seus predadores. Essa população poderia evoluir de forma
diversificadora. Este tipo de seleção pode resultar numa situação de
polimorfismo balanceado.

População original
Frequência de
de indivíduos

Fenótipos (ex. cor de pelagem)

População evoluída (selecionada)

Seleção estabilizadora Seleção direcionada Seleção diversificadora

Figura 5.3 – Modos de seleção natural (possibilidades microevolutivas).

O mecanismo de ação básico nestes três modos é sempre o favorecimento


pela seleção de alguns caracteres hereditários via sucesso reprodutor
diferencial. O que determina o modo como a seleção atua depende dos
fenótipos que são favorecidos ao longo da sua gama de variação
individual. Estudos de populações naturais mostram que a seleção elimina
os extremos e preserva o status quo.

109
5.6 Radiação adaptativa e convergência evolutiva

Radiação adaptativa é a expressão aplicada à dispersão de espécies com


antepassados comuns em nichos diferentes. A convergência evolutiva é a
ocupação do mesmo nicho por produtos de diferentes radiações
adaptativas, especialmente em diferentes zonas do mundo. O lobo da
Tasmânia australiano, um marsupial, assemelha-se exteriormente ao
verdadeiro “lobo” da Eurásia e América do Norte, um mamífero
placentário. O primeiro é um produto da radiação adaptativa na Austrália,
enquanto que o segundo é o produto de uma radiação adaptativa paralela
no hemisfério norte. As duas espécies convergiram para ocupar nichos
semelhantes dentro de radiações adaptativas independentes nos diversos
continentes.

5.7 Novas espécies

A origem das espécies é a evolução de alguma diferença – de qualquer


diferença – que impeça a produção de híbridos férteis entre populações
em condições naturais.

As diferenças entre as espécies surgem vulgarmente como caracteres que


as adaptam ao ambiente, não como dispositivos para o isolamento
reprodutivo.

Especiação é a formação das espécies, em sentido lato, mas tomada no


sentido restrito é o processo que leva a uma multiplicação de espécies
através da ramificação de linhas filéticas.

Saber mais: A especiação gradual (através de populações) até se atingir o nível de


http://www.cientic.com/tema_evoluc_img5.html
http://www.cientic.com/tema_evoluc_img6.html
distinção específica pode ter origem em mecanismos de isolamento dentro
http://www.cientic.com/tema_evoluc_img8.html
http://www.cientic.com/tema_evoluc_img9.html
da área de dispersão da descendência de uma população local. As
http://www.cientic.com/tema_evoluc_img7.html dimensões da área de dispersão são determinadas, nos organismos
marinhos, pela dispersão dos estados larvares, e nos animais terrestres no
estado adulto pelo sexo mais móvel. O termo especiação simpátrica
refere-se à origem de uma nova espécie no mesmo local que as espécies
progenitoras e contrasta com a especiação geográfica ou, mais
formalmente, especiação alopátrica, em que a nova espécie é originada
num local diferente enquanto isolada por uma barreira física. O conceito
de especiação simpátrica considera que a fragmentação do fundo genético
é causada por fatores ecológicos, sendo o isolamento espacial um
fenómeno secundário mais tardio.

110
O conceito de especiação geográfica considera que é o isolamento
espacial que causa a fragmentação do fundo genético, atuando os fatores
ecológicos após o isolamento geográfico das populações. A especiação
geográfica pode ser definida nos animais com reprodução sexuada como a
formação de uma nova espécie quando uma população, que está isolada
geograficamente das outras da sua espécie progenitora, adquire durante
este período de isolamento caracteres que promovem ou garantem o
isolamento reprodutor após a remoção das barreiras externas.

Segundo a teoria da especiação simpátrica é a Seleção Natural que é


responsável pelo desenvolvimento de mecanismos de isolamento. A teoria
da especiação geográfica, pelo contrário, considera que os mecanismos de
isolamento resultam da divergência genética em populações isoladas.

As adaptações podem servir como mecanismos isoladores intrínsecos


(hereditários, ou seja, diferenças prescritas pelos genes de populações).
Considere-se o modo de diversificação por especiação geográfica.
Comece-se com uma população imaginária de aves – por exemplo, papa-
moscas – que foi dividida pelo último avanço dos glaciares na América do
Norte. Ao longo de vários milhares de anos, a população, no sudeste dos
Estados Unidos, adaptou-se à vida nas florestas pantanosas. Estas
diferenças foram adquiridas independentemente e são funcionais.
Permitiram que as aves sobrevivessem e se reproduzissem melhor nos
habitats mais imediatamente disponíveis a Sul da frente glacial. Com o
recuo dos gelos, as duas populações expandiram as suas áreas de
implantação até se encontrarem e cruzarem nos Estados do Norte.
Actualmente, uma delas reproduz-se na floresta aberta, a outra nos
pântanos. A variação no habitat preferido, baseada em diferenças
hereditárias adquiridas durante o período de separação geográfica forçada,
torna menos provável que as duas novas populações desenvolvidas
estabeleçam laços estreitos durante a estação de reprodução e que haja
hibridização. A diferença adaptativa de habitat serviu assim, de forma
acidental, como mecanismo isolador. Pode ter havido divergência de
outros caracteres entre as duas populações de aves durante o período de
separação geográfica, incluindo as melodias utilizadas pelos machos para
atrair as fêmeas e os lugares preferidos para nidificação. Quaisquer destas
diferenças hereditárias poderia diminuir as probabilidades de
acasalamento dos adultos das espécies da floresta e do pântano. Se o
acasalamento ocorrer de fato, os novos caracteres desenvolvidos serão
intermédios nos híbridos. Não serão adequados à floresta, nem ao pântano, 75
Híbrido A descendência de
progenitores que são genetica-
e terão por isso menos hipóteses de sobrevivência. Qualquer tipo de mente dissemelhantes, espe-
barreira, desde as diferenças de habitat até aos híbridos inadaptados, cialmente os pertencentes a
espécies diferentes.
funcionará de maneira intrínseca se for suficientemente forte. As duas

111
populações transformaram-se em espécies distintas porque estão
reprodutivamente isoladas quando se encontram em condições naturais.

A tabela 5.3 ilustra algumas dessas barreiras reprodutoras que se


encontram sumariadas na figura 5.4.

Se duas espécies formam híbridos nas raras ocasiões em que os seus


habitats se sobrepõem, isso serve apenas para permitir uma certa troca de
genes entre elas. Todavia, nas plantas, muito mais raramente nos animais,
a hibridização é por vezes acompanhada por uma duplicação do número
de cromossomas, o que pode dar origem, num único passo, a uma nova
espécie isolada do ponto de vista reprodutivo de ambos os progenitores.
Nas plantas, as novas espécies, por vezes, surgem por hibridização entre
espécies existentes. Há controvérsia acerca da questão de saber se uma
espécie pode dividir-se em duas sem isolamento geográfico. A dificuldade
com esse processo de especiação simpátrica consiste em que as espécies
diferem, não num simples locus de um gene, mas em muitos genes.

Contudo uma mutação genética pode ter um grande efeito ao adaptar um


organismo a um novo meio ambiente. Na realidade, a análise genética de
ecótipos de plantas (populações adaptadas a um habitat específico) mostra
que, por vezes, muito poucas mutações genéticas podem provocar a maior
parte da transformação morfológica.

O isolamento geográfico é um fator puramente extrínseco, que por si só


não conduz à formação de novas espécies. No entanto, ele permite uma
divergência genética das populações isoladas. Esta divergência genética,
devida principalmente a mutações e recombinação genética, acentua-se
progressivamente pela ação da Seleção Natural, donde resulta o
desenvolvimento progressivo de mecanismos de isolamento reprodutor e
de adaptação ecológica nestas populações isoladas. Quando a divergência
genética e a adaptação ecológica são suficientemente pronunciadas, estas
populações isoladas, que são espécies incipientes, podem invadir a área da
população progenitora. Após o estabelecimento da simpatria, a Seleção
Natural pode ajudar a aperfeiçoar os mecanismos de isolamento, de modo
a não haver mais desperdício de gâmetas, e também a compatibilidade
ecológica pode ao mesmo tempo ser aperfeiçoada.

112
Tabela 5. 3 – Mecanismos de isolamento18
18
Cada espécie é um sistema
Mecanismos Mecanismos que impedem a formação de genético delicadamente inte-
grado, que foi selecionado
Pré-zigóticos zigotos através de muitas gerações
para se adaptar a um nicho
Isolamento geográfico e de A espécie ocorre em áreas diferentes. definido no seu meio. Os
mecanismos de isolamento
habitats (isolamento espacial) impedem a desarmonia deste
sistema genético protegendo a
Isolamento ecológico O isolamento ecológico (diversificação de habitats sua integridade.
e nichos) pode conduzir a isolamento reprodutor e,
consequentemente, a especiação.

Isolamento estacional As alturas de reprodução são diferentes


(ou temporal) (maturidade sexual em estações do ano diferentes).

Isolamento comportamental Diferenças comportamentais sexuais antes da


(ou etológico) copulação.

Isolamento mecânico Diferenças estruturais/anatómicas (nos órgãos


copuladores) que impedem o acasalamento.

Isolamento gamético Os gâmetas não se fundem devido a fatores


(impedimento da fusão químicos – química fisiológica.
gamética)
Mecanismos que impedem a funcionalidade
Mecanismos
do zigoto: inviabilidade ou esterilidade dos
Pós-zigóticos
híbridos

A especiação geográfica é complementada na Natureza por uma Saber mais:


http://www.cientic.com/tema_evoluc_img11.html
combinação rica de outros modos de especiação. A poliplóidia – o
aumento do número de cromossomas – é uma situação bem documentada
nas plantas. Um indivíduo poliploide tem o dobro dos cromossomas em
cada célula de um indivíduo vulgar – ou o triplo, quádruplo ou qualquer
outro múltiplo exato. A poliploidia é virtualmente instantânea nos seus
efeitos, isolando potencialmente um grupo de indivíduos dos seus
antepassados numa só geração. Este isolamento imediato é causado pela
inaptidão de os híbridos de indivíduos poliploides e de indivíduos não
poliploides se desenvolverem de maneira normal, ou caso atinjam o
desenvolvimento completo, se reproduzirem.

113
Indivíduos de diferentes espécies

Isolamento de habitat

(populações a viver em diferentes habitats)

Isolamento temporal

Isolamento comportamental
PRÉ-ZIGÓTICAS

Cruzamento
BARREIRAS

Isolamento mecânico

Isolamento gamético

Fertilização
BARREIRAS PÓS-ZIGÓTICAS

Reduzida viabilidade dos híbridos

Reduzida fertilidade dos híbridos

Descendência Fértil

Figura 5.4 – Sumário das barreiras reprodutoras.

114
A grande diversidade biológica requer longos intervalos de tempo
geológico e a acumulação de grandes reservatórios de genes únicos. Os
ecossistemas mais ricos construem-se lentamente, ao longo de milhões de
anos. Acresce também que, devido exclusivamente ao acaso, algumas
espécies novas são forçadas a deslocar-se para novas zonas de adaptação,
para ampliarem os limites da diversidade.

Quadro V.1 – Especiação

As aves são, definitivamente, um símbolo de Charles Darwin. Os tentilhões das


Ilhas Galápagos, com os seus bicos muito diferenciados, foram uma das bases
da teoria da evolução através da seleção natural. Agora, umas pequenas aves
canoras que se dividem em populações diferentes ao longo da Ásia Central
servem para dar razão aos argumentos de Darwin.

Irwin e os colegas da Universidade da Califórnia, em San Diego, EUA, têm


vindo a estudar um fenómeno de especiação de aves na Ásia Central e na
Sibéria.

Darwin afirmava que a seleção natural é a força motriz que faz com que
sobrevivam apenas os indivíduos mais aptos e com caraterísticas melhor
adaptadas ao seu meio, transformando as espécies e criando a diversidade
biológica. Darwin acreditava também que este era um processo gradual, em que
a história de cada espécie se escrevia passando por inúmeras espécies
intermédias. O fato de o registo fóssil não nos revelar todas essas espécies
intermédias era um acaso a que nos deveríamos resignar; defendia Darwin: "O
registo geológico é extremamente imperfeito e este ato explicará em larga
medida porque não encontramos intermináveis variedades ligando entre si

115
todas as formas de vida, extintas ou existentes. Aquele que rejeitar estas ideias
sobre a natureza do registo geológico rejeitará certamente toda a minha
teoria".

Um anel em torno do Tibete

A equipa de Irwin seguiu uma pista já antiga, que indiciava que, em torno do
grande planalto tibetano, uma pequena ave canora que é comum por toda a Ásia
– chamada, em português, felosa-verde ou, segundo a sua designação científica,
Phylloscopus trochiloides - podia ser uma experiência de especiação em curso.

O ornitólogo Claude Ticehurst, em 1938, baseando-se nas variações observadas


nas cores, nas formas e no tamanho do corpo de vários espécimes guardados em
museus, concluiu que existiam duas formas distintas desta espécie na Sibéria
central, que tinham diferentes padrões de cores e não se cruzavam.

Irwin decidiu aprofundar o estudo e partiu numa viagem, que o levou à Rússia,
à Quirguízia, à Índia, ao Nepal, à China e à Suécia. Nestes locais, fez gravações
do canto das aves, que deu a ouvir a aves de outras zonas, e recolheu amostras
de sangue para depois fazer análises genéticas.

Irwin concluiu que as populações desta ave se distribuíam em forma de anel em


tomo de um obstáculo geográfico, que levava ao seu isolamento (o planalto
tibetano, uma zona desabitada, sem árvores). As populações da felosa-verde
dispõem-se em torno do planalto, contornando-o. Ao longo do anel, as
populações vão apresentando modificações graduais ao nível do comportamento
e das características genéticas, mas as populações vizinhas podem ainda
entrecruzar-se.

Este anel une-se na Sibéria Central, onde coexistem duas espécies que não se
cruzam. Irwin refere que isto cria um paradoxo: há dois tipos de aves que
podem ser considerados como duas espécies diferentes e uma só ao mesmo
tempo. Estes fenómenos são muito raros, mas são valiosos porque mostram
todos os passos intermédios que ocorrem durante a divergência de uma espécie,
até se transformar numa outra.

As felosas-verdes estão a transformar-se em duas espécies distintas na Sibéria


porque as duas populações que lá vivem não se cruzam. Isto porque não
reconhecem o canto uma da outra, portanto não estabelecem contactos sexuais.
Como na maioria das aves canoras, os machos de felosas-verdes cantam para
atrair potenciais companheiras e para defender o seu território. Só que as aves
que vivem nos Himalaias têm um canto simples, curto e repetitivo e, à medida
que se sobe para norte, ao longo do Tibete ocidental, os cantos tornam-se mais
longos e complexos. No lado Leste, avançando pela China, os seus cantos são

116
também mais longos e complexos, mas tem uma estrutura diferente.

O resultado é que na Sibéria, quando o anel composto por estas populações se


fecha, as canções de cada uma das populações são tão diferentes que não se
reconhecem entre si - o que é um típico mecanismo de especiação.

Os resultados de Irwin mostram como pequenas mudanças evolutivas podem


originar diferenças que causam o isolamento reprodutivo entre as espécies.

5.8 A Sistemática relaciona a diversidade biológica com a


Filogenia

A história evolutiva de uma espécie ou grupo de espécies relacionadas é


designado por filogenia. Estas genealogias são tradicionalmente
diagramatizadas em árvores genealógicas que evidenciam as relações
evolutivas entre os grupos. A reconstrução da história filogenética é o
objectivo da Sistemática, o estudo da diversidade biológica num contexto
evolutivo. A diversidade biológica contemporânea reflecte a história da
especiação e macroevolução.

5.9 Será necessária uma nova síntese evolutiva?

À luz do Neodarwinismo os organismos diferem, em parte, devido ao


impacto variável do ambiente no seu tempo de vida e, em parte, devido às
diferenças entre os genes presentes no seu genoma. As modificações
evolutivas ocorrem porque algumas diferenças hereditárias afectam a
probabilidade de sobrevivência e de reprodução, razão pela qual as
proporções de diferentes genótipos na população se modificam de geração
para geração.

Poucos biólogos duvidam de que isto seja parte da verdade, mas será toda
a verdade? Uma limitação consiste em que certas modificações evolutivas
ocorrerem por acaso, sem Seleção Natural. Uma outra refere-se à maneira
como a seleção atua, particularmente ao objeto da seleção: devemos
pensar nos genes, nos organismos ou nas populações como sendo as
entidades que sobrevivem e se reproduzem e sobre as quais atua a seleção?

Outra questão que se coloca é se serão todas as modificações adaptativas?


Há muitas caraterísticas dos organismos que poderiam ser melhoradas e
cuja existência apenas se justifica por serem uma herança do passado. Por

117
exemplo, a curvatura na parte posterior da coluna vertebral dos seres
humanos, responsável por tantas dores nas costas, existe porque os nossos
antepassados eram quadrúpedes e só recentemente começámos a andar na
posição erecta. Além disso, parece ser uma caraterística geral da evolução
que as novas funções sejam desempenhadas por órgãos que surgem, não
de novo, mas como modificações de órgãos preexistentes. Os planos
básicos do corpo dos diferentes filos representam estruturas que adaptaram
alguma forma ancestral a um modo de vida particular, e que desde então
se modificaram a fim de servirem diferentes funções. Porque motivo então
foi o plano básico preservado quando os hábitos e modos de vida se
alteraram? Na evolução as estruturas são conservadoras porque as
modificações têm de ser feitas passo a passo, sendo cada passo um
melhoramento em relação ao precedente. Um tal tipo de modificação não
permite reestruturações radicais.

Questões de aprendizagem

Após o estudo do quinto capítulo o leitor deverá ser capaz de responder às


seguintes questões:

5.1 Explique o papel da seleção natural na teoria evolutiva darwinista.

5.2 Defina o conceito de especiação.

5.3 Explique o papel da Seleção Natural na criação de biodiversidade.

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