Você está na página 1de 9

ARTIGO http://dx.doi.org/10.20396/td.v12i1.

8645966
Terræ Didatica

Répteis que um dia dominaram os mares


Reptiles that once dominated the seas
Geraldo Norberto Chaves Sgarbi1, Jonathas Bittencourt2 , Thiago da Silva Marinho3

1-IGC/UFMG, Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha, Belo Horizonte-MG, gncsgarbi@gmail.com


2-IGC/UFMG, Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha, Belo Horizonte-MG, bittencourt.paleo@gmail.com
3-ICENE/UFTM, Av. Dr. Randolfo Borges Jr. 1400, Univerdecidade, Uberaba-MG, tsmarinho@gmail.com

ABSTRACT: The Mesozoic Era is a fascinating period in the evolution of life on Earth. Manuscrito:
Several animal taxa with representatives in present-day fauna, such as amphibians, Recebido: 25/04/2015
mammals, birds, turtles, lizards, snakes and crocodiles, originated and diversified Corrigido: 15/12/2015
in this Era. Non-avian dinosaurs and pterosaurs also occur within this geological Aceito: 01/02/2016
time span, making it known as the Age of Reptiles. Less known to the public is the
fact that oceans and seas were also ruled by extinct reptiles, including ichthyosaurs, Citation: Sgarbi G.N.C., Bittencourt J., Marinho
plesiosaurs and mosasaurs. Their singular anatomy and complete demise at the T.S. 2016. Répteis que um dia dominaram os
end of Mesozoic continue to fascinate, ever since their discovery starting in the 18th mares. Terræ Didatica, 12(1):69-77. <http://
century. This work provides information to teachers so as to support basic educa- www.ige.unicamp.br/terraedidatica/>.
tion about the main groups of marine reptiles of the Mesozoic. We discuss aspects
concerning anatomy, lifestyle, evolution and the implications of their discovery for Keywords:Paleontology, extinction, fossil reptiles,
the history of science. aquatic paleoenvironments.

A primeira ideia que, em geral, vem à mente (grupo que inclui os jacarés atuais), mas será dada
das pessoas quando se pronuncia a palavra “dinos- ênfase aos principais animais que não fazem par-
sauro” é a de gigantescos répteis, ou mais comu- te de grupos com representantes atuais, como os
mente “lagartos”, que caminharam sobre a Terra ictiossauros, plesiossauros e mosassauros.
em um passado remoto, quando o homem ainda À semelhança de trabalhos prévios, que abor-
estava em sua idade da pedra. São conceitos equi- daram a fauna de outros grupos de répteis do
vocados, uma vez que nem todos os dinossauros Mesozoico (Sgarbi 1999, 2003), este artigo traz
eram gigantes, não eram “lagartos” e se extinguiram informações sobre a anatomia, modo de vida e evo-
(exceto as aves) quase 65 milhões de anos (Ma) lução desses animais, além de aspectos históricos
antes da origem do homem. Também é comum sobre sua descoberta. Espera-se que se torne uma
associar qualquer animal pré-histórico com os ferramenta útil, atualizada e tecnicamente correta,
dinossauros, mesmo que, na realidade, seja de uma para docentes do ensino básico que busquem ati-
linhagem evolutiva muito distinta de répteis, ou vidades extras no ensino de ciências.
ainda, parente mais próximo dos mamíferos (por
exemplo, preguiças terrícolas gigantes).
Este trabalho tem como objetivo discutir os
Ictiossauros: os répteis-peixes do Mesozoico
principais grupos de répteis que dominaram os Os ictiossauros mais conhecidos são, superfi-
ambientes marinhos durante a Era Mesozoica (250 cialmente, semelhantes aos golfinhos (Fig. 1). Seu
a 65 Ma) que não são classificados como dinos- corpo reflete uma série de adaptações que per-
sauros, embora sejam seus contemporâneos. Há mitem uma maior hidrodinâmica, como a forma
diversos grupos de répteis marinhos no Mesozoico, em fuso (semicírculo esticado nas pontas), parte
incluindo serpentes, tartarugas, crocodiliformes anterior do crânio alongada, uma nadadeira dorsal

TERRÆ DIDATICA 12-1,2016 ISSN 1679-2300 69


(não em todas as espécies), duas peitorais, duas cefalópodes (parecidos com as lulas atuais) e peixes,
pélvicas e uma caudal, além da posição das narinas embora conteúdo estomacal de alguns fósseis com
no topo do crânio, que permite a respiração na tartarugas e aves também tenha sido encontrado
superfície (Benton 2006). Esses animais tinham (Kear et al. 2003). Alguns dados baseados em isóto-
pulmões, como os demais répteis, e se utilizavam pos estáveis de oxigênio, que ficam preservados nos
do ar atmosférico para respirar. fósseis, mostram que esses animais podiam manter
Mas as diferenças entre esses grupos são muito a temperatura corporal constante (Bernard et al.
marcantes, como a presença de nadadeiras pélvicas 2010), semelhante a aves e mamíferos – processo
nos ictiossauros, uma característica que está asso- conhecido por homeotermia.
ciada com a presença dos membros posteriores, O tamanho dos indivíduos poderia variar de
ao contrario dos mamíferos aquáticos modernos, cerca de 1 a 15 metros de comprimento (Vitt & Cal-
que as perderam ao longo de sua evolução (Carroll dwell 2014), embora haja registros de que pudes-
1988). Além disso, nos ictiossauros a nadadeira sem atingir 20 metros de comprimento (Nicholls e
caudal movimenta lateralmente para propulsão Manabe 2004). A visão deveria ser um componente
(Motani et al. 1996), como nos peixes, e não dorso- importante dos sentidos, já que os ictiossauros
-ventralmente, como nas baleias e golfinhos. têm os maiores globos oculares dentre os animais.
Quando se analisa o esqueleto, as dife- Um gênero encontrado na Europa e América do
renças são ainda mais visíveis. Os ossos que Norte, chamado oftalmossauro (Ophthalmosau-
compõem o crânio dos ictiossauros são mais rus), tinha uma órbita ocular, isto é, a cavidade no
parecidos com os dos répteis, como os jacarés crânio onde se insere o olho, de 23 centímetros,
e lagartos, e as patas são modificadas por uma para um comprimento total do corpo de 4 metros
característica chamada de hiperfalangia, na (Motani s/d). A baleia azul, que pode chegar a 30
qual há um aumento no número de falanges metros de comprimento, tem uma órbita de 15
(os ossos dos dedos) e polidactilia (aumento centímetros. Comparações com animais marinhos
do número de dígitos) (Carroll 1988, Pough atuais com respiração aérea permitem inferir que o
et al. 1999). Essas características conferem à oftalmossauro poderia submergir por no mínimo
nadadeira uma importante função de direcio- 20 minutos, a uma profundidade de 600 a 1.500 m
namento durante a locomoção. (Motani et al. 1999).
Fósseis de ictiossauros muito bem preservados
nos calcários laminados de Holzmaden, no sul
da Alemanha (Organ et al. 2009), mostram que
esses animais seriam vivíparos, processo no qual
as fêmeas dão à luz juvenis sem a formação de ovo
(Fig. 2). Alguns fósseis mostram fêmeas com um
ou dois filhotes em gestação, mas esse número
poderia chegar a onze (Böttcher 1990). Semelhante
aos golfinhos e baleias, os filhotes nasciam com a
cauda saindo primeiro do corpo da mãe, depois a
cabeça, evitando o afogamento. No entanto, um
fóssil de ictiossauro do início da Era Mesozoica
mostra uma fêmea dando à luz um filhote com a
Figura 1. O ictiossauro Platypterygius, que podia atingir cabeça saindo primeiramente do corpo (Motani et
cerca de 7 metros de comprimento. Imagem: Xing
al. 2014), sugerindo que, no início da evolução do
Lida.
grupo, esse processo se dava em ambiente terrestre.
Fósseis identificados como ictiossauros per-
mitem inferir que esses animais viveram desde o A origem dos ictiossauros ainda é um dos gran-
início do Triássico (250 Ma) até meados do Cretá- des enigmas da paleontologia. Sabe-se que, como
ceo (90 Ma) (Benton 2006). No entanto, a maior muitos outros répteis da era Mesozoica, incluindo
diversidade desse grupo foi encontrada no Jurássico os pterossauros, plesiossauros e mosassauros, os
(de 200 a 145 Ma). Alguns aspectos de sua biologia ictiossauros não são dinossauros. Estudos de relação
são conhecidos, como a dieta baseada em moluscos de parentesco, ou filogenia (Fig. 3), sugerem que

70 ISSN 1679-2300 TERRÆ DIDATICA 12-1,2016


Figura 2. O ictiossauro Stenopterygius (c. 2 m), preservado junto com filhote (indicado pela seta). Imagem: Organ et al.
(2009). © The Natural History Museum, Londres.
os ictiossauros se adaptaram ao ambiente aquático Plesiossauros: dragões-do-mar e o monstro
a partir de ancestrais terrestres diápsidos (Benton
2006). Estes formam um grande grupo de répteis
do lago Ness
que também inclui os lagartos e serpentes (ou Os plesiossauros são animais únicos, difi-
lepidossauros) e os crocodilos e aves (ou arcossau- cilmente comparáveis aos grupos modernos de
ros). A hipótese ganhou um grande reforço com répteis, e sem análogos na fauna marinha atual. O
a descoberta do parente mais próximo dos ictios- nome do grupo deriva do grego e significa “quase
sauros, Cartorhynchus, proveniente de rochas dos réptil” (De la Beche & Conybeare 1821), devi-
Triássico Inferior da China (Motani et al. 2015). do à sua forma estranha quando comparada aos
Com características que indicam um hábito anfíbio demais répteis. Seu corpo, que poderia variar de 2
de vida, a nova espécie fornece evidências de que a 15 metros, tinha uma cauda relativamente curta.
estes animais estão de fato relacionados aos répteis Dependendo do grupo, o pescoço também era cur-
diápsidos. to, mas com a cabeça comprida (os pliossauroides),
ou o pescoço era longo,
devido ao aumento de vér-
tebras cervicais, e a cabeça,
curta (os plesiossauroides)
(O’Keefe 2002, Benton
2006). Os plesiossauros da
família dos elasmossaurí-
deos (Fig. 4) podiam ter 71
vértebras cervicais (Sachs
2005), enquanto a maioria
dos dinossauros tem dez
vértebras.
A construção corporal
é tão estranha que, quan-
do foi descoberto um dos
maiores plesiossauros, o
elasmossauro, o impor-
tante paleontólogo norte-
-americano Edward Cope
reconstruiu erroneamen-
Figura 3. Relações de parentesco (filogenia) dos principais grupos de répteis. A
te o animal com a cabeça
espessura das linhagens indica diversidade durante o Mesozoico. As linhas na extremidade da cauda
tracejadas indicam dúvidas quanto ao parentesco evolutivo. Triás.: Triássico; 1: (Psihoyos 1994). Na época,
Placodontes; 2: Notossauros. Modificado de Benton (2006). Algumas silhuetas a segunda metade de século
redesenhadas a partir de Motani (2009).
XIX, os animais até então

TERRÆ DIDATICA 12-1,2016 ISSN 1679-2300 71


Figura 4. O plesiossauro Elasmosaurus (c. 14 m). Imagem: Frank DeNota.
conhecidos tinham, em geral, a cauda longa e o longo seriam mais lentos, e por isso caçadores de
pescoço curto. Mesmo com poucos parâmetros de emboscada (O’Keefe 2001).
comparação, a descoberta do erro ainda em 1870 Quanto à reprodução, o fóssil de uma fêmea
gerou imenso constrangimento pessoal para Cope do gênero Polycotylus com restos de um embrião
(Psihoyos 1994). na cavidade abdominal (Fig. 5) mostra que, como
Diversas adaptações para a locomoção aquática os ictiossauros, os plesiossauros eram vivíparos
são conhecidas nos plesiossauros: corpo alongado, (O’Keefe & Chiappe 2011). O espécime sugere
hiperfalangia, nadadeiras em forma de remo, nari- que a prole era de poucos filhotes, mas a raridade
nas externas no topo do crânio, e a parte ventral do desse tipo de achado não permite muitas inferências
tronco encerrada por cinturas alongadas e a gastrália sobre a reprodução do grupo.
(ou “costelas” abdominais) (Carroll 1988, Pough A descoberta da primeira espécie de plesios-
et al. 1999). sauros, justamente o do gênero Plesiosaurus, tem
Aspectos da biologia dos plesiossauros são uma importância muito grande para a história da
conhecidos diretamente pelos fósseis ou inferidos Paleontologia. Os fósseis que serviram de base para
a partir da anatomia. Plesiossauros têm dentes a descrição da espécie, e o seu primeiro esqueleto
longos e afiados, expandindo-se para fora da zona completo alguns anos depois, foram descobertos
de oclusão da mandíbula e maxila, formando uma pela naturalista inglesa Mary Anning na década de
cesta que poderia ser usada para aprisionar peixes 20 dos anos 1800 em rochas do Jurássico Inferior,
e moluscos (Benton 2006). Vários plesiossauros em Dorset, Inglaterra (Torrens 1995). Ela foi uma
foram encontrados associados a gastrólitos (Sch- pioneira na prospecção dos fósseis que muito ajuda-
meisser & Gillette 2009), que são seixos ingeri- ram na consolidação do interesse púbico pela Pale-
dos pelo animal durante o forrageio, facilitando ontologia e da teoria da evolução no fim do século
a digestão de material rígido (como conchas), e XIX e início do XX (Torrens 1995, Turner 2010).
que podem ser preservados junto com o esqueleto A origem dos plesiossauros, assim como dos
no processo de fossilização. A ingestão de seixos ictiossauros, é um tema polêmico na paleontolo-
também ocorre nas aves atuais, e esse material é gia de vertebrados. Seus parentes mais próximos
chamado de pedras de moela. são também adaptados ao ambiente marinho –
Em termos fisiológicos, os plesiossauros os placodontes e notossauros – sendo todos eles
eram possivelmente homeotérmicos, como os agrupados em Sauropterygia (Fig. 3). Muitos
ictiossauros (Bernard et al. 2010). Com respeito autores (ver Laurin & Gauthier 2000) sustentam
à biomecânica, pesquisas recentes têm mostrado que os sauropterígios se originaram a partir de um
que as espécies de pescoço relativamente curto ancestral comum compartilhado com as serpentes
seriam mais velozes, e usavam uma estratégia de e lagartos – formando o grupo dos lepidossauro-
perseguição para caça, enquanto que os de pescoço morfos (grupo dos répteis com escama). Algumas
72 ISSN 1679-2300 TERRÆ DIDATICA 12-1,2016
Figura 5. Plesiossauro do gênero Polycotylus. (a) Fóssil com cerca de 4 m de comprimento, preservando restos do embrião
(seta). (b) Representação artística do nascimento de um plesiossauro. Imagens: (a) O’Keefe & Chiappe (2011), ©
The American Association for the Advancement of Science; (b) Stephanie Abramowicz, Dinosaur Institute of the
Natural History Museum of Los Angeles County.
propostas mais antigas colocavam os plesiossauros comprovando a “aparição” do monstro, mostram-
como parentes mais próximos dos ictiossauros (ver -no com pescoço longo, crânio curto, reptiliano e
Caldwell 1999), e que estes dois grupos formavam dorso arqueado (Martin & Boyd 1999), semelhante
uma única subclasse chamada Euryapsida – devido a um plesiossauro descrito neste artigo. No ano de
à presença de aberturas bem peculiares na parte 2003, uma busca financiada pela rede inglesa BBC,
posterior do crânio. A hipótese fez com que os com equipamentos de alta tecnologia, confirmou
ictiossauros e plesiossauros ficassem conhecidos que Nessie (o nome dado ao monstro) é um mito.
como dragões-do-mar (Hawkins 1840, Benton
2006). No entanto, estudos mais recentes, como
a descoberta do Cartorhynchus, por exemplo, apon-
Mosassauros: os répteis do Rio Meuse
tam que os grupos formavam linhagens evolutivas Os mosassauros foram os primeiros répteis
bem separadas. extintos a serem reconhecidos pela ciência (Evans,
Os plesiossauros apareceram no final do perí- 2010) e por isso tiveram uma importância muito
odo Triássico (cerca de 200 Ma) e se extinguiram grande no desenvolvimento das ciências naturais
no fim do Cretáceo (66 Ma) (Benton 2006). No nos séculos XVIII e XIX. Os primeiros achados
entanto, pelo menos um “plesiossauro” ainda está ocorreram em 1764, na região de Maastricht, na
vivo no imaginário popular. Nas Terras Altas da Holanda (Fig. 7), e daí vem seu nome. Mosa é a
Escócia, a lenda de uma grande serpente habitando forma latina de Meuse (ou Maas), que se refere ao
as águas misteriosas do Lago Ness tem espicaça- rio que cruza essa cidade holandesa.
do a imaginação de gerações. Pictografias e uma A descoberta desse animal foi crucial no
montagem fotográfica da década de 1930 (Fig. 6), desenvolvimento da teoria da evolução biológica.
Nos primeiros anos de 1800, o naturalista francês
Georges Cuvier usou o mosassauro como evidên-
cia da extinção de espécies ao longo do tempo –
um importante aspecto da teoria evolutiva que se
desenvolveria mais solidamente na segunda metade
do século 19.
Diferentemente dos ictiossauros e plesiossau-
ros, os mosassauros viveram exclusivamente no
Cretáceo Superior, isto é, entre 100 e 66 Ma (Polcyn
et al. 2008). Como os demais répteis aquáticos
apresentados acima, os mosassauros são claramente
adaptados ao ambiente aquático (Fig. 8). Isso pode
Figura 6. Imagem de 1934 “comprovando” uma aparição ser atestado pela forma alongada do corpo, narina
do monstro do Lago Ness. Na década de 1980, foi externa no topo do crânio, membros modificados
revelado que a foto era uma montagem. Imagem: em nadadeiras, hiperfalangia e cauda natatória (Car-
Martin & Boyd (1999).

TERRÆ DIDATICA 12-1,2016 ISSN 1679-2300 73


O nado era basicamente produzido por movi-
mentação lateral das partes mais posteriores do
corpo: a cauda era longa e anatomicamente pecu-
liar, sendo curvada para baixo e mais expandida na
parte ventral, com um lobo dorsal fazendo com
que esta se assemelhasse às dos tubarões (Lindgren
et al. 2011). Fósseis de mosassauros com vérte-
bras caudais ossificadas umas às outras sugerem
a ocorrência de patologias que também afetam as
Figura 7. Gravura do século XVIII mostrando a descoberta baleias atuais, devido ao estresse de movimenta-
do crânio do mosassauro. O crânio está em escala
de tamanho maior que a real. Imagem: Faujas-
ção (Rothschild e Everhart 2015). A pele destes
Saint-Fond (1798). animais tinha pigmentação (Lindgren et al. 2014)
roll 1988, Pough et al. 1999, Benton 2006). Apesar e seria recoberta por escamas reforçadas com osso
de o nome ser associado ao rio Meuse (o local dérmico, conferindo resistência e hidrodinâmica
geográfico onde os fósseis foram encontrados), a (Lindgren et al. 2009).
grande maioria dos mosassauros vivia em ambiente Os mosassauros podiam variar de 1 a 15 metros
marinho (ver Makádi et al. 2012). de comprimento, dependendo da espécie. Eram
O crânio da maioria dos mosassauros era predadores ativos que habitavam a zona pelágica
alongado, especialmente na parte frontal (Carroll dos oceanos, ou seja, mais próximo à superfície.
1988, Pough et al. 1999). Os dentes eram maciços Alguns fósseis também mostram evidência de vivi-
e fortemente associados aos ossos alveolares por paridade (Field et al. 2015), como nos ictiossauros
ligamentos periodontais, feixes de fibras de colá- e plesiossauros.
geno e uma espessa cimentação celular (Caldwell As relações de parentesco dos mosassauros são
et al. 2003). Os ossos da mandíbula formavam mais bem esclarecidas do que as dos ictiossauros e
uma junção móvel adicional, permitindo maior plesiossauros. A maioria dos pesquisadores acredita
força na mordida e captura da presa (LeBlanc et que estes animais evoluíram de répteis terrestres do
al. 2013). Sua alimentação incluía peixes, outros grupo dos escamados (Fig. 3), que inclui as serpen-
vertebrados (Everhart 2004) e, possivelmente, tes e lagartos atuais (Benton 2006). A filogenia dos
amonitas – moluscos cefalópodes extintos com escamados, no entanto, é muito controversa, e os
concha espiralada (Hewitt e Westermann 1990, mosassauros podem ter parentesco evolutivo mais
Kase et al. 1998). próximo com os varanoides, um grupo de lagartos
que inclui o dragão-de-komodo e os lagartos-moni-
tores, ou com as serpentes (Reeder et al. 2015).

Outros grupos
Ictiossauros, plesiossauros, mosassauros e seus
parentes mais próximos foram os mais abundan-
tes, mas não os únicos répteis que floresceram nos
mares da Era Mesozoica (Fig. 3, Pough et al. 1999,
Motani 2009). Outros grupos podem ser citados,
como as serpentes marinhas do Cretáceo, incluindo
algumas formas com membros posteriores (Cal-
dwell & Lee 1997; Benton 2006); quelônios, sendo
um dos fósseis mais antigos de tartaruga marinha,
Santanachelys, encontrado em rochas da Bacia do
Araripe, no nordeste do Brasil (Hirayama 1998);
e os talatossúquios, um grupo de crocodilomor-
Figura 8. Exemplos de mosassauros. (a) O gênero que fos – táxon que inclui os jacarés atuais (Riff et al.
dá nome ao grupo, Mosasaurus (c. 15 m). (b)
Reconstrução do esqueleto de um Plotosaurus (12
2012) – que existiu no final do Jurássico e início do
m). Imagens: (a) Karen Carr Studios; (b) Motani Cretáceo (Pough et al. 1999, Benton 2006).
(2009). Um grupo adicional de répteis marinhos restri-

74 ISSN 1679-2300 TERRÆ DIDATICA 12-1,2016


tos ao período Triássico são conhecidos como tala- umidade advinda da instalação plena dos oceanos
tossauros (Motani 2009). É um grupo enigmático, Atlântico Norte (consequência da efetiva separação
já que não há consenso sobre com que grupo de entres as placas tectônicas da América do Norte e
répteis eles são mais aparentados, isto é, se repre- Euroasiática), e o Atlântico Sul (consequência da
sentam uma linhagem filogeneticamente próxima separação das placas da América do Sul e África).
dos ictiossauros; dos lagartos e serpentes; dos cro- Mudanças ambientais, aliadas à explosão gene-
codilos e aves, ou se são um grupo mais primitivo ralizada da vida vegetal e o desaparecimento dos
de répteis, separado dessas linhagens (Liu e Rieppel grandes répteis, constituíam, para as espécies, um
2005). Talatossauros e talatossúquios possuíam verdadeiro mundo novo.
diversas convergências anatômicas (características Pterossauros, ictiossauros, plesiossauros,
semelhantes não por parentesco, mas por adapta- mosassauros e a maior parte dos dinossauros do
ção) com os répteis marinhos descritos neste artigo, Mesozoico despareceram sem deixar descenden-
devido às adaptações comuns ao ambiente aquático. tes. Isso abriu caminho para a diversificação dos
mamíferos, que se tornaram os componentes pre-
dominantes de grande parte dos ecossistemas. De
Conclusões certa forma, a evolução do homem está indireta-
Durante a Era Mesozoica, os répteis foram mente ligada aos eventos catastróficos do fim do
muito diversos e abundantes em quase todos os Mesozoico, mostrando como as grandes extinções
ambientes: os continentes, a atmosfera, oceanos são importantes para a evolução de novas formas
e mares. Porém, ao final do Mesozoico, a Terra de vida.
sofreu um dos maiores eventos de extinção jamais
registrados. Uma série de fatores está associada a Questão para pesquisa e trabalhos em
essa perda de diversidade: intensas erupções vul- grupo
cânicas, que elevaram a quantidade de gases do 1. Quais as diferenças entre os grandes animais
efeito estufa e material particulado na atmosfera; marinhos do período Cretáceo em relação aos
fragmentação de hábitats, ocasionada por um even- de hoje?
to de regressão marinha (diminuição do nível 2. Além da extinção dos dinossauros, que outros
do mar) no final do Cretáceo, e, possivelmente, grandes eventos de extinção são conhecidos na
o choque de um corpo celeste há cerca de 65 história da Terra?
Ma, que teria desencadeado um cataclismo global 3. Por que é tão difícil reconstruir as relações de
– incêndios, tsunamis, acumulação de material na parentesco entre os organismos, especialmente
atmosfera diminuindo a produtividade primária dos grupos extintos?
dos ecossistemas. O fim do Cretáceo e início do 4. O texto mostra como as novidades científicas
Paleoceno também foi marcado por um evento são importantes para o avanço do conheci-
global de resfriamento, que provavelmente afetou mento. Discuta outras descobertas que foram
toda a biota da época (Archibald & Fastovsky 2004, importantes para a história da ciência e como
Brusatte et al. 2015). No entanto, a explicação não elas afetaram a sociedade.
pode ser generalizada para todos os grupos, já que os
ictiossauros se extinguiram pelo menos 30 milhões
de anos antes (aproximadamente quando os mosas-
Agradecimentos
sauros se diversificaram), e os plesiossauros já esta- Os autores agradecem aos paleoartistas que
vam em franco declínio em termos de diversidade gentilmente autorizaram o uso das imagens, e aos
e abundância no final do Cretáceo (Fig. 3). revisores, que ajudaram a melhorar a versão final
Os efeitos da extinção do fim do Cretáceo deste artigo. O trabalho foi produzido com apoio
foram tão dramáticos para a Terra e a vida presen- da FAPEMIG (APQ-00517-13).
te, que os geólogos encerraram a Era Mesozoica
e denominaram o tempo subsequente de Era
Cenozoica (vida recente). A partir dessa época,
Referências
houve amenização do clima no interior de vastas Archibald J.D., Fastovsky D.E. 2004. Dinosaur extinc-
porções dos continentes, até então árido com pou- tion. In: Weishampel D.B., Dodson, P., Osmól-
co gelo nas calotas polares e níveis marinhos altos. ska H. 2004. eds. The Dinosauria. 2ª ed. Berkeley:
Univ. California Press. p. 672-684.
A amenização foi proporcionada pelos efeitos da
TERRÆ DIDATICA 12-1,2016 ISSN 1679-2300 75
Bernard A., Lecuyer C., Vincent P., Amiot R., Bar- Hirayama R. 1998. Oldest known sea turtle. Nature,
det N., Buffetaut E., Cuny G., Fourel F., Marti- 392:705-708.
neau F., Mazin J. M., Prieur A. 2010. Regulation Kase T., Johnston P.A., Seilacher A., Boyce J.B. 1998.
of body temperature by some Mesozoic marine Alleged mosasaur bite marks on Late Cretaceous
reptiles. Science, 328:1379-1382. ammonites are limpet (patellogastropod) home
Benton M.J. 2006. Paleontologia dos Vertebrados. São scars. Geology, 26:947-950.
Paulo: Atheneu. Kear B.P., Boles W.E., Smith E.T. 2003. Unusual gut
Böttcher R. 1990. Neue
��������������������������������
Erkenntnisse über die Fort- contents in a Cretaceous ichthyosaur. Proc R Soc
pflanzungsbiologie der Ichthyosaurier (Reptilia). Biol Sci Ser B, 270:S206-S208.
Stutt. Beitr. Naturkd., B, 164:1-51. Langer M.C., Ezcurra M.D., Bittencourt J.S., Novas
Brusatte S.L., Butler R.J., Barrett P.M., Carrano M.T., F.E. 2010. The origin and early evolution of di-
Evans D.C., Lloyd G.T., Mannion P.D., Norell nosaurs. Biol Rev, 85:55-110.
M.A., Peppe D.J., Upchurch P., Williamson T.E. Laurin M., Gauthier, J. 2000. Diapsid Phylogeny. Tree
2015. The extinction of the dinosaurs. Biol Rev, of Life Web Project. URL http://tolweb.org. Aces-
90:628-642. so 01.01.2016.
Caldwell M.W. 1999. Squamate phylogeny and the LeBlanc A.R.H., Caldwell M.W., Lindgren J. 2013.
relationships of snakes and mosasauroids. Zool J Aquatic adaptation, cranial kinesis, and the skull
Linn Soc, 125:115-147. of the mosasaurine mosasaur Plotosaurus benni-
Caldwell M.W., Budney, L.A., Lamoureux D.O. 2003. soni. J Vert Paleontol, 33:349-362.
Histology of tooth attachment tissues in the Late Lindgren J., Alwmark C., Caldwell M.W., Fiorillo
Cretaceous mosasaurid Platecarpus. J Vert Paleon- A.R. 2009. Skin of the Cretaceous mosasaur Plo-
tol, 23:622-630. tosaurus: implications for aquatic adaptations in
Caldwell M.W., Lee M.S.Y. 1997. A snake with legs giant marine reptiles. Biol Lett, 5:528-531.
from the marine Cretaceous of the Middle East. Lindgren J., Polcyn M.J., Young B.A. 2011. Landlub-
Nature, 386:705-709. bers to leviathans: evolution of swimming in
Carroll R.L. 1988. Vertebrate paleontology and evolution. mosasaurine mosasaurs. Paleobiology, 37:445-469.
New York: W.H. Freeman. Lindgren J., Sjovall P., Carney R.M., Uvdal P., Gren
De la Beche H.T., Conybeare W.D. 1821. XXX.— J.A., Dyke G., Schultz B.P., Shawkey M.D., Bar-
Notice of the discovery of a new Fossil Animal, nes K.R., Polcyn M.J. 2014. Skin pigmentation
forming a link between the Ichthyosaurus and provides evidence of convergent melanism in
Crocodile, together with general remarks on the extinct marine reptiles. Nature, 506: 484-488.
Osteology of the Ichthyosaurus. Trans Geol Soc Makádi L., Caldwell M.W., Osi A. 2012. The first
London, Series 1, 5:559-594 freshwater mosasauroid (Upper Cretaceous,
Evans M. 2010. The roles played by museums, col- Hungary) and a new clade of basal mosasauroids.
lections and collectors in the early history of PLoS ONE, 7: 1-16.
reptile palaeontology. Geol Soc, London, Spec Pu- Martin D.S., Boyd, A. 1999. Nessie: the Surgeon’s
bl, 343:5-29. photograph exposed. London: Thorne.
Everhart M.J. 2004. Plesiosaurs as the food of mo- Motani R. 2009. The Evolution of Marine Reptiles.
sasaurs; new data on the stomach contents of a Evo Edu Outreach, 2:224-235.
Tylosaurus proriger (Squamata; Mosasauridae) from Motani R. s/d. Gigantes dos Mares Jurássicos. Sci Am
the Niobrara Formation of western Kansas. The Brasil, Edição Especial, 5:6-13.
Mosasaur, 7:41-46. Motani R., Jiang D.Y., Tintori A., Rieppel O., Chen
Field D.J., LeBlanc A., Gau A., Behlke A.D. 2015. G.B. 2014. Terrestrial
���������������������������������������
origin of viviparity in Me-
Pelagic neonatal fossils support viviparity and sozoic marine reptiles indicated by Early Triassic
precocial life history of cretaceous mosasaurs. embryonic fossils. PLoS ONE, 9:1-6.
Palaeontology, 58:401-407. Motani R., Jiang D.Y., Chen G.B., Tintori A., Rieppel
Hawkins T. 1840. The Book of the Great Sea-Dragons, O., Ji C., Huang J.D. 2015. A basal ichthyosauri-
Ichthyosauri and Plesiosauri, [gedolim taninim] gedolim form with a short snout from the Lower Triassic
taninim, of Moses. Extinct monsters of the ancient of China. Nature, 517:485-488.
earth. With thirty plates, copied from skeletons in Motani R., Rothschild B.M., Wahl W. 1999. Large
the author’s collection of fossil organic remains. eyeballs in diving ichthyosaurs. Nature, 402:747.
(Depos. in the British Museum). London: W. Motani R., You H., McGowan C. 1996. Eel-like
Pickering. swimming in the earliest ichthyosaurs. Nature,
Hewitt R.A., Westermann G.E.G. 1990. Mosasaur 382:347-348.
tooth marks on the ammonite Placenticeras from Nicholls E.L., Manabe M. 2004. Giant ichthyosaurs
the Upper Cretaceous of Alberta, Canada. Can J of the Triassic - A new species of Shonisaurus from
Earth Sci, 27:469-472. the Pardonet Formation (Norian: Late Triassic)
76 ISSN 1679-2300 TERRÆ DIDATICA 12-1,2016
of British Columbia. J Vert Paleontol, 24:838-849. ridae); evidence of habitat interactions and sus-
O’Keefe F.R. 2001. Ecomorphology of plesiosaur fli- ceptibility to bone disease. Trans. Kansas Acad. Sci.,
pper geometry. J Evol Biol, 14:987-991. 118:265-275.
O’Keefe F.R. 2002. The evolution of plesiosaur and Sachs S. 2005. Redescription of Elasmosaurus platyurus
pliosaur morphotypes in the Plesiosauria (Repti- Cope, 1868 (Plesiosauria: Elasmosauridae) from
lia: Sauropterygia). Paleobiology, 28:101-112. the Upper Cretaceous (Lower Campanian) of
O’Keefe F.R., Chiappe L.M. 2011. Viviparity and Kansas, U.S.A. Paludicola, 5:92-106.
K-Selected Life History in a Mesozoic Mari- Faujas-Saint-Fond B. 1798. Histoire Naturelle de la Mon-
ne Plesiosaur (Reptilia, Sauropterygia). Science, taigne de S.-Pierre de Maestricht. Paris: H. J. Jensen.
333:870-873. Sgarbi G.N.C. 1999. Dinossauros: extinção ou evo-
Organ C.L., Janes D.E., Meade A., Pagel M. 2009. lução? Presença Pedagógica, 27:88-98.
Genotypic sex determination enabled adapti- Sgarbi G.N.C., Morato L. 2003. Pterossauros, répteis
ve radiations of extinct marine reptiles. Nature, voadores que um dia dominaram os céus. Presença
461:389-392. Pedagógica, 50:66-75.
Psihoyos L. 1994. Hunting dinosaurs. New York: Ran- Schmeisser R.L., Gillette D.D. 2009. Unusual oc-
dom House. currence of gastroliths in a polycotylid plesiosaur
Pough F.H., Heiser J.B., McFarland W. 1999. A Vida from the Upper Cretaceous Tropic Shale, Sou-
dos Vertebrados. São Paulo: Atheneu. thern Utah. Palaios, 24:453-459.
Reeder T.W., Townsend T.M., Mulcahy D.G., No- Torrens H. 1995. Presidential Address: Mary Anning
onan B.P., Wood P.L., Sites J.W., Wiens J.J. 2015. (1799-1847) of Lyme; ‘the greatest fossilist the
Integrated analyses resolve conflicts over squama- world ever knew’. Br J Hist Sci, 28:257-284.
te reptile phylogeny and reveal unexpected place- Turner S., Burek C.V., Moody R.T.J. 2010. Forgotten
ments for fossil taxa. Plos One, 10:1-22. women in an extinct saurian (man’s) world. Geol
Riff D., de Souza R.G., Cidade G.M., Martinelli Soc, London, Spec Publ, 343:111-153.
A.G., Souza-Filho, J.P. 2012. Crocodilomorfos: Vitt L.J., Caldwell J.P. 2014. Herpetology: An Introduc-
a maior diversidade de répteis fósseis do Brasil. tory Biology of Amphibians and Reptiles. 4ª ed. San
Terrae Didatica, 9:12-40. Diego: Academic Press.
Rothschild B., Everhart M.J. 2015. Co-Ossification
of vertebrae in mosasaurs (Squamata, Mosasau-

RESUMO: A Era Mesozoica é um período fascinante para a evolução da vida na Terra. Diversos grupos com representantes na fauna
atual, como os lissanfíbios, mamíferos, aves, tartarugas, lagartos, serpentes e crocodilos surgiram e se diversificaram nessa era.
Os dinossauros e pterossauros também ocorrem nesse intervalo do tempo geológico, tornando-o conhecido como a Era dos Répteis.
Menos conhecido do grande público é o fato de que os mares e oceanos dessa época também foram dominados por répteis extintos,
incluindo ictiossauros, plesiossauros e mosassauros. Sua singular anatomia e completa extinção no fim do Mesozoico exercem
fascínio desde que foram descobertos a partir do século 18. O presente trabalho tem como objetivo fornecer subsídios ao ensino
de ciências, biologia e geografia para docentes da Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio) sobre os principais grupos
de répteis marinhos da Era Mesozoica, abordando anatomia, modo de vida, evolução, além de aspectos sobre sua descoberta e
implicações para a história da ciência.

PALAVRAS-CHAVE: Paleontologia, extinção, répteis fósseis, paleoambientes aquáticos.

TERRÆ DIDATICA 12-1,2016 ISSN 1679-2300 77

Você também pode gostar