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CAPÍTULO

l 1
Introdução
Os sistemas ecológicos podem ser tão No seu livro Uncommon Cround, William
pequenos quanto os organismos Cronon desafia duas percepções comuns
individuais ou tão grandes quanto a
biosfera inteira sobre a Natureza* e as relações da espécie
humana com ela. A primeira é a idéia de que
Os ecólogos estudam a Natureza de a Natureza tende em direção a um equilíbrio
várias perspectivas diferentes auto-restaurador quando deixada por si só,
uma noção denominada de "o equilíbrio da
As plantas, os animais e os
Natureza". A segunda é a idéia de que, na
microorganismos representam
diferentes papéis nos sistemas ausência de interferência humana, a Natureza
ecológicos existe num estado prístino. Os estudos
ecológicos a_presentam evidências científicas tanto a favor quanto contra a
O habitat define o lugar de um idéia de equilíbrio na Natureza e mostram como os humanos têm
organismo na Natureza; o nicho defme
o seu papel funcional influenciado os sistemas ecológicos. Contudo, Cronon vai além destas
questões para abordar as bases culturais do modo como vemos nossa
Todos os sistemas e processos relação com a Natureza. Ele avança na idéia de que o movimento
ecológicos têm escalas características conservacionista e, até certo ponto, o campo científico·da Ecologia,
de tempo e espaço considera a Natureza prístina como um absoluto inatacável. A intocada
Os sistemas ecológicos são governados Floresta Amazônica, por exemplo, é comparada por muitos ao Jardim do
por princípios gerais físicos e Éden antes de Adão e Eva, que incorpora o inteiramente bom e também as
biológicos tentações do inte-i'ramente mau. Cronon sugere que, na mente de algumas
pessoas, a extinção de espécies traz à tona o nosso próprio medo profundo
Os ecólogos estudam o mundo naturnl de perder o paraíso ou ter que encarar a realidade do mundo imperfeito.
através de uma combinação·de
observação e de experimentação Os estudos ecológicos pintam um quadro diferente. Eles mostram a
variação histórica na Natureza e demonstram que a penetrante influência
Os huma11.os são uma parte das atividades humanas se estende até as mais remotas regiões da Terra.
importante da biosfera Estas descobertas desafiam a noção de um ambiente prístino, equilibrado.
O paraíso nunca existiu, pelo menos não na experiência humana. Onde
Os impactos humanos no mundo
natural têm se tomado crescentemente nós humanos nos ajustamos a um mundo menos do que perfeito é um
um foco da Ecologia julgamento que cada um de vocês deve fazer, guiado pelo seu próprio
senso de valores e crenças morais. A despeito da nossa própria posição,
será mais útil para você e para a espécie humana em geral se o seu
julgamento estiver nutrido por um conhecimento científico de como os
sistemas naturais funcionam e pelos modos nos quais os humanos são uma
parte do mundo natural. O propósito de A Economia da Natureza é ajudar
você a atingir essa compreensão.

*N.T.: A palavra "Natureza' utíli.wd.i na Lradução deste livro virá s.-mprc com inicial maiúscula para dt­
ferir do significado <lesta paJavr.i na <':!!:pressão•... a natureza das coisas"'.
l�'TROOUÇÃO
2

A pala\Ta ecologia vem do grego oikos, signifrcc1nclo "casa", e focalizam os atributos físicos e qtúmicos dos sistemas ecológi­
assim se refere à nossa circunvizinhança imediata, ou ambi­ cos, a regulação da sua estrntura e função e as mudanças evo­
ente. Em 1870, o zoólogo alemão Ernst Haeckel deu li palélvra lutivas. Aplicar estes princípios às questões ambientais pode
um significado mais abrangente: nos ajudar a vencer o desafio de manter um ambiente de su­
porte para os sistemas naturais - e para nós mesmos - em face
Por ecologia, queremos dizer o corpo de conhccimmlo referm/c à dos crescentes estresses ecológicos.
economia da nalureza - a invesi-igação elas relações lotais dos
animais lan/o com seu ambiente orgânico 1111nnlo wm seu 11111/Jienle
inorgânico; incluindo, acima de ludo, suas rei.ações 11111i91íveis e não Os sistemas ecológicos po�em ser tão
amigáveis com aqueles animais e plnnlas com os 1/llfli.s vrm ilire/11 pequenos quanto os organismos
ou indirdamenle a entrar em tonlalo - n11nra palavra, ewloqia é o
estudo de todas as inlcr-rd11Çt}es complexas llenomirrmlas po;
individuais ou tão grandes quanto a
Darwin como CIS condições da luta pela existência. biosfera inteira
Assim, a Ecologia é a ciência pela qual estucl.imos como os Um sistema ecológico pode ser um organjsmo, uma popula­
organismos (animais, plantas e micróbios) interagem entre si çã.o, um conjunto de populações vivendo juntos (freqüente­
e com O mundo natural. mente chamado de comunidade), um ecossistema ou a biosfera
A palavra ecologia passou a ter uso geral somente 110 fim dos int eira da Terra. Cada sistema ecológico menor é um
anos 1800, quando os cientistas americanos e europeus come- subconjunto de um próximo maior, e assim os diferentes ti­
çaram a se autodenominar ecólogos. As primeira� �ocicdades pos de sistemas ecológicos formam uma hierarquia de tama­
e periódicos dedicados à Ecologia apareceram r1< 1!> primeiras nho. Este arranjo é mostrado diagramaticamente na I Fig. 1.1,
décadas do século vinte. Desde então, a Ecologia tem passado que representa a idéia de que uma população é formada de
por um enorme crescimento e diversificação, e O\ ecólogos muitos organismos individuais, uma comunidade compreen­
profissionais agora são em número de dezenas de milhares. A de muitas populações que interagem, um ccossislema reprc­
ciência da Ecologia produziu um imenso corpo de mnheci- · .senta a conexão de muitas comunidades através de seu uso
mento acerca do mundo que nos rodeia. Ao 11,c-�mo lrmpo, 0 de recursos de energia e nutrientes e a biosfera compreende
rápido crescimento da população humana e suc1 C"rC'�n·nte t!"c- todos os ecossistemas da Terra.
nologia e materialismo aceleraram grandement e' il dC 'tcriora - O organismo é a unidade mais f undamental da Ecologia,
ção do ambiente .terrestre. Como conseqüêncic1, a compreen- o sistema ecológico dementar. Nenhuma u11idade menor na
são ecológica é agora necessária mais do que mmrn para apren- biologia, como o órgão, célula ou molécula tem uma vida se-­
dermos as mell,ores políticas·de manejar as bacias hid rog:ráfi- parada no ambiente (embora, no rnso dos protistas e bactéri­
cas, as terras cultivadas, os alagados e outras árca5 - geralmente as w1icelula:res, célula e organismo sejam sinônimos). Cada
chamadas de si51emas de suporte ambiental - dm quais a organismo é limitado por uma membra11a ou outra cobertura
humanidade depende para alimentação, suprimcnt(I de água," ·através da qual ele troca energia e matéria com seus arredo­
proteção contra catástrofes naturais e saúde pública. Os res. Esta fronteira separa os processos e estruturas "internos"
ecólogos proporcionam essa compreensão atravó, de estudos do sistema ecológico - neste caso um organismo - dos recur­
de controle populacional por predadores, da influcnda da fer- sos e condições "externos" da circunvizinhança.
tiüdade do solo no crescimento das plantas, das rc!>postas �vo- Ao longo de suas vidas, os organismos transformam cner-
lutivas de micróbios aos contaminantes ambientais, <la êllspcr- 5,d'i.:· pH1�ess1H,;,•n. ..ro;\te.r.iJ:lis, Piirn executar isto, os 9rganismos
são de organismos sobre a superfície da Terra e d<' uma mul- devem adquirir energia e nutrientes dos seus arredores e se
tiplicidade de questões semelhantes. O manejo de recursos livr.1rem de produtos de rejeito indesejado. Ao fazer isso, eles
bióticos numa forma que sustente uma razoável qw1lidade de modificam as condições do ambiente e os recursos disponí­
vida humana depende do uso inteligente dos prinrípios eco- veis para outros organismos, e contribuem para os fluxos de
lógicos para resolver ou prevenir problemas ambienlai�. e para energia e pani o ciclo de elementos no mundo natural. Os
suprir o nosso pensamento e práticas econômicas, políticas e conjuntos de organismos com .seus ambientes físicos e quí­
sociais. micos formam um ecossiste1na. Os ecossistemas são siste-
Este capítulo ü1idará você no caminho para o pcrn,amento mas ecológicos complexos e grandes, às vezes inclujndo
ecológico. Primeiro discutiremos vários pontos de \'ilntagem muitos milhares de diferentes tipos de o,gartismos vivendo
a partir dos qurus o conhecimento e a visão ecológica podem numa grande variedade de meios individuais. Um passari­
ser abordados - por exemplo, com os diferentes nívC'i� de mm- nho s alt,mdo entre as folhas de uma árvore em busca de la­
plexidade, variedades de organismos, tipos de habitai e esca- gartas e uma bactéria decompondo o solo orgânico são am­
las de tempo e espaço. Veremos como podemo!> considerar bos partes do mesmo ecossistema de floresta. Podemos falar
muitas entidades diferentes como sistemas ecológicos, ilOS quais de um ecossistema de floresta, LJl11 ecossistema de savana e
queremos nos referir como qualquer organismo, conjuntos de um ecossistema de estuário como rn�idades distintas por causa
organismos ou complexo de organismos em s11as l ircunvizi- de sua relativamente pourn energia e poucas substâncias que
nhanças, unidos por alguma forma de interação ou dcpl·ndên- sfio trocadas entre estas unidades em comparação com as
eia regular de partes do sistema umas com as outrd�. Embora
a extensão e complexidade dos sistemas ecológico� v,1riem de
um único micróbio à cobertura da biosfera da 1,uperfkic ter­ • ;\ <l\'<:nca-cabdv-dc-vênus (Gillkgo l,ilolm) <' o ún,ro S<>btcviv<"nlc <i<" um gc'.'nero
que mudou muito pourn nos úHimos 150 m,lhfl{'S tk anns. Desrnb,.rla nos jJr­
restre, todos os sistemas ecológicos obedecem .i um princípio dins d�.. um lt.�1nplo na China, a avenca-(·abdu-dt.•-vênus Llgom c·rc·.scc cm mui­
semelhante. Alguns dos mais importante-'> dei,te� prinópios tos j)dísc.�.
INTRODUÇÃO 3

Hw,:o de <'ll<'l'/(ld ,
ciclo d<· 11utrk'n1r--.

Interações
entre as
populações

Popula(ão:
Dinâmica de populações;
a unidade da evolução

Organumo:
1 Fig. 1.1 Cada sistema ecológico reúne diferentes tipos de processos. A R<'produçJo e sobrt"V1vt'ncia;
hierarquia natural dos sistemas ecológicos é mostrada a partir do J unidade da ...:k-çJo natural
organismo de menor dimensão até o maior, a biosfera.

inúmeras transformações que acontecem dentro dc- cada uma Bering e do Golfo da Califórnia, porque as condições de ali­
delas. Assim, a analogia com o organismo de ter processos mento do Mar de Bering influenciam o número de baleias que
,
"internos• e trocas com os arredores ;externos" se mantém, mjgram e seu sucesso reprodutivo no Golfo da Califórnia. Isso,
nos permitindo tratar organismo e ecossistema como �iste­ por sua vez, determina o efeito da população de baleias no
mas ecológicos. ecossistema da área de reprodução. A importância da troca de
Em última instància, todos os ecossistemas estão interliga­ matéria entre os ecossistemas dentro da biosfera é acentuada
dos juntos num.a única biosfera que inclui todos os ambien­ pelas conseqüências globais das atividades humanas. Por
tes e organjsmos da Terra. As partes distantes da biosfera são exemplo, os rejeitos agrícolas e industriais se espalham para
interligadas através da energia e dos nutrientes transportados bem longe dos seus pontos de origem, afetando todas as regi­
pelas correntes de vento e de água e pelos movimentos dos ões da Terra.
organismos. A água que flui de uma nascente até um estuário A biosfera é o sistema ecológico final. Tudo que é externo à
conecta os ecossistemas terrestres e aquáticos da bacia biosfera é a luz do Sol que atinge a superfície da Terra e a es­
hidrográfica com os do reino marinho (1 Fig. 1.2). As migra­ curidão fria do espaço. Exceto pela energia que chega do Sol e
ções da baleia-cinzenta conectam os ecossistemas do 1\lar de pelo calor perdido para as profundezas do espaço, todas as
INTRODUÇÃO

Movimento da água .M* Vento,


-i ~" v*, movimento do ar

»»- Transporte de
resíduos industriais

Movimento cie água da


terra para o oceano

Fig. 1.2 Diferentes partes da biosfera estão unidas pelo movimento do ar, da água e de organismos.

transformações da biosfera são internas. Temos todos os ma- invólucro perceptível separa uma comunidade daquilo que a
teriais que teremos para sempre; nossos rejeitos não têm ne- rodeia. A interconectividade dos sistemas ecológicos significa
nhum lugar para ir e devem ser reciclados dentro da biosfera. que as interações entre as populações se espalham através do
Os conceitos de ecossistema e biosfera enfatizam a trans- globo como os indivíduos e os materiais se movem entre os
formação da energia e a síntese e decomposição dos materiais habitais e as regiões. Assim, a comunidade é uma abstracã-
- os sistemas ecológicos como máquinas físicas e laboratórios representando um nível de organização mais do que uma
químicos. Uma outra perspectiva enfatiza a peculiaridade das unidade discreta de estrutura na Ecologia.
propriedades biológicas dos sistemas ecológicos que são
abrangidas nas dinâmicas das populações. Uma população
consiste em muitos organismos do mesmo tipo vivendo jun-
tos. As populações diferem dos organismos no sentido de que Os ecólogos estudam a Natureza de
elas são potencialmente imortais, seus tamanhos sendo man- várias perspectivas diferentes
tidos através do tempo pelo nascimento de novos indivíduos
que substituem aqueles que morrem. As populações têm tam- Cada nível diferente de hierarquia dos sistemas ecológicos tem
bém propriedades, como fronteiras geográficas, densidades estruturas e processos únicos. Portanto, cada nível deu origem
(número de indivíduos por unidade de área) e variações no a uma abordagem diferente ao estudo da Ecologia. Natural-
tamanho ou composição (por exemplo, respostas evolutivas mente, todas as abordagens têm interconexões. Dentro destas
às mudanças ambientais e ciclos periódicos no tamanho) que áreas de sobreposição os ecólogos podem apresentar diversas
não existem para organismos individuais. perspectivas ao estudo de problemas ecológicos particulares,
Muitas populações de diferentes tipos que vivem no mes- como o mostrado pelo diagrama simples na l Fio. 1.5.
mo lugar formam uma comunidade ecológica. As popula- A abordagem de organismo na Ecologia enfatiza o modo pelo
ções dentro de uma comunidade interagem de várias formas. qual a forma, a fisiologia e o comportamento de um indi\íduo
Por exemplo, muitas espécies são predadoras que comem ou- o ajudam a sobreviver no seu ambiente. Esta abordagem tam-
tras espécies de organismos; quase todas são elas próprias bém busca compreender por que a distribuição de cada tipo de
presas. Algumas, como as abelhas e as plantas cujas flores elas organismo é limitada a alguns ambientes e não a outros, e por
polinizam, e muitos micróbios que vivem junto com plantas e que organismos aparentados que vivem em diferentes ambi-
animais, entram em arranjos cooperativos nos quais ambas as entes tem aparências de características diferentes. Por exempkx
partes se beneficiam da interação. Todas estas interações in- como veremos mais tarde neste livro, as plantas dominantes dr
fluenciam o número de indivíduos nas populações. Diferente ambientes quentes e úmidos são árvores, enquanto as regjõe-
dos organismos mas semelhantes aos ecossistemas, as comu- com invernos frios e úmidos e verões quentes e secos tipica-
nidades não têm fronteiras rigidamente definidas; nenhum mente sustentam arbustos com folhas pequenas e duras.
Abordagem de téria dentro do ecossistema, proporcionando uma conexão en-
biosfera tre as abordagens de comunidade e de ecossistema.
A abordagem de ecossistema na Ecologia descreve os orga-
Abordagem de Abordagem de nismos e suas atividades em termos de "moedas" comuns, prin-
ecossistema organismo cipalmente quantidades de energia e vários elementos quími-
cos essenciais à vida, como o oxigénio, o carbono, o nitrogé-
nio, o fósforo e o enxofre. O estudo de ecossistemas lida com
o movimento de energia e matéria no ambiente e como estes
movimentos são influenciados pelo clima e outros fatores fí-
sicos do ambiente. O funcionamento do ecossistema resulta
das atividades de organismos assim como de transformações
Abordagem de Abordagem de físicas e químicas no solo, na atmosfera e na água. Assim, as
comunidade população atividades de organismos tão diferentes quanto bactérias e
pássaros podem ser comparadas pela descrição das transfor-
mações de energia de uma população em unidades como watts
Isto representa uma área comum
por metro quadrado de habitat. Contudo, a despeito de suas
a todas as cinco abordagens.
semelhanças, as abordagens de ecossistemas e comunidades
na Ecologia proporcionam diferentes modos de olhar o mun-
l Fig. 1.3 Estas são as cinco abordagens para o estudo da ecologia. do natural. Podemos falar de um ecossistema de floresta, ou
Embora cada abordagem se relacione a um nível diferente na hierarquia podemos falar de comunidades de animais e plantas que vi-
dos sistemas ecológicos, eles são retratados num único plano de
indagação científica, com cada abordagem interagindo com as outras
vem na floresta, usando jargões diferentes que se referem às
em graus variados. diferentes facetas do mesmo sistema ecológico.
Focalizado num extremo do espectro de sistemas ecológi-
cos, a abordagem da biosfera na Ecologia trata dos movimen-
tos de ar e de água, e da energia e os elementos químicos que
Os ecólogos que usam a abordagem de organismo estão eles contêm, na superfície da Terra (l Fig. l .4). As correntes dos
frequentemente interessados em estudar as adaptações dos oceanos e os ventos carregam o calor e a umidade que defi-
organismos aos seus ambientes. As adaptações são modifica- nem os climas em cada ponto da Terra, que governam as dis-
ções de estrutura e função que melhor ajustam o organismo
para viver em seu ambiente: por exemplo, função renal inten-
sificada para conservar água no deserto; coloração críptica para
evitar detecção por predadores; folhas moldadas para serem
utilizadas por certos tipos de polinizadores. As adaptações são
o resultado da mudança evolutiva pela seleção natural. Devi-
do à evolução ocorrer através da substituição de um tipo de
organismo por outro dentro de uma população, o estudo das
adaptações representa um ponto de sobreposição entre as
abordagens de organismo e de população na Ecologia.
A abordagem de população se preocupa com os números de
indivíduos e suas variações através do tempo, incluindo mu-
danças evolutivas dentro das populações. Variações em núme-
ros refletem nascimentos e mortes numa população. Estas po-
dem ser influenciadas por condições físicas do ambiente - tem-
peratura e disponibilidade de água, por exemplo. No processo
da evolução, as mutações genéticas podem alterar as taxas de
nascimento e morte, novas linhagens de indivíduos podem se
tornar comuns numa população e sua composição genética glo-
bal pode mudar. Outros tipos de organismos, como itens de
alimentação, patógenos e predadores, também influenciam os
nascimentos e as mortes de indivíduos numa população. Em
alguns casos, tais interações podem produzir oscilações dramá-
ticas de tamanho da população ou variações menos previsíveis
desta. As interações entre diferentes tipos de organismos são o
ponto comum das abordagens de população e comunidade. I Fig. 1.4 Correntes oceânicas e ventos transportando umidade e calor
A abordagem de comunidade na Ecologia focaliza a com- sobre a Terra. Esta imagem de satélite do oceano Atlântico Norte na
preensão a diversidade e abundâncias relativas de diferentes primeira semana de junho, 1984, mostra a Corrente do Golfo movendo-
se ao longo da costa da Flórida e se separando em grandes vórtices à
tipos de organismos vivendo juntos no mesmo lugar. A abor-
medida que começa a atravessar o Atlântico em direção ao norte da
dagem da comunidade se concentra nas interações entre as Europa. A água quente está indicada em vermelho e a fria em verde ou
populações, que tanto promovem quanto limitam a coexistên- azul, e em seguida em vermelho no alto da figura. Cortesia de Otis Broam.
cia de espécies. Estas interações incluem relações de alimenta- Roberl Evans e Mark Carie, University of Miami Rosenstiel School of Marine and
ção, que são responsáveis pelo movimento de energia e ma- Atmospheric Science.
INTRODUÇÃO

tribuições de organismos, as dinâmicas das populações, a com- existir, mas foram também os ancestrais de todas as formas de
posição de comunidades e a produtividade dos ecossistemas. vida. As bactérias fotossintetizadoras em alguns dos
Compreender as variações naturais no clima, como o El Nino, ecossistemas primordiais produziram oxigénio como
e as variações provocadas pelos humanos, como a formação subproduto quando assimilaram dióxido de carbono. O resul-
do buraco de ozônio sobre a Antártica e a conversão de terras tante- aumento na concentração de oxigénio na atmosfera e nos
de pasto em deserto em grande parte da África, é também uma oceanos (l Fig. 1.6) acabou por permitir a evolução de formas
meta importante da abordagem de biosfera na Ecologia. de vida móveis e complexas com altas demandas metabólicas,
que têm dominado a Terra nos últimos 500 milhões de anos.
À medida que essas novas formas de vida evoluíram, contu-
As plantas, os animais e os
do, os tipos mais primitivos sobreviveram por causa de suas
microorganismos representam capacidades bioquímicas únicas que permitiram a eles usar
diferentes papéis nos sistemas recursos e tolerar condições ecológicas não acessíveis aos seus
descendentes mais complexos. De fato, as características dos
ecológicos ecossistemas modernos dependem das atividades de muitas
formas variadas de vida, com cada grupo maior preenchendo
As características que distinguem as plantas, os animais, os
um único e necessário papel na biosfera.
fungos, os protistas e as bactérias (procariotas) têm importan-
tes implicações no modo pelo qual estudamos e chegamos a
compreender a Natureza. Os diferentes tipos de organismos As plantas usam a energia da luz do Sol
têm diferentes funções nos sistemas naturais (l Fig. 1.5). As para produzir matéria orgânica
maiores e mais notáveis formas de vida, plantas e animais,
elaboram uma grande parcela das transformações de energia Todos os sistemas ecológicos dependem da transformação de
dentro da biosfera, mas não mais do que as infinitas e invisí- energia. Para a maioria dos sistemas, a fonte de energia em
veis bactérias nos solos, água e sedimentos. última instância é a luz do Sol. Na terra, as plantas usam a
Mais ainda, as plantas e os animais são desenvolvimentos energia solar para sintetizar moléculas orgânicas a partir do
relativamente recentes na longa história da evolução da Ter- dióxido de carbono c da água. A maioria das plantas tem es-
ra. Os primeiros ecossistemas eram dominados por bactérias truturas com grandes superfícies de exposição - suas folhas -
de várias formas, que não somente modificaram a biosfera, tor- para capturar a energia solar. Suas folhas são finas porque a
nando possível que formas de vida mais complexas pudessem área da superfície para a captura da luz é mais importante do

Archaebacteria
Organismos procariotas simples com ausência de um núcleo organizado e também
de outras organelas celulares. Adaptados para viverem em condições extremas de
alta concentração de sal, alta temperatura e pH (ambos ácido e alcalino).

Eubacteria
As relações entre Archaebacteria, Como Archaebacteria, organismos procariotas simples tendo uma ampla variedade
Eubacteria e as outras formas de vida de rcações químicas de importância ecológica nos ciclos dos elementos através do
não estão ainda solucionadas. ecossistema. Muitas formas são simbióticas ou parasitas.

Vários protislas
Um grupo extremamente diverso de organismos eucarióticos unicelulares com
membranas nucleares e outras organelas, desde o mofo-cje-lodo e protozoários até
algas fotossintetizadoras vermelhas, marrons e verdes.

Algas verdes
Uma das linhagens de protistas fotossintetizadores, responsáveis pela maior parte
Ancestral da produção biológica nos sistemas aquáticos, e que se pensa terem sido as
comum ancestrais das plantas verdes.

Plantas verdes
Organismos complexos (fotoautotróficos) fotossintetizadores, primariamente
terrestres, responsáveis pela fixação da maior parte do carbono orgânico na
biosfera.

Fungos
Os eucariotas evoluíram provavelmente Principalmente organismos heterotróficos terrestres, de grande importância na
quando um procariota envolveu outro reciclagem de detritos de plantas nos ecossistemas. Muitas formas são patogênicas
e "sequestrou" seu processo bioquímico e outras importantes simbioses (liquens, micorrizos).
em seu próprio benefício.
Animais
Organismos heterotróficos terrestres e aquáticos, que se alimentam de outras
formas de vida ou de seus restos. A complexidade e a mobilidade levaram a uma
notável diversificação da vida animal.

l Fig. 1.5 Organismos diferentes têm diferentes funções nos sistemas naturais. Asdivisões maiores da vida e suas relações evolutivas são mostradas
pelo padrão de ramificações à esquerda.
INTRODUÇÃO

Presente -
20
Primeiras
plantas
com flores
/
15

Invasão da—_^__
terra
Invertebrados -

Organismos de —___^
corpo mole Mais de 3
bilhões di ,mos
M se passaram ,itr
O Cianobactéria Exoesquclctos ^^^ f que níveis de
oxigénio
\ almoslériio
.— <£ pudessem
Início
da vida /
/

Primeira bactéria
/
Primeiro
\
Organismos
sustentar
organismos
mullicelui.uvs.

4.000 8.000 2.000 1.000


Milhões <le anos atrá.s l Fig. 1.6 A concentração de oxigénio na atmosfera tem
aumentado desde o surgimento da vida na Terra.

que o corpo. Caules rígidos sustentam suas partes acima do Os animais se alimentam de outros
solo. Para obter carbono, as plantas assimilam dióxido de car- organismos ou de seus restos
bono gasoso da atmosfera. Ao mesmo tempo, elas perdem
quantidades prodigiosas de água por evaporação do tecido de O carbono orgânico produzido pela fotossíntese proporciona
suas folhas para a atmosfera. Assim, as plantas precisam de um alimento, direta ou indiretamente, para o resto da comunida-
suprimento constante de água para substituir a perda durante de ecológica. Alguns animais consomem plantas; alguns con-
a fotossíntese. Não é de surpreender que a maioria das plan- somem animais que comem plantas; outros consomem os res-
tas esteja firmemente enraizada no solo, num contato cons- tos mortais de plantas ou animais.
tante com a água contida nele. Aquelas que não estão, tais como Os animais e as plantas diferem em muitos aspectos impor-
as orquídeas e outras "plantas aéreas" tropicais (epífitas), po- tantes além de suas fontes de energia (l Fig. 1.8) Os animais, tal
dem ser fotossinteticamente ativas somente em ambientes
úmidos imersos em nuvens de vapor (l Fig. 1.7)

l Fig. 1.8 As plantas obtêm sua energia do Sol e os animais obtêm sua
energia das plantas. Um mamífero pastador na vegetação em uma savana
no leste da África enfatiza a diferença fundamental entre as plantas, que
l Fig. 1.7 As epífitas aéreas formam ecossistemas inteiros. Estas plantas assimilam a energia solar e convertem o dióxido de carbono atmosférico
crescem bem acima do solo sobre os galhos das árvores em florestas em compostos orgânicos de carbono, e os animais, que obtêm sua energic
pluviais tropicais. Foto de R.E. Ricklefs. em última instância da produção das plantas. Foto de R. E. Ricklets.
INTRODUÇÃO

como as plantas, precisam de grandes superfícies para trocar subs- fungos digerem seus alimentos externamente, secretando áci-
tâncias com seus ambientes. Contudo, por não precisarem cap- dos e en/imas em sua vizinhança imediata, cortando através
turar luz como fonte de energia, suas superfícies de troca podem da madeira morta e dissolvendo nutrientes resistentes dos
estar contidas dentro do corpo. Um modesto par de pulmões minerais do solo. Os fungos são os agentes principais da po-
humanos tem uma área superficial de cerca de 100 metros qua- dridão - desagradável aos nossos sentidos e sensibilidades,
drados, o que é metade de uma quadra de ténis. O intestino tam- talve/, mas muito importantes para a função do ecossistema.
bém apresenta uma grande superfície através da qual os nutri-
entes são assimilados para dentro do corpo. Por exemplo, o in-
testino de uma ave do tamanho de um tordo tem cerca de 30 Os protistas são os ancestrais unicelulares
centímetros e uma área superficial de absorção de mais de 200 das formas de vida mais complexas
centímetros quadrados, ou cerca de metade do tamanho desta
Os protistas são um grupo altamente diverso de organismos com
página. Ao internalizar suas superfícies de troca, os animais po-
dem atingir formas corporais volumosas e aerodinâmicas, e de- maioria unicelular, que inclui as algas, os mofos-de-lodo e protozo-
senvolver sistemas musculares e ósseos que tornam possível a ários. I lá uma desnorteante variedade de protistas preenchendo
quase todos os papéis ecológicos. Por exemplo, as algas, incluindo
mobilidade. Nos ambientes terrestres, as superfícies internalizadas
dos animais também perdem menos água por evaporação do as diatomáceas, são os principais organismos fotossintetizadores na
que as folhas expostas das plantas, e assim os animais terres- maioria dos sistemas aquáticos. As algas podem formar gran-
tres não precisam ser continuamente supridos de água. des estruturas semelhantes "a plantas - algumas algas marinhas
podem ter até 100 metros de comprimento (veja, por exemplo,
i' a Fig. l .23) - mas suas células não são organizadas em tecidos
Os fungos são decompositores altamente e órgãos especializados como os que se vê nas plantas.
eficientes Os outros membros deste grupo não são fotossintetizado-
res. Os foraminíferos e radiolários são protozoários que se ali-
Os fungos assumem papéis únicos no ecossistema devido à sua mentam de pequenas partículas de matéria orgânica ou ab-
forma distinta de crescimento. A maioria dos fungos, como as sorvem pequenas moléculas orgânicas dissolvidas, e que se-
plantas e os animais, são organismos multicelulares (exceto para creta m conchas de calcita ou silicato. Alguns dos protozoários
levedos e seus parentes). Mas, diferentemente das plantas e dos ciliados são predadores eficientes - sobre outros microorga-
animais, o fungo cresce a partir de um esporo microscópico nismos, naturalmente.
sem passar pelo estágio embrionário. A maioria dos organis-
mos fúngicos é feita de estruturas filamentosas chamadas de
hifas, que só têm uma célula de diâmetro. Estas hifas podem As bactérias têm uma ampla variedade de
formar uma rede solta, que pode invadir os tecidos vegetais mecanismos bioquímicos para as
ou animais ou folhas e madeira morta na superfície do solo, transformações energéticas
ou crescer para dentro das estruturas reprodutivas que reco-
nhecemos como cogumelos (l Fig. 1.9). Como os fungos po- As bactérias, ou procariotas, são os especialistas bioquímicos do
dem penetrar profundamente, eles rapidamente decompõem ecossistema. Cada bactéria consiste numa célula simples e úni-
material vegetal morto, finalmente tornando muitos dos nu- ca, sem um núcleo e cromossomos para organizar o seu DNA (l
trientes contidos nele disponíveis para outros organismos. Os Fig. 1.10). No entanto, a enorme quantidade de capacidades
metabólicas das bactérias as capacita a executar muitas trans-
formações bioquímicas únicas. Algumas bactérias podem assi-
milar o nitrogénio molecular (N,, a forma comum encontrada
na atmosfera), que elas usam para sintetizar proteínas e ácidos
nucléicos. Outras podem usar compostos inorgânicos como o
sulfeto de hidrogénio (II2S) como fonte de energia. As plantas,
os animais, os fungos e a maioria dos protistas não podem exe-
cutar estes feitos. Além do mais, muitas bactérias vivem sob
condições anaeróbicas (ausência de oxigénio livre) em solos
úmidos e sedimentos, onde suas atividades metabólicas rege-
neram nutrientes e os tornam disponíveis para as plantas. Te-
remos muito mais a dizer sobre o papel especial dos microor-
ganismos no funcionamento do ecossistema.

Muitos tipos de organismo cooperam na


Natureza
Devido a cada tipo de organismo ser especializado numa for-
l Fig. 1.9 Os fungos são decompositores efetivos de madeira e outras
ma particular de vida, não causa surpresa que haja muitos ti-
matérias orgânicas mortas. Os cogumelos são corpos de frutificação
produzidos por uma grande massa de hifas filiformes, mostradas aqui em
pos diferentes de organismos que vivem juntos em associação
um fungo livre que se desenvolveu em folhas caídas de serapilheira. Os próxima, formando uma simbiose. Nestas relações, cada par-
corpos frutificados se estendem para cima e à direita nesta fotografia. ceiro proporciona algo que o outro não possui. Alguns exem-
Foto de Larry Jon Friesen/Saturdaze. plos familiares incluem os liquens, que compreendem um fun-
INTRODUÇÃO

go e uma alga num único organismo (l Fig. 1.11); as bactérias


que fermentam material vegetal nos intestinos das vacas; os
proto/oários que digerem madeira nos intestinos das térmitas;
os fungos associados com as raízes de plantas que as auxiliam
a extrair nutrientes minerais do solo em troca de energia do
carboidrato da planta; algas fotossintetizadoras no corpo de
corais e moluscos gigantes; e bactérias fixadoras de nitrogénio
nos nódulos radiculares das leguminosas. As organelas especi-
alizadas tão características da célula eucariótica - cloroplastos
para a fotossíntese, mitocôndrias para várias transformações
energéticas de oxidação - se originaram como procariotas
simbióticos (bactérias) vivendo dentro do citoplasma de células
hospedeiras.

O habitat define o lugar de um


organismo na Natureza;
o nicho define o seu papel
funcional
Os ecólogos que usam a abordagem de organismo acharam
útil distinguir entre o lugar que um organismo vive e o que
ele fa/, t) habitat de um organismo é o lugar, ou estrutura
l Fig. 1.10 As bactérias são distinguidas por suas estruturas simples. Elas
física, no qual ele vive. Os habitais são caracterizados por
não apresentam membranas e organelas intracelulares. Esta bactéria
Salmonella typhimurium, que é parasita de intestino de muitos animais,
suas notáveis características físicas, frequentemente inclu-
foi fotografada no ato de divisão. O material consistente de cor laranja indo a forma predominante de vida vegetal ou, às vezes, de
no centro das células é o DNA. O aumento é de cerca de 15.000 vezes. vida animal (l Fig. 1.12). Assim, falamos de habitat de flo-
Foto de Kari Lounatmaa/Science Photo Library/PhotoResearchers. resta, habitat de deserto e habitat de recife de coral. Os
ecólogos devotaram muito esforço para classificar os habi-
tats. Por exemplo, distinguem habitats terrestres e aquáticos;
entre habitats aquáticos, de água doce e marinhos; entre
habitats marinhos, oceânicos e de estuários; entre habitats
oceânicos, bentônicos (sobre ou dentro do fundo do ocea-
no) ou pelágicos (em mar aberto). Contudo, à medida que
essas classificações se tornam mais complexas, elas termi-
nam por se subdividir, porque os tipos de habitats se so-
brepõem amplamente e as distinções absolutas entre eles
raramente existem. A ideia de habitat, no entanto, é útil
porque ela realça a variedade de condições às quais os or-
ganismos estão expostos. Habitantes das profundezas
abissais oceânicas e do dossel das florestas fluviais tropicais
experimentam condições de luz, pressão, temperatura, con-
centração de oxigénio, umidade, viscosidade e sais extrema-
mente diferentes, para não mencionar os recursos alimen-
Camada superior tares e os inimigos.
da hifa do fungo O nicho de um organismo representa os intervalos de
Células algais formam
condições que ele pode tolerar e os modos de vida que ele
camada fotossintetizadora possui - isto é, seu papel no sistema ecológico. Um princí-
pio importante da Ecologia é que cada espécie tem um ni-
Camada frouxa cho distinto (l Fig. 1.13) Não há duas espécies que sejam
de hifa de fungo exatamente iguais, porque cada uma tem atributos distin-
Camada abaixo tos de forma e função que determinam as condições que ela
da hifa do fungo pode tolerar, como ela se alimenta e como ela escapa de seus
inimigos.
A variedade de habitats contém a chave para muito da di-
Substrato versidade dos organismos vivos. Nenhum organismo pode
viver sob todas as condições na Terra; cada um deve se es-
pecializar em relação tanto ao intervalo de habitats no qual
l Fig. 1.11 Um líquen é uma associação simbiótica de um fungo e uma pode viver quanto ao nicho que ele pode ocupar num habi-
alga verde. Foto de R. E. Ricklefs. tat.
-

l Fig. 1.12 Os habitais terrestres são distinguidos por sua vegetação


dominante. (a.) Temperaturas quentes e chuvas abundantes mantêm os mais
altos níveis de produção biológica e diversidade de vida na Terra nas
jflorestas tropicais úmidas. Em habitats de florestas sazonais tropicais (b), as
árvores perdem suas folhas durante a chegada da estação seca para escapar
do estresse da água. As savanas tropicais (c), que se desenvolvem onde a
chuva é esparsa, todavia sustentam vastos rebanhos de herbívoros
pastadores durante a produtiva estação chuvosa, (d) As temperaturas gélidas
na capa de gelo da Antártica impedem qualquer vida, exceto bactérias
ocasionais em fendas de rochas expostas ao calor do Sol. Fotos de R. E.
Rickleís.

(a)

l Fig. 1.13 Cada espécie tem um nicho distinto. Quatro espécies de lagartos anólis ocupam nichos em habitat de floresta nas ilhas de Hispaniola e Jamaica
nas Grandes Antilhas, (a) Anólis insólitas, um "anólis-de-graveto" (twig ano/e); (b) A. frirmani, um "gigante-coroado" (crown giant); (c) A. chlorocyanus, um
"anólis-de-tronco-coroado" (trunk-crown ano/e); (d) A. cybotes, um "anólis-de-tronco caído" (trunk-groundanole). Cortesia dejonathan B. Losos.
INTRODUÇÃO 11

visíveis existem variações irregulares e imprevisíveis. O tem-


Todos os sistemas e processos po do inverno é geralmente frio e úmido, mas o tempo em
qualquer período particular não pode ser previsto com muita
ecológicos têm escalas características antecipação; ele varia perceptivelmente em intervalos de umas
l de tempo e espaço poucas horas ou dias com a passagem de frentes frias e outros
fenómenos atmosféricos. Algumas irregularidades nas condi-
Demos uma rápida olhada na grande variedade de condições ções, como uma sequência de anos especialmente úmidos ou
na Terra. A maioria das coisas que podemos medir no ambien- secos, ocorrem em períodos mais longos. Outros eventos de
te, como a temperatura do ar ou o número de indivíduos numa grande consequência ecológica local, como os incêndios e os
população por unidade de área, variam de um lugar para outro tornados, atingem um determinado lugar somente em inter-
e de um momento para o seguinte. Em consequência, cada me- valos cie tempo muito longos.
dida apresenta altos e baixos, e os intervalos de distância entre Em geral, quanto mais extrema a condição, menos frequente
picos sucessivos ou vales sucessivos são separados por interva- ela é. Contudo, tanto a severidade quanto a frequência dos
los pequenos ou longos no tempo ou distâncias no espaço. Ainda eventos são medidas relativas, dependendo do organismo que
assim, a variação de cada medida apresenta uma escala carac- as experimenta. O fogo pode atingir uma árvore muitas vezes,
terística, que é a dimensão no tempo ou espaço sobre a qual a mas saltar dúzias de gerações de uma população de insetos.
variação é percebida. E importante selecionar a escala apropri- Como os organismos e as populações respondem à variação
ada de medida para adequar a escala da variação de um pa- em sen ambiente depende da frequência com que ela ocorre.
drão ecológico seja no tempo ou no espaço (l Fig. 1.1.4) Por As escalas de variação temporal podem ser determinadas por
exemplo, no tempo, a temperatura do ar pode cair dramatica- propriedades intrínsecas dos sistemas, assim como pela variação
mente em matéria de horas à medida que uma frente fria passa de fato rés externos. Por exemplo, em bosques de pinheiros, a
através de uma região, enquanto uma área particular do ocea- probabilidade de um fogo destrutivo cresce ao longo do tempo
no pode exigir semanas ou meses para se resfriar na mesma desde o último evento. À medida que a serapilheira e outros
quantidade. As horas, semanas, meses e anos são escalas de tem- combustíveis se acumulam, eles produzem um ciclo de incêndi-
po típicas de padrões e processos ecológicos. Os milímetros, os característico para um habitat particular. Da mesma forma, a
metros e quilómetros são escalas espaciais ecológicas típicas. rápida dispersão de uma doença contagiosa através de uma po-
pulação frequentemente depende da acumulação de indivídu-
Variação temporal os jovens não imunizados após a última epidemia (l Fig. 1.15).

Percebemos a variação temporal à medida que nosso ambi-


ente muda ao longo do tempo, por exemplo, com a alternação
de dia e noite e a progressão sazonal da temperatura e da pre-
cipitação. Superpostas sobre estes ciclos mais ou menos pre-
Ilhas larocO

Escala muito grosseira Escala apropriada Grã-Brelanhd^


(intervalos de 20 unidades) (intervalos de 5 750
unidades)
D D DD D D

Escala muito fina


(intervalos de l g 500
u
unidade)
L
I
w
250

1870 1930 1950 1970


Ano

l Fig. 1.15 Condições mais extremas geralmente ocorrem menos


20 40 60 frequentemente que condições menos extremas. Isto é verdadeiro até
Tempo ou distância para surtos de doenças contagiosas. O número de casos de coqueluche
na população das Ilhas Faroe de 1881 até 1969 indica que o tamanho
de um surto epidêmico é tão maior quanto mais longo o intervalo desde
l Fig. 1.14 Os padrões de variação têm escalas diferentes no tempo e no o último surto. Este padrão ocorre porque o número de crianças
espaço. Se o ambiente é mensurado numa escala muito grosseira, os anteriormente não expostas, e por isso susceptíveis, cresce com o tempo
detalhes do padrão são perdidos. Se a escala é muito fina, os detalhes numa população. Segundo C. J. Rhodes et ai., Proceedings ofthe Royal Society
adicionais não ajudam a definir o padrão. oíLumíun B 264:1639-1646 (1997).
12 INTRODUÇÃO

Variação espac ial As dimensões espaciais e temporais na


O ambiente também difere de um lugar para outro. As va- Ecologia estão correlacionadas
riações do clima, da topografia e do tipo de solo causam Em relação aos fenómenos ecologicamente importantes, a
heterogeneidade de grande escala (desde metros até cen- duração no tempo normalmente aumenta com o tamanho da
tenas de quilómetros; veja a variação na temperatura da área afetada (l Fig. 1.16). Por exemplo, os tornados duram
água no Oceano Atlântico ocidental ilustrado na Fig. 1.4). somente uns poucos minutos e afetam pequenas áreas com-
Em escalas menores, a heterogeneidade é gerada pelas es- parado com a devastação infligida por furacões durante perí-
truturas das plantas, pelas atividades dos animais e pelo odos de dias ou semanas. Nos oceanos, num extremo, peque-
conteúdo dos solos. Uma determinada escala de variação nos vórtices podem durar somente uns poucos dias; no outro
espacial pode ser importante para um animal e não para extremo, rotações oceânicas (correntes circulatórias que abran-
outros. A diferença entre a parte de cima e a parte de bai- gem bacias oceânicas inteiras) são estáveis durante milénios.
xo de uma folha é importante para um pulgão, mas não Comparado com os fenómenos marinhos e especialmente
para um alce, que rapidamente come a folha inteira, com com o.s atmosféricos, as variações nas formas terrestres têm
pulgão e tudo. escalas temporais muito longas numa determinada escala es-
À medida que um indivíduo se move através de um ambi- pacial. A razão é simples:-as formas terrestres são determina-
ente que varia no espaço, ele encontra variações ambientais das pela geologia e topografia subjacente, que são transfor-
como uma sequência no tempo. Em outra palavras, um indi- madas num passo de caracol por processos como a constru-
víduo que se move percebe a variação espacial como varia- ção de montanhas, erupções vulcânicas, erosão e mesmo a
ção temporal. Quanto mais rápido ele se move, e menor a es- deriva continental. Por outro lado, a heterogeneidade espacial
cala da variação espacial, mais rapidamente ele encontra no- no oceano aberto resulta de processos físicos na água, que são
vas condições ambientais e menor é a escala temporal da va- obviamente mais mutáveis do que aqueles na terra. Como o
riação. Isso se aplica a plantas assim como aos animais. As raízes ar é ainda mais fluido do que a água, os processos atmosféri-
que crescem através do solo podem encontrar novas condi- cos têm períodos muito curtos numa dada escala espacial, como
ções se a escala de variação espacial nas características do solo mostrado na Fig. 1.16.
é pequena o bastante. O vento e os animais dispersam as se- Um princípio relacionado com a correlação espaço-tempo
mentes, que podem aterrissar em diversos habitats dependendo estabelece que a frequência de um fenómeno é geralmente
da distância que elas viajam em relação à escala da variação inversamente relacionada com a sua dimensão espacial ou
espacial no habitat. severidade local. Assim, os tornados e os furacões ocorrem em

Fenómenos marinhos variam desde muito Fenómenos atmosféricos l,unhem variam


localizados até milhares de quilómetros, e duram amplamente na área, mas urralmente têm
desde menos de um mês até muitos séculos. vida mais cúria, desde minutos até dias.

Processo físico Populações locais de


fitoplâncton podem
mudar rapidamente
Milénio desde menos de um dia
até umas poucas
Século semanas.
Circulação
profunda
Década ,\<V'
•J e"** Rotações de Eventos como El Nino e
Í vVÕ^^ bacias oceânicas secas cobrem grandes
^ Ano ^e* vórtices
S Frentes ^ áreas e períodos de
i2 costeiras ; ;. . .. Variação na tempo por causa de suas
Q Mcs
: ' / Vagas ,, . , napopulação conexões com a
\ anacao .
circulação oceânica.
t
de atum
: l ,-,\Co* Sistemas população
1 liarão de .irenque
..o*'
u ciclònicos
uia a\^ na população
^*\O* Furacões
:!<• (oprpodcs
Frentes e rajadas Variarão no
de vento fitoplâncton
Hora Temporais

l IO 1 IO2 IO3 IO 4 Global l 10' IO2 IO3 IO4 Global


Dimensão espacial (km) Dimensão espacial (km)

l Fig. 1.16 Eventos ecológicos frequentemente apresentam correlação espaço-temporal. Mudanças nos sistemas marinho e atmosférico mostram que
a duração de um evento no tempo usualmente aumenta com o tamanho da área afetada. Segundo J. H. Steele, J. Theor. B/o/. 153:425-436 (1991).
INTRODUÇÃO 13

intervalos de tempo mais longos, em média, do que as tem- Sistema ecológico


pestades de inverno. A frequência de incêndios florestais ou
incêndios em arbustos está inversamente relacionada com a
área que eles queimam. Além disso, tais perturbações criam
mosaicos de habitat em vários estágios de desenvolvimento
ecológico, ou sucessão, dessa forma contribuindo para a hete-
rogeneidade espacial do ambiente em muitas escalas de tem-
po e espaço.

Os sistemas ecológicos são


governados por princípios gerais
físicos e biológicos Ac i J( "ligo fio
Sistema remanescente ...são equilibradas
(empo,
Podemos lidar mais facilmente com a complexidade dos siste- inalterado ao longo do tempo por saídas.
entradas...
mas ecológicos quando compreendemos que eles são todos
governados por um número pequeno de princípios básicos.
Uma breve consideração de quatro destes princípios ilustrará
a unidade subjacente da Ecologia.

Sistemas ecológicos são entidades físicas


A vida se constrói sobre as propriedades físicas e as reações
químicas da matéria. A difusão de oxigénio através da super-
fície corporal, as taxas de reações químicas, a resistência dos
vasos ao fluxo de fluidos e a transmissão de impulsos nervo-
sos, todas obedecem às leis físicas da termodinâmica. Os siste-
mas biológicos são impotentes para alterar estas qualidades
físicas fundamentais da matéria e da energia, porém, dentro l Fig. 1.17 Um sistema em regime estacionário dinâmico tem entradas e
saídas c ontínuas, mas permanece inalterado ao longo do tempo.
de amplos limites impostos pelas restrições físicas, a vida pode
seguir muitas opções, e ela tem feito isso com uma impressio-
nante criatividade.
bólica. Para a população, os ganhos e as perdas são nasci-
mentos c mortes. A diversidade de uma comunidade bioló-
Os sistemas ecológicos existem em estados gica diminui quando uma espécie se torna extinta, e aumenta
estacionários dinâmicos quando novas espécies invadem o habitat da comunidade.
Os ecossistemas e a biosfera propriamente dita não podem
A despeito de nos focalizarmos sobre um organismo, uma existir sem a energia recebida do Sol, embora este ganho seja
população, um ecossistema ou a biosfera inteira, cada uma equilibrado por energia térmica irradiada em ondas infra-
destas entidades ecológicas continuamente troca matéria e vermelhas de volta para o espaço. Como os estados estaci-
energia com os seus arredores (l Fig. 1.17). Que os sistemas onários dos sistemas ecológicos são mantidos e regulados é
ecológicos permaneçam mais ou menos imutáveis implica em uma das mais importantes questões colocadas pelos
que os ganhos e as perdas são mais ou menos equilibrados. ecólogos, à qual retornaremos frequentemente ao longo des-
Isto é a essência de um estado estacionário dinâmico: um sis- te livro.
tema troca energia ou matéria com as suas redondezas mas,
apesar disso, mantém suas características constantes. Um ani-
mal de sangue quente continuamente perde calor para o am- A manutenção de sistemas vivos demanda
biente frio. Esta perda é equilibrada, contudo, pelo calor obti- gasto de energia
do do metabolismo dos alimentos, e assim a temperatura cor-
poral permanece constante. Quando os ganhos não se somam Como a vida é tão especial, sendo composta de moléculas que
às perdas por alguma razão, o corpo esfria. Analogamente, as são raras ou inexistentes no mundo inanimado, os organis-
proteínas dos nossos corpos são continuamente decompostas mos vivos existem fora de equilíbrio com o ambiente físico. O
e substituídas por proteínas recentemente sintetizadas. Muito que o organismo perde para o seu entorno, contudo, não é
do material nos corpos que todos carregávamos há mais ou retornado para o ambiente de graça. Se fosse, a vida seria o
menos um ano atrás já foi substituído, embora ainda tenha- equivalente de uma máquina de moto-perpétuo. O organis-
mos a mesma aparência. mo deve procurar energia ou matéria para substituir sues
Esta ideia de manter um estado estacionário em face de perdas. Para fazer isto, ele deve gastar energia. Assim, a ener-
um contínuo fluxo de matéria c energia entre um sistema gia perdida como calor e movimento deve ser substituída pelo
ecológico e suas redondezas se aplica a todos os níveis de alimento metabolizado, que o organismo captura e assimila a
organização ecológica. Para o indivíduo, o alimento e a ener- um certo custo. O preço de manter um sistema vivo como um
gia assimilados devem equilibrar sua decomposição meta- estado estacionário dinâmico é energia.
.
Os sistemas ecológicos sofrem mudanças nhecer que este processo permitiu às populações responder,
evolutivas através do tempo ao longo de muitas gerações, às mudanças em seus ambien-
tes. Uma coisa maravilhosa sobre a seleção natural e a evolu-
A história da vida na Terra tem mostrado que os atributos dos ção é que, à medida que cada espécie muda, novas possibili-
organismos mudam ao longo do tempo. Tais mudanças são dades para mudanças adicionais se abrem para si próprias e
denominadas de evolução. Embora as propriedades físicas e para outras espécies com as quais elas interagem. Desta for-
químicas da matéria c da energia sejam imutáveis, o que os ma, a complexidade das comunidades e ecossistemas ecológi-
sistemas vivos fazem com matéria e energia é tão variável cos vai se construindo sobre, e é promovida por, a complexi-
quanto todas as formas de organismos que existiram no pas- dade existente. Uma meta importante da Ecologia como ciên-
sado, existem hoje ou poderão evoluir no futuro. As estrutu- cia é compreender como os sistemas ecológicos vieram a exis-
ras c funções dos organismos são produtos da mudança evo- tir e como funcionam nas suas configurações ambientais.
lutiva numa população em resposta às características do am-
biente com as quais cada organismo deve se confrontar. Tais
características incluem tanto as condições físicas que prevale-
Os ecólogos estudam o mundo
cem quanto os vários outros tipos de organismos com os quais natural através da observação e da
cada população interage. Por exemplo, os animais que têm experimentação
predadores caçadores visuais são frequentemente coloridos de
uma forma tal que se confundem com o seu fundo e escapam Como outros cientistas, os ecólogos aplicam muitos métodos
de serem notados (l Fig. 1.18). Muitas plantas que crescem em para aprender sobre a Natureza. A maioria destes métodos
climas quentes e secos têm cutículas espessas e serosas que reflete três facetas da investigação científica: (1) a observação
reduzem a perda de água por evaporação através da superfí- e a descrição, (2) o desenvolvimento de hipóteses ou explica-
cie das folhas. Estes atributos de estrutura e função que ajus- ções, e (3) o teste destas hipóteses, frequentemente com expe-
tam o organismo às condições de seu ambiente são chamados rimentos.
de adaptações. A maioria dos programas de pesquisa começa com um con-
Esta correspondência íntima entre organismo e ambiente junto de fatos sobre a natureza que convidam a uma explica-
não é acidental. Ela vem de um princípio único e fundamen- ção. Usualmente estes fatos descrevem um padrão consisten-
tal dos sistemas biológicos: a seleção natural. Somente aque- te. Por exemplo, as medidas de precipitação e crescimento
les indivíduos que estão bem adaptados aos seus ambientes vegetal ao longo de vários anos poderiam revelar uma corre-
sobrevivem e produzem descendentes. Os atributos herdados lação entre a precipitação e a produção vegetal. Para citar um
que passam para sua prole são preservados. Indivíduos outro exemplo, a exploração durante-o século dezenove esta-
malsucedidos não sobrevivem, ou produzem poucos filhotes, beleceu que o número de espécies animais e vegetais nas re-
e assim seus atributos menos adequados desaparecem da po- giões tropicais excedia grandemente o das regiões tempera-
pulação como um todo. Charles Darwin foi o primeiro a reco- das. O reconhecimento desta relação entre biodiversidade e

l Fig. 1.18 Adaptações nas condições ambientais ajudam os organismos a sobreviverem. As colorações crípticas de (a) um mantídeo da Costa Rica e
(b) um sapo arborícola da América do Norte se combinam com os ambientes destes animais e reduzem o risco de serem vistos por seus predadores.
Foto (a) de Michael Fogden/DRK PHOTO; foto (b) de David Northcott/DRK PHOTO.
INTRODUÇÃO 15

latitude surgiu de comparações de observações acumuladas de Isto seria um bom experimento se pudéssemos fazer os sapos
muitos cientistas até que se confirmassem como um padrão cantarem sem alterar outros aspectos de seu comportamento.
geral, ('orno a relação entre a precipitação e o crescimento Para eliminar todas as variáveis exceto o canto, teríamos que
vegetal, este padrão convida a uma explicação. Como muitas nos certificar de que os sapos silenciosos testados na mesma
explicações são plausíveis, é necessário conduzir experimen- noite não atrairiam também as fêmeas. Tais tratamentos, que
tos ou outros tipos de investigações para determinar quais reproduzem todos os aspectos de um experimento com exce-
explicações que melhor se ajustam aos fatos. ção da variável de interesse, é chamado de um experimento
As hipóteses são ideias sobre como um sistema funciona controle. Outro experimento que vem à mente seria registrai-
- isto é, são explicações. Se correta, uma hipótese pode nos os cantos dos sapos machos numa fita, e então reproduzi-los
ajudar a compreender a causa de um padrão observado. Su- através de alto-falantes em diferentes noites, acompanhando
ponha que observemos os sapos machos cantarem em noites o número de fêmeas que são atraídas pelos chamados após os
quentes após períodos de chuva. Se uma quantidade razoável períodos de chuva versus os chamados após os períodos de
de observações produzir poucas exceções a este padrão, ele tempo bom.
pode ser compreendido como uma generalização que nos ca- Os testes de hipóteses geram novas informações que fre-
pacita a prever o comportamento dos sapos a partir do tem- quentemente iniciam rodadas adicionais de formação de hi-
po. Tendo estabelecido a existência de tal padrão, podemos póteses e testes. Por exemplo, se descobrirmos que os sapos
desejar compreendê-lo melhor. Por exemplo, podemos dese- fêmea são mais ativos após o tempo chuvoso, teremos desco-
jar explicar como um sapo responde à temperatura e à chuva; berto um novo padrão que incita a explicação. Deste modo as
podemos também desejar explicar por que um sapo responde descobertas científicas são construídas umas sobre as outras,
do jeito que ele responde. A parte do "como" deste fenómeno gerando uma rica compreensão do funcionamento dos siste-
particular envolve detalhes de percepção sensorial, a recipro- mas naturais.
cidade entre os estímulos ambientais e o status hormonal e os
efetores neuromotores - em outras palavras, envolve proces-
sos fisiológicos. A questão do "por que" lida com os custos e ECOLOGOS NO CAMPO
benefícios do comportamento do indivíduo; é mais ecológico
e evolutivo na Natureza. Se suspeitarmos que os machos can- L/711 teslc experimental de uma hipólcse
tam de maneira a atrair as fêmeas, podemos nos entreter com Para ilustrar como os ecólogos usam os experi-
a ideia de que os machos cantam após as chuvas porque é
mentos para testar uma hipótese, dissecaremos
quando as fêmeas procuram por acasalamentos. Se os machos
um estudo de campo em seus componentes bá-
cantassem em outros períodos, eles poderiam atrair poucos
sicos. Este estudo foi conduzido por Robert
acasalamentos (baixo benefício) mas ainda se exporem à pre- Marquis e Chris Whelan da Universidade do
dação ou outros riscos (alto custo) na tentativa. Agora pode- Missouri em St. Louis.
mos ter gerado diversas hipóteses sobre como os sapos se com-
portam: (1) o canto dos machos atrai as fêmeas e conduz ao Observação: A despeito de uma grande variedade de herbívo-
acasalamento; (2) as fêmeas ativamente buscam por machos ros potenciais, somente uma pequena proporção da área foliar de
somente após as chuvas; (3) o canto impõe um custo, que com- uma floresta é consumida durante a estação de crescimento.
pele os machos a economizar o seu canto para os períodos em Observação: Os pássaros comem insetos.
que possam tirar o máximo dele. Hipótese: A predação pelos pássaros sobre os insetos herbívo-
Se queremos nos convencer de que uma hipótese é válida, ros reduz a quantidade de área foliar consumida.
nos a colocamos em teste. Somente de vez em quando uma Teste experimental: Exclua os pássaros da folhagem através da
determinada ideia pode ser provada acima de qualquer dúvi- construção de viveiros à prova de pássaros (l Fig. 1.19) que per-
da, mas nossa confiança cresce quanto mais exploramos as mitirão aos insetos forragear livremente.
implicações de uma hipótese e verificamos que ela é consis- Controle: Obter dados para árvores não excluídas por vivei-
tente com os fatos. Se nossa segunda hipótese sobre o canto ros comparadas com árvores experimentais para avaliar a vari-
dos sapos fosse verdadeira, esperaríamos observar mais fêmeas ação espacial e temporal nas populações de insetos ou pássaros.
receptivas nas noites após as chuvas do que nas noites após Controles para efeitos experimentais: Devido aos viveiros de
bom tempo. Isto é uma previsão, que é uma declaração que exclusão poderem ter outros efeitos na folhagem (sombreamento,
se segue logicamente de uma hipótese. Se as observações da por exemplo), incluir algumas árvores dentro de viveiros incom-
atividade das fêmeas confirmarem esta previsão, então a hi- pletos que permitam aos pássaros ter acesso à folhagem.
pótese ê fortalecida; se não, a hipótese é enfraquecida, ou tal-
vez mesmo e tompletamente rejeitada. Marquis e Whelan descobriram que quando os pássaros foram
Os testes mais fortes de uma hipótese muitas vezes são os excluídos, o número de insetos registrados na folhagem aumen-
resultados de experimentos, nos quais uma ou um pequeno tou de 70%, e o percentual da área foliar ausente ao fim da esta-
número de variáveis são manipuladas independentemente de ção de crescimento aumentou de 22% para 35%. Estas descober-
outras para revelar seus efeitos específicos. No exemplo dos tas os levaram a concluir que os predadores aéreos reduzem a
sapos, o teste da nossa segunda hipótese seria determinar se o abundância de insetos herbívoros assim como os danos causados
sucesso do acasalamento é menor quando um macho canta pelos herbívoros às árvores. As descobertas também levaram a uma
após tempo bom do que quando ele canta após a chuva. Infe- outra questão: os decréscimos nas populações de pássaros causa-
lizmente, os machos normalmente não cantam, a menos que dos pela fragmentação de florestas no leste dos Estados Unidos e
chova. Talvez, através de alguma manipulação conveniente, em outras partes resultarão num aumento dos danos pelos inse-
pudéssemos disparar o canto de um macho na noite "errada". tos às florestas?
16 INTRODUÇÃO

.'/^fctoi j. _! i->:s.;.fci.

\ Fig. 1.19 Os experimentos são os testes mais fortes das hipóteses. Um


viveiro foi colocado ao redor de um jovem carvalho branco para excluir
as aves predadoras que, de outra forma, consumiriam as lagartas. Cortesia I Fig. 1.20 Experimentos com microcosmo são projetados para
de C. Whelan. reproduzir as características essenciais de um sistema ecológico.
Comunidades de invertebrados de água doce são alojadas em tanque de
gado (cattle tanks) na Kellogg Biological Station da Michigan State
University. Numerosos tanques são usados para reprodução de
Embora as formas de adquirir conhecimento científico pa- tratamentos experimentais diferentes. Foto de R. E. Ricklefs.
reçam ser diretas, existem muitas armadilhas. Por exemplo, uma
correlação entre variáveis não implica numa relação causal; o
mecanismo de causalidade deve ser determinado independen-
temente através de uma investigação adequada. Além disso, ma ecológico "real", mas se a variação consistentemente resul-
muitas hipóteses não podem ser testadas por métodos experi- tasse numa perda de espécies em diversos microcosmos, a hi-
mentais devido às escalas dos processos relevantes serem muito pótese seria fortalecida.
grandes. Estas limitações se tornam particularmente críticas Uma outra abordagem é construir um modelo matemático
com padrões que evoluíram durante períodos longos e com de um sistema complexo, no qual o investigador representa o
sistemas tais como populações inteiras ou ecossistemas que são sistema como um conjunto de equações. Estas equações re-
muito grandes para uma manipulação prática. tratam nossa compreensão de como o sistema funciona no
Hipóteses diferentes podem explicar uma observação par- sentido de que descrevem as relações de cada um dos compo-
ticular igualmente bem, e deve-se fazer previsões que distin- nentes do sistema com outros componentes e com as influên-
gam entre as alternativas. A observação de que a biodiversi- cias externas. Um modelo matemático é uma hipótese; ele
dade diminui nas latitudes mais altas tem incitado muitas proporciona uma explicação da estrutura observada e do fun-
explicações. À medida que se viaja para o norte a partir do cionamento de um sistema. Os modelos podem ser testados
Equador, a temperatura média e a precipitação diminuem, a pela comparação das previsões que eles produzem com o que
intensidade de luz e a produção biológica diminuem, e a é observado na realidade. A maioria dos modelos faz previ-
sazonalidade e outras variações ambientais aumentam. Cada sões sobre atributos do sistema que não foram medidos ou
um destes fatores poderia interagir com os sistemas biológi- acerca da resposta do sistema à perturbação. Se estas previ-
cos de forma que poderia afetar o número de espécies que sões forem coerentes com as observações, isso determina se as
podem coexistir numa localidade, e dúzias de hipóteses base- hipóteses sobre as quais eles estão baseados são sustentadas
adas nestes fatores têm sido propostas. Isolar o efeito de cada ou rejeitadas. Por exemplo, foram desenvolvidos modelos de-
fator tem-se provado difícil devido ao fato de que cada um talhados para descrever a dispersão de doenças comunicáveis
tende a variar junto com outros. (ver Fig. 1.15). Estes modelos incluem fatores como a propor-
Em face destas dificuldades, os ecólogos têm recorrido a ção da população que é suscetível, exposta, infectada e recu-
diversas abordagens alternativas para os testes de hipótese. perada (e assim resistente devido a uma imunidade adquiri-
Uma destas é o experimento de microcosmo, que tenta re- da), bem como taxas de transmissão e a virulência do orga-
produzir as características essenciais do sistema num labora- nismo patológico.
tório ou montagem de campo simplificados (l Fig. 1.20). As- Numa escala maior, os ecólogos criaram modelos globais de
sim, um aquário com cinco espécies de animais pode se com- equilíbrio de carbono para investigar o efeito da queima de
portar como um sistema natural mais complexo num lago, ou combustíveis fósseis sobre o conteúdo de dióxido de carbono
mesmo como sistemas ecológicos mais gerais; se for assim, as na atmosfera. A compreensão desta relação é criticamente im-
manipulações experimentais do microcosmo podem produzir portante para o gerenciamento do ambiente da Terra. Os mo-
resultados que podem ser generalizados para sistemas maio- delos globais de equilíbrio de carbono incluem, entre outros
res. A hipótese de que a diversidade diminui à medida que as fatores, equações para a assimilação de dióxido de carbono pelas
variações ambientais aumentam poderia ser abordada num plantas e para a dissolução de dióxido de carbono nos oceanos.
experimento de microcosmo pela determinação de se as vari- Contudo, os resultados das primeiras versões destes modelos
ações na temperatura, luz, acidez ou recursos nutricionais cau- falharam na comparação com os dados observados, especifica-
sam o desaparecimento das espécies do sistema. Naturalmen- mente ao superestimar do aumento anual do dióxido de car-
te, é um longo salto generalizar de um aquário para um siste- bono atmosférico. O mundo real evidentemente contém "pó-
INTRODUÇÃO 17

cos" de dióxido de carbono que removem o gás da atmosfera ção do próprio ambiente da espécie humana à medida que
mas que não estavam representados no modelo. Esta discrepân- pressionamos os limites dos sistemas ecológicos que podem
cia fez os modeladores de ecossistemas olharem mais de perto nos sustentar. A compreensão dos princípios ecológicos é um
os processos como a regeneração de florestas e o movimento passo necessário para lidar com estes problemas. Dois exem-
do dióxido de carbono através da interface ar-água. Estes pro- plos mostram isso.
cessos contribuem para descrições mais refinadas do funciona-
mento da biosfera - modelos que proporcionarão previsões mais
precisas do futuro da mudança atmosférica. A introdução da perca do Nilo no Lago
Vitória
Durante a década de 1950 e início dos anos 1960, a perca do
Os humanos são uma parte Nilo foi introduzida no Lago Vitória, um grande e raso lago
que se espalha ao longo do Equador no leste da África. Isto foi
importante da biosfera feito com o propósito bem intencionado de prover alimento
Por que fazemos tudo isso? As maravilhas do mundo natural adicional para as pessoas que viviam na área e uma receita
atraem nossa curiosidade natural sobre a vida e nosso desejo adicional de exportação para a pesca excedente (l Fig. 1.21).
de conhecer as nossas redondezas. Para muitos de nós, esta Contudo, devido a princípios ecológicos básicos terem sido
curiosidade sobre a Natureza e os desafios de assumir uma ignorados, a introdução terminou por destruir a maior parte
abordagem científica para o seu estudo são razões suficientes. da pese a tradicional do lago. Até a introdução da perca do Nilo,
Além disso, contudo, uma compreensão da Natureza está se o Lago Vitória sustentava uma pesca permanente de uma va-
tornando cada vez mais urgente à medida que a crescente riedade de peixes locais, a maioria deles pertencentes à famí-
população humana estressa a capacidade dos sistemas natu- lia Cichlidae, que se alimentava primordialmente de detritos,
rais de manter sua estrutura e funcionamento. Os ambientes plantas e pequenos animais. As percas do Nilo são muito gran-
que as atividades humanas dominaram ou produziram - in- des e comem grandes quantidades de outros peixes: os peque-
cluindo nossos espaços de vida urbanos e suburbanos, nossas nos cidídeos, por exemplo. Contudo, devido à energia ser per-
terras cultivadas, nossas áreas de recreação, nossas plantações dida em cada passo na cadeia alimentar, peixes predadores não
de árvore e áreas de pesca - são também sistemas ecológicos. O podem ser pescados numa taxa tão alta quanto as suas presas.
bem-estar da humanidade depende de manter o funcionamento Além disso, a perca era alienígena para .o Lago Vitória, e os
destes sistemas, sejam eles naturais ou artificiais. Virtualmente ciclídeos locais não tinham comportamentos inatos que os
toda a superfície da Terra é, ou em breve será, fortemente in- ajudassem a escapar da predação. Inevitavelmente, a perca
fluenciada pelas pessoas, senão completamente postas sob seu aniquilou as populações de ciclídeos, levando muitas espécies
controle. Até este momento, os humanos já usurpam mais de únicas à extinção, destruindo a pesca nativa e reduzindo se-
40°/o da produtividade biológica da biosfera. Não podemos as- veramente seu próprio suprimento de comida. Conseqúente-
sumir esta responsabilidade de forma negligente. mente, os hábitos vorazes da perca entre as presas sem defesa
A população humana recentemente ultrapassou a marca dos trouxeram a sua própria derrocada como uma espécie de pei-
6 bilhões, e consome energia e recursos, e produz rejeitos, muito xe explorável e mudaram completamente o ecossistema do
além das necessidades ditadas pelo metabolismo biológico. Isto Lago Vitória. A introdução da perca do Nilo teve consequên-
causou dois problemas relacionados de dimensões globais. O cias secundárias para os ecossistemas terrestres no entorno do
primeiro é o impacto da atividade humana nos sistemas na- lago também. A carne da perca é oleosa e deve ser preservada
turais, incluindo a interrupção de processos ecológicos e a pela defumação em vez de secagem ao Sol, e assim as florestas
exterminação de espécies. O segundo é a constante deteriora- locais foram cortadas rapidamente para fazer fogo.

l Fig. 1.21 A introdução de uma nova espécie em um ecossistema pode ter efeitos drásticos. A perca do Nilo foi introduzida no Lago Vitória na
década de 1950 para aumentar a pesca local, mas levou muitos peixes nativos endémicos à extinção e mudou completamente o ecossistema do lago.
Cortesia de Tim BailyA~he African Angler e ]oe Bucher Tackle Company.
18

Para ser mais preciso, a pesca nativa já estava próxima da Ironicamente, as lontras se beneficiaram de um empreen-
sobreexploração, em consequência de um aumento da popu- dimento marinho comercial diferente, a coleta de kdps, que são
lação humana locai e do uso de tecnologias avançadas não grandes algas do mar usadas para fazer fertilizante. As kdps
tradicionais de pesca. Contudo, uma solução apropriada para crescem em águas rasas em áreas chamadas de florestas de kdp,
estes problemas teria sido o melhor manejo dos ciciídeos e o que proporcionam refúgio e áreas de alimentação para larvas
desenvolvimento de fontes de alimentação diferentes de pei- de peixes d Fig. 1.23). As kdps são também comidas por ouri-
xe, não a introdução de um predador eficiente sobre estes. cos-do-mar, que, quando abundantes, podem limpar uma área.
A lontra-do-mar é o principal predador do ouriço-do-mar.
Quando a população de lontras em crescimento se espalhou
A lontra-do-mar da Califórnia para novas áreas, as populações de ouriços foram controla-
Meio mundo distante do Lago Vitória, os esforços para salvar das, permitindo às florestas de kdp se recuperarem.
a lontra-do-mar ao longo da costa da Califórnia ilustram a Em outras partes, onde outros fatores estão em funciona-
intricada mistura da Ecologia e outras questões humanas (l Fig. mento, a população cie lontras é dedinante. Num relatório
1.22). A lontra-do-mar já foi amplamente distribuída em tor- publicado cm 1998 no periódico Sáence, J. A. Estes c seus cole-
no da faixa do Pacífico Norte do Japão até a Baja Califórnia. gas da Universidade da Califórnia em Santa Cruz mostraram
Nos anos de 1700 e 1800, uma caça intensa por pele de lontra que as populações de lontras na vizinhança das Ilhas Alentas,
reduziu a população quase à extinção. Previsivelmente, a in- Alasca, declinaram precipitadamente durante os anos 1990. A
dústria de peles entrou em colapso à medida que ela razão? Baleias assassinas, que anteriormente não atacavam
sobreexplorou sua base económica. Uma proteção subsequente lontras, têm se aproximado da costa e eliminado grande nú-
capacitou a população da lontra-do-mar do Califórnia a au- mero de lontras. Um resultado previsível da mudança na po-
mentar para vários milhares de indivíduos na década de 1990, pulação de lontras foi um aumento dramático nos ouriços e
bem acima do nível de risco. O sucesso da lontra-do-mar, ora, na dizimação de kdps nas áreas afetadas. Por que as baleias
irritou alguns pescadores da Califórnia, que reclamaram que assassinas mudaram seus comportamentos predatórios recen-
as lontras - cuja pesca não requer licenças comerciais - dras- temente? Estes aponta que as populações das principais pre-
ticamente reduziram os estoques de valiosos moluscos, ouri- sas - focas e leões-marinhos - das baleias assassinas entraram
ços-do-mar e lagostas. O problema deteriorou ao equivalente em colapso durante o mesmo período, talvez induzindo as
marinho de uma guerra territorial entre a indústria pesqueira baleias a procurar por fontes de alimento alternativos. Por que
e os conservacionistas, com a lontra apanhada na linha de fogo, as focas e os leões marinhos declinaram? Pode-se somente
frequentemente fatal. especular neste ponto. Contudo, a pesca humana intensa re-

Peixe Marisco comrn i.iis Ouriços-do- Protege


(abalone, lagostas) mar

Nu t n

l Fig. 1.22 As atividades humanas têm efeitos complexos nos ecossistemas. Ali u:is componentes do ecossistema kelp-our\co-lontra são alterados
quando os humanos reduzem as populações de lontras por caça. Segundo J. A. Estes et ai., Science 282: 473-476 (1998).
Muitos países desenvolvidos, incluindo os Estados Unidos e a
maioria fias nações europeias, fizeram grandes avanços na lim-
peza de seus rios, dos seus lagos e de sua atmosfera. Os peixes
estão novamente migrando para a maioria dos grandes rios
da América do Norte e da Europa para se reproduzirem. A
chuva ácida diminuiu graças às mudanças na queima de com-
bustíveis fósseis. A liberação de clorofluorcarbonos (CFC), que
danificam a camada de ozônio que protege a superfície da Terra
da radiarão ultravioleta, diminuiu dramaticamente. A possi-
bilidade do aquecimento global causado pelo aumento do
dióxido de carbono atmosférico desencadeou um esforço de
pesquisa internacional e provocou uma preocupação global.
Os esforços de conservação, incluindo a reprodução em cati-
veiro de espécies ameaçadas, salvaram alguns animais, tais
como o condor da Califórnia, da extinção certa. Eles também
aumentaram a preocupação, pública com as questões ambi-
entais e algumas vezes provocaram controvérsias. Contudo,
sem uma preocupação e compreensão públicas, a ação políti-
l Fig. 1.23 A integridade do habitat de floresta de kelp depende da ca é impossível.
presença de lontras marinhas. A floresta de kelp provê área de i1 Particularmente encorajador é o nível de crescimento cia
alimentação e refúgio para muitas espécies de peixes e invertebrados. As cooperação internacional exemplificada em organizações como
lontras marinhas comem ouriços que de outra forma destruiriam as kelps
a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN),
jovens. Foto de E. Hanauer, cortesia de Paul Dayton.
a International Union for the Conservation of Nature (IUCN) e
o Fundo Mundial para a Vida Selvagem (World Wildlife Fund,
WWF). Além disso, as nações do mundo fizeram diversos acor-
duziu os estoques de peixes explorados pelas focas a níveis dos importantes para a proteção da vida selvagem e da Natu-
baixos o suficiente para afetar seriamente suas populações. reza. Um desses acordos é a Convenção sobre Comércio Inter-
nacional de Espécies Ameaçadas (CITES), que torna ilegal o
Os impactos humanos no mundo transporte de espécies ameaçadas ou de seus subprodutos (pe-
les, penas e marfim, por exemplo) através das fronteiras inter-
natural têm se tornado nacionais, afastando caçadores ilegais dos mercados. Um se-
crescentemente um foco da Ecologia gundo acordo importante é a Convenção do Rio sobre Biodi-
versidade, que reconhece os interesses proprietários dos paí-
Embora a situação de espécies ameaçadas nos toque emocio- ses em suas heranças biológicas e garante taxas e rofíiífics para
nalmente, os ecólogos progressivamente percebem que o único a exploração de plantas e animais locais para usos tais como
meio efetivo de preservar e usar os recursos naturais é através produtos farmacêuticos.
da conservação de sistemas ecológicos inteiros e do manejo Estes sucessos foram baseados num aumento do conheci-
dos processos ecológicos em ampla escala. Espécies individu- mento científico do mundo natural. Compreender a Ecologia
ais, incluindo aquelas das quais os humanos dependem para não irá por si só resolver nossos problemas ambientais em
alimento e outros produtos, dependem elas próprias da ma- todas as suas dimensões políticas, económicas e sociais. Con-
nutenção dos sistemas ecológicos de suporte. Já vimos como tudo, à medida que enfrentamos a necessidade de um manejo
os predadores como a perca do Nilo e a lontra marinha po- global dos sistemas naturais, o sucesso dependerá da nossa
dem assumir papéis chaves no funcionamento dos sistemas compreensão de sua estrutura e funcionamento - uma com-
naturais, para o bem e para o mal, dependendo das circuns- preensão que depende do conhecimento dos princípios da
tâncias. Pela manipulação das populações destas espécies im- Ecologia.
portantes, os humanos podem mudar a composição das co-
munidades biológicas e influenciar o funcionamento de
ecossistemas inteiros. Quando a nossa interferência nos siste- Resumo
mas ecológicos é localizada e focalizada em somente uma ou
umas poucas espécies, é possível lidar com a situação uma vez
que o problema básico seja compreendido. Infelizmente, muito 1. A Ecologia é o estudo científico do ambiente natural e
da nossa influência no ambiente resulta de impactos múlti- das relações dos organismos uns com os outros e com as suas
plos, amplos, difíceis para os cientistas caracterizarem e para redondezas.
os órgãos reguladores e legisladores controlarem. Por esta ra- 2. O organismo, a população, a comunidade, o ecossistema
zão, uma compreensão científica clara dos problemas ambi- e a biosfera representam níveis de organização de estrutura e
entais é um pré-requisito necessário para a ação. funcionamento ecológicos. Eles formam uma hierarquia de
Os jornais diários estão cheios de problemas ambientais: o entidades progressivamente mais complexas.
desaparecimento de florestas tropicais, o buraco do ozônio, o
esgotamento do estoque de peixes, o aquecimento global. As
guerras criaram catástrofes ambientais comoventes assim como *As "samambaias-espada" têm sido uma parte importante da vegetação da Ter-
tragédias humanas. Mas há também histórias de sucesso. ra por milhões de anos.
20 INTRODUÇÃO

3. Os ecólogos usam diversas abordagens diferentes para PRATICANDO ECOLOGIA —


estudar a Natureza, focalizando nas interações dos organismos
com seus ambientes, as consequentes transformações de ener- TESTE SEU CONHECIMENTO

gia e elementos químicos em ecossistemas e a biosfera, a di- Quem, Como c Por que
nâmica de populações individuais e as interações de popula-
ções dentro de comunidades ecológicas. Quem pratica Ecologia? Naturalmente, a res-
posta simples é os ecólogos. Os ecólogos são
4. Diferentes espécies de organismos representam diferen- pessoas que usam métodos científicos para
tes papéis no funcionamento do ecossistemas. As plantas e as aprender como os organismos interagem com os
algas fixam a energia solar; os animais e os protozoários con- seus ambientes. A informação que os ecólogos coletam enquanto
somem formas biológicas de energia. Os fungos são capazes praticam Ecologia é importante para compreender como os siste-
de penetrar no solo e no material vegetal morto, e assim re- mas naturais funcionam — e falham em funcionar — sob vários
presentam um papel importante na decomposição de matéri- estresses. As atividades humanas estão progressivamente amea-
as biológicas e na regeneração de nutrientes no ecossistema. çando a capacidade de nosso planeta em sustentar a vida, e os
As bactérias são especialistas bioquímicas, capazes de execu- ecólogos estão à frente da pesquisa com a intenção de compre-
tar transformações tais como a assimilação biológica de nitro- ender o que significam estas ameaças para o futuro da vida na
génio e o uso de sulfeto de hidrogénio como uma fonte de Terra.
energia, ambos componentes essenciais do funcionamento dos Como você pratica Ecologia? Praticar Ecologia requer uma
ecossistemas. capacidade para reconhecer padrões e processos na Natureza e
5. Um habitat de um indivíduo é o lugar no qual aquele uma capacidade para projetar e executar experimentos (frequen-
indivíduo vive. O conceito de habitat acentua a estrutura do temente em locais remotos sob condições adversas). Praticar Eco-
ambiente. O nicho de um indivíduo é as faixas de condições logia também significa treinar jovens estudantes para se tornarem
que ele pode tolerar e as formas de vida que ele pode assumir ecólogos no futuro. E isso requer a comunicação dos resultados
- isto é, seu papel funcional no sistema natural. para outros cientistas que trabalham em problemas semelhantes.
Progressivamente, os ecólogos descobrem que praticar Ecologia
6. Os processos e estruturas ecológicas têm escalas ca-
também significa comunicar as consequências de seus resultados
racterísticas de tempo e espaço. Em geral, as escalas de pa-
para a mídia e para as personalidades eleitas. Ao longo de todo
drões e processos no tempo e no espaço estão correlaciona-
este livro, "Praticando Ecologia" examinará o como, o quê e o
das.
porquê das pesquisas que os ecólogos estão conduzindo no início
7. A variedade e complexidade dos sistemas ecológicos são de um novo milénio.
compreensíveis em termos de um pequeno número de prin- Por que alguém se torna um ecólogo? Se você conduzisse uma
cípios ecológicos básicos. Entre estes está a ideia de que os sis- pesquisa, as razões provavelmente variariam amplamente. Alguns
temas ecológicos são entidades físicas e funcionam dentro de ecólogos provavelmente têm seus interesses despertados, quan-
restrições físicas e químicas que governam as transformações do crianças, durante uma viagem de acampamento anual famili-
de energia. Além disso, todos os sistemas ecológicos trocam ar. Outros podem ter sido inspirados pelo encontro com um bió-
matéria e energia com a sua vizinhança. Quando as entradas logo de campo, ou foram influenciados por um professor na fa-
e saídas estão equilibradas, diz-se que o sistema está num es- culdade. Muitos diriam que eles foram motivados a estudar Eco-
tado estacionário dinâmico. logia pela leitura de Primavera Silenciosa de Rachel Carson ou al-
8. Todos os sistemas ecológicos estão sujeitos à mudança gum outro livro com uma mensagem poderosa relacionando Eco-
evolutiva, que resulta da sobrevivência e reprodução diferen- logia com os problemas e soluções ambientais.
ciada, dentro das populações, de indivíduos que exploram
determinados atributos geneticamente diferentes. Como con- TESTE SEU CONHECIMENTO
sequência da seleção natural, os organismos apresentam adap-
tações de estrutura e funcionamento que os ajustam às condi- 1 . Pesquise os ecólogos em suas faculdades ou universidades e
ções de seus ambientes. numa estação biológica de campo. Você pode considerar procurá-
los através de suas páginas na internet. Onde seus professores fi-
9. Os ecólogos empregam diversas técnicas de estudo dos zeram faculdade e pós-graduação? Se você contatá-los pessoal-
sistemas naturais. As mais importantes destas são a observa- mente, poderia perguntar-lhes que observação, ou livro ou pes-
ção, o desenvolvimento de hipóteses para explicar as obser- soa inspiradora os motivaram a praticar Ecologia.
vações e o teste das hipóteses para confirmar as previsões que
elas geram. Os experimentos são uma ferramenta importante
MAIS ^' ^ Para ^rac^cmS Ecology ("Praticando Ecologia")
no teste das hipóteses. Quando os sistemas naturais não se na internet através do sítio do livro
prestam eles mesmos à experimentação, os ecólogos podem REDE 77je Economy ofNature ("A Economia da Natureza"),
trabalhar com o microcosmos ou modelos matemáticos de sis- em http://www.whfreeman.com/ricklefs, e leia acer-
temas. ca de como e por que o autor do texto e os autores de seu suple-
10. Os humanos representam um papel dominante no fun- mento se tornaram ecólogos.
cionamento da biosfera, e as atividades humanas criaram uma
crise ambiental de proporções globais. Resolver nossos pro-
blemas ambientais agudos exigirá a aplicação inteligente de
*Os ícones "Mais na Rede" aparecem em todo esse texto. Estes ícones indicam
princípios gerais de Ecologia dentro das esferas de ação polí- que o sítio da internet do livro, IVMV. whfreeman.com/ricldefs, contém detalhes adi-
tica, económica e social. cionais sobre este tópico.
INTRODUÇÃO 21
.

Como a sociedade se beneficia do estudo da Ecologia? Como no- Estes. ; A., M. T. Tmker, T. M. Williams, and D. F. Doak. 1998. Killer
tamos, os humanos são uma parte do ecossistema da Terra, e nossas \\ÍLiie predation on sea otters linking oceanic and nearshore sys-
atividades estão assumindo um crescente valor na diversidade da tems. Science 282:473-476.
Franktin, ). F, C. S. Bledsoe, and |. T. Callahan. 1990. Contributions of
vida na Terra. Esta diversidade forma a base dos sistemas de su-
the long term ecological research program. BioSaence 40:509-523.
porte de vida do planeta Terra. Portanto, é incumbência que re- Goldst hmidt, T., F. Witte, and |. Wanink. 1993. Cascading effects of
cai sobre os humanos compreender os efeitos que eles têm sobre the introduced Nile perch on the detritivorous. phytoplanktivo-
os ecossistemas através do crescimento populacional, poluição, rous species in the sublittoral áreas of Lake Victoria. Conservation
habitat, destruição e introdução de espécies invasoras (entre ou- Biology 7:686-700.
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REDE sobre aquecimento global e seu impacto na saúde (htide to the Phyla of Life on Earth, 3d ed. W. H. Freeman, New
humana. Em seguida leia os artigos seguintes de três York.
novas fontes sobre o mesmo assunto. Como os novos artigos dife- Marquis, R. (., and C. Whelan. 1994. Insectivorous birds increase
rem na cobertura e nos detalhes? Os jornalistas analisam o que grc.vvth of white oak through consumption of leaf-chewing in-
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