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Resumo: O artigo parte da constatação de que o cristianismo pagou um preço muito alto
por não compreender as decisões dogmáticas do Concílio de Calcedônia. A Igreja deve-
ria ter reformulado o dogma ali definido, com novas categorias mais aptas de pensamento,
de tal modo que sua verdade resplandecesse melhor e de modo mais pleno. O propósi-
to desta reflexão é, pois, oferecer sugestões que extrapolem categorias, a partir de dados
científicos (verificados) e dados bíblicos ou teológicos que conduzam a essa reformulação.
Palavras-chaves: encarnação – conceito de Deus – dogma – Calcedônia
Ninguém duvidará de que, para os cristãos, seja Assim se passaram esses mil anos, em que se es-
uma questão central e decisiva o modo como devem creveu e se recopilou a primeira parte da Bíblia cristã
conceber a (seu) Deus. É claro, também, que os cris- (que é também o “todo” da Bíblia judaica): o cha-
tãos não inventam uma nova maneira de aproximar- mado Antigo Testamento. Dele diz a Dei Verbum, do
se desse conhecimento. A prova mais clara disto é Vaticano II (sobre a revelação de Deus): “Esses livros
que depositam sua fé no conteúdo revelatório de uns (que nele se encontram), embora contenham algu-
livros escritos durante um milênio e colecionados mas coisas imperfeitas e transitórias, demonstram, no
nesse único livro que traz hoje o nome de Bíblia (= entanto, a verdadeira pedagogia divina” (DV 15). É
livros, em plural). Ali têm a “palavra de Deus” sobre que o erro ou a imaturidade, corrigidos frente à ex-
o próprio Deus. Ou, em outros termos, a auto-reve- periência, contribuem para que a verdade cale mais
lação de Deus. fundo na existência do homem. Só pode ser devido
O leitor talvez pense que é estranho o fato de a isto o fato de que o magistério da Igreja admita que
Deus necessitar de um milhar de anos e um milhar haja coisas no Antigo Testamento que, com o tem-
de páginas para fazer-nos saber o que é. Mas, se as- po, perdem sua verdade: “transitórias”; ou que são
sim pensasse, confundiria uma informação com um meias-verdades: “imperfeitas”. No entanto, não se
processo educativo. Isto é, com um progresso que compreendeu ainda a relação que têm o imperfeito e
não se reduz a somar e acumular informação veraz. o transitório com a “pedagogia” (divina ou humana,
Pelo contrário, descobrir Deus passa por um proces- pois de ambas se trata). Daí que, até certo ponto, o
so, onde o homem tem que aprender a pensar e a Concílio apague com o cotovelo o que escreveu com
investigar, submetendo o que crê saber à experiência a mão, ao indicar — embora seja apenas por alusão
da vida. Desta maneira, o processo de encontrar a — que essas coisas imperfeitas e transitórias se devem
verdade sobre Deus teve etapas simplistas e infantis, “à condição do gênero humano antes dos tempos da
para compreender — depois, através de crises, nas salvação” (ib.), isto é, antes de Cristo.
quais as supostas soluções encontradas manifestavam Será que isto quer dizer que a pedagogia divina,
sua impotência para desafiar a realidade — que era com suas crises, já não toca essa “palavra de Deus”
necessário buscar soluções mais profundas, ricas e que contém nos livros do Novo Testamento? Como
maduras.1 Deus se ia revelando, na medida — para- atua, então, quando Deus inspira os autores dessa eta-
lela — em que o homem se ia conhecendo e conhe- pa bíblica, que tem apenas cinqüenta anos? De fato,
cendo o mundo e os acontecimentos entre os quais esse Testamento “novo” contém obras que vão do pri-
lhe tocava existir.2 meiro documento cristão (provavelmente, a primeira