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Francisco M.

Salzano

Doutor em Ciências, Professor Titular, Departamento de Genética, Instituto de Biociências, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS

As características biológicas de nosso meio ambiente são brevemente


descritas, bem como as posições éticas que procuram relacionar o Homo sapiens
com nossos companheiros do universo. A seguir, faz-se uma revisão da legislação brasíleira de
proteção ao meio ambiente. Após um breve histórico sobre o desenvolvimento da genética ao longo do
século, são identificadas três áreas de contato entre esta ciência e problemas vinculados ao meio ambiente.
Estas áreas estão relacionadas com projetos de conservação, de monitoramento da poluição e de aplicações
tecnológicas. São indicadas as medidas cautelares estabelecidas pelos países desenvolvidos com relação
à liberação, no ambiente, de organismos modificados por meio da engenharia genética, e
mencionadas tentativas atualmente em curso, no Brasíl e em outros países, visando
harmonizar desenuolvimento com conservação.

UNITERMOS - Genética, ética ambiental, biotecnologia

Um patrimônio a preservar

Quanto vale um metro cúbico de ar, ou de água, ou de biodiversidade? Esta foi a pergunta feita recentemente por
conhecido pasquisador brasíleiro (1). Evidentemente, é impossível estabelecer-se um valor exato. Entretanto,
adiciona ele, enquanto o preço de um grama de ouro está calculado em cerca de 12 dólares, o de um grama de
clorofila bruta é de 700 dólares, e o de clorofila purificada é de aproximadamente 20 mil dólares. Já o preço do beta
e do alfa-caroteno varia entre 3 mil e 6 mil dólares.

Consideremos, de maneira específica, a biodiversidade (2). Calcula-se que, até o presente, tenham sido descritas
cerca de 1,4 milhão de espécies de plantas, animais e microrganismos. A diversidade terrestre e dos habitats de
água doce é maior do que a marinha. Os elementos mais numerosos são as plantas com flores (220 mil espécies) e
seus parceiros coevolucionários, os insetos (750 mil espécies). Mas a diversidade conhecida é apenas uma fração
da diversidade total. É possível que o número total de espécies do planeta situe-se em cerca de 100 milhões.

Certos grupos taxonômicos apresentam hiperdiversidade, e o mesmo é verdadeiro com relação a certos habitais e
áreas geográficas. Por exemplo, no Peru, em um único hectare foram encontradas 300 espécies de árvores,
enquanto em toda a América do Norte só foram descritas 700 dessas espécies (2).

Em todo o mundo, o Brasíl ocupa a primeira posição com relação ao número total de espécies. Dos 1,4 milhões de
organismos já mencionados, 10% vivem em território brasíleiro. A extensão das florestas tropicais brasíleiras é de
longe a maior do planeta: são mais de 3,57 milhões de km2, representando 30% das florestas tropicais existentes
(3). No país da megadiversidade, é natural que deva haver uma preocupação marcante com relação à preservação
desta variabilidade.

Assim mesmo, pode-se perguntar por que devemos nos preocupar com a manutenção dessa diversidade? Ehrlich e
Wilson (2) enumeram pelo menos três razões básicas. A primeira é ética e estética.. Como o Homo sapiens é a
espécie dominante na terra, temos a responsabilidade moral de proteger os nossos companheiros do universo. É
notório, também, que a observação e a convivência com os mesmos geram sentimentos estéticos e gratificantes..

A segunda razão é que a partir dessa diversidade a humanidade já obteve enormes beneficios econômicos na forma
de alimentos, remédios e produtos industriais, e potencialmente pode ganhar ainda muito mais. Assim, apenas uma
porção minúscula das espécies vegetais foi investigada quanto ao seu valor farmacêutico; e embora tenhamos
usado cerca de sete mil espécies como alimento, pelo menos um número diversas vezes maior de espécies
apresenta partes comestíveis.

Por último, há toda uma gama de serviços que são prestados pelos ecossistemas naturais, os quais envolvem a
estabilidade de climas, águas, solos e nutrientes. Nesse caso, a biodiversidade fornece um papel crítico numa
escala tão grande - e a interação entre as diversas formas de vida é tão intrincada -que não é possível
estabelecer-se a dispensabilidade mesmo dos organismos mais simples.

Ética e meio ambiente


Como se explica que possamos alimentar um astronauta no espaço e confeccionar instrumentos de morte
caríssimos, mas sejamos incapazes de dar de comer e de vacinar crianças do Nordeste brasileiro ou da periferia
das grandes cidades? A resposta a esta pergunta é que, apesar de nossa competência em ciência e tecnologia,
padecemos de uma trágica incompetência tanto em ética como em política. E se somos incompetentes em ética,
talvez a pior contaminação ambiental seja, então, a de índole mental (4).

A história da relação entre oHomo sapiens e a natureza é tão antiga quanto nossa própria espécie, e tem sido
naturalmente muito influenciada pelo desenvolvimento de um atributo essencialmente humano: a cultura.
Evidentemente, a ação do homem sobre o meio ambiente era muito menos destruidora quando o meio de
subsistência baseava-se na caça e na recoleta do que nos estágios posteriores, com o desenvolvimento da
agricultura em larga escala e a posterior industrialização. A influência da religião não deve também ser
menosprezada. White (5), por exemplo, descreveu o cristianismo, em sua forma ocidental, como ''a religião mais
antropocêntrica que o mundo já viu". Thomas (6), por sua vez, fornece uma excelente revisão das mudanças de
atitude dos homens com relação às plantas e animais, ocorridas na Inglaterra entre os anos 1500 e 1800, que, no
entanto, podem ser extrapoladas para outros países.

Leis (7) contextualiza a ética ecológica em um quadro de quatro entradas, definidas pelas relações dos seres
humanos tanto com a sociedade como com a natureza. Em ambos os casos, os princípios de inclusão e exclusão
definiriam duas posições polares: antropocentrismo/biocentrismo (nas relações homem-sociedade) e
comunitarismo/individualismo (nas relações homem-natureza). Combinando esses dois tipos de relações feríamos
as seguintes tendências: a) antropocentrismo/individualismo: alfa; b) antropocentrismo/comunitarismo: beta; c)
biocentrismo/comunitarismo: delta; d) biocentrismo/ individualismo: gama.

A posição alfa tem raízes éticas históricas (John Locke, por exemplo). Em alguns aspectos ela tem conseguido
evitar muitos sofrimentos aos seres humanos, através do reconhecimento dos direitos individuais. Por outro lado,
com a prosperidade econômica, foram desenvolvidos em nome do progresso comportamentos desapiedados.
Segundo Shrader-Frechette (4), a descrição que Oscar Wilde fez dos cínicos também se aplica aos individualistas
tecnocratas: são pessoas que sabem o preço de tudo e o valor de nada.

A tendência beta, embora mantendo uma orientação antropocêntrica, prefere a cooperação à competição dentro da
sociedade. Essa visão mais comunitária recebe às vezes o nome de ecologia social. A ênfase, nesse caso, situa-se
na harmonização das relações sociais, pois só por meio dela poderia ser alcançada uma boa interação homem-
natureza.

A vertente deita preconiza fraternidade e igualdade de aplicação tanto na sociedade como na natureza. Leis (7)
relaciona-a com uma cosmovisão pré-moderna, pela sua reivindicação do caráter sagrado de todos e cada um dos
seres deste mundo.

Finalmente, a tendência gama maximiza o bem-estar ambiental, mesmo em oposição ao bem-estar humano.
Seríamos apenas uma espécie a mais, caracterizada por extrema insensibilidade e ignorância com relação ao meio
ambiente. Nesse sentido, são rechaçados o hiperconsumismo, os valores econômicos neoclássicos e o
individualismo tecnocráfico. O perigo dessa posição seria a adesão à chamada "ética do bote salva-vidas". Segundo
Garrett Hardin,ospaisesdesenvolvidos seriam como botes salva-vidas abarrotados, e os subdesenvolvidos
semelhantes a grupos de pessoas que estão se afogando. Os ocupantes dos botes não deveriam ajudar os que se
esforçam a subir a bordo, porque isto faria com que as embarcações soçobrassem. Condusão: o problema
ambiental teria prioridade sobre os dos países pobres. O mesmo autor (8) argumenta que o problema populacional
não é técnico, e que deve ser estabelecido algum tipo de coerção para resolvê-lo.

Qual das posições seria a mais correta? Schrader-Frechette (4) sugere que a saída do dilema deveria ocorrer por
meio de uma ordem ética de prioridades, na seguinte seqüência: 1. Obrigação de reconhecer os direitos humanos
importantes; 2. Obrigação de proteger os interesses ambientais; 3. Obrigação de reconhecer os direitos humanos
secundários. A verdade, no entanto, é que todos os direitos humanos básicos pressupõem um meio ambiente
saudável. O que se deve fazer é separar as noções de necessidade, melhoria e luxo. Seria eticamente incorreto
consumir artigos de luxo, se ao mesmo tempo não se faz nada para ajudar os outros a satisfazerem suas
necessidades básicas.

Legislação brasíleira protetora

Há abundante legislação brasíleira protetora do meio ambiente. Machado (9) revisou e comentou sua totalidade até
1982 e, mais recentemente, examinou a relativa à proteção às águas (10).

A Constituição de 1988 tem um capítulo especial sobre o meio ambiente, constituído pelo artigo 225. O parágrafo
1°, inciso II deste artigo específica que incumbe ao Poder Público "preservar a diversidade e a integridade do
patrimônio genético do País e fiscalizar as atividades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético"; e
o inciso V, que cabe ao mesmo Poder Público "controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente". Outros
documentos legais que devem ser mencionados são: (a) o Decreto Legislativo n°.2, de 3 de fevereiro de 1994, que
aprova a Convenção sobre diversidade Biológica, assinada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro no período de 5 a 14 de junho de 1992; (b) a Lei n°.
8.974, de 5 de novembro de 1995, que regulamenta os incisos II e V do parágrafo 1°. do artigo 225 da Constituição
Federal; (c) o Decreto n°.152, que regulamenta a Lei n°.8.974 e estabelece a estrutura da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança; e (d) a Lei n°. 9.279, de 14 de maio de 1996, intitulada Lei de Patentes.

Além disso, encontra-se em discussão, no Senado, um projeto de lei que dispõe sobre os instrumentos de controle
do acesso aos recursos genéticos do pais e dá outras providências, de autoria da senadora Marina Silva; e, na
Câmara dos Deputados, outro projeto de lei sobre a utilização científica de animais, do deputado Sérgio Arouca.
Esse último talvez venha a receber um substitutivo, elaborado por representantes de várias sociedades científicas,
e que seria encaminhado pela deputada Vanessa Felippe.

O Brasíl tem 104 áreas territoriais protegidas por legislação federal, o que representa cerca de 2% de sua
extensão total. São 28 parques nacionais, 15 reservas biológicas,35 estações ecológicas,15 florestas nacionais e
11 áreas de proteção ambiental, totalizando 16.996.315 hectares. A esse sistema podem ser adicionadas, pelo
menos, 210 unidades de conservação estaduais, a maioria situada nas regiões Sul e Sudeste. Note-se que outros
países que também têm alta biodiversidade apresentam maior proporção de áreas protegidas (como o Equador,
por exemplo, com 38,4% de seu território; ou a Indonésia, com 7,5%) (3).

O problema que existe com relação às áreas de preservação ambiental brasíleiras é o da fiscalização insuficiente.
O número de fiscais do Instituto Brasíleiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) está muito
aquém do necessário. A superintendência do IBAMA no Amazonas, por exemplo, tem apenas 54 funcionários, a
maioria dos quais não está diretamente envolvida em tarefas de fiscalização. Mesmo que todos se dedicassem
exclusivamente a essa tarefa, ter-se-ia não mais do que um fiscal para cada três milhões de hectares! (3).

A revolução genética

O nosso século será lembrado por muitos eventos políticos e históricos, tais como o surgimento e queda dos países
comunistas, os campos de concentração nazistas e o holocausto, o fim dos impérios coloniais e a independência de
muitas nações. Porém, o que talvez melhor irá caracterizá-lo será o significativo desenvolvimento da ciência e da
tecnologia. Mais especificamente, existe uma área da biologia, a genética, que surgiu exatamente no início do
século - com a redescoberta das leis de Mendel (Johann Gregor Mendel, 1822-1884)- e que, ao longo dos anos,
iria influenciar praticamente todos os ramos da biologia e penetrar no dia-a-dia de todos nós.

A primeira terça parte do século correspondeu ao período mendeliano-morganiano (Thomas Hunt Morgan,
1866-1945) e envolveu, principalmente, a busca de mutações em uma grande variedade de animais e plantas, e o
estudo de sua herança. Na verdade, a palavra gene, para indicar a unidade da hereditariedade biológica, foi criada
em 1909. Seguiram-se pesquisas sobre a localização dos genes, e o primeiro mapa genético foi publicado em
1913.

A partir da década de 30, houve uma ampliação dessas investigações para o nível bioquímico, e a extensão da
análise genética a microrganismos. O ano de 1944 foi marcado pela demonstração, efetuada por Avery, MacLeod e
McCarty, que o material genético era o DNA (ácido desoxirribonucléico), e em 1956 a estrutura dessa molécula foi
esclarecida por Watson e Crick.

Os anos que se seguiram têm sido de progresso vertiginoso. Demonstrou-se como circuitos regulatórios modulam a
expressão gênica; identificou-se o produto primário do gene, o RNA; elucidou-se o código genético; realizou-se a
síntese química do gene; houve o fantástico desenvolvimento da tecnologia do DNA recombinante, que transformou
completamente as possibilidades de análise genética de organismos multicelulares; foi realizada a montagem de
organismos transgênicos (com a transposição experimental de genes de uma espécie para outra, distantemente
relacionada); foram descobertos os oncogenes (responsáveis pelo desencadeamento do processo tumoral) e os
antioncogenes; houve a invasão da medicina e da agricultura por métodos e conceitos genéticos; testemunhou-se o
desenvolvimento da biotecnologia; e, finalmente, foi montado o projeto de sequenciamento total de vários genomas,
inclusive o da espécie humana (11). Outros detalhes sobre a revolução genética podem ser encontrados em
Bernardi (12) e Chambers (13).

Genética e meio ambiente

Um resumo sobre as relações entre a genética e o meio ambiente é fornecido na Tabela 1. Pode-se visualizar três
áreas de contato: conservação, monitoramento da poluição e aplicações tecnológicas.
Tabela 1 - Relações entre a genética e problemas vinculados ao meio ambiente

1. Área de contato: Conservação (14)


1.1 Nível de variabilidade intra e interespecífica
1.2. Tamanho populacional mínimo efetivo
1.3. Taxa máxima de evolução sustentável
1.4. Efeito das reduções populacionais
1.5. Genes delatórios na população ancestral
1.6. Novas mutações deletérios na população isolada
1.7. Taxas de mutação elevadas
1.8. Aumento populacional a partir de indivíduos manados em cativeiro
2. Área de contato: Monitoramento da poluição (15,16)
2.1. Ambientes a serem monitorados
2.1.1. Ar
2.1.2. Água
2.1.3. Solo
2.2. Tipos de agentes indutores
2.2.1. Radiações
2.2.2. Substâncias químicas
2.3. Métodos de detecção
2.3.1. Organismos
2.3.1.1. Humanos
2.3.1.2. Outros
2.3.1.3. Microrganisrnos
2.3.2. Cultura de células
2.4. Indicadores
2.4.1. Mutações gênicas
2.4.2. Aberrações cromossômicas
3. Área de contato: Aplicações tecnológicas (17,18)
3.1. Fermentações
3.2. Cultura de tecidos
3.3. Produtos (nas áreas de química inorgânica e orgânica, de energia, mineração, agricultura, de alimentos,
de uso médico/veterinário/fermacêutico, forense, e nos serviços de saúde pública)

Atualmente, não há dúvidas de que o conhecimento genético adequado de um organismo é muito importante para
sua preservação. Na Tabela 1 estão indicados oito itens relacionados a essa interação. A palavra-chave, com
relação a todos eles, é variabilidade. Deve-se ter uma idéia muito clara sobre a natureza da mesma na espécie ou
grupo de espécies sob consideração, tanto na que ocorre dentro como entre populações. Além disso, são
importantes informações sobre o tamanho populacional e sua variação entre gerações. Reduções no número de
indivíduos pode condicionar diminuição na variabilidade (com concomitante perda da plasticidade adaptativa -
capacidade de resistir a predadores e parasítas) ou até extinção. Por outro lado, o simples aumento artificial da
população, pela adição de indivíduos criados em cativeiro, muitas vezes não basta, eis que tais indivíduos não estão
adaptados à vida livre. Mudanças muito drásticas no ambiente podem ter efeitos desastrosos para certas espécies
e taxas de mutação elevadas podem condicionar cargas genéticas insustentáveis (pela demasíada elevação na
freqüência de genes deletérios).

No caso do monitoramento da poluição pode-se considerar questões relativas ao ambiente a ser estudado, os tipos
de agentes indutores, os métodos de detecção e os indicadores a serem avaliados. O enfoque, naturalmente, irá
variar com o ambiente que está sendo objeto de investigação. Por exemplo, no estudo da qualidade da água são
utilizados peixas e planárias, que não podem ser empregados para o monitoramento dos outros ambientes.
Organismos fossorais são importantes no estudo dos solos, mas não no que se refere ao ar. O dano causado pelas
radiações pode ser diferente do induzido por substâncias químicas, e os diferentes métodos de detecção e seus
indicadores têm eficiência variável.

A área das aplicações tecnológicas da genética ampliou-se de maneira fantástica nos últimos anos, não sendo
exagero afirmar-se que nossa existência está sendo marcadamente influenciada por produtos e serviços vinculados,
de alguma maneira, à genética. As aplicações estão presentes na indústria, na agricultura, na produção de
alimentos e nos remédios desenvolvidos para assegurar o bem-estar de humanos e de nossos animais domésticos..
As possibilidades de utilização de microrganismos especialmente modificados por engenharia genética vão desde a
recuperação e lixiviação de minérios até ao controle da poluição (por meio da degradação dos elementos
poluentes).

Medidas cautelares
É óbvio que as técnicas de engenharia genética, por sua capacidade de alterar o patrimônio hereditário de qualquer
organismo, envolvem um risco. Dessa maneira, foram montados nos países desenvolvidos esquemas de segurança
que têm evoluído ao longo dos anos.

As primeiras medidas envolveram o desenvolvimento de normas para evitar que os organismos criados por
engenharia genética fossem liberados acidentalmente no ambiente. Os laboratórios foram classificados de acordo
com o tipo de pesquisa que realizavam, e foram estabelecidas normas rigidas de confinamento. A partir da
montagem de microrganismos incapazes de se desenvolverem em ambiente diferente das condições de laboratório,
no entanto, tais normas foram liberalizadas.

No que se refere à emissão de certificados de aprovação de ensaios clínicos e de produtos farmacêuticos e de


diagnóstico, a maioria dos países do hemisfério norte segue os princípios adotados pela agência americana FDA
(Food and Drug Administration). Esses são liberados levando-se em conta as características do produto e não a
tecnologia de recombinação genética utilizada. As principais exceções são a Alemanha e o Japão, onde esses
processos são considerados.

A partir de meados dos anos 80, a agenda de biossegurança voltou-se para a introdução, no meio ambiente, de
protótipos vegetais e organismos engenheirados de interesse agropecuário. Nesse caso, cada país adotou normas
específicas para o procedimento de testes com plantas transgênicas e de avaliação dos riscos eventuais para o
meio ambiente. Apesar de, desde 1987, já terem sido realizados cerca de mil testes de campo para o estudo de
novas plantas, microrganismos e vacinas animais, ainda não há consenso sobre o que seriam, nesses casos, o
regulamento ou os procedimentos ideais (19).

Os anos 90 se caracterizam pela possibilidade de inicio do cultivo em grande escala e do lançamento, no mercado,
de produtos de plantas transgênicas. Há discussões sobre as medidas que devem ser tomadas a respeito,
exemplificadas com as que se formaram a respeito da liberação da variedade de tomate "Flavr Savr", da Calgene
Inc. (20).

No caso do Brasíl, a Lei n°.8.974, de 5 de janeiro de 1995, restringe as atividades e projetos de ensino e pesquisa,
bem como a aplicação tecnológica de organismos modificados por engenharia genética, a entidades de direito
público e privado. Tais entidades deverão criar comissões internas de biossegurança, que serão fiscalizadas por
uma comissão central, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, (CTN Bio), vinculada à Secretaria Executiva
do Ministério da Ciência e Tecnologia, e cuja constituição foi determinada pelo Decreto n°. 1.752, de 20 de
dezembro de 1995. São 17 membros, dos quais oito são especialistas de notório saber científico e técnico, e os
outros representantes de ministérios, órgãos de defesa do consumidor, do setor empresarial e de entidades de
proteção à saúde do trabalhador.

A lei proibiu: (a) a manipulação genética de células germinais humanas; (b) a intervenção em material genético
humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos tais como o
princípio de autonomia e o de beneficiência, com a aprovação prévia da CTNBio; e (c) a produção, armazenamento
ou manipulacão de embriões humanos destinados a servirem como material biológico disponível.

Proteção ou destruição?

Conhecimento é poder. O espetacular desenvolvimento da ciência e da tecnologia que estamos testemunhando no


presente século tornam mais agudos do que nunca os problemas éticos vinculados à preservação do meio
ambiente. Um dos nossos deveres é 0 de legar às gerações futuras condições iguais ou melhores do que as que
temos agora. Pessoas e entidades vêm trabalhando ativamente para este fim. Por exemplo, periodicamente são
publicadas listas de espécies em perigo de extinção (21,22). Estão em curso, também, muitas tentativas, no Brasíl
e no mundo, de conciliar o desenvolvimento com a conservação (23,24,25). E existe toda uma ciência, a Ecologia
Humana, preocupada com esses problemas (26). Confiemos, portanto, na aptidão humana de escolher o caminho
certo, combinando capacidade científica e tecnológica com maior felicidade para todos.

Abstract - Genetics and Environment

The biological characteristics of our environment are briefly described, as are the ethical positions which try to relate
the Homo sapiens with our colleagues in the universe. A review of Brazilian legislation regarding environmental
protection then follows. After a brief history on the development of genetics throughout the century, three areas of
contact between this science and problems linked to the environment are then identified. These areas are related to
conservation projects, the monitoring of pollution and technological applications. The cautionary measures
established by the developed nations concerning the releasíng, into the environment, of organisms modified by
means of genetic engineering are disclosed and also mentioned are the attempts currently underway, in Brazil and in
other nations, to harmonize development with conservation.
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Endereço para correspondência:

Departamento de Genética
Instituto de Biociências
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Caixa Postal 15053
91501-970 Porto Alegre - RS

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