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AGROECOLOGIA

Dominique Michèle Perioto Guhur


Nilciney Toná

A agroecologia pode ser considerada como uma construção recente e, portanto,


sua definição ainda não está consolidada. Constitui, em resumo, um conjunto de
conhecimentos sistematizados, técnicas e saberes tradicionais (dos povos originários e
camponeses) “que incorporam princípios ecológicos e valores culturais às práticas
agrícolas que, com o tempo, foram desecologizadas e desculturalizadas pela
capitalização e tecnificação da agricultura” (LEFF, 2002, p. 42). Entretanto, antes de
nos aprofundarmos no debate conceitual, vamos inicialmente considerar as condições de
surgimento da agroecologia; resgatar o histórico desse conceito, bem como as principais
correntes existentes; e evidenciar seu desenvolvimento no Brasil.

Uma perspectiva das condições de surgimento da agroecologia


Para compreender as condições que determinaram o surgimento da agroecologia,
é importante ter presente que a questão ecológica envolve, na atualidade, “[...] a
perenidade das condições de reprodução social de certas classes, de certos povos, e até
mesmo, de certos países” (CHESNAIS; SERFATI, 2003, p. 1), destacando-se os
camponeses dos países da periferia do capitalismo. Para além de situações meramente
conjunturais, a permanência dos camponeses na terra e sua reprodução social se
encontra, hoje gravemente ameaçada pelo modelo tecnológico hegemônico que é, em
nível mundial, a base de sustentação do agronegócio.
A expropriação dos camponeses esteve no cerne dos mecanismos da acumulação
primitiva, a acumulação que permitiu o surgimento do capitalismo e que se caracterizou
pela violência, a pilhagem e o saque, formas “não-propriamente capitalistas”.
Entretanto, o processo de expropriação dos camponeses nunca deixou de existir,
prosseguindo até a atualidade. Como destacam Chesnais e Serfati (2006, p. 15), “ele não
é atribuível somente às políticas do FMI, por mais que seja necessário incriminá-las. É
no núcleo das relações de produção e de dominação que ele se situa”. Isso quer dizer
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que há uma interconexão entre as agressões ecológicas e as agressões contra as


condições de existência dos produtores diretos.
O patenteamento dos organismos vivos, a tecnologia dos organismos
transgênicos e, mais recentemente, a nanotecnologia sustentam uma nova fase nesse
processo de expropriação dos agricultores produtores diretos, aprofundando a
modernização dependente e depredadora da agricultura, iniciada com a Revolução
Verde. O objetivo é retirar dos agricultores o controle sobre as sementes e, de maneira
mais ampla, sobre a produção no campo, em benefício das grandes corporações
transnacionais, as quais constituem peça fundamental no regime de acumulação
financeira que caracteriza a mundialização do capital.
Além de acelerar o processo clássico de diferenciação do campesinato,
“espremendo” os camponeses entre as indústrias produtoras de insumos e as
agroindústrias que se utilizam de suas matérias-primas, o modelo de produção e
tecnológico dominante oferece hoje um horizonte que pode, enfim, por em questão a
permanência do camponês, concluindo assim o processo de separação dos produtores
diretos de suas condições de produção. É dessa maneira que a reprodução social dos
camponeses passa a exigir uma mudança na maneira de produzir, motivando
experiências de resistência ao modelo do agronegócio. Paralelamente, as conseqüências
ambientais desastrosas desse modelo e sua cada vez mais evidente insustentabilidade
acabaram levando à confluência entre os interesses dos camponeses e de pesquisadores
da área.

Histórico e correntes
O termo agroecologia parece ter surgido na década de 1930, como sinônimo de
ecologia aplicada à agricultura (GLIESSMAN, 2001). Entretanto, no contexto do
aprofundamento da divisão do trabalho na sociedade capitalista e da crescente
fragmentação dos conhecimentos, e com a expansão do capitalismo no campo (da qual a
Revolução Verde é a face mais conhecida), ecologia e agronomia seguiram divorciadas.
Embora a agroecologia tenha sido inicialmente concebida como uma disciplina
específica que estudava os agroecossistemas, nas décadas seguintes, outras
contribuições foram se somando para dar-lhe sua conformação atual: o ambientalismo; a
sociologia, a antropologia, a geografia e o desenvolvimento rural; e o estudo de sistemas
tradicionais de produção, indígenas e camponeses, de países da periferia do capitalismo.
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O uso do termo agroecologia se popularizou nos anos 1980, a partir dos


trabalhos de Miguel Altieri e, posteriormente, de Stephen Gliessman, ambos
pesquisadores de universidades estadunidenses, e que são considerados atualmente
como os principais expoentes da “vertente americana” da agroecologia.
A outra principal vertente é conhecida como “escola européia”, surgida em
meados dos anos 1980, na Andaluzia, Espanha, e que representa uma agroecologia de
viés sociológico, que busca inclusive uma caracterização agroecológica do campesinato.
No entendimento dessa escola, a agroecologia surgiu de uma interação entre as
disciplinas científicas (naturais e sociais) e as próprias comunidades rurais,
principalmente da América Latina. Seus principais expoentes são Eduardo Sevilla-
Guzmán e Manuel Gonzáles de Molina, ambos ligados ao Instituto de Sociologia e
Estudos Camponeses (ISEC), da Universidade de Córdoba.

O desenvolvimento da agroecologia no Brasil


No Brasil, a contestação à Revolução Verde surgiu sob o movimento da
“agricultura alternativa”, no final da década de 1970, mas permaneceu inicialmente
restrito a um pequeno grupo de intelectuais, em sua maioria profissionais das ciências
agrárias, até meados da década de 1980 (consultar o verbete Agricultura Alternativa).
Deste período inicial, destacam-se alguns pioneiros na crítica à Revolução Verde
no Brasil, e que elaboraram obras que permanecem ainda hoje como referência para a
agroecologia nos trópicos: José Lutzenberger, um dos primeiros ativistas ambientais do
país, desempenhou papel importante na denúncia sobre os malefícios dos agrotóxicos e
na necessidade de sua regulamentação; Adilson Paschoal, estudou o efeito dos
agrotóxicos nos agroecossistemas; Ana Primavesi, pesquisadora pioneira em considerar
o solo como um organismo vivo e na crítica à utilização de tecnologias importadas;
Luiz Carlos Pinheiro Machado, desenvolveu e difundiu o Pastoreio Racional Voisin-
PRV no Brasil (método ecológico de produção animal à base de pasto); Sebastião
Pinheiro, destacou-se na denúncia das contaminações por agrotóxicos e no
desenvolvimento de tecnologias para a produção de base ecológica.
Foi somente a partir de 1989 que o termo agroecologia começou a ser utilizado
no Brasil, com a publicação do livro “Agroecologia – as bases científicas da agricultura
alternativa”, de Miguel Altieri. Em seguida, nos anos 1990, as Organizações Não-
Governamentais (ONGs) foram as principais disseminadoras da agroecologia (LUZZI,
2007).
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No final da década de 1990, e com mais força, a partir do início dos 2000, os
Movimentos Sociais Populares do Campo, em especial aqueles vinculados à Via
Campesina, incorporaram o debate agroecológico à sua estratégia política e passaram a
dar contribuições importantes. Podemos citar a Jornada de Agroecologia (com o lema
“Terra Livre de Transgênicos e Sem Agrotóxicos”), realizada anualmente no Paraná
desde 2002, com um público médio de 4.000 participantes; a campanha “As sementes
são Patrimônio da Humanidade”, lançada pela Vía Campesina durante o III Fórum
Social Mundial, em 2003; e a ocupação do viveiro de mudas da multinacional Aracruz
Celulose, no Rio Grande do Sul, com a destruição de mudas ilegais de eucalipto
transgênico.
A realização do I Encontro Nacional de Agroecologia, em 2002 marcou a
tentativa de articulação nacional dos movimentos e organizações ligados à agroecologia.
Em 2003, realizou-se o I Congresso Brasileiro de Agroecologia, promovido anualmente,
desde então. Desses dois eventos, resultaram duas entidades de abrangência nacional: a
Articulação Nacional de Agroecologia-ANA (fundada em 2002), e a Associação
Brasileira de Agroecologia-ABA (fundada em 2004).

O debate conceitual
A agroecologia foi definida por Altieri (1989), na primeira publicação mais
sistemática sobre o tema, como “as bases científicas para uma agricultura alternativa”.
Como ciência, a Agroecologia emerge de uma busca por superar o conhecimento
fragmentário, compartimentalizado, cartesiano, em favor de uma abordagem integrada.
Seu conhecimento se constitui, mediante a interação entre diferentes disciplinas, para
compreender o funcionamento dos ciclos minerais, as transformações de energia, os
processos biológicos e as relações socioeconômicas como um todo, na análise dos
diferentes processos que intervêm na atividade agrícola.
A agroecologia pode ser caracterizada como “uma ciência que fornece os
princípios ecológicos básicos para estudar, desenhar e manejar agroecossistemas
produtivos e conservadores dos recursos naturais, apropriados culturalmente,
socialmente justos e economicamente viáveis” (ALTIERI, 1989), proporcionando, dessa
maneira, bases científicas para apoiar processos de transição a estilos de agriculturas de
base ecológica ou sustentável (CAPORAL; COSTABEBER, 2004).
Estas definições já indicam aspectos importantes da Agroecologia e permitem
diferenciá-la de outros processos dos quais tem sido interpretada como sinônimo, seja
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do ponto de vista da elaboração teórica, seja do cotidiano. Assim, Caporal e Costabeber


(2004) alertam para o fato de que não se devem confundir os “estilos de Agricultura
Alternativa” com Agroecologia, ou mesmo com agricultura de base ecológica. Isto
tendo em vista as orientações e princípios mais amplos da agroecologia, enquanto as
agriculturas alternativas (orgânica, biológica, natural, biodinâmica, dentre outras),
podem se limitar ao objetivo de atender a um nicho de mercado “ecologizado” e por
vezes elitizado.
Um dos conceitos chave que orientam teórica e metodologicamente a
agroecologia é o de agroecossistema, unidade de análise que permite estabelecer um
enfoque comum às várias disciplinas científicas. Em resumo, um agroecossistema é um
ecossistema artificializado pelas práticas humanas por meio do conhecimento, da
organização social, dos valores culturais e da tecnologia, de maneira que a estrutura
interna dos agroecossistemas “resulta ser uma construção social produto da co-evolução
entre as sociedades humanas e a natureza” (CASADO; SEVILLA-GUZMÁN;
MOLINA, 2000, p. 86). Para maiores esclarecimentos, consultar o verbete
Agroecossistemas.
Para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável e produtiva, a
agroecologia orienta práticas de aproveitamento da energia solar através da fotossíntese,
manejo do solo como um organismo vivo, manejo de processos ecológicos (como a
sucessão vegetal, os ciclos minerais e as relações predador-praga), cultivos múltiplos e
sua associação com espécies silvestres, de modo a elevar a biodiversidade dos
agroecossistemas, e na ciclagem da biomassa (incluindo os resíduos urbanos). Desta
forma, “o saber agroecológico contribui para a construção de um novo paradigma
produtivo ao mostrar a possibilidade de produzir ‘com a natureza’” (LEFF, 2002, p. 44).
Muito embora não exista produção “fora da natureza”, o modelo da Revolução
Verde e do Agronegócio desenvolve-se com base em tecnologias “contra a natureza”,
que bloqueiam ou impedem processos naturais que são a base do manejo agroecológico
nos agroecossistemas (como no caso do uso de herbicidas, que bloqueiam ou mesmo
fazem regredir a sucessão ecológica em determinado ambiente).
Entretanto, a agroecologia não pode ser entendida apenas como um conjunto de
técnicas. A partir da escola européia, a agroecologia pode ser definida como

o manejo ecológico dos recursos naturais através de formas de ação


social coletiva, que apresentem alternativas à atual crise civilizatória.
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E isso mediante propostas participativas, desde os âmbitos da


produção e da circulação alternativa de seus produtos, pretendendo
estabelecer formas de produção e consumo que contribuam para
encarar a atual deterioração ecológica e social gerada pelo
neoliberalismo atual (SEVILLA-GUZMÁN, 2001, p. 1).

Isto amplia significativamente o entendimento da Agroecologia. Um primeiro


aspecto diz respeito a conceber a Agroecologia para além de um instrumento
metodológico que simplesmente permite uma melhor compreensão dos sistemas
agrários e a resolução de problemas produtivos que a ciência agronômica convencional
não resolve ou mesmo agrava. Neste sentido mais amplo, as variáveis sociais ocupam
papel relevante. Ainda que partindo da dimensão técnica de um agroecossistema, daí se
pretende compreender as múltiplas formas de dependência dos agricultores sob a atual
política e economia. Outros níveis de análise dizem respeito à matriz sociocultural ou
comunitária, ou seja, a práxis intelectual e política, identidade local e relações sociais
em que os sujeitos do campo se inserem. Isto resulta na inserção da produção ecológica
em propostas para “ações sociais coletivas” que superem o modelo produtivo
agroindustrial hegemônico.
Um conceito base desta forma de compreender a agroecologia é a co-evolução
entre os sistemas naturais e sociais, entre ambiente e cultura, sendo que os seres
humanos têm a capacidade de direcionar essa co-evolução (GLIESSMAN, 2000). As
populações do campo, sua cultura e formas de organização e resistência são centrais no
processo de co-evolução; entretanto, não se pode desconsiderar a hegemonia das
relações capitalistas no campo no direcionamento dessa co-evolução. Esse processo é
dinâmico pois, conquanto os sistemas tradicionais de produção reflitam a experiência
adquirida por gerações passadas, o conhecimento que eles materializam continua a se
desenvolver no presente, num processo permanente de adaptação e mudança (WILKEN,
1988, apud GLIESSMAN, 2000).
Essa abordagem, portanto, reconhece que as populações do campo são
portadoras de um saber legítimo, construído por meio de processos de tentativa e erro,
seleção e aprendizagem cultural, e que lhes permitiu captar o potencial dos
agroecossistemas onde convivem há gerações. Basta lembrar que a esmagadora maioria
das espécies agrícolas e dos animais domésticos atualmente existentes é obra do
trabalho coletivo e milenar dos povos camponeses e não de institutos de pesquisa,
universidades ou empresas.
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Evidentemente, não se trata de descartar a ciência e a tecnologia, mas da


necessidade de um diálogo de saberes, que reconhece os povos do campo e da floresta
como sujeitos privilegiados da agroecologia. Saberes não exclusivamente técnicos nem
apenas com finalidade econômica e ecológica, mas também de ordem ética e cultural, e
que se materializam inclusive em ações sociais coletivas. Esse diálogo traz profundas
implicações.
A generalização do modelo da Revolução Verde implicou num avanço na
divisão do trabalho entre a indústria e a agricultura. À agricultura restou apenas a tarefa
de produzir matéria-prima para a agroindústria, a partir de insumos e máquinas
fornecidos pela indústria. Mas aprofundou-se especialmente a separação entre
concepção/planejamento e execução – que objetivava “[...] dar à direção capitalista do
processo de trabalho os meios de se apropriar de todos os conhecimentos práticos, até
então, monopolizados, de fato, pelos operários” (LINHART, 1983, p. 79). Esse
processo se evidenciou muito mais na indústria (por meio da “Gerência Científica” de
Taylor), mas também se estendeu ao campo e seus sujeitos, que se tornaram meros
consumidores de técnicas e sistemas de produção desenvolvidos em centros de
pesquisa, empresas e universidades.
Em sentido inverso, a agroecologia exige que o camponês passe a assumir uma
posição ativa, de pesquisador das especificidades de seu agroecossistema, para
desenvolver tecnologias apropriadas às condições locais de solo, relevo, clima,
vegetação, interações ecológicas e também sociais, econômicas e culturais. Na
perspectiva da agroecologia, essa não pode ser uma tarefa de especialistas isolados. A
agroecologia exige conhecer a dinâmica da natureza, e ao mesmo tempo agir para sua
transformação.
Além disto, ela abre caminho para o desenvolvimento de novos paradigmas da
agricultura, pois não se prova nos espaços artificializados da experimentação científica,
mas sim diretamente nos campos de produção agrícola, superando, dessa maneira, a
distinção entre a produção do conhecimento e sua aplicação/concretização: “Por isso, a
Agroecologia desafia o conhecimento, mas este se aplica e se testa no terreno dos
saberes individuais e coletivos” (LEFF, 2002, p. 43). O que nos possibilita a conclusão
de que Agroecologia não é apenas um corpo de conhecimentos úteis, passíveis de serem
aplicados ou não, mas se configura como prática social, ação de “manejo” da
complexidade dos agroecossistemas particulares, inseridos em múltiplas relações
naturais e sociais, que determinam e pelas quais são determinados.
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Evidentemente que, na medida em que se ampliou o questionamento e a crítica


ao padrão de agricultura capitalista da Revolução Verde, os termos “agroecológico” e
“sustentável” passaram a ser disputados por setores que representam justamente os
interesses capitalistas que promovem uma feroz depredação da natureza. Na perspectiva
conhecida como “duplamente verde”, o desenvolvimento de novas tecnologias (como os
transgênicos, por exemplo) seria capaz de minimizar os efeitos ambientais nocivos da
Revolução Verde, garantindo ao mesmo tempo os atuais níveis de produtividade. Essa
perspectiva vem ganhando força com o Biobussines ou Bionegócio, o agronegócio
pretensamente “sustentável”. Entretanto,

Frente à transformação da geopolítica de uma economia ecologizada


que hoje em dia revaloriza o sentido conservacionista da natureza -
reabsorve e redesenha a economia natural dentro das estratégias de
mercantilização da natureza, reduzindo o valor da biodiversidade em
suas novas funções como provedora de riqueza genética, de valores
cênicos e ecoturísticos e de sua capacidade de absorção de carbono
(biobussines), a Agroecologia se encrava no contexto de uma
economia política do ambiente (LEFF, 2000, p.40).

Nesse contexto, a agroecologia é mais ampla do que o desenvolvimento de


experiências de agriculturas de base ecológica, apontando para processos de
organização social que se orientam pela luta política e transformação social, indo além
da luta econômica imediata e corporativa, das ações localizadas e por vezes
assistencialistas junto aos agricultores. De fato, a agroecologia possui uma
especificidade que referencia a construção de outro projeto de campo. Entretanto, tal
projeto de campo é incompatível com o sistema capitalista e depende, em última
instância, de sua superação.
Em decorrência da separação antagônica entre cidade e campo, e da “[...]
alienação material dos seres humanos dentro da sociedade capitalista das condições
naturais que formam a base de sua existência” (FOSTER, 2005, p. 229), uma falha
irreparável surgiu no metabolismo entre o homem e a terra. Governar racionalmente
esse metabolismo “excede completamente as capacitações da sociedade burguesa”.
Restaurá-lo exige uma ordem social qualitativamente orientada, que só pode ser
alcançada na sociedade dos indivíduos livremente associados, que, como sujeitos
históricos autônomos, estejam no pleno controle do processo produtivo, este
conscientemente subordinado à satisfação das necessidades humanas, e não a uma
riqueza fetichizada.
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Nesse sentido está em gestação uma concepção mais recente de agroecologia,


ainda mais ampliada: a partir da prática dos movimentos sociais populares do campo,
que não a entendem como “a” saída, tecnológica, para as crises estruturais e
conjunturais do modelo econômico e agrícola, mas que a percebem enquanto parte de
sua estratégia de luta, de enfrentamento ao agronegócio e ao sistema capitalista de
exploração dos trabalhadores e da depredação da natureza.
Nesta concepção, “a agroecologia inclui: o cuidado e defesa da vida, produção
de alimentos, consciência política e organizacional” (conforme documento elaborado no
Primeiro Encontro de Formadores de Agroecologia da Via Campesina na América
Latina, em Barinas, Venezuela, em 2009). Compreede-se que ela seja inseparável da
luta pela soberania alimentar e energética, defesa e recuperação de territórios, reformas
agrária e urbana, cooperação, aliança entre os povos do campo e da cidade.
A agroecologia se insere, desta maneira, na busca por construir uma sociedade
de produtores livremente associados com a sustentação de toda a Vida (VIA
CAMPESINA, 2006), na qual o objetivo final deixa de ser o lucro, passando a ser a
emancipação humana.

Para saber mais

ALTIERI, Miguel A. As bases científicas da Agricultura Alternativa. 2ª. ed. Rio de


Janeiro: PTA/FASE, 1989.

CAPORAL, Francisco Roberto; COSTABEBER, José Antônio. Agroecologia: alguns


conceitos e princípios. Brasília: MDA, SAF, DATER-IICA, 2004.

CASADO, G. G.; SEVILLA-GUZMÁN, E.; MOLINA, M. G. Introducción a la


agroecología como desarrollo rural sostenible.Madrid: Mundi-Prensa, 2000.

CHESNAIS, François; SERFATI, Claude. “Ecologia” e condições físicas de reprodução


social: alguns fios condutores marxistas. Crítica Marxista. São Paulo, Boitempo, v. 1,
n.16, 2003. Disponível em:
<http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/16chesnais.pdf>.

FOLADORI, Guillermo. Limites do desenvolvimento sustentável. Campinas:


Unicamp, São Paulo: Imprensa Oficial, 2001.
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FOSTER, John Bellamy. A ecologia de Marx - materialismo e natureza. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

GLIESSMAN, Stephen R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura


sustentável. 2ª. ed. Porto Alegre: Universidade/UFRGS, 2001.

LEFF, Enrique. Agroecologia e saber ambiental. Agroecologia e Desenvolvimento


Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 3, n. 1, jan./mar. 2002, p. 36-51.

LINHART, Robert. Lênin, os camponeses, Taylor. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.

LUZZI, Nilsa. O debate agroecológico no Brasil: uma construção a partir de diferentes


atores sociais. Rio de janeiro, 2007. Tese (Doutorado em Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). – Instituto de Ciências Humanas e Sociais
da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2007, 182 fls.

SEVILLA GUZMÁN, Eduardo. La agroecologia como estratégia metodológica de


transformación social. Sociedad Cientifica Latinoamericana de Agroecologia.
Disponível em: <http: www.agroeco.org/socla/pdfs/la_agroecologia_como.pdf>.

VIA CAMPESINA; MST. Biodiversidade, Organização Popular, Agroecologia. 5ª.


Jornada de Agroecologia. Cascavel, 2006.

Dominique Michèle Perioto Guhur é agrônoma, mestre em Educação. É integrante da


Coordenação Político-Pedagógica da Escola Milton Santos (Centro de Formação em
Agroecologia do MST/Paraná).
Nilciney Toná é agrônomo, especialista em Educação do Campo. É integrante do Setor
de Formação do MST/Paraná e responsável pelo acompanhamento à rede de escolas de
Agroecologia do MST e da Via Campesina no Paraná.

Publicado como verbete no Dicionário da Educação do Campo EPSJV/Expressão


Popular, 2012.

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