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Cartilha da

Terra Livre de Transgênicos e


Sem Agrotóxicos! Cuidando da Terra,
Cultivando Biodiversidade e Colhendo
Soberania Alimentar! Construindo o Projeto
Popular para a Agricultura!
Créditos

Cartilha Cartilha 19a Jornada de Agroecolo-


gia

Produção: 19a Jornada de Agroecologia


Textos de:
Organização:

Revisão:
Diagramação: Gustavo Steinmetz Soares e Caio Cardozo

Realização da 19a Jornada de Agroecologia.


www.jornadadeagreocologia.org.br

Curitiba 2022
Sumário

01. Introdução – Cartilha 19ª Jornada de Agroecologia... 4

02. Agrotóxico: a droga do agronegócio 6

03. Pandemia e Agronegócio: múltiplas faces de um sistema desigual! 7

04. A Pandemia da Fome no Brasil 9

05. Educação do campo, das florestas e das águas: duas décadas


de lutas, realizações e perspectivas 12

06. Solidariedade: marmitas da terra, mutirões agroecológicos, a luta pelo


território e o entrelaçamento entre campo e cidade. 15

07. A Saúde Popular no Enfrentamento a Pandemia 19

08. Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis: um desafio para as


escolas do campo 21

09. Sementes Crioulas e a Agroecologia5 26

10. “Agroecologia e os Comitês Populares” 32

11. Não se faz Agroecologia com LGBTIFobia 33

12. Receitas da culinária da terra 34

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1. Introdução – Cartilha 19ª Jornada de Agroecologia...
É com alegria e esperança em um mundo melhor Na jornada de agroecologia esses sujeitos da construção de
que a Jornada de Agroecologia chega a sua 19ª edição, um projeto ecológico, encontram um ambiente apropriado
depois de dois anos de interrupção, devido à pandemia da para sua formação, se conhecem e reconhecem nos
covid-19. A Jornada de Agroecologia vem sendo realizada participantes o parceiro de caminhada e luta rumo a um
anualmente desde 2002 com objetivo de construir um processo de transformação social econômica, ambiental e
projeto de vida Agroecológico, que abrange a dimensão cultural. É uma transformação ecológica com origem nos
ecológica e a renovação da vida social, compromisso desmandos e nos impropérios do sistema socioeconômico
político, sustentação econômica e ambiental, criatividade dominante. É nessa caminhada, que os sujeitos se forjam,
técnica e construção cultural. Esse projeto é resultado somando forças e criando uma energia coletiva que
dos diversos eventos da jornada que ocorrem, mediante imprime uma identidade comum: a identidade de ser
troca de experiências, discussões e propostas que advém e viver ecologicamente. Surgem dessa forma os novos
de seus participantes que representam um conjunto de sujeitos sociais, ou novos camponeses, e novos assentados
movimentos sociais e cidadãos críticos ao modelo de nesse cenário de disputa de um projeto para agricultura e
desenvolvimento social e econômico. São assentados, para a sociedade.
acampados, camponeses, agricultores familiares,
indígenas, povos da floresta, representantes de povos O participante da jornada encontra-se em um
tradicionais, pesquisadores, professores, estudantes e campo de disputa política que obterá somente resultados
pessoas da sociedade que se reúnem em um grande fórum positivos enquanto acumular forças sociais e cognitivas
e constroem uma narrativa que passa a orientar a vida suficientes para fazer frente ao modelo do dominante da
no cotidiano. A prática contribui para a construção do agricultura. Ressalta-se que nesse campo de disputas há
discurso assim como o discurso renovado passa a orientar assim duas versões ou modelos de agricultura em jogo:
a prática, compondo um ciclo virtuoso de simbiose entre a uma que se situa no âmbito interno da jornada e que
teoria e a prática. propõem a reprodução da vida social e biológica e o viver
bem dos povos; a outra externa a ela que privilegia o lucro
A jornada é esse fórum em que as pessoas se e a acumulação do capital, independente dos pressupostos
encontram, protestam contra o modelo de agricultura socioambientais necessários a continuidade da vida
do agronegócio, que propõem uma agricultura baseada planetária.
no agrotóxico, no agroquímico e transforma a natureza
em objeto de uso com objetivo predominante de A participação nas jornadas se faz de diversas
acumulação de capital. Assim desequilibra a natureza, maneiras. Cada sujeito contribui com sua habilidade e
destrói os ecossistemas, explora e expropria camponeses, experiência que vai reforçar as dimensões constituintes da
povos originários, populações tradicionais e pequenos jornada e por consequência do projeto ecológico. A feira,
agricultores de modo geral. Na jornada, os participantes a culinária da terra, a saúde, a semente crioula, o túnel do
se posicionam afirmativamente na construção de outro tempo, as atividades culturais, entre outras, são dimensões
modelo de agricultura: um modelo ecológico de cultivar que no seu conjunto constituem um coletivo de forças
e de viver. Por isso, se colocam como novos sujeitos na que caminha para ampliar sua relação com a sociedade
agricultura e na sociedade, e dessa forma reagem a qualquer consolidando o projeto ecológico de vida.
processo de dominação e exploração econômica e cultural.

19ª Jornada de Agroecologia 2022 CURITIBA


PARANÁ

As caixas (box) que você encontrará ao longo desta Cartilha foram produzidas a partir do Atlas da Questão
Agrária no Paraná. Elas resumem os conflitos provocados pela expansão do capitalismo no campo e as
resistências dos diversos sujeitos que nele moram.
Queremos desconstruir a imagem triunfal de um campo paranaense salvo pelo agronegócio, mostrando
todas as sombras desse processo e, ao mesmo tempo, apontando a história, as práticas, os modos de vida e
as alternativas de futuro que os grupos sempre esquecidos e explorados têm como contribuição.
Essas caixas (box) são uma homenagem a esses grupos e à Jornada de Agroecologia que sempre tem
denunciado a barbárie do agronegócio e as possibilidades de outra vida no campo com a agroecologia.
O E-book do Atlas completo, está disponível em: http://questaoagrariapr.blogspot.com/

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19ª Jornada de Agroecologia 2022 CURITIBA
PARANÁ

GEOGRAFIA DAS LUTAS CAMPONESAS NO PARANÁ


O espaço agrário paranaense
é caracterizado pela existência
de diversos conflitos,
derivados das formas de uso,
ocupação e apropriação da
terra. Os primeiros a sofrer
com a violência da expulsão de
seus territórios foram os povos
originários e, desde então,
lutam para retomá-los.
A expulsão dos povos
originários de suas terras deriva
da apropriação concentrada
da terra e da expansão
da agricultura capitalista,
elementos que também são
responsáveis pela negação da
terra aos camponeses. A esta
situação, os camponeses têm
respondido por meio de luta e
diversas formas de resistência
desde um passado distante.
As lutas do Contestado, Porecatu, Posseiros do Sudoeste, dos atingidos por barragens, camponeses sem-terra e
quilombolas são exemplares deste processo.
Historicamente, as lutas
camponesas no Paraná têm sido
combatidas violentamente
pelo agronegócio latifundiário.
A violência contra os
camponeses também é
praticada pelo Estado, por
meio da ação da Polícia Militar

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2. Agrotóxico: a droga do agronegócio
Uma pessoa viciada em qualquer droga, lícita Mas se muitos perdem nesse jogo, é certo que
ou ilícita, apresenta algumas características marcantes: alguns poucos ganham. E muito! Ainda segundo o
deterioração da saúde, comportamentos extremos Sindiveg, os “peixes grandes” desse mercado (Bayer,
em períodos de ausência do efeito da droga, e uma Basf, Syngenta, Corteva, e outras) faturaram cerca de R$
necessidade sempre crescente da substância para 70 bilhões em 2021. Isso representa quase metade do
alcançar o mesmo efeito. orçamento do Ministério da Saúde para cuidar de toda a
população do Brasil em 2021.
Assim também funciona a relação da agricultura
promovida pelo agronegócio com os agrotóxicos. Quando se usa veneno nas lavouras, o solo sofre.
A complexa rede de microrganismos que são a chave
No ano de 2021, foram aplicadas nas lavouras
da fertilidade do solo é impactada pelos agrotóxicos,
brasileiras quase 1 milhão e 200 mil toneladas de
e as plantas crescem com sérias deficiências nutritivas.
agrotóxicos, conforme o Sindiveg. Isso equivale à
E como sabemos, plantas doentes viram alvo fácil para
quantidade total de mamão produzida no país em 2020,
insetos, fungos e bactérias. Portanto, quanto mais
segundo o IBGE.
veneno se usa, mais veneno se usará nos anos seguintes.
Em 2019, 8.412 pessoas foram intoxicadas por Não é à toa que, de 2000 a 2020 a comercialização de
agrotóxicos, uma média 23 pessoas por dia, segundo o ingredientes ativos de agrotóxicos aumentou nada
Ministério da Saúde. Entre 2010 e 2021, 9.806 crianças de menos do que 320%, segundo o Ibama.
0 a 14 foram intoxicadas, e 91 morreram em decorrência,
Toda droga também promete um efeito benéfico,
no mesmo período.
que por vezes é alcançado após o consumo, mas que se
Estes números nos dão a dimensão, por um lado, esvai rapidamente. Os agrotóxicos prometem resolver o
da monstruosa quantidade de venenos que utilizamos problema da fome. No entanto, o que vemos são 1773
no Brasil, e por outro, dos danos terríveis que estas agrotóxicos liberados de 2019 até junho de 2022, e 33
substâncias causam na vida das pessoas. De fato, uma milhões de pessoas passando fome no Brasil.
droga.
Os agrotóxicos e o modelo do agronegócio,
muito longe de produzir alimentos e combater a fome,
19ª Jornada de Agroecologia 2022 CURITIBA
PARANÁ colocaram o Brasil numa armadilha: o país que possui
todas as condições territoriais, climáticas e culturais para
uma farta e diversa produção de alimentos, desenvolveu
uma agricultura que nos tornou dependentes de insumos
importados: sementes transgênicas, fertilizantes
químicos e agrotóxicos. Assim, situações externas
que fogem completamente ao nosso controle, como
guerras, preço internacional do petróleo ou a cotação do
dólar, influenciam e muito no preço dos alimentos que
chegam à mesa da população. No ano em que o Brasil
bateu recorde na produção de soja, o óleo de soja subiu
24%, segundo o IBGE.
Não temos mais tempo a perder: a agricultura
brasileira precisa de um amplo processo de
desintoxicação. Libertar o Brasil dos agrotóxicos é a tarefa
principal se quisermos resolver de vez o problema da
fome em nosso país. É preciso desenvolver a agricultura
familiar com base na agroecologia, fornecendo
condições para que agricultores e agricultoras possam
viver com dignidade no campo e produzir alimentos
saudáveis. Afinal, hoje são os próprios agricultores um
dos grupos mais afetados pela fome.
O problema está claro, e os caminhos para a
solução também. Junte-se à Campanha Permanente
Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e vamos juntos e
juntas lutar por um Brasil soberano, saudável e livre de
agrotóxicos e transgênicos!

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3. Pandemia e Agronegócio: múltiplas faces de um sistema desigual!
Aline Oliveira da Silva1
Bárbara Loureiro Borges2
Vivemos um período singular da história recente no campo em diversas faces: expulsão, ameaças,
da humanidade de uma profunda crise estrutural do despejos e mortes;
sistema capitalista, cuja transformação da hegemonia do
g) Conflitos socioambientais, sendo uma das mais
capital industrial para o capital financeiro e suas formas
novas faces dos conflitos no campo a partir dos
de expansão mundial - globalização, neoliberalismo - tem
ataques às áreas com bens naturais: água, terra, ar,
provocado sérias consequências sociais, econômicas,
fotossíntese, minérios, animais polinizadores entre
políticas e mais do que nunca sanitárias e ambientais, se
outros.
desdobrando em múltiplas crises associadas entre si.
Todo esse contexto de crise foi agravado pela
A exploração dos bens comuns da natureza
Pandemia do Coronavírus, que está diretamente
e da força de trabalho é parte inerente do modo de
associada com a ruptura ecológica produzida pelo
produção capitalista e a lógica de destruição do capital
sistema capitalista sendo intensificada nas últimas
industrial que já era grande, se intensifica nessa fase de
décadas. Importantes pesquisadores demonstram a
hegemonia do capital financeiro. Ou seja, para promover
interligação da pandemia com a questão ambiental e a
maior acumulação de capital há uma busca predatória
questão agrária:
de uma renda extraordinária. O que estamos vivendo
nessa etapa de exploração é a intensificação dessas 1. De um lado tem-se o avanço da destruição de
duas formas de acumulação — força de trabalho e ecossistemas pelo avanço de formas cada vez mais
bens comuns da natureza — tanto em ritmo quanto de extrativas dos bens comuns como o agronegócio
intensidade de exploração. e a mineração, com a consequente liberação de
patógenos que estavam em equilíbrio em seus
Olhando para a crise ambiental, a todo momento
sistemas de origem;
são muitos os exemplos de suas consequências em nossas
vidas, como, por exemplo o aumento de intensidade de 2. De outro lado o aumento da produção de animais
eventos climáticos extremos — excesso de chuvas em criados em sistemas de confinamento em escala,
curto período ou aumento do período de estiagem — e com menos diversidade biológica e mantidos
os crimes ambientais de proporções imensas, como os com elevadas doses de hormônios e antibióticos,
rompimentos de barragens de mineração. sofrendo imensa pressão natural e onde esses
patógenos encontram condições para aprimorar
Devido a essa crise e sua interligação com a
sua virulência (capacidade de infectar) e a sua
Questão Agrária brasileira se aprofundam as contradições
patogenicidade (causar dano);
históricas do capitalismo no campo, como:
3. Esse quadro vai encontrar uma população adoecida
a) Risco à soberania alimentar do povo devido à
nas cidades e com sua imunidade fragilizada
diminuição da área plantada com arroz, feijão e
decorrente de outras epidemias, como as doenças
mandioca;
crônicas, depressão e ainda envenenada pelos
b) Priorização pela produção de commodities agrícolas agrotóxicos e mal nutrida devido ao consumo de
para exportação, sobretudo soja, milho, pecuária, abundantes mercadorias ultraprocessadas.
cana-de-açúcar, algodão e eucalipto, o que leva ao
A tendência de novas pandemias é alta,
aumento do preço dos alimentos e à fome no país);
principalmente no contexto de manutenção da
c) Aceleração da lógica de destruição ambiental com o estrutura de sociedade adoecida e da aceleração da
aumento das queimadas e desmatamento em todos destruição ambiental. Como apontam as pesquisas
os biomas, principalmente na Amazônia, Cerrado e acerca do surgimento das pandemias, elas não dizem
Pantanal; respeito apenas a um determinado vírus, mas também
ao contexto do qual elas emergem e que elas, as
d) Envenenamento das pessoas e do meio ambiente
pandemias, atuam como um marcador dessa inversão,
devido à quantidade alarmante de agrotóxicos que
do sistema de produção.
são liberados e utilizados pelo agronegócio;
Frente a este contexto agrário e ambiental
e) Aprofundamento de uma crise hídrica em escala
alimentador de pandemias, a crise ambiental e sanitária
nacional, tanto pela desigualdade do acesso quanto
produzida pelo próprio capitalismo desembocou numa
pela qualidade da água potável disponível;
terceira crise, a econômica. E para solucioná-la, as
f ) Aumento da concentração de terras e da violência potências mundiais causadoras de desmatamento e
1 Militante do MST AL, Apicultora da Reforma Agrária, mestre em História.
2 Militantes do MST DFE, Engenheira Florestal, Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural. Ambas fazem parte do Coletivo do
Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis do MST.

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consequentemente de patógenos teceram uma nova saudáveis, tessitura de uma nova relação ser humano
recuperação econômica denominada “retomada verde”, e natureza, reorganização do modelo alimentar,
um programa de transição verde da economia baseada nutricional e medicinal através da cultura e saberes de
na financeirização da natureza e de suas qualidades cada território e bioma e cuidados com os bens comuns.
ambientais.
A Reforma Agrária Popular em sua concepção
Essa política de financeirização da natureza é mais busca romper com a lógica de produção de commodities
uma interface do capitalismo para continuar com seu agrícolas, minerais e ambientais e enfrentar a
projeto, em suma é a nova roupagem de acumulação mercantilização dos alimentos, da terra, dos bens
e de funcionamento do capitalismo para transformar comuns, da fome e do adoecimento em massa. Nesse
os bens comuns da natureza, cuidados pelos povos sentido, sem reforma agrária, sem o direito ao território
tradicionais, em mercadoria. Os bens comuns (água, e sua autonomia, a lógica de reprodução capitalista não
solo, fotossíntese, polinização, ar…) passaram a ter será superada. Na concepção e dos objetivos da Reforma
outra forma social, distorcida das dos povos das águas Agrária Popular, o Plano Nacional Plantar Árvores e
e das florestas, qualidades ambientais inalienáveis e Produzir Alimentos Saudáveis é mais uma tática tecida
indivisíveis do ecossistema, do território, do ciclo da vida pelo MST para superação do desequilíbrio ambiental e
passando a ser contornado pela esfera da propriedade alimentar produzido pelo agronegócio.
privada e jurídica, sendo assim precificado pelo mercado
O Plano Nacional Plantar Árvores e Produzir
financeiro.
Alimentos Saudáveis é uma alternativa popular para
As falsas soluções para a crise ambiental, a crise ambiental desenvolvida pelo capitalismo, por
sanitária e, sobretudo, econômica apontadas pelo meio da produção de alimentos, em harmonia com a
capitalismo: mercado de desenvolvimento limpo ou natureza, para o campo e para a cidade, da restituição
economia verde de compensação pode ser traduzida da pluralidade ecológica dos biomas brasileiros através
a partir da fala de Harvey “mudar para ficar como está”. da construção de bancos de sementes, viveiros e
A meta de descarbonização até em 2050 aponta que agroflorestas da reforma agrária, dos cuidados com a
essa neutralização será realizada em territórios com sociobiodiversidade sem a lógica do mercado.
florestas e biodiversidades situadas, maior parte, no
Portanto, se faz necessário posicionar que a
sul global, meta que pode desembocar em um novo
superação do modelo de produção capitalista e todas as
imperialismo ecológico dos países do norte sob o sul. É
desigualdades que emergem deve ser conduzida a partir
um novo processo de desterritorialização e apropriação
da luta pela Reforma Agrária Popular, que em síntese é a
de terras indígenas, quilombolas e camponesas em
luta contra a mercantilização de todas as formas de vida.
nome dá “economia verde” e está suposta solução da
crise ambiental e a natureza adentra nesse debate da
retomada econômica para salvar o capitalismo da sua Referências
crise estrutural.
DIAS, Alexandre Pessoa; STAUFFER, Anakeila Barros;
Esse novo processo de cercamento de florestas, MOURA, Luiz Henrique Gomes de; VARGAS, Maria
biodiversidade e saberes tradicionais é mais um Cristina. Dicionário de Agroecologia e educação.
mecanismo de destruição da forma da reprodução da São Paulo: Expressão Popular; Rio de Janeiro: Escola
vida dos povos das águas e das florestas. Povos esses Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2021.
que contribuíram para na tessitura dos complexos
ecossistemas que temos atualmente, as diversas MORENO, Camila et. al. O Brasil na retomada verde:
florestas que encontramos são resultados de um Integrar para entregar. Brasília: Grupo Carta de Belém,
processo histórico sociocultural de determinados Dezembro 2021.
grupos. Portanto, a perpetuação das florestas, dos WALLACE, Rob. Pandemia e agronegócio: doenças
diferentes biomas e sua integração harmônica depende infecciosas, capitalismo e ciência. Tradução: Allan
da sobrevivência e resistência dos povos nos territórios. Rodrigo de Campos Silva. Editora Elefante & Igrá Kniga,
Deste modo, a saída para crise ambiental e sanitária São Paulo, 2020.
não perpassa pela mercantilização dos bens comuns,
mas pela manutenção das complexidades dos diversos
ecossistemas, portanto da superação do modelo de
produção do agronegócio e do seu pacto agrário. Frente
a este horizonte de superação de modelo, o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) aponta a
Reforma Agrária Popular enquanto contraproposta para
o conjunto da classe trabalhadora no campo e na cidade.
Reforma Agrária essa que perpassa pela democratização
do acesso à terra a partir da produção de alimentos

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4. A Pandemia da Fome no Brasil
Franciléia Paula de Castro3
A pior coisa do mundo é a fome! É preciso conhecer a fome para saber descrevê-la.
(Carolina Maria de Jesus)

O direito humano à alimentação está previsto na (FAO), que alertava para mais de 5 milhões de brasileiros/
Declaração Universal dos Direitos Humanos desde 1948, as em situação de fome no Brasil e um crescente aumento
mas somente em 2010 passou a ser incluído como direito da subnutrição em 2019, o presidente da república disse
social na Constituição Brasileira, através da Emenda não ver necessidade de ações de erradicação da fome
Constitucional nº 64, artigo 6º. e a pobreza, considerando que não havia pessoas com
“Art. 6º São direitos sociais a educação, “físico esquelético” andando pelas ruas.
a saúde, a alimentação, o trabalho, A omissão do governo brasileiro diante da fome se
a moradia, o lazer, a segurança, a configura como um projeto Necropolítico, que o escritor
previdência social, a proteção à e historiador Camaronês Achile Mbembe descreve como
maternidade e à infância, a assistência
o poder de se definir quem vai sobreviver e quem vai
aos desamparados, na forma desta
Constituição” (BRASIL, 2010, grifos morrer, um controle social através da morte (MBEMBE,
nossos). 2018).

Todavia, isso não significa a realização desse direito Marcadores de desigualdades sociais como
na prática. Os dados da pobreza e extrema pobreza no a pobreza e a fome são problemas históricos, e se
Brasil já desmascaram e expõem a violação do Direito agravaram neste período de pandemia. As medidas de
Humano à Alimentação, antes mesmo do Coronavírus se isolamento social recomendadas pelas organizações de
alastrar pelo mundo. saúde e adotadas nos estados e municípios brasileiros
para a redução ao contágio do Coronavírus, explicitaram
Ainda que em 2014 o Brasil tenha saído ainda mais a problemática.
oficialmente do Mapa da Fome das Organização das
Nações Unidas (ONU), nos últimos anos o número de Para as 54,8 milhões de pessoas que se encontram
pessoas em situação de Insegurança Alimentar e fome em pobreza no Brasil, sobretudo a população preta
no país voltaram a crescer. ou parda, que representa 73% dos pobres, as medidas
de isolamento social durante a pandemia foram ações
Desde golpe de Estado de 2016 e, principalmente, muito distantes na realidade. Não restando opções a
desde janeiro de 2019, essa realidade vem se agravando essa população em situação de pobreza, ou saiam de
com o aumento dos índices de pobreza resultante casa em busca de renda para sobreviver se expondo a
da imposição da ortodoxia neoliberal sobre a gestão contaminação ao vírus, ou ficavam em casa expostos ao
governamental, implicando inclusive o desmonte das empobrecimento e à fome.
políticas de segurança alimentar e nutricional (PETERSEN
& MONTEIRO). Fato constatado nos dados do Inquérito Nacional
sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia
E mesmo com os alertas da ONU nos últimos da Covid-19 no Brasil, que aponta que no fim de 2020,
anos aos países da América do Sul para o aumento da 19,1 milhões de brasileiros/as conviviam com a fome.
pobreza e consequentemente fome, em 2018 já não se Em 2022, esse número chegava a 33,1 milhões de
encontrava qualquer menção a Soberania Alimentar, ou pessoas sem ter o que comer no país (REDE PENNSAN,
a erradicação da fome em nenhuma das 81 páginas do 2022).
plano apresentado pelo atual governo brasileiro.
Insegurança alimentar em alta no Brasil
Em 2019 uma das primeiras ações do então
presidente da república foi a extinção de um dos órgãos Por Insegurança Alimentar e Nutricional
essenciais ao combate à fome no Brasil, o Conselho compreende-se como a falta de acesso à uma alimentação
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional adequada, condicionada, predominantemente as
(Consea), demonstrando o não comprometimento questões de renda (NASCIMENTO, 2010).
com a continuidade de políticas públicas e programas Segundo a Comissão Econômica para a América
governamentais construído nos últimos anos para Latina e o Caribe (CEPAL) e Organização das Nações
assegurar o Direito Humano à Alimentação a população Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o
brasileira. aumento do desemprego e a queda na renda geram uma
Quando questionado sobre dados Organização mudança na dieta das famílias. Muitas pessoas passam a
das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura optar por alimentos mais baratos e de menor qualidade

3 Engenheira Agrônoma, Mestre em Saúde Pública; Educadora da FASE em Mato Grosso, da Articulação Nacional de Agroecologia -
ANA e do Vice presidenta regional Centro Oeste da Associação Brasileira de Agroecologia – ABA.

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nutricional, com mais gorduras saturadas, açúcar, sódio condições não são dadas de forma igualitárias à
e calorias (Dat_lab, 2020). população. As desigualdades sociais, o fator classe e
raça determinam quem tem acesso à alimentação e
Situação caracterizada como Nutricídio, ou seja,
sobretudo a alimentação saudável.
quando a causa do adoecimento e morte das pessoas
está relacionada à alimentação. Seja pelo não acesso Se comer é um ato político, ressalta- se a
ao alimento ou pelo consumo de alimentos de baixa importância de políticas públicas que possam garantir
qualidade que por sua vez provocam doenças crônicas o acesso a alimentos saudáveis. Tais políticas públicas
na população que levam ao adoecimento e morte. devem considerar as condições desiguais da população
brasileira de acesso à alimentação de qualidade.
No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de
Incluindo o fator racial, pois são indicadores para a
Geografia e Estatística (IBGE), a insegurança alimentar
distribuição diferencial dos direitos (HOMERO et. al.
atinge mais a população negra e com pouco estudo
2011).
(PNAD/IBGE, 2013). Diante disso a de se considerar o
racismo como um dos determinantes de insegurança Os sistemas alimentares agroecológicos
alimentar e nutricional no país. respondem às iniciativas consideradas importantes e
necessárias para a erradicação da fome no mundo.
Neste contexto de pandemia e crise política e
econômica, o acesso à alimentação em quantidade De Schutter (2014), relator especial da ONU
e qualidade de forma adequada e saudável, se torna aponta que a Segurança e Soberania alimentar precisam
um desafio diário para milhares de brasileiros que se ser construídas a partir da garantia da habilidade de
encontram em vulnerabilidade social. agricultores familiares de prosperar, sendo chave para
tanto o acesso aos recursos necessários para a produção
A paralisação de canais e programas de
de alimentos. Nesse sentido, os investimentos em
comercialização da agricultura familiar, como Programa
agricultura devem ser reestruturados para apoiar formas
de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de
de produção agroecológicas, intensivas em mão de obra
Alimentação Escolar (PNAE) e as feiras livres, é outro fator
e capazes de reduzir a pobreza.
que gera insegurança alimentar. Muitas associações e
cooperativas de agricultores/as familiares tiveram esses São os sistemas alimentares de base agroecológica
canais de comercialização suspensos nos últimos anos. desenvolvidos pelo não uso de agrotóxicos e
transgênicos, mas pelo manejo ecológico dos solos,
Impactos que são observados no campo por
uso de sementes tradicionais, e práticas culturais dos
milhares de agricultores familiares, camponeses, povos
agricultores/as, fundamentais para a autonomia da
e comunidades tradicionais que cobraram do governo
agricultura. Se estrutura em arranjos locais e regionais
federal medidas de apoio emergencial durante a
de produção e consumo de alimentos saudáveis.
pandemia para a categoria.
Apesar das inúmeras iniciativas de grupos,
É notável que estratégias para a Segurança
associações, cooperativas e redes de produção de
alimentar da população, considerando as interfaces
alimentos orgânicos e agroecológicos no Brasil, que
campo-cidade, a produção de alimentos saudáveis está
aumentaram significativamente nos últimos 10 anos,
ligada diretamente ao fortalecimento da agricultura
o acesso a alimentos saudáveis por grande parcela da
familiar, e, o acesso a estes alimentos está relacionado
população ainda é restrito.
diretamente à garantia de outros direitos como trabalho,
educação e renda. De forma que qualquer política pública A falta de incentivos governamentais como
precisa dialogar com tais necessidades e contextos. políticas públicas de apoio a sistemas agroecológicos e
orgânicos, linhas de créditos, e incentivos fiscais, tornam
A redução das desigualdades sociais é um
em muitos casos o alimento inacessível. Permanecendo
fator prioritário para a garantia da erradicação da
como um privilégio, de grupos sociais consumidores
fome no Brasil, sobretudo quando temos uma crise
com alto poder econômico.
sanitária e econômica assolando e aprofundando tais
desigualdades. Agroecologia em tempos de pandemia
Comer é um ato político Como nunca, a pandemia de Coronavírus nos
revela a natureza sistêmica do nosso mundo: a saúde
O ato de se alimentar está diretamente ligado
humana, animal e ecológica está estreitamente
às condições de produção e acesso a alimentos em
vinculada. Sem dúvida, a Covid-19 é um chamado de
quantidade e qualidade para suprir as necessidades
atenção para a humanidade repensar nosso modo de
físicas e nutricionais da população, de forma a
desenvolvimento capitalista e altamente consumista,
garantir saúde e vida. Para tal, se torna necessário a
e as formas com que nos relacionamos com a natureza
implementação de ações e políticas públicas pelos
(NICHOLLS & ALTIERI, 2020).
países, de forma a garantir meios para essa condição que
chamamos de Soberania. Em um momento em que o mundo se mobiliza para
enfrentar uma crise sanitária e econômica, a agricultura
Porém, em alguns países como o Brasil, tais

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familiar de base agroecológica vem buscando apontar NEGROS E POBRES. https://www.casaum.org/nutricidio-
as respostas para a Soberania Alimentar da população pos-coronavirus-ameaca-negros-e-pobres/ publicado
brasileira. em 07/07/2020.
Demonstrando a importância da construção e SCHUTTER, O - Report of the Special Rapporteur on the
fortalecimentos de sistemas alimentares democráticos e right to food, Final report: The transformative potential
sustentáveis, que possam em situações de crise como a of the right to food, Human Rights Council Twenty-fifth
que vivemos, serem menos impactados, sobretudo em session Agenda item 3 Promotion and protection of all
um cenário de restrições nacionais e internacionais e human rights, civil, political, economic, social 102 and
medidas de isolamento social. cultural rights, including the right to development,
United Nations A/HRC/25/57, janeiro de 2014.
O agudo aprofundamento da crise sanitária e de
abastecimento alimentar desencadeado pela pandemia HOMERO.M. N; BAIRROS, F.S; MIRANDA, R. População
do Coronavírus funciona nesse exato momento como Negra e Insegurança Alimentar. Conselho Nacional
um exame de surpresa para testar nossa capacidade de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA.
coletiva de construir respostas efetivas à crise estrutural http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/
do sistema alimentar neoliberal (PETERSEN & MONTEIRO, ar tigos/2011/populacao -negra- e -inseguranca-
2020). alimentar.Publicado em 17/11/2011.
Por ser fundamentada por relações sociais, II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no
a Agroecologia procura respostas que estão além Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil [livro
da produção do alimento, mas busca soluções que eletrônico]: II VIGISAN: relatório final/Rede Brasileira
possibilitem o acesso a eles. de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar
– PENSSAN. -- São Paulo, SP: Fundação Friedrich
Reafirmo que comer é um ato político, é um
Ebert: Rede PENSSAN, 2022. Disponível em https://
direito que deve ser assegurado a todos os brasileiros/
olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/
as. As soluções para a erradicação da fome precisam
Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf
ser emergenciais, com o acesso a direitos fundamentais
como o à terra, moradia, educação, trabalho e renda, MBEMBE, A. Necropolítica: Biopoder, soberania, estado
que possam garantir condições dignas de sobrevivência de exceção, política da morte. Rio de Janeiro: n-1 edições,
a população. 2018.
Referências Bibliográficas: NASCIMENTO, A.L, ANDRADE, SLLS. Segurança alimentar
e nutricional: pressupostos para uma nova cidadania?
BRASIL. República. Emenda constitucional nº 64 Altera
Ciência Cultura 2010; 62(4):34-38.
o art. 6° da constituição federal, para introduzir a
alimentação como direito social (2010). Disponível em NICHOLLS, C.I; ALTIERI, M.A. A agroecologia em tempos
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ de covid-19. Traduzido por SOUZA, Brasil de Fato |
emendas/emc/emc64.htm. São Paulo (SP) | 01 de abril de 2020. Disponível em
https://www.brasildefato.com.br/2020/04/01/artigo-a-
DAT_LAB. laboratório de dados e narrativas na favela
agroecologia-em-tempos-de-covid-19
da Maré. NUTRICÍDIO PÓS CORONAVÍRUS AMEAÇA

11
5. Educação do campo, das florestas e das águas: duas décadas de lutas,
realizações e perspectivas
A ngela Massumi Katuta
André de Souza Fedel
Camila Campos de Lara Jakimiu
Valter de Jesus Leite

A educação do campo, das águas e das florestas os coletivos estaduais que se vinculam à Educação do
(EdoC) está fortemente ameaçada pelo projeto Campo na luta por Educação Pública, gratuita, laica e de
neoliberal, fortalecido no pós golpe de 2016 pela qualidade socialmente referenciada. Os dados obtidos
imposição curricular - promovida pela Base Nacional foram sistematizados no Caderno nº 5 da APEC intitulado
Comum Curricular (BNCC) e a contrarreforma do “Educação no contexto da pandemia de Covid-19:
ensino médio -, que amplia um violento movimento Escolas, atividades e condições de realização do Trabalho
de criminalização da diversidade curricular, centrado pedagógico no campo do estado do Paraná”. A seguir,
em uma concepção conservadora, racista, machista, apresentamos uma síntese do trabalho realizado:
homofóbica, anti-ciência e de intolerância às visões de
mundo, de conhecimento, de educação, fundadas na
justiça e na liberdade defendidas pelo campo popular.
Abordagens urbanas cêntricas e desenvolvimentistas • Mais de 300 municípios analisados (10
são fortalecidas e, por norma, apresentam o campo mesorregiões do estado)
em uma perspectiva única atrelada ao agronegócio,
ocultando as existências e demandas dos povos do • Quase 100 pesquisadoras(res),
campo, cuja diversidade característica é desconsiderada. educadoras(es), professoras(res), militantes
da educação do campo envolvidas(os)
Com a pandemia da Covid-19, o isolamento no processo: 12 organizações populares,
social se fez necessário como alternativa de combate 11 universidades, mais de 10 grupos de
à transmissão do vírus. Na educação, esta medida pesquisa envolvidos
auxiliou a acelerar a implementação de um conjunto de
tendências que já estavam em andamento na sociedade, • 1482 escolas pesquisadas (de distritos,
orquestradas pelo projeto neoliberal. Entre elas, o àquelas localizadas no campo, nas
uso de plataformas digitais e a efetivação de práticas comunidades rurais, escolas indígenas,
não presenciais na educação que acentuaram e, em escolas quilombolas, escolas das ilhas, casas
simultâneo, são expressão das amplas desigualdades familiares rurais, escolas de assentamento da
sociais e educacionais do país, principalmente no reforma agrária, escolas de acampamentos
contexto da EdoC. O ensino remoto emergencial (ERE) foi e/ou escolas itinerantes)
imposto e executado sem consulta às bases, impactando • Em nenhum dos mais de 300 municípios
severamente as escolas do campo que historicamente analisados, foi mencionada alguma prática
sofrem com as políticas de fechamento, com as de valorização do trabalho docente nas
dificuldades de acessibilidade, com a precariedade e/ou escolas (Fonte: Secretarias Municipais de
ausência de infraestrutura e outras precariedades. Educação)
Frente aos ataques no contexto da pandemia e • No estado, mais da metade dos municípios
a urgência em compreender os impactos e constituir tem característica agrária/agrícola, contudo,
formas e estratégias de ação coletiva, a Articulação muitos possuem menos de 2 escolas no
por uma Educação do Campo (APEC) desenvolveu campo
uma ação de pesquisa coletiva em todas as regiões
• Verificou-se disparidade de dados entre
do Paraná voltada ao fortalecimento das lutas pela
aqueles levantados e os disponibilizados pelo
EdoC, com o intuito de registrar e analisar as políticas e
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
práticas educacionais do governo do estado do Paraná
Educacionais Anísio Teixeira (INEP)
e dos municípios, bem como as condições em que
as atividades de ERE aconteceram no campo. Desse
modo, a pesquisa coletiva possibilitou: 1) atualizar os
dados sobre escolas estaduais e municipais localizadas
no campo; 2) reunir documentos nacionais, estaduais
e municipais referentes à conjuntura da pandemia
de COVID-19 e os respectivos encaminhamentos na
educação escolar; 3) compreender quais atividades
educativas e em que condições foram realizadas no
estado do Paraná, nas escolas do/no campo; 4) fortalecer

12
A Educação do Campo no Paraná, seguindo o
aprendizado coletivo de conjugar denúncia, resistência e
No contexto da pandemia: luta contra o projeto de sociedade e educação capitalista,
• Majoritariamente o ensino nas escolas com a proposição de práticas e ações concretas de
localizadas no campo não se deu pelas como pensar e fazer a educação e políticas públicas
plataformas pagas pela Secretaria Estadual comprometidas com os povos do campo, das águas e
de Educação, mas pelo esforço e trabalho das florestas, tem se dedicado, por meio dos diversos
das e dos educadoras(res) e outros sujeitos coletivos que integram a Articulação Paranaense
profissionais da educação por uma Educação do Campo, das Águas e das Florestas
(APEC) a desencadear e promover processos em defesa
• Verificou-se ausência de política pública
da educação pública, conforme anuncia o mapa a seguir,
municipal que valorizasse a educação e
organizado em abril de 2018 durante seminário de
também de materiais didáticos, indicando
celebração dos 20 anos da Articulação.
forte precarização
• O transporte escolar foi utilizado para
enviar tarefas e atividades escolares Proposta Multianos

• Detectou-se muitas escolas em processo Com o argumento de “não fechar escolas com
de cessação e outras sendo fechadas nesse poucos alunos”foi imposta no Conselho Estadual
período de Educação e suas Câmaras Temáticas sem
debater com as comunidades, configurando
• Há crescentes ameaças de fechamento de uma proposta autoritária. Somando às posturas
turmas e turnos da SEED, neste período, tende a ser mais uma
• Ampliação da precarização, sobrecarga estratégia para o fechamento de escolas do
e adoecimento dos/as educadores/ campo no Paraná.
as e servidores da rede estadual no
enfrentamento da dura realidade da
educação do/no campo A conexão entre Educação, Escola e Agroecologia
• Ampliação da imposição da proposta de é urgente e um desafio coletivo necessário que a
“Multianos” para as escolas do campo. Educação do Campo no Paraná vem enfrentando na
educação básica até o ensino superior, por compreender
a necessidade tanto do ponto de vista da luta social
pela existência e fortalecimento dos territórios dos
Em que pesem os retrocessos no contexto povos do campo, das águas e das florestas, quanto no
neoliberal de desmonte e de precarização das políticas âmbito da potencialidade política, formativa e ética da
públicas, muitas ações de resistência ativa têm sido agroecologia na formação humana. Ou seja, este desafio
exercitadas para preservar conquistas e avançar na luta integra a luta originária da Educação do Campo de
pela Educação do Campo, conforme anuncia o Fórum denunciar e enfrentar o projeto capitalista de exploração
Nacional de Educação do Campo (FONEC): da natureza e do ser humano, expressa pelas criminosas

“[...] as experiências de currículo construídas coletivamente com a participação de lideranças dos movimentos
populares e sindicais do campo e outras organizações populares, dos vários segmentos das escolas e dos
técnicos das secretarias de educação; seguimos avançando no fortalecimento dos vínculos entre escola e
comunidade, entre conhecimentos escolares e a realidade, com a valorização da organização coletiva, do
trabalho, da agroecologia, da alternância e da interdisciplinaridade; as mobilizações contra o fechamento
de escolas no campo que têm se ampliado nos estados com as Articulações, Comitês e Fóruns de Educação
do Campo com iniciativas conjuntas com o Ministério Público, as Defensorias Públicas, Assembleias
Legislativas e outras organizações governamentais e não governamentais parceiras. [...] experiências
educativas que se encontram em ação no âmbito da Educação do Campo. [...] a institucionalização das
Licenciaturas em Educação do Campo, a ampliação dos cursos de extensão universitária, a formação
continuada de educadores/as pelo Programa Escola da Terra; os cursos técnicos e de Especialização
com o Programa Residência Agrária e outros cursos de graduação, como Direito da Terra. [...] resistência
contra os ataques que o PRONERA vem enfrentando pelo governo federal [...] buscando alternativas para
o financiamento de novas ações nos territórios camponeses com o apoio de diversos setores do poder
público, com destaque para a destinação de emendas orçamentárias para recomposição do orçamento do
PRONERA. [...] [ampliação da] ocupação das Universidades e da pós-graduação com os sujeitos e coletivos
que constroem a Educação do Campo. [...] conquistamos a aprovação, pelo Conselho Nacional de Educação,
de Parecer e Resolução sobre a Pedagogia da Alternância (Resolução n.º 22/2022)” (FONEC, 2021, p. 3-4).

13
práticas destrutivas do agro-minero-hidro-negócio que Educação do Campo das Águas e das Florestas. Março
ocasionam irreparáveis danos ambientais, sociais e de 2022.
econômicos, ao passo que anuncia e afirma a luta pela
APEC. Educação no contexto da pandemia de covid-19
humanização fundada na Agroecologia e na Reforma
escolas, atividades e condições de realização do trabalho
Agrária Popular, enquanto alternativas para a produção
pedagógico no campo do estado do Paraná. Francisco
de alimentos saudáveis, para gerar novas relações
Beltrão – 2022 (no prelo).
humanas, geracionais e de gênero, tendo a centralidade
no ser humano e nas condições de vida no campo e na FONEC. RESISTÊNCIA ATIVA: A Educação do Campo e os
cidade. Trata-se, portanto, de edificar uma postura ético- desafios para 2022. Maio de 2022.
política comprometida com a humanidade no presente OBSERVATÓRIO DA QUESTÃO AGRÁRIA NO PARANÁ
e no futuro. (Org.). Atlas da Questão Agrária no Paraná: Diálogos em
Referências Construção (e-book). Naviraí/MS: Ipuvaíva, 2021, v. 1, p.
273.
APEC. Carta da Articulação Paranaense Por uma

19ª Jornada de Agroecologia 2022 CURITIBA


PARANÁ

O mapa apresenta as territorialidades


construídas em duas décadas de luta
da articulação no Paraná, expressas
em diversas ações promovidas pela
mesma como a criação: de programas
de alfabetização, de políticas públicas
e marcos legais – leis e resoluções, de
cursos de formação inicial e continuada
de educadoras e educadores –
licenciaturas e cursos de pedagogia,
de escolas itinerantes, de escolas do
campo, das águas e das florestas,
centros de formação camponesa –
ELAA:
• Escola Latino Americana de
Agroecologia/Lapa,
• Escola Milton Santos de
Agroecologia/Maringá,
• CEAGRO: Centro de
Desenvolvimento Sustentável e
Capacitação em Agroecologia/
Laranjeiras do Sul,

14
6. Solidariedade: marmitas da terra, mutirões agroecológicos, a luta pelo
território e o entrelaçamento entre campo e cidade.
É pouco antes das seis da manhã de sábado. contaminação do solo e da água, um dos efeitos desse
Acordo e um pouco relutante começo a me preparar modo de produzir é a perda da biodiversidade, devido
para ir até o CEFURIA, o “Centro de Operações” do à homogeneização da produção. Mas como sabiamente
Coletivo Marmitas da Terra, onde funciona nossa cozinha lembra Adriano, essa uniformização vai além e chega
comunitária, desde maio de 2020, e também ponto a cultura, nossos gostos, nossa forma de pensar e nos
de encontro para a saída em direção ao Assentamento relacionar.
Contestado, na Lapa, a 60 km de Curitiba. Em um desses
Ao destruir a natureza, o agronegócio destrói
sábados estávamos caminhando de volta, depois da
também modos de vida, saberes ancestrais e práticas
manhã de trabalho coletivo nas hortas agroecológicas,
sociais. Uma dessas práticas é o mutirão, sendo muito
quando Adriano, professor e assentado, me diz que
mais que uma “mobilização coletiva para auxílio mútuo”,
“A matriz tecnológica da produção da agricultura não
como define o dicionário. O mutirão é uma tecnologia
foge da matriz tecnológica da sociedade na totalidade.
social, uma categoria de inventividade forjada a partir
Transformar a agricultura em uma mercadoria,
da união e da colaboração. Ao contrário do trabalho
uniformizar a agricultura e nesse sentido, uniformizar a
capitalista, o mutirão não é realizado em troca de uma
cultura e a forma de se alimentar”.
recompensa financeira. É um tipo de trabalho “criador”,
Um dos argumentos mais utilizados por aqueles ou como dizemos aqui, “instituinte” capaz de dar vazão
que defendem o modelo de produção agrícola do à “ [...] laços de amizade, novas ações, maneiras de
agronegócio é a tecnologia. Afinal de contas, é inegável coordenar e cooperar e, sobretudo, regras tácitas de
como esse modo de produzir é muito mais “moderno” e ajuda mútua e cumplicidade” (DARDOT; LAVAL, 2017,
“avançado”. Não é à toa que esse imaginário extravasa p. 515). Poderíamos adicionar, entre essas palavras,
os limites dos latifúndios e chega nas telas com o certamente a ideia de solidariedade. Não aquela
slogan “agro é tech, agro é pop”. No entanto, o que as solidariedade convencional e mecânica que nada faz
propagandas escondem é que por detrás dessa aparente senão reproduzir a matriz individualista da sociedade,
“tecnologia de ponta” há muita destruição. mas sim, uma solidariedade crítica e reflexiva, isto é, que
reconhece as causas das condições de desigualdade e se
Tal destruição se expressa de maneira mais evidente
coloca ativamente na luta contra elas.
na natureza, pois para que as sementes geneticamente
modificadas atinjam a produtividade propagandeada, é Durante esses mais de dois anos de atividade, o
necessária uma quantidade colossal de veneno. Além da Coletivo Marmitas da Terra soube colocar em prática

Foto: Juliana Barbosa/MST no PR

15
tal compreensão crítica de solidariedade, através da que nós, mulheres camponesas e urbanas, possamos
produção semanal das marmitas, sobretudo a partir refletir e fazer a denúncia sobre como a atual crise tem
da expansão do fazimento da cozinha para as hortas impactado nossa vida cotidiana e o anúncio sobre quais
agroecológicas no Assentamento Contestado e para são as práticas de resistência e de reprodução da vida
bairros da periferia de Curitiba. Atualmente, todas as que têm sido realizadas em nossos territórios.
verduras e legumes utilizados como insumos para as
Como principal denúncia, apontamos a
marmitas, advém dessa produção coletiva. Mas o que
dificuldade de acessar o direito básico à alimentação e
se produz nas nossas lavouras vai além das rúculas,
o fato de haver mais de 33 milhões de pessoas passando
escarolas, couves, abobrinhas, batatas, repolhos etc.
fome no Brasil, sendo que mais da metade da população
Esse além reside na potência criadora existente no
do país, cerca de 125,2 milhões de pessoas vive algum
trabalho desalienado, capaz de dar vazão a relações
grau de insegurança alimentar, conforme aponta o 2º
de cooperação e reconhecimento mútuo, fazendo com
Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no
que os mutirões sejam também poderosos espaços
Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado
pedagógicos e capazes de integrar pessoas de diferentes
recentemente pela Rede Penssan.
realidades e trajetórias sociais ao redor de um objetivo
comum: a emancipação da sociedade. Josué de Castro foi pioneiro no estudo da fome
no país e em seu livro, Geografia da Fome, publicado em
6.1 É tempo de resistir: Mulheres camponesas e 1946, já identificava que “A fome não é um fenômeno
a agroecologia no enfrentamento da fome. natural. É um fenômeno social, produto de estruturas
Marcieleh Lemos Rodrigues4 econômicas defeituosas”. Este fenômeno hoje se explica
pelo avanço no agronegócio, do latifúndio e de regimes
Sem a natureza não existimos mais, ela é a base de nossa alimentares onde a comida perde seu status de alimento
vida. Lutar pela Terra, lutar pelas plantas, lutar pela e se transforma em mais uma mercadoria a circular a
agricultura, porque se não vivermos dentro da agricultura, partir da lógica do capital financeiro.(GOLDFARB, 2012)
vamos acabar.
Não tem vida que continue sem terra, sem agricultura. Em resistência a esses processos, como anúncio
Ana Maria Primavesi de outras possibilidades, a pandemia também foi tempo
e espaço de solidariedade nos territórios, de criar redes,
Desde a 18ª Jornada de Agroecologia, no ano de mobilizações e ações por todo o estado do Paraná,
de 2019, intensificaram-se os desafios para aqueles
que vivenciam e defendem outras formas de viver e A cidade de Curitiba, por meio das ações do
se relacionar com a natureza a partir da Agroecologia. coletivo Marmitas da Terra, coordenado pelo Movimento
É possível caracterizar diferentes crises na atual dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-PR do Paraná, é uma
conjuntura. Uma crise sanitária, causada pelo avanço da dessas experiências que nasce na pandemia e se destaca
pandemia de COVID-19 pelo mundo, mas também uma pelo protagonismo das camponesas articuladas às
forte crise política, econômica e humanitária que marca trabalhadoras urbanas.
o Brasil e seu atual governo. Como alternativa ao aumento da fome, em
Atualmente, no ano de 2022, vemos estratégias junho de 2022 o coletivo completou a marca de
neoliberais se intensificarem e o aproveitamento destes 130 mil refeições partilhadas em Curitiba e Região
períodos de crises servindo para, em certa medida, Metropolitana. Semanalmente ocorrem ações de
racionalizar as irracionalidades criadas pelo sistema solidariedade do coletivo, com a distribuição de almoço
capitalista. Os sacrifícios exigidos são direcionando à para pessoas em situação de rua e trabalhadores em
classe trabalhadora pela possibilidade de diminuição da praças e comunidades mais vulneráveis.
taxa de lucro dos capitalistas, classe essa que também
foi a que mais sofreu durante a pandemia, seja pela
vulnerabilidade das condições de vida e de exposição ao
vírus, seja pela falta de renda e desemprego decorrentes
da pandemia.
O Brasil sofre os resultados da crise e vemos filas
para se repartir os ossos e restos de carne entre os mais
vulneráveis. Para pensar a transformação de realidades
Paulo Freire já nos apontava que a mudança do mundo
implica na dialetização entre a denúncia da situação
desumanizante e o anúncio de sua superação(…)
(FREIRE, 2004, p. 79)
Foto: Juliana Barbosa/MST no PR
É frente a esse contexto que se torna fundamental
4 Geógrafa pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista em Alternativas para a Nova Educação UFPR- Setor Litoral. Atua
como educadora na rede pública de ensino e é militante do Coletivo Marmitas da Terra.

16
Se a face da pobreza muitas vezes é feminina, No sábado dia 12, houve a continuidade do plantio
as mãos que anunciam e lutam para construir caminhos agroecológico, manejo da horta, atividades culturais,
para superá-la também são. discussão do racismo e homenagem para Marielle
Franco, no Assentamento Contestado. Pela manhã o
Nós, mulheres camponesas e urbanas, somamos
grupo de militantes presentes rumaram em marcha para
esforços na luta pela vida e em defesa da agroecologia
a agrofloresta, com uma canção entoada pela cantora e
no mês de março de 2022, durante a Jornada de Luta
militante Susi Monte Serrat após uma poesia exaltando
das Mulheres Sem Terra. Plantamos mais de 28 mil
a importância, o reconhecimento e a luta das mulheres
mudas, sementes e árvores com a certeza que é no
todos os dias (QR code 1). Após a apresentação de Susi,
vínculo com à terra, com a natureza e na solidariedade
a banda Matula Roots subiu ao palco para executar três
que se constroem caminhos mais humanos, diversos e
músicas de seu repertório autoral, entre elas o tema
agroecológicos para as tantas situações desumanizantes
Filhos da Terra (QR code 2).
que o cotidiano nos apresenta.
Laudy Gomes, cantora, compositora e integrante
No decorrer da 19ª Jornada de Agroecologia,
do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por
parte dos alimentos doados nas ações de solidariedade
Direitos (MTD) também fez falas sobre sua infância e sua
serão frutos da colheita do mutirão da Jornada de Lutas
trajetória de vida, como mulher negra e pobre, assim
das Mulheres. Assim, entrelaçamos sujeitos, lutas e
como desafios encontrados durante a maternidade,
territórios rurais e urbanos para reafirmarmos, na prática,
como procurar educar e criar sua filha para não passar
que sem feminismo, não há agroecologia.
pelos mesmos problemas sem o devido apoio. Ao
Referências: terminar sua fala, Laudy cantou com sua filha Sofia uma
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes música de sua autoria (QR code 3).
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; Esta canção foi marcada por sensibilizar grande
2004. Coleção Leitura. parte do público presente no evento, durante a execução
GOLDFARB, Yamila. A agricultura a partir do da música foi possível observar várias pessoas da plateia
neoliberalismo: financeirização, poder corporativo e emocionadas com o teor da canção e o momento
as ameaças à soberania alimentar. Agrária (São Paulo. vivenciado, completamente coerente com as falas que
Online), n. 17, p. 42-58, 2012. ocorreram anteriormente e trouxeram o sentimento
de esperança nas lutas feministas e pelo coletivo na
HARVEY, D. O Enigma do Capital: e as crises do capitalismo. totalidade.
Tradução de João Alexandre Peschanski. São Paulo, SP:
Boitempo, 2011. 224p. Após a apresentação de Laudy e Sofia, a cantora
Suzi encerra as atividades culturais do dia com mais
6.2 Marmitas da Terra e a Cultura duas composições próprias. Ao final, todas as pessoas
Renan Elias - GRUPETNO UFPR presentes se reuniram para tirar uma foto do coletivo,
portando as bandeiras dos movimentos sociais e com
Encontra-se no Dicionário da Educação do Campo seus punhos esquerdos levados ao alto.
(2012) uma explicação sistemática sobre o verbete
“cultura camponesa”, definição que está diretamente Este recorte foi apenas um dos vários exemplos de
ligada às diversidades culturais que o Sem-Terra possui como a cultura está presente nas ações do Marmitas da
neste país de dimensões continentais e pluriétnicas Terra, utilizada como ferramenta para engajamento dos
que caracterizam o Brasil, decorrências do intenso fluxo militantes mas também para valorização dos saberes das
migratório e das miscigenações ocorridas sobretudo no pessoas que compõem este coletivo de lutas pautado na
meio rural, que deu origem a povos distintos entre si e solidariedade e na mudança social.
que carregam em comum a herança do colonialismo. 6.3 Hortas urbanas: Transformando a cidade
Em meio às várias atividades culturais realizadas através da agroecologia
pelo coletivo Marmitas da Terra nos mais de dois anos
de atuação, destacamos aqui as ações de formação e
conscientização sobre o Dia Internacional da Mulher
simbolizado no dia 08 de março, realizadas em 2022.
Sob o lema “Terra, Trabalho, Direito De Existir: Mulheres
Em Luta Não Vão Sucumbir”, diversas atividades foram
realizadas nesta semana de lutas: no dia 08 houve a
marcha “Pela vida das mulheres, Bolsonaro nunca mais!
Por um Brasil sem machismo, sem racismo e sem fome!”;
no dia 09 a produção e distribuição de 1.100 Marmitas
da Terra em praças e ocupações de Curitiba e Região
Metropolitana; além da campanha de doação de sangue
no Hemepar ao longo da semana.

17
Foto: Thiago Bizzotto
A humanidade está vivenciando uma violenta com a natureza, educação socioambiental, preservação
crise socioambiental gerada por um sistema mal de biodiversidade, de encontro e convivência entre as
desenvolvido, que ao buscar lucro a qualquer custo e pessoas e reflexão sobre o mundo em que vivemos e
incessantemente, devasta a biodiversidade, transforma como queremos melhorá-lo para as próximas gerações.
à terra em commodities e condiciona as pessoas a meros
Dentro desse contexto que surge o Hortas Curitiba,
números.
um coletivo em constante desenvolvimento com
As consequências disso são um profundo objetivo de partilhar mudas, sementes e saberes para
desencanto, já que a maioria da população mundial não construção, aprimoramento e fortalecimento de hortas
consegue realizar os sonhos de boa vida e prosperidade residenciais, pedagógicas, comunitárias e medicinais,
material vendidos pelo capitalismo. interligando os territórios para discutir e transformar a
cidade a partir da organização das comunidades.
Pelo contrário, segundo a Rede PENSSAN
(2022), só no Brasil temos 125,2 milhões de pessoas Referências:
em insegurança alimentar e outras 33 milhões em
EMICIDA. Passarinhos. 2015. Disponível em: https://
situação de fome. A própria lógica do sistema faz com
www.youtube.com/watch?v=IJcmLHjjAJ4. Acesso em:
que as pessoas passem a acreditar que isso é culpa
12 Jun. 2022.
delas mesmas e, mesmo as que buscam resolver esse
desencanto de forma individual, não conseguem, já que FAO. Guiding the Transition to Sustainable Food and
problemas coletivos necessitam de soluções igualmente Agricultural Systems the 10 Elements of Agroecology.
coletivas. 2016.
É nesse sentido que a agroecologia pode ser PENSSAN, Rede. II Vigisan, Inquérito Nacional sobre
combustível para reacender o fogo do encantamento, Insegurança Alimentar no contexto da pandemia da
sendo um conhecimento que integra conceitos COVID-19 no Brasil. Rio de Janeiro: Rede Penssan, 2022.
ecológicos e sociais, consistindo na cocriação do saber,
combinando o científico e tradicional, teorias e práticas
locais, promovendo autonomia e capacidade adaptativa,
gerando empoderamento das comunidades (FAO, 2016).
Com isso, as hortas urbanas com base
agroecológica, são verdadeiras ferramentas de
emancipação que transformam cidades que “são aldeias
mortas” (EMICIDA, 2015) em comunidades vivas, já que
além de serem espaços que visam fortalecer a segurança
alimentar e nutricional, também são lugares de conexão

18
19ª Jornada de Agroecologia 2022 CURITIBA
PARANÁ

As mulheres são sujeitas da Agroecologia, no entanto vários segmentos da sociedade capitalista e patriarcal invisibilizam as
mulheres e suas diversidades.
Essa invisibilidade contribui para esconder o cotidiano das mulheres e aqui destacamos a questão das violências que elas
têm sido vítimas.
O Atlas da Questão Agrária no
Paraná traz um capítulo que nos
chama à reflexão sobre a violência
contra mulheres e a importância de
pensar esta exclusão e desigualdade
como geradora de violências contra
as mulheres.
No campo ainda predomina a
concepção política e cultural
de família patriarcal, na qual o
poder dos homens desvaloriza as
mulheres e as gerações mais jovens,
desconsiderando seus papéis
de protagonistas na construção
da vida no campo. Ao mesmo
tempo, a distância entre as casas
favorece o processo de segregação
e dominação, especialmente das
mulheres, que se veem isoladas e
sem apoio para romper o ciclo de
violência.

7. A Saúde Popular no Enfrentamento a Pandemia


“A saúde é o resultado não só de nossos atos, como também de nossos pensamentos.”( Mahatma Gandhi)
O Movimento Sem Terra, entende que para ter âmbito da Saúde, vejamos:
saúde é necessário que tenhamos uma alimentação
a) Saúde preventiva: é tudo o que fazemos
saudável e equilibrada; ter casa boa para morar; ter acesso
para garantir saúde às pessoas . Vai desde o
a saneamento básico; ter terra para produzir alimentos
saneamento básico, o cuidado com as águas,
e renda; ter capacidade para viver e se relacionar em
com a proteção da terra, a produção de alimentos
comunidade, na coletividade; É ter condições de lutar,
limpos, a agroecológicos, alimentação saudável
pessoal e coletivamente, contra tudo o que nos oprime.
e equilibrada, as vacinas, os exercícios físicos, a
É também lutar pelo direito ao SUS e às políticas públicas
habitação digna, o cuidado com a saúde mental,
em saúde. É preciso ter os direitos humanos garantidos.
as relações de gênero, e todas as relações que
E a Saúde popular trabalha estes aspectos , sem deixar
estabelecemos ao produzir e reproduzir a vida na
de se enriquecer com os conhecimentos milenares de
Reforma Agrária Popular.
nossos antepassados, conhecimentos que vem do corpo
e suas reações, da natureza, das ervas, das massagens b) O cuidado: quando adoecemos,
e tantos outros que nossas avós praticavam e nos nosso organismo debilitado por algum motivo,
ensinaram. precisamos de cuidado. O acolhimento, as
terapias, os chás, as massagens, as benzeduras,
O trabalho de Saúde Popular no Movimento
a homeopatia, a escuta amorosa e sensível do
Sem Terra vem sendo praticado desde os primeiros
outro/a e outras muitas terapias que conhecemos
acampamentos e assentamentos de Sem Terra. Nasceu
e também os cuidados médicos e em último caso a
das necessidades de atendimento à saúde e o descaso
alopatia. Também aqui o cuidado com as relações,
dos governos para com os Sem Terra. A grande maioria
pessoais e sociais. O cuidado com as pessoas, com
das pessoas que se dedicam a esta tarefa são mulheres,
as famílias.
por que são elas, geralmente, na família e na comunidade
preocupadas com a saúde e bem-estar de todos e todas. c) Políticas Públicas: é dever do Estado
E historicamente, às mulheres a sociedade conferiu a garantir o bem-estar da população, por isso
tarefa do cuidado a elas. também precisamos lutar pelos direitos à saúde
pública. Tanto a preventiva como a curativa. Já
O Movimento trabalha diferentes aspectos no
temos a conquista do SUS, sendo uma conquista

19
do povo organizado que garante como dever do e prevenção);
Estado na Constituição Federal de 1988 a saúde
• Disseminar a necessidade do cuidado com o
para todos/as brasileiros/as e outros povos que por
planeta, com a terra, consigo mesmo e com os
aqui passam e precisam de atendimento médico.
outros como uma tarefa revolucionária;
Também abrange toda a saúde preventiva. É
a política pública em saúde mais eficiente do • Orientar sobre os cuidados com a saúde,
mundo. E corre neste momento grande risco de produção e alimentação saudável, garantir a
ser diminuído ou até extinto por este governo imunidade;.
genocida. Precisamos continuar lutando em • Organizar com as famílias lutas em defesa do
defesa do SUS e para chegar em todos os locais, SUS, de políticas públicas para garantir saúde
cidade e campo com toda sua eficiência. Posto das pessoas que vivem no Campo e de todos/as
de Saúde no assentamento(UBS); academia ao trabalhadores/as.
ar livre para os idosos; e outras políticas de que
temos direito. Organizamos um programa que vai para além
das orientações e cuidados com relação a COVID19.
d) Defender o SUS e todas as conquistas Iniciamos com as orientações para entender o que é o
no âmbito da Saúde integral das populações do Novo Corona Vírus, cuidados e como orientar as famílias-
campo, das florestas e das águas participando ação prática de iniciar seu trabalho como Agente Popular
dos Conselhos de Saúde em todos os níveis (local, de Saúde do Campo, com método do trabalho de
municipal, estadual e municipal) saúde popular, avaliações, esclarecimento de dúvidas e
As Agentes Populares De Saúde Do Campo problemas encontrados.
Desde o início da pandemia do novo CORONA Mas a programação foi além fizemos uma
VIRUS - COVID19 a orientação no MST foi cuidar do introdução aos grandes temas que um agente de saúde
nosso povo. Cuidar da militância, mas sobretudo cuidar popular precisa dominar como: conhecendo o Sistema
e orientar as famílias acampadas e assentadas de todas Público de Saúde do Paraná; Alimentação Saudável;
as áreas de Reforma Agrária, sobre a necessidade Elementos da Fitoterapia; SUS – “Sem Direitos não dá
do cuidado. “Não podemos perder ninguém para o para ficar em Casa”; Conhecendo o Setor de Saúde do
COVID19”. MST; Saúde Mental ; Gênero , Patriarcado e Violência; A
Questão das Drogas – Lícitas e Ilícitas. No processo do
A orientação era seguir os protocolos estabelecidos curso fomos fazendo avaliações, trocas de experiências,
pelas autoridades sanitárias: distanciamento social, retomando temáticas, trazendo outros temas conforme
uso da máscara, lavar as mãos seguidamente, fora de as dificuldades, problemas e interesses trazidos pelas
casa, usar álcool gel 70º , evitar aglomerações. Foram companheiras e companheiros do curso.
canceladas todas as reuniões, cursos, encontros ,
militância parou de circular e em muitos assentamentos Se inscreveram para o curso 103 companheiras/
e acampamentos , onde foi possível restringir a entrada os, chegamos no final de 2020 com 82 participantes,
e circulação de pessoas de fora, visitas de parentes e 95% mulheres. Iniciamos as aulas em agosto e foi até
amigos e outros. dezembro de 2020.
Mas como fazer as informações chegarem de forma Todo o curso foi feito de forma online. Tivemos
segura para todas as famílias? E, em simultâneo, iremos que vencer muitos obstáculos, a maioria mulheres e que
fazer o debate de como cuidar melhor de nossa saúde só usava o celular para as redes sociais — aprender a
cuidando do planeta, da terra conquistada, produzindo usar a ferramenta; a internet no interior é muito ruim e
alimentos com relações de produção saudáveis e, em em alguns lugares não têm acesso, algumas se deslocam
simultâneo, promovendo a vida saudável em todos os até 40 km para participar das aulas, dias de chuva ou
sentidos? Que cuidados com seu próprio corpo e com não tem internet, ou fica caindo o tempo todo; organizar
os outros? o curso, as aulas, as avaliações, as práticas tudo online foi
um grande desafio, foi preciso se reinventar.
Frente a estas questões e espelhados na
experiência da “Periferia Viva “ de Recife , o Setor de Saúde, Ao final de setembro, a direção do Setor de
do MST do Paraná, em diálogo com a Direção Estadual Saúde e a CPP (Coletivo Político Pedagógico) do curso
do Movimento constrói a proposta da : FORMAÇÃO DE entendeu a necessidade de ir nos locais onde os/
AGENTES POPULARES DE SAÚDE DO CAMPO, de forma as Agentes estão atuando. Com todos os cuidados e
“online”, para Preparar militantes voluntários/as dos protocolos, uma equipe visitou os locais e se reuniu com
Assentamentos/Acampamentos e setores para fazer Agentes e dirigentes das Brigadas onde se debateu o
trabalho de: que entendemos por saúde e o que é como ir fazer este
trabalho nos locais. Como articular e organizar as pessoas
• informação, orientação, e acompanhamento que fazem trabalho de saúde nos assentamentos e
das famílias assentadas e acampadas, e , nas ações acampamentos?
dos setores, sobre o COVID19 (o que é , cuidados

20
Em todos os locais encontramos os/as agentes e agora, em 2022 retomamos as aulas online e queremos
atuando com muita garra e todos/as de forma voluntária. fazer dois momentos presenciais , pois a realidade da
Também tivemos o entendimento que as diferenças pandemia já nos permite.
regionais são muito grandes, a cultura, o momento que
Este trabalho, com as Agentes Populares de Saúde
está cada local, a forma de organizar a produção agrícola,
do Campo, garantiu que perdêssemos pouquíssimos
o esforço para produzir sem veneno e agroecológico e a
companheiros e companheiras de nossas áreas para
forma de organizar a vida em cada local é diversa.
o Covid-19 e baixa infectamento . A adesão massiva a
Entendemos que ao organizar o trabalho de vacina contra o COVID19 e outras vacinas, resgate dos
orientações e cuidados com a saúde a realidade local hortos medicinais, a volta aos cuidados com a saúde e a
precisa ser considerada as diferenças que existem. Mas prática da agroecologia e ainda fortaleceu a organização
uma pergunta pode ser feita em todos os locais: “o que do Setor de Saúde de cada local e estadual.
gera saúde e o que gera doença neste Acampamento ou
E dentro deste esforço de garantir a saúde às
Assentamento”? A resposta certamente difere em cada
populações do campo, depois de oito anos de lutas,
local e é a partir daí que podemos começar a conversar
negociações conquistamos o primeiro Curso ao nível
sobre saúde.
de graduação superior o Curso de Bacharelado em
Compreendemos a importância de insistir na Enfermagem com ênfase em Saúde Pública, junto a
necessidade de organizar o Setor de Saúde desde cada UNIOESTE, Campus de Foz do Iguaçu e em parceria com
local, pois os problemas de saúde-doença acontecem lá o INCRA/PRONERA. Uma grande conquista em tempos
onde as pessoas, famílias vivem e tem muito a ver como de pandemia e negacionistas.
produzem e reproduzem a vida.
“Os seres humanos são preciosos, pois com sua inteligência,
Continuamos a formação em 2021, já com o trabalho e organização podem proteger e preservar todas
incentivo, orientações, organização e acompanhamento as formas de vida.” (Doc. MST)
às vacinas em cada local, sendo a formação ainda online

8. Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis: um desafio para as


escolas do campo
Bárbara Loureiro
Dionara Ribeiro
João Flávio Borba
Valter de Jesus Leite
forma articulada a geração de novas relações humanas,
geracionais e de gênero.
A Agroecologia passa a ocupar maior centralidade
no programa político do MST, tanto do ponto de vista
da concepção, abordagem e prática da Agroecologia
como na própria análise da atuação do capital no
campo, compreendendo a necessidade de afirmar e
construir a Agroecologia e a RAP como uma hegemonia
A Reforma Agrária Popular (RAP) se coloca como alternativa para enfrentar o problema da fome e da
um projeto emergente para o conjunto da sociedade. desigualdade social no Brasil confrontando diretamente
As contradições oriundas da crise social, política, o agro-minero-hidro-negócio, responsáveis pelos crimes
econômica e fundamentalmente ambiental que a ambientais, o envenenamento da água, do solo, dos
sociedade atravessa em decorrência da forma que o alimentos e da insegurança alimentar.
projeto capitalista explora a natureza e o ser humano Com essa compreensão coletiva, em janeiro de
que possuem sua origem nas criminosas e destrutivas 2020, durante a reunião da Coordenação Nacional do
práticas do agro-minero-hidro-negócio, evidenciam a MST, visando articular a reflexão e o cuidado prático dos
necessidade da Reforma Agrária Popular. bens comuns, como a água, a terra, a biodiversidade
A Reforma Agrária Popular como expressão e minérios com a produção de alimentos saudáveis,
do programa político de luta do Movimento dos plantio de árvores e a recuperação de áreas degradadas,
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de construção foi lançado o Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir
da Reforma Agrária, desde o 6º congresso resgata a Alimentos Saudáveis, com intuito de plantar 100
função social da terra, sustentada na produção de milhões de árvores em 10 anos, combinado à produção
alimentos saudáveis e na recuperação, preservação e agroecológica de alimentos.
cuidado com os bens comuns, os biomas e territórios, de

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Acreditamos que para atingir a meta de plantar
100 milhões de árvores até 2030, precisamos envolver o
conjunto da nossa organização e todas as nossas forças,
tornando o plantio de árvores como cultura e uma
prática para toda a vida de cada Sem Terra e criança Sem
Terrinha.
Plantar árvores e produzir alimentos saudáveis é
uma tarefa coletiva de longo tempo. Exige perseverança,
planejamento, estudo, pesquisa, técnicas, metas e
organização coletiva; precisa envolver as diferentes
gerações, crianças, jovens, adultos e idosos; com
engajamento das Escolas, as Universidades, os Centros
de Formação e de Pesquisa, de forma articulada
com diferentes setores da sociedade que possuem
compromisso social, humano e político com a
humanidade.
Importante compreendermos que o Plano Foto: Estudantes da EEEFM Paulo Tristão Purinha (Linhares-
Nacional, necessariamente passa pelo processo de ES) durante mutirão nacional de plantio de árvores
plantio de árvores, mas está além do plantio em si, ele convocado pela Plenária Nacional Egídio Brunetto no dia 07
se coloca como uma ferramenta de luta a favor e em de junho de 2022.
defesa das diversas formas de vida e dos territórios dos
povos do campo, das águas e das florestas. Ou seja, é um e da própria escola do campo. Esta vinculação, reafirma
instrumento de luta e denúncia da lógica capitalista de as raízes da Educação do Campo e fortalece seu papel
conversão dos bens comuns da natureza em mercadoria político, ético, organizativo e pedagógico na atualidade,
e de anúncio da Agroecologia, da Justiça Social e construindo caminhos para ressignificação da função
Ambiental; da luta pela democratização da terra e pela social e ambiental da escola na luta pela humanização
construção da Reforma Agrária Popular. dos territórios e enquanto guardiãs da biodiversidade.
O Plano Nacional tem assumido cada vez mais Mediante o grandioso desafio e a nobre missão
um caráter educativo e formador de consciência na portadora de futuro que o Plano Nacional reafirma neste
atualidade, justificando a relevância da inserção das tempo histórico, queremos dialogar com as educadoras,
escolas nesta tarefa, tanto no que diz respeito à dimensão educadores e estudantes das Escolas do Campo,
de participarem desta construção coletiva e de fazerem fundamentalmente das Escolas de Assentamentos
avançar o Plano nos territórios; quanto pela dimensão e Acampamentos, sobre como podem participar
formativa, concebendo o Plano Nacional, a Questão coletivamente no cuidado com os bens naturais comuns,
Ambiental e a Agroecologia enquanto objeto de estudo na produção de alimentos saudáveis e na construção da
na prática educativa e parte da formação geral básica soberania alimentar dos povos e no enfrentamento a
dos educadores e estudantes, seja compreendendo o crise ambiental.
desenvolver histórico e causas da crise ambiental ou
na apropriação dos fundamentos, dos conteúdos e das
técnicas vinculadas a práxis agroecológica.
A inserção das escolas do campo nos processos
de massificação das bases científicas da Agroecologia,
dos fundamentos da Reforma Agrária Popular e no
enraizamento do Plano Nacional Plantar Árvores e
Produzir Alimentos Saudáveis, é uma tarefa inadiável por
ampliar o sentido formativo dos processos educacionais

Nos dois primeiros anos de Plano, 2 milhões


de árvores plantadas e de 100 unidades da
Rede de Viveiros Populares foram construídas
por todo país.

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Foto: Estudantes no viveiro de mudas da Escola Municipal do Campo Zumbi dos Palmares e Colégio Estadual do Campo
Aprendendo com a Terra e com a vida (Cascavel, PR), antes da realização do mutirão de plantio de árvores no dia 7 de junho
de 2022.

O Plano e as Escolas - Como podemos avançar nesta vinculação?

Organicidade Planejamento produtivo


• Apresentar o Plano Nacional ao conjunto da • Construir hortas, “quintais produtivos” de base
comunidade escolar, caso isso não tenha ocorrido agroecológica; pomares; viveiros de mudas;
ainda; agroflorestas; reprodução de sementes crioulas;
coleta de sementes; processamento de produtos
• Convidar pessoas da coordenação do Plano no
locais;...
seu estado, região ou comunidade para socializar
o planejamento existente e identificarem as • Fazer dos espaços produtivos laboratórios vivos
formas específicas que a escola pode se inserir e unidades pedagógicas para desenvolver
considerando sua finalidade educativa e experimentos, pesquisas, com intencionalidade
potencializando ações intersetoriais; pedagógica na capacitação organizativa dos
estudantes e na relação entre os conteúdos
• Definir um coletivo escolar do Plano Nacional com
educativos do trabalho com o ensino de conteúdos
educadores/as, estudantes e outros sujeitos da
de diferentes disciplinas ou áreas;
escola;
• Realizar recuperação e cuidado com as nascentes
• Organizar o planejamento das ações a partir da
e áreas de preservação — realizar um diagnóstico
escola, incluindo metas, principais atividades,
do que temos de nascentes, rios, veredas, e
calendário das ações de plantio de árvores na
qual o grau de conservação elas se encontram;
escola, em áreas comunitárias, jardins, proteção
Compreender o papel e importância das reservas
de nascentes;
legais nos assentamentos, trilhas agroecológicas
• Calendário de mobilização de plantio de árvores, pedagógicas.
considerando as datas dos biomas, dia da árvore,
• Sistematizar essas experiências construídas desde
dia da água, dia da árvore, dia da agroecologia,
as escolas, sendo muitas e diversas.
entre outras datas.

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Foto: Estudantes da Escola Chico Mendes (Hulha Negra RS) durante participação na Plenária Nacional Egídio Brunetto.

Formação Foto: Estudantes da Escola Itinerante Paulo Freire (Paula


• Quais são os elementos ambientais do nosso Freitas, PR) durante mutirão de plantio de bananeiras.
território? E quais processos de estudo e pesquisa
podem ser realizados? Fortalecer as experiências
formativas existentes vinculadas à educação e à
agroecologia. Planejar o estudo dos diferentes
biomas das regiões. Em cada estado avançar sobre
um plano de estudo, pesquisas e necessidades
concretas de cada região.
• Desencadear processos de pesquisa e formação
técnica de forma interdisciplinar, ação ambiental
vinculado ao plano de estudo e de ação das
escolas;
Como potencializar nossa capacidade de
produzir uma conscientização em nosso território,
mas também com toda a sociedade: como nossas
escolas podem contribuir com esse desafio? Como
envolver as universidades e institutos federais
próximos, órgãos de pesquisa, ONG’s, viveiros
municipais, casas de sementes, escolas vizinhas?
Foto: Estudantes da
Escola Estadual Elizabeth
Teixeira (São Joaquim de
Bicas - MG). Zelo e embelezamento com o plantio de árvores
• jardins, espaços agradáveis, sombra, frutas,
árvores medicinais, pinturas, placas, murais...;
• Articulação com a sociedade;
• Recorrer às prefeituras, universidades, institutos
federais, sindicatos, escolas da cidade entre
outros parceiros locais para desenvolver ações
formativas, disponibilizarem mudas de árvores
frutíferas e nativas para constituir o viveiro da
escola/comunidade;
• Produção de materiais e memória;
• Potencializar o registro do processo de construção
do plano nas escolas com vídeos, fotos, textos,
jornais, redes sociais etc.

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Foto: Estudantes da Escola Paulo Freire (Santa Cruz Cabrália –
BA) durante mutirão nacional de plantio de árvores.

Campanhas e lutas
• Desenvolver atividades na escola e no seu
entorno de diálogo com a sociedade; buscar
apoios e possíveis articulações com conselhos
ou comitês municipais de saúde, de segurança
alimentar e nutricional e de alimentação escolar,
para denúncias, campanhas, audiências públicas.
Por exemplo: Contra os agrotóxicos; Contra o
monopólio das agroindústrias que impõem a
padronização alimentar; Contra as transnacionais
que controlam o mercado de distribuição de
alimentos no Brasil; Pela valorização, intercâmbio
e reprodução de sementes crioulas como
patrimônio da humanidade; Em defesa dos bens
comuns; Pela preservação da biodiversidade e
nascentes de rios.

Conheça e utilize os materiais produzidos pelo Plano Nacional, tais como cartilhas,
matérias, podcasts, vídeos e outros. Disponíveis no site do MST, acesse:
Plantar Árvores Produzir Alimentos Saudáveis - MST:
https://mst.org.br/especiais/plantar-arvores-produzir-alimentos-saudaveis/

Plante árvores! Muitas árvores.

Cultive as sementes! Preserve a memória das sementes crioulas.

Produza alimentos saudáveis!

Cuide da Mãe Terra!

Para que a humanidade sobreviva e a história continue!

E para que as novas gerações herdem um caminho aberto de luta e construção

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9. Sementes Crioulas e a Agroecologia5
As sementes crioulas são parte fundamental da adverte o Papa Francisco na Exortação Apostólica
prática da agroecologia. A agroecologia é o cuidado Evangelii Gaudium (FRANCISCO, 2013). É preciso
com a vida da natureza . Ela se relaciona à proposta “produzir para viver” (SANTOS, 2003) e não viver para
do “Bem Viver”, na busca por qualidade de vida, por produzir e consumir de modo insano.
espiritualidade ecológica, por hábitos de vida e consumo
Agroecologia é uma forma de produzir os
sustentáveis, por uma postura ética e política. As
alimentos necessários para as nossas famílias, promover
sementes representam relações de poder e resistência ao
uma condição de vida digna, educação e saúde. As
modo de produção capitalista que valoriza um sistema
trocas de sementes são ações que revelam concepções
de mono cultivo e acréscimo de lucros a qualquer custo,
e práticas agroecológicas, não só de troca, mas de
elementos da necro política. O bem julgar pode nos levar
reprodução, garantir a autonomia dos camponeses/as,e
ao bem viver, se houver atitudes e decisões decorrentes
assim produzir a diversidade de alimentos saudáveis e
do discernimento, que levem a opções políticas e jeito
de nutrientes indispensáveis diários às pessoas.
de viver que preservem a vida (ALCANTARA, SAMPAIO,
2017). Nos encontros, festas e feiras de sementes,
há troca de sementes e saberes e aprendizados. Por
As sementes crioulas carregam a memória e
exemplo, sobre como fazer a adubação verde e o
a história da convivência com muitas gerações de
controle agroecológico de pragas e doenças. São
camponeses e dos diferentes povos originários e
práticas agroecológicas: roçar sem queimar, capina
tradicionais.
e roçagem seletiva, cobertura morta/compostagem
Toda essa relação com a natureza e o Bem laminar, cobertura viva com adubos verdes, plantio
Viver caracterizam um modo diferenciado de ao nível, cercas vivas, observação da natureza e suas
produção, distribuição e consumo sintetizado no “jeito interações, consumir frutas da época, manter as águas
agroecológico de produzir”. As sementes crioulas, remete limpas, preservar as matas na beira dos rios e nascentes
a um contexto mais amplo da concepção e da prática e intercâmbio que garanta melhoramento das sementes.
agroecológica. O contexto pandêmico, evidenciou que a
O Respeito à Mãe Terra e à Biodiversidade
alimentação com base nas sementes crioulas e saudáveis
em muito contribuiu na prevenção e cuidados com a A agroecologia preserva os ecossistemas,
saúde das pessoas, em especial os mais vulneráveis. harmoniza os conhecimentos ancestrais e novos,
formando uma base de vida comunitária e de convivência
O Jeito Agroecológico de Produzir, Reproduzir e com a Mãe Terra, em proteção à biodiversidade.
Cuidar das Sementes
As práticas agroecológicas resgatam a tradição
Praticar a agroecologia, o Bem Viver, é não originária e do campesinato, pois esta era a única
aceitar se guiar pelo modo de produzir e consumir forma de cultivo que existia antes dá “revolução verde”,
do capitalismo, voltado ao lucro, mesmo que custe a É o resgate da sabedoria das comunidades e povos
destruição dos biomas e o sacrifício de vidas humanas tradicionais e originários, gestada e praticada em seus
no altar da idolatria neoliberal, rejeitar a mercantilização territórios.
da natureza e da vida. Pois “esse sistema mata”, como

Acampamento Maila Sabrina-plantio sementes crioulas recebidas da ReSA. Fonte MST/PR.


5 Texto extraído da Cartilha “Sementes Crioulas e Transformação Socioambiental dos Sujeitos.Comissão Pastoral da Terra/Rede de
Sementes da Agroecologia- ReSA. Junho 2021

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Há também várias experiências de agroecologia transgênica, de mono cultivo, o que vem de animais não
em áreas urbanas. Mas a imensa população das cidades, livres, mas confinados, tratados com produtos químicos
mesmo sem produzir em abundância alimentos e “alimentos” não orgânicos, de gado criado a partir de
agroecológicos, pode mostrar seu respeito à Mãe desmatamento. Não usar sacolas, copos e canudinhos
Terra nos hábitos de consumo e descarte. Recusar- de plástico. Não gerar lixo (reaproveitar o orgânico e o
se a consumir o que vem da agricultura envenenada, reciclável e reduzir o consumo deste).

Os 8 R’s da vida sustentável são: refletir, reduzir, reutilizar, reciclar,


respeitar, reparar, responsabilizar-se e repassar. Estamos repassando…

19ª Jornada de Agroecologia 2022 CURITIBA


PARANÁ

MAPA DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS E DOS ASSENTAMENTOS DO PARANÁ


Os POVOS TRADICIONAIS
sabem utilizar as plantas
medicinais, conhecem os
ciclos da natureza, produzem
alimentos saudáveis, coletam
pinhão e erva-mate, criam
animais à solta, cuidam das
nascentes d’água…
SÃO AGROECOLOGISTAS
TRADICIONAIS, com muito a
nos ensinar!
E estão em todos os cantos
do Paraná! Nas proximidades
ou dentro das unidades
de conservação que hoje
existem graças ao seu manejo
tradicional.

MAPA DOS COFLITOS PROVOCADOS PELO AGRO-HIDRO-MINERO-NEGÓCIO NO PARANÁ


AGRONEGÓCIO, barragens,
mineração, pesca industrial
e descaso do Estado são
algumas das principais causas
da destruição da natureza
nos territórios dos povos
tradicionais.
Envenenamento por
agrotóxico, comunidades
alagadas, desertos “verdes”
de pinus e eucaliptos, pesca
descontrolada, perda de
biodiversidade, falta de
políticas públicas, proibição
de seus modos de vida pelas
unidades de conservação…
são CONFLITOS espalhados
por todo o Paraná que
também afetam a camponesas
e camponeses da reforma
agrária.

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Agroecologia, Sementes e Alimentação Saudável modelo de desenvolvimento… O consumo de carne,
por exemplo, é o menor em 25 anos. Em grande parte da
É possível alimentar a sociedade a partir de uma
história, a humanidade sobreviveu com proteína e amido
agricultura que se baseia em princípios agroecológicos?
vindos de grãos, como mostrado nesta reportagem da
Muitos adquirem “alimentos” no comércio sem ver de
TV Cultura (2021) em https://youtu.be/lOeoZpo5wb8. O
onde vêm, como são produzidos, qual a sua qualidade.
Brasil se tornou campeão de agrotóxicos lançados em
Hipócrates, fundador da medicina, dizia “que teu
nossa terra, ar e águas. Daí a importância de escolher os
alimento seja teu remédio”. O peixe morre pela boca…
alimentos agroecológicos para a saúde. Lembramos do
Todos sabemos o impacto na saúde de um hábito de
testemunho de Célio Ferracioli na Romaria da Terra em
consumir comida de verdade. Confira este interessante
Marilândia do Sul: “Dizem que a saúde entra pela boca,
vídeo de Ayer (2009) em https://youtu.be/A8YH-g_
então nós estamos plantando alimentos que garantem
WjZM. Menos produtos processados, industrializados,
saúde para as pessoas”. E mostrou como, ao abandonar a
cheios de aditivos químicos. Descascar mais e
agricultura envenenadora e transgênica, melhorou não
desembrulhar menos. Se não puder tirar da dieta carne
apenas a saúde da terra, mas também de toda a família.
de gado, o alimento mais antiecológico no seu processo
Sem gastos com agrotóxicos, pesticidas, compra de
produtivo, aderir ao menos ao movimento “segunda
sementes, menos gastos com remédios... Produzir mais
sem carne”. Quem sabe, a partir do aumento absurdo
para comprar menos, adquirir produtos de qualidade e
do preço, tentar uma mudança de hábito, além de
de preferência da sua região. Pois, comer é antes de tudo
participar ativamente das lutas pela soberania alimentar
um ato político.
e nutricional e por mudanças nas políticas públicas e no
Mandala de alimentos que compõem cestas solidárias – ABAI/CPT. Fonte CPT /ABAI.

Soberania Alimentar, Sem Veneno e com Saúde vendas globais de pesticidas”, ressalta em uma entrevista
ao Brasil de Fato, em 2018, o pesquisador canadense
A produção de alimentos saudáveis, em
Pat Roy Mooney . Não existe mais uma indústria de
quantidade adequada para suprir as necessidades
sementes separada da indústria de pesticidas e essa, por
humanas, demanda a prática de uma agricultura
sua vez, está cada vez menos separada da indústria de
sustentável, que possibilite a interação entre os seres
fertilizantes, e cada vez menos separada da indústria de
humanos e os recursos ambientais” (ALMEIDA, 2012, p.7).
máquinas agrícolas. Os povos do campo, das águas e das
Preservar, multiplicar e proteger da contaminação florestas, como guardiãs e guardiões da biodiversidade
dos agrotóxicos, da modificação genética as sementes e das sementes nativas que partilham para resistência,
crioulas é garantir a autonomia dos camponeses e possuem um grande número de cultivares e fazem
camponesas de ter suas sementes que são altamente seleção das plantas na perspectiva do seu sistema
variáveis, heterogêneas, geneticamente diversas e produtivo, conforme suas preferências e condições
resistentes que conseguem se adaptar com mais locais de clima e solo. Em condições de clima e solo
facilidades às mudanças climáticas. “Compreender que desfavoráveis, sementes nativas produzem melhor
toda nossa riqueza milenar está cada dia mais ameaçada que as híbridas, pela sua adaptação a estas condições,
e controlada por apenas quatro empresas no planeta conferidas ao longo de décadas de seleção e cuidado
que controlam 68% de todo o fornecimento comercial pelos agricultores e agricultoras. Elas são uma criação
de sementes, e as mesmas controlam 71% de todas as coletiva dos povos que reflete a história especialmente

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das mulheres que foram as primeiras a cultivarem fome. As sementes transgênicas, que a cada dia exigem
as sementes. Garantiram através da história sua mais agrotóxicos, fragilizam, matam, esterilizam a Mãe
permanência e se tornaram suas principais guardiãs da Terra e nos tornam doentes e dependentes. Na verdade,
biodiversidade, e a manutenção da vida e preservação elas não são sementes, mas são grãos produzidos
da cultura de seu povo. Padre Jaime diz “Para defendê- em grandes latifúndios para ração animal e inclusive
la precisamos conhecer e nos integrar a essa criação, humana, deixando os seres doentes e vulneráveis.
assim um cuida do outro.” Somos milhões com tanta
Sofremos com um conjunto de doenças (diabetes,
diversidade não podemos permitir ser controlados por
hipertensão, gastrite, doenças cardiovasculares,
tão poucos, nem trocar a harmonia da diversidade onde
obesidade, câncer) diretamente associadas à
um cuida do outro, possibilitando o melhoramento da
alimentação inadequada e contaminada. Isto é resultado
genética pelos cruzamentos naturais; pelas invenções
de uma produção agrícola com o uso de agrotóxicos, e
preparadas em laboratórios de grãos e mudas que
da produção industrial com a adição de conservantes
destroem que esterilizam que matam, desertificam com
químicos aos produtos. Outra constatação é a fome que
as grandes plantações de Pinus e eucaliptos. As mentiras
volta a impactar milhões de lares brasileiros de baixa
de produzir mais, com menos venenos, e matar a fome
renda, seja pela queda da renda por falta de emprego
do mundo estão caindo por terra. O que se verifica
destas famílias, seja pelo aumento do preço dos alimentos
na realidade, é que vivenciamos o contrário destas
e do gás de cozinha. Sem sementes crioulas e alimento
promessas. Por isso, e mais do que nunca, estamos
saudável e diversificado , não teremos soberania e nem
convencidos de que esses pacotes tecnológicos estão
garantia de qualidade de vida.
nos levando ao abismo, destruindo as matrizes naturais
das sementes, provocando o desequilíbrio ambiental e a
A produção agroecológica traz vida às mesas, celebra a diversidade. Fonte: Acervo Comissão Pastoral da Terra - PR.

A produção vinda de pequenos agricultores(as), As políticas públicas especificam, deveriam


segundo o próprio IBGE, é responsável por 75%, ou priorizar a agricultura familiar camponesa e a transição
seja, a maioria absoluta dos alimentos que chegam às agroecológica, para combater a fome, garantindo a
mesas das casas. Os produtos da agricultura familiar soberania e segurança alimentar. Mas as políticas, em
camponesa e dos povos originários e tradicionais, não especial do atual governo, favorecem o agronegócio,
são destinados primeiro à exportação, como a soja e aumentam o desmatamento para monocultivo ou
outros commodities que vai para alimentar o gado em criação de gado, ameaçam os povos originários,
outros países. tradicionais e do campo e criam leis para destruir os

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biomas, para aumentar a quantidade e letalidade de
agrotóxicos que entram no país.
A agroecologia pode garantir a autonomia da
população camponesa. Produzindo com variedade, pois
o mono cultivo se destina ao lucro e não à garantia da
segurança alimentar e nutricional, de modo soberano.

Agroecologia e sementes crioulas


Fonte: Acervo Comissão Pastoral da Terra - PR.

19ª Jornada de Agroecologia 2022 CURITIBA


PARANÁ

SEMENTES CRIOULAS, FEIRAS E FESTAS DE SEMENTES NO PARANÁ


GUARDIÃS E GUARDIÕES:
O CORAÇÃO DA
AGROECOLOGIA
As sementes híbridas ou
transgênicas são produzidas
pelos conglomerados
empresariais transnacionais
que possuem patentes ou
certificados e protagonizam
um intenso controle biológico,
jurídico e comercial das
sementes, cuja multiplicação
é restringida aos interesses
dessas grandes corporações.
Elas intensificam o uso
de agrotóxicos e da fome
no mundo e colocam em
risco a saúde e autonomia
dos agricultores e dos
consumidores de alimentos.
As sementes crioulas,
conservadas e armazenadas pelas guardiãs e guardiões, se proliferam e são partilhadas livremente por meio de
trocas nas comunidades, Jornadas de Agroecologia, Festas e Feiras com essa finalidade. Além de preservar a
diversidade herdada dos nossos antepassados, a prática de multiplicar e partilhar sementes crioulas fortalece os
sistemas de produção agroecológicos. As sementes crioulas se adaptam progressivamente às variações climáticas
locais e dessa forma aumentam a qualidade produtiva e a independência econômica das famílias camponesas,
agricultores familiares e povos tradicionais.

30
19ª Jornada de Agroecologia 2022 CURITIBA
PARANÁ

A AGROECOLOGIA REPRESENTA
• Mercado justo e economia solidária
• Saúde popular e coletiva
• Recuperação, conservação e multiplicação de
sementes crioulas
• Reforma Agrária Popular
• Feminismo
• Cultura e comunicação popular
• Recuperação ambiental
• Enriquecimento da sociobiodiversidade
• Produção de alimentos saudáveis
• Soberania e Segurança Alimentar
• Manutenção da vida
• Diálogo de Saberes
• Trabalho coletivo e autonomia das famílias
camponesas, agricultores familiares e povos
tradicionais.
• Terra, água, sementes e alimento como direito

AS MENTIRAS DO AGRONEGÓCIO RETROCESSOS DO ATUAL DESGOVERNO COM


APOIO DA BANCADA RURALISTA
Dizem que o... AGRO É POP E TECH... mas na verdade
ele representa: • Aumento dos assassinatos, incêndios e
envenenamento de indígenas, quilombolas e
• Dívidas milionárias e impostos não pagos;
camponeses: mortes em virtude de conflitos
• Problemas de saúde; no campo aumentam 1.044% em 2021
• Contaminação; (Comissão Pastoral da Terra);

• Sementes híbridas ou transgênicas e perda do • Aprovação de 550 novos agrotóxicos em 2021;


controle popular das sementes; • Estrangeirização das terras, desmonte da
• Concentração de terra e renda; Reforma Agrária e captura de terras públicas;

• Fortalecimento do patriarcado; • Paralisação da demarcação de Terras Indígenas


e mineração em Terras Indígenas;
• Menos previdência social;
• Paralisação da titulação de quilombos;
• Esgotamento do Solo;
• Redução dos espaços ambientalmente
• Monocultura com destruição da protegidos e sua abertura a atividades
sociobiodiversidade; ambientalmente impactantes;
• Produção de commodities para exportação; • Apenas 4 entre 10 famílias têm acesso pleno à
• Destruição de saberes populares e alimentação. E muito mais!;
tradicionais (Epistemicídio);
• Insegurança alimentar;
• Degradação e exploração do trabalho;
• Terra, água, sementes e alimento como
mercadoria;

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19ª Jornada de Agroecologia 2022 CURITIBA
PARANÁ

A organização do território pelo A organização do território pelos povos


agronegócio: originários:
• Concentração de terras; • Coletividade no uso da terra;
• Homogeneização do território; • Território da vida e da diversidade;
• Produção de monoculturas/commodities; • Produção diversa e para o sustento da vida;
• Uso intenso de agroquímicos e agrotóxicos; • Agricultura baseada na justiça social e
ambiental;
• Negação à terra e ao território aos povos
originários; • Terra e território para a existência social e para
a manutenção do modo de vida;
• Campo com menos gente e com menos
natureza. • Campo com sociobiodiversidade.

10. “Agroecologia e os Comitês Populares”


Ceres Hadich,
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

A missão não é fácil, mas tem caminhada... ou Às vezes, fica até difícil explicar, como num país
melhor... “Agroecologia é o caminho”. Caminho de quê lindo, gigante, rico, com tanta gente trabalhadora e
mesmo? Pra onde? Lembra da canção tocada em tantas diverso como o Brasil, temos gente sem terra, terra sem
dessas quase 20 Jornadas de Agroecologia, sempre tão gente, desigualdade e fome... nossa proposta para a
imbuídas do sentimento internacionalista, que afirmava, agricultura, que chamamos Agroecologia se propõe a
em milhares de vozes “caminante no hay camino, se hace enfrentar as raízes de todos esses problemas.
camino al andar...”
A agroecologia ousa dizer que podemos ter
No início dos anos 2000, quando os primeiros comida em todas as mesas, com qualidade, com
encontros da Jornada de Agroecologia aconteceram, diversidade, respeitando nossos hábitos, nossas origens
nos Campos Gerais, enxergávamos, com clareza, com e cultura alimentar. Que podemos produzir em harmonia
a chegada das sementes transgênicas, uma grande com a natureza e as demais formas de vida, e comer bem
ameaça à nossa autonomia. Nas batalhas do oeste, não é um direito de todos e todas, e precisa sem respeitado.
foi diferente: mascaradas de multinacionais, as empresas Que terra deve estar nas mãos de quem trabalha, e que
do agronegócio apontavam risco aos povos do mundo e outras relações entre as pessoas é necessária, porque
à biodiversidade. Agroecologia é pensar também em um mundo melhor,
que combata todas as formas de segregação e violências.
Atravessando todas as regiões do nosso estado,
denunciamos esse projeto de morte. Com nossos lemas E essa caminhada, portanto, é de todos e todas.
emblemáticos, como o “Terra Livre de Transgênicos e Em nosso projeto popular para a agricultura cabe
Sem Agrotóxicos”, demonstramos as contradições do quem acredita num mundo melhor, com justiça social
projeto nefasto do capitalismo para o campo. De outro e soberania popular. Esteja no campo, na cidade, na
lado, nossa caminhada, de 21 anos nos apontou muitos escola ou em casa, na rua ou na fábrica. Porque é nosso
feitos, e ousemos dizer, porque não, massificamos o o direito de comer, e viver, com dignidade, portanto é
debate e o entendimento popular sobre agroecologia. nosso o direito de debater e definir sobre os rumos da

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nossa forma de organizar a vida e a existência. o envolvimento, de todos e todas que se identificam
com a Agroecologia, no campo, na cidade, na feira, na
É tempo de juntar forças, de esperançar.
universidade, precisam somar forçar, trazer ideias, para o
Reaprender a estar juntos, a construir, a ouvir. A aposta
debate, propor políticas públicas, iniciativas populares,
na construção dos Comitês Populares é um reencontro
projetos, alianças... Ocupar esses espaços, onde existam,
com a história. Os comitês, mais que espaços, estruturas,
e construir Comitês Populares específicos para a
são momentos de encontro, de reflexão, trabalho de
Agroecologia.
base e projeção do nosso futuro. Por isso, precisam
estar conectados com a totalidade das nossas vidas, dos Temos muito por fazer. Ao passar a chuva, abre-se
nossos dilemas, necessidades e desafios, e com nosso um novo período de trabalho e semeadura. Precisamos
povo. estar preparados, para avançar na nossa proposta para a
construção do projeto popular da agricultura.
E os comitês também podem e devem se
transformar no embrião do poder popular. Por isso,

11. Não se faz Agroecologia com LGBTIfobiaCOM LGBTIFOBIA


Vinícius da Silva Oliveira6
Ao se falar de Agroecologia não estamos somente mecanismos opressores e exploradores advindos das
nos remetendo a uma alternativa de produção de relações patriarcais da nossa sociedade. Neste sentido,
alimentos sem veneno, vai para muito além dessa ideia. discutir sobre Gênero e Sexualidade numa perspectiva
A agroecologia deve ser compreendida como um projeto agroecológica, dá passos para a libertação de todas e
amplo de vida, uma articulação política, econômica, todos os sujeitos que se propõem a construí-la.
social, cultural e ambiental. Partindo dessa concepção
Quando olhamos para a diversidade na
podemos afirmar que a Agroecologia é um projeto de
Agroecologia é fundamental que consideremos a
humanidade, que deve olhar para todos as dimensões
diversidade das sujeitas e sujeitos que a fazem. As
e sujeitos.
LGBTIs, as mulheres, os negros e as negras estão desde
O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTIs sempre construindo e lutando pela Agroecologia, e
(Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e é fundamental que as nossas pautas específicas das
Intersexuais) no mundo, segundo o Dossiê de Mortes e lutas dessas/es sujetas/os sejam incorporadas. E para
Violências contra LGBTI+ no Brasil (2021) no ano passado quem acredita serem pautas “identitárias” ainda não
foram 316 mortes registradas, são 316 vidas ceifadas compreendeu a tarefa radical que a agroecologia tem
pelo fato de serem LGBTIs. Uma destas vidas foi a do por cumprir na sociedade.
jovem Lindolfo Kosmaski7, camponês, professor, gay e
Enquanto tivermos atos de LGBTIfobia8, racismo
defensor da Agroecologia, essa realidade não deve ser
e machismo nos nossos territórios, sempre estaremos
aceita e deve urgentemente ser pauta no projeto de
em transição agroecológica, e não vamos atingir a
Agroecologia que defendemos.
Agroecologia na sua raiz e de forma plena. Para superar
A Agroecologia vem para revolucionar a nossa o Agronegócio não podemos nos valer apenas de
forma de produção e reprodução da vida e construir subversões no âmbito produtivo, mas também destruir
uma nova sociedade, e para tal, devemos construir estas relações doentias, tomando como tarefa de
novas relações humanas. Quando afirmamos que “não defensores da Agroecologia e assim da vida, defender
se produz alimentos saudáveis com relações doentes” todas as vidas e conformar sujeitos que combatam a
sintetizamos uma reflexão de que não é possível LGBTIfobia nos campos, águas, florestas e cidades.
contrapor todo um sistema opressor e explorador que é
Temos o desafio coletivo de estabelecer a
o agronegócio, sem considerar as relações humanas que
Agroecologia como uma luta também contra toda a forma
permitiram que o alimento fosse produzido.
de opressão, que nutra relações humanas saudáveis e
E para refletir sobre estas relações o Gênero e conforme sujeitas e sujeitos anti machistas, anti racistas
a Sexualidade são temas que devem ser amplamente e anti LGBTIfobicos, pois não se faz Agroecologia com
estudados e discutidos nos nossos territórios, para LGBTIfobia.
construir um processo formativo que olhe para a
diversidade de sujeitos e para desvelar o conjunto de

6 Integra o Coletivo LGBT do MST


7 Matéria disponível em <https://mst.org.br/2022/05/02/apos-um-ano-acusados-de-matarem-lindolfo-kosmaski-ainda-nao-foram-julga-
dos/>
8 LGBTIfobia ou LGBTfobia se refere à lesbofobia, homofobia, bifobia e transfobia, que significam aversão, repugnância, ódio, precon-
ceito que algumas pessoas ou grupos nutrem contra as LGBTs.

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12. Receitas da culinária da terra
Islandia Bezerra
islandia.bezerra@fanut.ufal.br
Mulher. Mãe. Extensionista, Pesquisadora e Professora
Associada da Faculdade de Nutrição - FANUT/UFAL
Educadora Colaboradora na Escola LatinoAmericana de Agroecologia (ELAA).
Presidenta Nacional da Associação Brasileira de Agroecologia/ABA (Gestão 2022-2023)
Comer sempre esteve na centralidade da existência
humana. É natural. Porém, essa naturalidade passa por
distintas dimensões de um sistema altamente complexo
– acesso à terra, água, assessoria técnica, que viabiliza
produzir, processar/beneficiar, distribuir, comercializar,
adquirir/acessar-comer e nutrir e estas etapas, em
grande medida, sofrem influências em importantes
arenas de disputas. Tais fatores impactam os caminhos
que esse alimento percorre até chegar até nós. Mas antes
de ter a comida no prato é preciso pensar sobre algumas
questões: De onde vem a comida que eu como e que
você come? Como ela foi produzida? Quem produziu
essa comida? Quem colheu? Quem preparou? Será que
essa comida que eu como diariamente influência na
nossa saúde? Será que a comida que as pessoas — do
campo, das cidades, das águas e das florestas — comem
tem alguma influência sobre o meio ambiente? Como a
natureza vem reagindo a tantas agressões? As perguntas
são muitas e as respostas nem sempre são simples e/ou Cozinha na CEU. Dona Geni Izabel Teixeira de Souza.
fáceis de explicar. Responsável pela feitura do Frango com Polenta.
Assentamento Valmir Mota de Cascavel/PR.
De qualquer maneira, estes e outros Foto: Crédito: Mariane Rohn.
questionamentos são mais que necessários, já que
nos fazem refletir sobre algo muito complexo: a nossa
existência. Afinal, será que o modelo atual que domina o
sistema alimentar global e que centraliza essa produção
em um modelo de sociedade que exclui bilhões de
pessoas no entorno do mundo — famintas e/ou mal
alimentadas –, que contamina e mata rios, lagos e
oceanos, que destrói a natureza nos mais diferentes
níveis (monoculturas, desmatamento de diferentes
biomas, contaminação de ar, terra, leite materno, que
aniquila nascentes de água entre outras atrocidades)
não merece a nossa atenção coletiva?
Certamente, as Jornadas de Agroecologia que
ocorrem em diferentes estados do país, podem/devem
ser consideradas como mais uma possibilidade que
prioriza, estimula e/ou fortalece a agroecologia. A partir
das suas dimensões práticas e concretas as atividades
que compõem as jornadas protagonizam diferentes
movimentos em territórios diversos. Isso porque tais entre sociedade, natureza e cultura, orientada pela
atividades, em sua maioria, oportunizam quem circula e/ sustentabilidade da vida humana e dos ecossistemas,
ou participa das jornadas, pensar-agir-transformar o seu a agroecologia, em consonância com o principio
existir. Como exemplo dessa afirmação, temos aqui um da soberania alimentar, promove um processo de
olhar sobre o espaço da Culinária da Terra. ressignificação da comida, lançando luz sobre a
As palavras de Giordani, Bezerra e Anjos (2017)9 interindependência entre os sistemas alimentares e os
afirmam que “[...] ao estabelecer uma estreita relação diferentes modos de viver, produzir e comer”.

9 GIORDANI, R.; BEZERRA, I.; DOS ANJOS, M. de C. Semeando agroecologia e colhendo nutrição: Rumo ao bem e bom Comer. In:
SAMBUICHI, R. H. R.O.; MOURA, I. F. D. O.; MATTOS, L. M. D. O.; ÁVILA, M. L. D. O.; SPÍNOLA, P. A. C. O.; SILVA, A. P. M. D. O. (org.). A política
nacional de agroecologia e produção or-gânica no Brasil: uma trajetória de luta pelo desenvolvimento rural sustentável. Brasília: Ipea, 2017.

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Desde março de 2020 que o mundo vive uma suas edições no estado do Paraná, dando oportunidades
crise sanitária sem precedentes, provocada pelo para os processos de ensino-aprendizagem, seja na
SARS-CoV-2 (Síndrome Respiratória Aguda Grave 2), o produção do conhecimento agroecológico, seja no
coronavírus causador da Covid-19. Em junho de 2022 fazer do cotidiano como cozinhar-comer-nutrir. A partir
ainda estamos experimentando viver/conviver em meio de uma formação crítica, reflexiva e política, pode-se
a uma pandemia. Sim! A pandemia da Covid-19 ainda dizer que nesses espaços o componente pedagógico do
não acabou. ensinar-aprender-ensinar é real.
Dados da pesquisa realizada pela Rede Nacional Ao longo das últimas edições da Jornada no
de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Paraná, a Culinária da Terra foi se transformando
Nutricional (Rede PENSSAN, 2020)10 mostra que o direito em um importante espaço na tradicional Feira da
de comer estava garantido, apenas, para pessoas que Agrobiodiversidade. Esse destaque tem a ver com a
ocupam menos da metade dos domicílios brasileiros valorização de pratos e preparações que nos remetem
(44,8%). Já o II Inquérito recém-publicado, em junho a um tempo onde a “comida de verdade” era mais
de 202211, mostra que 18,6% dos domicílios rurais vêm frequente no cotidiano alimentar das famílias. Nesse
sendo acometidos pela ausência de comida. A partir sentido, ao disponibilizar pratos e/ou preparações que
desse cenário – de pandemia e fome – é que a 19ª Jornada remetem às práticas tradicionais de produzir-colher-
de Agroecologia no Paraná reitera a importância do processar-preparar-cozinhar-comer para as pessoas
espaço Culinária da Terra para assentar a Agroecologia a circular pela Jornada (de assentamentos ou não), se
que produz a comida-política na agenda pública. estabelece um diálogo no campo simbólico do comer-
nutrir os mais diferentes sentidos.
As Jornadas de Agroecologia vem ao longo das

Culinária da Terra, tapioca. Foto: Milena Mussoi. Cozinha da CEU. Produção do Pastel. Foto: Mariane Rohn.
A última edição da Jornada de Agroecologia apreciada pelo público da Jornada é a versão gaúcha; 5.
(2019) tornou esse diálogo campo-cidades ainda mais Tapioca – originalmente é de Olinda/PE, mas o coletivo
potente! Das preparações presentes na Culinária da Terra, de Juventudes do MST inovou na preparação; 6. Pastel
convém destacar as feituras regionais como: 1. Barreado – por unanimidade, uma preparação apreciada em todo
– prato típico do litoral paranaense e é considerado a o país (BEZERRA e colaboradores e colaboradoras. Prelo.
preparação mais tradicional do Estado; 2. Entrevero de 2022).
pinhão – prato típico dos estados da região Sul do Brasil, Foram várias preparações servidas ao longo dos
principalmente das regiões serranas do estado de Santa quatro dias que evidenciaram o quanto é importante
Catarina; 3. Frango com polenta – é típico da Itália. Com valorizarmos nossas culturas, nossas raízes e, mais que
a presença marcada dessa descendência no Paraná, essa isso, trazer para a prática cotidiana do comer-nutrir,
preparação é muito apreciada em todo o estado; 4. Arroz com comida de verdade e ainda, que essa comida possa
carreteiro – sua origem tem diferentes versões, a que foi exercer todo o seu potencial político!

Porque COMER É UM ATO POLÍTICO!


Desfrutem desses momentos!
Valorizemos nossas Jornadas de Agroecologia e toda a sua capacidade de transformar!

10 REDE PENSSAN (REDE BRASILEIRA DE PESQUISA EM SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTA). VIGISAN: I Inquérito Nacional sobre
Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. Rio de Janeiro.Disponível em: https://olheparaafome.com.br/.
11 REDE PENSSAN (REDE BRASILEIRA DE PESQUISA EM SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTA). VIGISAN: II Inquérito Nacional sobre
Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. Rio de Janeiro. Disponível em: https://olheparaafome.com.br/

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19ª Jornada de Agroecologia 2022 CURITIBA
PARANÁ

LUTAS CAMPONESAS NO PARANÁ


Autor: Luiz Carlos Flávio

Do passado até agora, Os camponeses conquistam terras


muitas lutas fizeram história e se aferram a um intento:
no espaço agrário do Paraná, plantarem nelas muito alimento.
cujos conflitos é bom lembrar. Não querem terra para ócio ou negócio
Houve no estado lutas pretéritas no intento fuleiro de ganhar dinheiro.
postas em tela, todas por terra. Os camponeses fogem da lógica
Vale anotar que até guerra da produção com agrotóxicos.
de luta armada, com sangue a rolar, Sua lógica é a produção agroecológica.
houve nos campos do Paraná. Contra os agrotóxicos eles ecoam:
Algumas delas, de forma concisa, lutarão para pôr na proa,
bem resumida, eu vou contar. para dar vida a todo o povo,
Na ocupação do Paraná, só a produção de comida boa.
vimos os povos originários Os camponeses destoam da tristeza
serem exterminados e seus territórios, do agro vertendo em peso
apropriados por empresários. o vil veneno em nossas mesas!
Muitas vezes houve lutas camponesas: Em sua terra, o camponês
na Guerra do Contestado, quer ver, com bel prazer,
na Guerrilha de Porecatu boa comida a ser provida
na Revolta dos Posseiros... vendo a saúde garantida
Houve mortes a bangu dando guarida, com solidariedade,
em várias fronteiras do sul na vida dos campos e das cidades!
com movimentos pela terra: Ver a comida repartida,
nos Movimentos dos Sem-Terra, a produzir vida e solidariedade:
dos Atingidos por Barragens, eis, no bom português,
e no Movimento dos Quilombolas... a vontade do camponês!
Todos fizeram história, E, além de tudo o que ele lavra,
na luta afeita por conquistas de direitos. ele zela bem de outras palavras:
Foram lutas contra o Estado cuidar da terra, dos solos e matas
e disputas contra empresas cuidar dos mares, dos ares e águas...
que se puseram a tomar terras É bem assim que o camponês
de camponeses, quilombolas e índios. paranaense e brasileiro
Mas história viu os povos resistindo. convidam a mim, as vocês
No Paraná, qual no Brasil, e a todo o mundo inteiro:
o latifúndio reproduziu lutemos faceiros, com bel prazer,
sua lógica infecunda, mas batida, para vermos as terras repartidas,
de produzir commodities e não comida. e assim podermos abastecer
O latifúndio não adere à ideia bem-vinda o nosso povo com boa comida
de que todos tenham terra e então vivermos uma boa vida.
colham frutos, comida e vida. Vamos plantar o bem querer
O latifúndio quer terra e frutos e a todos dar e até vender
que só para alguns gerem lucros... muita saúde e Bem Viver...

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