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Significados social, ambiental, político e econômico para uma experiência

de Horta Comunitária na periferia urbana de São Carlos, SP, Brasil

(Social, environmental, political and economic meanings for a community


garden in São Carlos’s suburb, SP, Brasil)

Resumo: O modelo de produção de alimentos do agronegócio apresenta problemas desde a


precarização da vida rural e urbana à contaminação de recursos naturais e intoxicação humana.
A produção agroecológica propõe um manejo ambiental fundamentado no aproveitamento dos
ciclos naturais biogeoquímicos, reduzindo custos de produção e impactos ambientais. Faz parte
desse modelo atender a demanda não só das necessidades nutricionais, mas também culturais,
sociais e políticas descentralizando os meios de produção em sistema de cooperação em
diferentes ambientes como o urbano. Essa pesquisa analisa a experiência de produção
agroecológica de alimentos na periferia de São Carlos-SP, Brasil, fomentada por um projeto de
economia solidária. Avaliamos a potencialidade dessa iniciativa e quais seus significados
ambientais, sociais, políticos e econômicos relatando a organização da cadeia produtiva
por meio da observação e participação das atividades inerentes de produção até a
comercialização dos produtos. A atividade extensionista proporcionou uma
comunicação importante entre estudantes e comunidade. Os agricultores da horta
apresentaram resistência sob as condições de vulnerabilidade locais e dificuldades na
autogestão, característica do início de um empreendimento solidário que será superada
com o desenvolvimento das relações entre si. Ao longo de dois anos a horta passou a
produzir alimentos a partir de insumos locais, contribuindo com dados empíricos que
demonstram a viabilidade do modelo de produção agroecológico em ambientes urbanos.
A horta atuou como espaço pedagógico e agente político de sensibilização da
comunidade para o consumo de alimentos saudáveis, evidenciando a necessidade da
produção agroecológica no contexto local e global. A produção foi suficiente para a
complementação da alimentação dos agricultores e comercialização do excedente em
feira local, embora tenha condições de ampliação se houver mais cooperados, gerando
maior retorno econômico e desenvolvimento social local. Investir em parcerias são
caminhos para a manutenção do empreendimento.

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Palavras-Chave: Agroecologia. Horta Urbana. Produção de Alimentos. Soberania e
Segurança Alimentar Nutricional.

Abstract:
Keywords: Agroecology, Food Production, Sovereignty and Nutritional Food Security, Urban
Garden.

INTRODUÇÃO

A prática da agricultura ocorre há cerca de 11 mil anos e, ao longo do tempo, os


cultivos sofreram impactos das mudanças climáticas, conforme a distribuição geográfica.
Dessa forma, as comunidades desenvolveram diversos sistemas de manejo das espécies. Essa
prática experimenta constantemente aprimoramentos para garantia da produção de alimentos
de qualidade a uma demanda populacional crescente.
O direito à alimentação adequada está contemplado no artigo 25 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, mas só foi incluído na Constituição Brasileira em
2010. A Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN (Lei nº 11.346, de 15
de setembro de 2006) é aprovada no ano de 2006 e formaliza o exercício do direito da
população ao acesso a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, respeitando a
diversidade cultural e com o compromisso da sustentabilidade nos âmbitos sociais,
ambientais e econômicos. Nesse mesmo ano é criado o Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional - SISAN, responsável pela implementação de políticas públicas para
garantia do Direito à Alimentação Adequada, como a Política Nacional de Agroecologia e
Produção Orgânica (PNAPO) e o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos
(PRONARA).
Como referencial mundial, tem-se a política europeia de segurança dos alimentos,
definida em 2002. Essa política tem como objetivo a proteção da saúde e do direito do
consumidor, e uma de suas atuações é a regulação da rotulagem e proibição de
comercialização de gêneros alimentícios que contenham substâncias contaminantes em
quantidades inaceitáveis de acordo com seus parâmetros (UNIÃO EUROPEIA, 2014).
Quanto aos resíduos de pesticidas, a política Européia apresenta-se mais rigorosa que o

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regulamento Brasileiro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. Essa ainda
permite a utilização substâncias já proibidas em outros países (ANVISA, 2008).
O agronegócio se desenvolve como um conjunto de técnicas sustentadas pelo
desenvolvimento dos conhecimentos científicos associados a alta tecnologia. A partir da
década de 50 é implementado no Brasil como modelo de produção com a finalidade de
produzir alimentos em larga em escala a baixos custos, além da proposta de gerar empregos
(MACHADO & MACHADO FILHO, 2014) Esse modelo de produção atualmente é o que recebe
mais investimentos públicos e privados.
No entanto, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE (2006) no
Brasil é a agricultura familiar a maior responsável pela produção dos alimentos básicos.
Também chamado de agricultura industrial o modelo do agronegócio tem como principal
fonte de energia os combustíveis fósseis para produção de insumos e movimentação dos
maquinários. Essa cadeia produtiva apresenta altos impactos ambientais pela forma que
explora os recursos naturais como água, solo e biodiversidade. A homogeneidade genética
promovida pelas extensões de monocultivos característicos do atual modo de produção
hegemônico torna os cultivos vulneráveis às mudanças climáticas e dependentes da utilização
de agrotóxicos (NICHOLLS et al., 2015). Entre 2003 e 2009, o consumo mundial de
agrotóxicos cresceu, aproximadamente, 15% ao ano (DELGADO, 2012). Nesse contexto, o
Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos, com consumo médio por habitante de 7 L por
ano (BOMBARDI, 2012). Cerca de 62 mil notificações de intoxicação humana por
agrotóxicos foram medidas pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas -
FioCruz/Ministério da Saúde - SINITOX , de 1999 a 2009 (BOCHNER, 2007).
Alternativas de produção de alimentos são elaboradas como um negócio que
contemple formas de financiamento e crédito. Essas alternativas são ajustes que podem dar
nova reciprocidade entre o capital excedente e a economia real. Dessa forma contribuem para
a manutenção da lógica capitalista, promovendo o monopólio dos meios de produção, terras,
ferramentas, tecnologias, mantendo a desigualdade social. Por exemplo, o banco
internacional PICTET, sediado na França, orienta em seu site, na seção sobre ‘agricultura’, a
realização de um investimento seguro que utiliza tecnologias de ponta para sua viabilidade e
implementação em todo o território mundial. A recomendação é para a produção de
alimentos em hidroponia, como solução diante da infertilidade e processo de desertificação
dos solos e poder ser acessada no link.). Outro exemplo é a denominada agricultura orgânica

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e suas variações que apresentam-se como um conjunto de técnicas sustentáveis
ambientalmente e saudáveis para o consumidor, mas que limitam-se a utilização e
comercialização de insumos prontos, cursos de custos elevados. Assis e Romeiro (2012)
apontam que há uma sobrevalorização no mercado desses produtos em si, em detrimento da
importância e conscientização do equilíbrio necessário em um agroecossistema. Essas
técnicas problematizam as questões ambientais, mas não propõem um posicionamento crítico
em relação a desigualdade social, condições de trabalho.
Modelos de produção de alimentos que sejam ambientalmente resistentes e resilientes
e socialmente justos e saudáveis também têm sido elaborados e executados e tem como base
a Agroecologia. Tratam-se de modelos de produção de alimentos e organização social que se
contrapõem ao agronegócio. O manejo agroecológico simula os processos ecológicos
naturais, melhorando a produção de alimentos e diminuindo a necessidade de insumos
externos (GLIESSMAN, 1998). Dessa forma, não há uma “receita” ou “pacote tecnológico” a
ser vendido, pois cada região terá suas próprias regras biológicas. Um desses modelos é o de
hortas urbanas comunitárias.
O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), por meio da Secretaria Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN), desde 2004 vem construindo políticas
nacionais de Agricultura Urbana e Periurbana (AUP). São exemplos os Programas de
Agricultura Urbana e Periurbana e Compra Direta Local da Agricultura Familiar, modalidade
Municipal. Não há legislação federal que regulamenta o incentivo a AUP, mesmo sendo
praticada em todas as regiões metropolitanas brasileiras (SANTANA, 2017). Há apenas um
Decreto que recomenda, dentro do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o
incentivo a AUP.
Na cidade de São Carlos a Lei Municipal (11.339/97) cria o Programa de Hortas
Comunitárias sob a responsabilidade das secretarias municipais (já modificadas ou extintas)
de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente e Promoção e Bem estar Social. Os
objetivos da lei são “ aproveitar mão de obra desempregada”, proporcionar atividade para
deficientes e pessoas na terceira idade, aproveitar terras devolutas e manter a ocupação e
limpeza de terrenos. No entanto, não há incentivo para as iniciativas de horta urbana na
cidade. Biondi (2015) descreveu 22 hortas existentes na cidade de São Carlos, com potencial
de expansão e apontou a necessidade de apoio e assessoramento institucionais.

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A experiência aqui analisada é da produção coletiva de alimentos realizada por
moradores do bairro Jardim Gonzaga, região periférica da cidade de São Carlos/SP, na Horta
Agroecológica do Centro da Juventude (CJ). O Projeto de produção coletiva de hortaliças
iniciou em 2009 por meio de um projeto de Políticas Públicas da FAPESP, e teve
continuidade com projetos de extensão, financiados pelo Ministério da Educação (MEC),
caracterizado como extensão universitária, em parceria com o Núcleo Multidisciplinar
Integrado de Formação, Estudos e Intervenção em Economia Solidária da UFSCar
(NuMI-EcoSol).
O modelo de manejo ambiental realizado na Horta corresponde ao de uma produção
de alimentos saudáveis, sem utilização de agrotóxicos, e de custo reduzido devido à
utilização de recursos locais. Essa iniciativa de agricultura urbana pode contribuir para a
soberania e segurança alimentar da comunidade, caracterizada como social e
economicamente vulnerável. A organização da cadeia produtiva de forma cooperada
realizada por essa equipe de agricultores pode dar bases para a construção de uma
cooperativa seja na produção de cultivos “in natura” ou processados. Envolvendo mais
pessoas pode contribuir para o desenvolvimento social e econômico da comunidade local.
A expectativa no desenvolvimento dessa pesquisa é a de avaliar o contexto em que a
experiência da Horta Agroecológica do CJ está inserida e quais os significados social,
ambiental, político e econômico para essa experiência. Por meio dessa análise poderemos
apontar os as fragilidades e possíveis contribuições para a solução dos problemas descritos e
analisados nessa cadeia produtiva específica com forte significado e impacto social local.

HIPÓTESES
O modelo de trabalho cooperado e a ocupação de terrenos públicos contribui para a
soberania e segurança alimentar nutricional nas áreas urbanas.
A experiência de produção de alimentos na Horta do Centro da Juventude (CJ) pode
dar bases para a ampliação do trabalho associado entre esse grupo específico formalizando-se
em uma cooperativa. A produção pode ser mais rentável se a escala de organização for
ampliada, ou seja, mais agricultores, mais horas de trabalho, maior produção e
comercialização em uma mesma área.

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No entanto, a forma como foi mantida a experiência aqui relatada apresenta
dificuldades de sustentabilidade social, econômica e política que podem ser superadas a partir
de uma análise que integre esses aspectos e proponha formas possíveis de superá-las.

OBJETIVO GERAL

- Ressignificar a experiência social, ambiental, política e econômica relatada aqui como


produção coletiva de alimentos na periferia da cidade de São Carlos a fim de propor
soluções específicas e gerais para esse tipo de atividade de forte interesse social.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Investigar a organização da cadeia produtiva (da produção à comercialização)


autogestionada de uma horta urbana apontando suas fragilidades e potencialidades.
- Avaliar qualitativamente a viabilidade social, ambiental, político e econômica de uma
horta comunitária.
- Propor formas de atuação mais amplas dessa atividade, sem necessariamente
aumentar a área de produção, a fim de potencializar a resistência e a resiliência social,
ambiental, política e econômica para essa atividade comunitária de forte interesse
social.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada é a de observação participante interdisciplinar e qualitativa


em que a pesquisadora se insere no contexto do grupo observado. A interação ocorreu com os
sujeitos da produção de alimentos da horta, com a intenção de compreender e atuar como
parte da experiência (QUEIROZ et al, 2007).
A pesquisadora autora esteve em contato com o grupo da Horta Agroecológica do CJ
desde janeiro de 2015, quando iniciou as atividades como estudante bolsista de projeto de
extensão da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Com carga horária semanal de 12
horas, participou de elaboração de atas de reuniões, relatórios do projeto, elaboração de
materiais pedagógicos, além de vivenciar e participar da gestão de todos os estágios da cadeia

produtiva. Os processos observados durante o período de janeiro de 2015 a julho de 2017

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foram descritos considerando a organização do grupo para divisão de trabalho e os processos
de toda a cadeia produtiva.
A proposta da discussão é relacionar os referenciais teóricos pesquisados com os
resultados da experiência da Horta Agroecológica do CJ descritos. A análise dos resultados
por meio da experiência participativa da autora possibilitou a avaliação dos significados
ambientais, sociais, políticos e econômicos dessa experiência.

Contexto social, ambiental e geográfico


A horta está localizada no Centro da Juventude Elaine Viviane, sob administração da
Secretaria Municipal Especial da Infância e Juventude (SMEIJ), no bairro Monte Carlo,
região periférica de São Carlos-SP. O bairro está situado na microbacia do Córrego da Água
Quente, por sua vez, inserida na Bacia Hidrográfica do Rio Monjolinho, afluente do Rio
Jacaré-Guaçu (SÉ, 1992).
A região é conhecida como território do Gonzaga, abrange os bairros Jardim
Gonzaga, Pacaembu, Cruzeiro do Sul e Monte Carlo. É uma área conhecida por altos índices
de vulnerabilidade social e violência. Com histórico de ocupação irregular e posterior
processo de ‘adequação’ urbana, o território apresenta nascentes em situação de seca e
degradação, além de grandes extensões com risco de desmoronamento devido a falta de
cobertura vegetal. Há grande acúmulo de todo tipo de lixo em terrenos baldios, encostas de
morros, proximidades de nascentes.
O local de produção encontra-se geograficamente a uma latitude de -22.0466283 º e
-47.8924419 º de longitude. A pluviosidade média na cidade de São Carlos é de 1512 mm. A
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área da horta é de 700 𝑚 , na qual eram distribuídos 20 canteiros de tamanhos variados.

Autogestão e divisão de trabalho na cadeia produtiva


A gestão coletiva da produção de alimentos da Horta do CJ será analisada por meio da
descrição das metodologias utilizadas em reuniões e das divisões de trabalho estabelecidas.
No início de 2015 atuavam na horta três agricultores moradores do bairro. Também fizeram
parte da equipe estudantes bolsistas da UFSCar e um coordenador técnico operacional do
NuMI-EcoSol, com função de realizar o processo de incubação do empreendimento. As
atividades realizadas por eles consistiam na promoção de atividades de formação em

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Agroecologia por meio de oficinas, na proposta de metodologias participativas para a gestão
do trabalho na horta, no auxílio do manejo agroecológico da horta e na mediação de reuniões.

Processo de produção
Foram descritas todas as etapas da produção agroecológica da Horta do CJ, desde a
recuperação do solo e preparação de canteiros, insumos utilizados, espécies produzidas e
comercialização. As principais atividades de manejo da Horta consistiam na preparação de
canteiros, plantio, rega, transporte de resíduos para compostagem, manutenção da
composteira e preparo do adubo, colheita e processamento de produtos para a
comercialização.
Foram produzidos materiais informativos sobre a horta e seus cultivos que podem ser
acessadas nos links: Cartilha da Horta Agroecológica e Medicina da Horta do CJ.

RESULTADOS

Autogestão e divisão de trabalho na cadeia produtiva


Os agricultores da horta apresentavam experiência no cultivo de hortaliças e traziam
consigo conhecimentos tradicionais, passados através de gerações. As atividades que
compreendiam a cadeia produtiva eram divididas entre os trabalhadores conforme suas
afinidades e capacidades de execução. As colheitas eram realizadas por todos conforme as
necessidades de cada família.
A equipe realizava reuniões semanais para discussão, planejamento e ajustes sobre a
organização do trabalho coletivo e necessidades de manejo da horta. A utilização de
metodologias participativas nas reuniões possibilitava uma dinâmica de trocas de
experiências e construção de conhecimentos conjunto a partir dos saberes tradicionais e
vivenciados pelos agricultores e também dos conhecimentos científicos trazidos pelos
estudantes universitários de diversas áreas. O quadro 1 apresenta a descrição e avaliação das
ferramentas metodológicas utilizadas na organização da cadeia produtiva utilizadas nas
reuniões semanais.

Quadro 1: Ferramenta Metodológica na organização da cadeia produtiva


Objetivo Ferramentas Metodológicas Avaliação

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-Levantamento das necessidades - Oportunidade para encontro de
de manejo na horta todas (os) e planejamento
coletivo. -
- Discussão sobre melhor forma de
Propiciou o compartilhamento
execução, pesquisa de tecnologias
de vivências e conhecimentos
- Organização por prioridade e sobre cultivo de alimentos
Planejamento Mutirão divisão do trabalho saudáveis

Cada um dos três agricultores dedicava aproximadamente 20 horas semanais de


trabalho na Horta entre reuniões e manejo. Em conformidade com a regulamentação
extensionista da UFSCar, os agricultores receberam remuneração como prestadores de
serviços, na categoria de Agentes de Desenvolvimento Locais (ADL), que era dividida
conforme o trabalho realizado, no valor de R$ 2.800,00 a cada quadrimestre. O recurso,
recebido a cada quatro meses consistia em R$ 1.200,00 para cada um dos dois agricultores
com maior demanda de trabalho realizado diariamente e R$ 400,00 para agricultora
responsável pela irrigação e semeadura.
Durante seis meses houve a participação de um voluntário nas atividades de produção,
que tinha o compromisso de irrigar periodicamente a horta. O total de quatro agricultores por
este período foi fundamental para a alta produção qualitativa e quantitativa, principalmente
no início da comercialização dos alimentos na feira
Com o início da comercialização dos cultivos e proximidade do fim do processo de
incubação pela equipe do NuMI-EcoSol, o grupo da horta passou a discutir sobre a
importância do fortalecimento do empreendimento, para que pudesse se sustentar sem os
subsídios do projeto e pudesse envolver mais a comunidade local, contribuindo para o
desenvolvimento do território. Foram realizadas três reuniões específicas nos meses de maio
e junho, para definir metas para investimento e geração de renda, como pode ser observado
no quadro 2.
Quadro 2: Ferramenta Metodológica na organização da cadeia produtiva
Objetivo Ferramentas Metodológicas Avaliação
-Priorizar a comercialização na
feira. Aumentar o número de
- Levantamento de possíveis produtos processados, melhorar
produtos para comercialização: o planejamento de plantio e
cestas semanais ou quinzenais, organizar a divisão do trabalho
mudas, adubo orgânico, ervas e na feira;
Definir metas para investimento e temperos desidratados, produtos in -Investir no plantio e
geração de renda natura em feira. desidratação de ervas e

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- Elaboração de plano com as temperos, convidar parceiros
condições necessárias para locais com conhecimentos sobre
execução (matéria prima, plantas medicinais; -Incentivar a
organização da equipe e atribuição gestão comunitária de resíduos
de responsabilidades) orgânicos na horta para
viabilizar a produção de adubo
para venda e troca com
- Votação e explanação de ideias parceiros.

A estruturação de um local para reciclagem de resíduos orgânicos e produção de


adubo foi proposta aos agricultores pela equipe de incubação, diante da necessidade de
incorporar matéria orgânica ao solo, a fim de torná-lo mais fértil e suprir as necessidade de
nutrição das plantas a partir do reaproveitamento de recursos locais. A experiência dos
agricultores era do processo de incorporação dos resíduos orgânicos diretamente ao solo,
enterrando-os. Foram realizados encontros temáticos sobre o processo de compostagem.
Embora os agricultores tivessem concordado com a implementação desse modelo, durante
alguns meses, essa tarefa ficou sob responsabilidade somente da equipe de incubação,
havendo resistência dos agricultores em realizá-la. Quando uma das agricultoras conheceu
uma experiência de Horta Urbana no Rio de Janeiro, no ENAU, em que era utilizado o adubo
orgânico produzido no local, reconheceu sua importância e eficácia, passando a investir
energia na adequação para melhor funcionamento da composteira. Esse exemplo prático
evidencia a importância da utilização de diferentes instrumentos de comunicação e formação
para o exercício da gestão participativa, nesse caso em que a troca de conhecimentos
tradicionais e científicos não proporcionaram de forma imediata a construção coletiva de uma
ação conjunta sendo que, inicialmente havia se constituído de forma unilateral, praticado
apenas pelo grupo inicialmente, foi ação unilateral do grupo de incubação.
A proposta do projeto desde seu início em 2009 foi da produção agroecológica de
alimentos, porém com a saída dos integrantes iniciais e a chegada de novos agricultores isso
não se manteve. A partir de 2014, durante alguns meses, a produção ocorreu de forma
convencional, com a utilização de “venenos próprios para cada hortaliça”. Foram realizadas
atividades de formação em Agroecologia promovidas pelos bolsistas e coordenadores do
projeto. Com a participação ativa de bolsistas e coordenadores nas atividades de cultivo
alinharam-se conhecimentos tradicionais dos agricultores e técnicos da agroecologia. Ao
longo do ano de 2015 os novos agricultores foram se apropriando de técnicas agroecológicas.

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Apenas uma das agricultoras realizava a comercialização na feira. Os outros
agricultores não apresentaram afinidade com a comercialização e também não se
interessaram pelo trabalho de processamento e venda aos sábados, dia da semana em que
realizavam atividades de lazer ou compromissos com a família. Inicialmente havia a
colaboração da equipe de incubação auxiliando na organização e preparação dos produtos,
anotações e cálculos relacionados à venda.

Processo de Produção
O cuidado com o solo por meio da ciclagem de nutrientes e manutenção da umidade,
épocas de plantio, rotação de cultura, consórcio entre plantas, manutenção da diversidade
genética, manejo de pragas com caldas naturais foram técnicas da agroecologia trabalhadas
na horta.

Solo
Os agricultores que iniciaram a horta, em 2009, relataram que a produção não era
eficiente e que não compensava trabalhar em uma terra ‘dura’ e infértil. Nesse período era
observado um solo pobre, seco, colonizado principalmente por Brachiaria. Com as
intervenções de manejo agroecológico, a partir de 2015, observou-se um solo rico em matéria
orgânica, com presença de plantas espontâneas indicadoras de solo fértil como o Caruru
(Amaranthus viridis) e a Beldroega (Portulaca oleracea). A tabela de plantas indicadoras
pode ser consultada no site do ministério da da agricultura.
Inicialmente as intervenções no solo foram a implementação de adubação verde, para
incorporação de nitrogênio (ALTIERI, 2012). Foi plantado Feijão Guandu e Mamona, os
quais eram podados e incorporados diretamente no solo, Feijão Mucuna e Crotalária, que
após o ciclo de vida completo, fazia-se a coleta de suas sementes e incorporação de podas no
solo. A correção do pH do solo era realizada por meio de calagem, com calcário, 1 vez ao
ano.
Os canteiros foram preparados com elevação de 15 cm e 1 m de largura, distância que
facilita o manejo, variando o comprimento. Houve a incorporação da terra resultante da
decomposição de resíduos orgânicos úmidos e secos e, quando necessário, do adubo orgânico
de origem animal e, posteriormente, realizava-se a cobertura com matéria seca, deixando-se
repousar por 14 dias.

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Insumos
Cerca de sete moradores locais atuavam como parceiros da horta, entregando
semanalmente seus resíduos orgânicos para reciclagem e produção de adubo na horta. A
Igreja Madre Cabrini disponibilizou os resíduos orgânicos resultantes da alimentação ofertada
a mães moradoras da região em situação vulnerável. Uma das agricultoras levava os resíduos
em sacolas, realizando o trajeto a pé. A distribuição dos alimentos era realizada por um
projeto da Pastoral da Criança, que teve fim em 2017. Por um período de 6 meses um
sacolão do bairro disponibilizou as sobras de alimentos comercializados para a horta. Um dos
agricultores fazia a coleta e destinação desse material utilizando uma carriola.
Essa parceria com a comunidade local tornou possível a produção de uma quantidade
de adubo orgânico significativa para ser utilizada na incorporação de canteiros como
fertilizante. A estrutura dos recicladores orgânicos foi se desenvolvendo, de acordo com as
alterações necessárias para organização do material produzido e para a resolução de uma
grande proliferação de ratos que se alimentava de restos orgânicos em decomposição.
Encontrou-se como saída a construção de um sistema fechado. Em parceria com o
Prof. Sant’Anna Galvão, em junho de 2017, construiu-se um reciclador orgânico de alvenaria,
com capacidade para 200 L diários. Dessa forma a equipe da horta teria condições de realizar
a gestão dos resíduos orgânicos de grande parte da comunidade. Para que isso ocorra é
necessária uma parceria para a realização do transporte dos resíduos até a horta, além de uma
sensibilização e instrução de mais pessoas da comunidade para a separação do lixo doméstico
e destinação para a horta.
O esterco de galinha foi utilizado quando houve disponibilidade, situação em que um
dos agricultores retirava gratuitamente com algum conhecido. A compra de esterco bovino
ocorreu nos meses de julho e agosto, período de inverno e de preparação de mais canteiros
para novo ciclo de plantio, quando foi necessário um aporte maior de adubo. Outros insumos
utilizados foram o calcário, matéria orgânica seca (resultado da poda da grama do CJ).
As caldas naturais, substituintes dos agrotóxicos, eram principalmente tintura de
tabaco, tintura de pimenta e mistura de água com detergente. As sementes e mudas iniciais
foram adquiridas em trocas de sementes crioulas, oriundas de comunidades agricultoras
tradicionais, que fazem a seleção de sementes há muitas gerações, garantindo a qualidade da
produção. Em junho de 2017, foi realizada a compra de sementes da cooperativa de sementes

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agroecológicas BioNatur do município de Candiota/RS. As sementes produzidas na horta
eram colhidas e armazenadas em vidros identificados, em um pequeno banco de sementes.
Foram produzidas sementes de milho roxo, milho roxo pipoca (Zea mays L. Luederwaldt,
s.n., SP 22267 & E.P. Heringer et al., 6009, IBGE, (DF), quiabo (Abelmoschus esculentus
(L.) Moench), feijão guandu (Cajanus cajan (L.) Millsp), crotalária (Crotalaria juncea L.A.
St. Hilaire, s.n., P 00701603) , feijão mucuna (Mucuna pruriens (L.) DC. var. utilis (Wall. ex
Wight) Baker ex Burck velvet bean), cenoura (Daucus carota L. var. sativus Hoffm.),
almeirão (Cichorium intybus L. var. sativum (Bisch.) Janch.), calêndula (Calendula officinalis
L. pot marigold). Em caso de participação em eventos de trocas de sementes, visita guiadas à
horta ou pedidos de doação, as semente eram embaladas em sacos de papel ou plásticos.
Em julho de 2016, o Centro da Juventude Elaine Viviane passava por um momento de
abandono do poder público e foi alvo de frequentes furtos, dentre eles as ferramentas da
horta, que ficavam armazenadas em uma sala em que apenas os agricultores tinham acesso.
Após o furto foram registradas as ferramentas restantes: 3 enxadas, 2 enxadões, 1 facão, 1
marreta, 2 rastelos, 2 cavadeiras, 2 pás, 2 irrigadores tipo bailarina, 2 mangueiras 30 m e 2
carriolas. Os agricultores optaram por não investir na compra de mais materiais, já que com o
arrombamento da porta da sala, não havia outro local seguro para armazenar as ferramentas.

Irrigação
A irrigação era realizada com mangueira simples e auxílio de aspersores tipo
‘bailarina’ e esguicho multifuncional. Não era possível quantificar o gasto de água, pois o
relógio registrava a utilização geral do Centro da Juventude. O pagamento era realizado pela
prefeitura, especificamente pela Secretaria Municipal Especial da Infância e Juventude -
SMEIJ. A equipe possuía uma caixa d’água com tampa improvisada, que armazenava a água
da chuva, sem nenhum tipo de canalização. A caixa d’água foi destruída e foram encontrados
apenas alguns destroços no local. Em 2015 iniciou-se um estudo para implementação de uma
estrutura de irrigação semi-automática, possível com o recurso do projeto destinado a
insumos para a horta. Porém, diante dos frequentes furtos e destruição de equipamentos na
horta, o grupo optou por não realizar o investimento.
A irrigação era realizada pelo revezamento dos agricultores no início da manhã e final
de tarde, a partir da observação do solo. Houve alguns contratempos, como falta de água
frequente no bairro, indisponibilidade dos agricultores e falta de comunicação para que

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houvesse substituição no revezamento. Nos dois períodos de inverno observados, a produção
foi pequena. Em reunião da equipe foi evidenciada a necessidade de preparar-se para a falta
de chuvas, para as próximas estações. Os agricultores pretendiam testar a incorporação de
caule de bananeira no solo, técnica que também auxilia na manutenção da umidade.

Plantio Diversificado
O plantio de mudas ou sementes era realizado conforme o calendário biodinâmico,
adquirido por meio da compra do material elaborado pela Associação Biodinâmica de
Botucatu/SP. Quando havia planejamento conjunto do plantio, optava-se pela elaboração de
mapas dos cultivos nos respectivos canteiros. Um dos agricultores em particular preferia
realizar o plantio sem planejamento prévio em reuniões, dessa forma os canteiros ficaram
divididos em cinco canteiros manejados apenas por um agricultor e o restante manejados
coletivamente.
Para melhor aproveitamento de nutrientes do solo era realizada a rotação de culturas,
alternando a cada novo plantio as famílias das plantas. As plantas repelentes de insetos
ficavam espalhadas entre as hortaliças. Foram utilizadas arruda (Ruta graveolens), sálvia
(Salvia officinalis) e manjericão (Ocimum minimum).

Espécies produzidas
Durante a observação das atividades na horta do CJ foram produzidas hortaliças,
plantas alimentícias não convencionais (panc), temperos e plantas medicinais. Estão listadas
na tabela I abaixo 47 espécies.

Tabela I: Lista de espécies produzidas na Horta do CJ


Nome popular Nome Científico Nome popular Nome Científico
Alecrim Rosmarinus officinalis Chuchu Sechium edule
Alface crespa Lactuca sativa Coentro Coriandrum sativum
Alface americana Lactuca sativa Cúrcuma Curcuma longa
Alface roxa Lactuca sativa Erva doce Foenicolum vulgare
Abacaxi Ananas comosus Feijão Carioca Phaseolus vulgaris
Abóbora pescoço Cucurbita moschata Feijão Guandu Cajanus cajan
Abóbora moranga Cucurbita maxima Gengibre Zingiber officinali
Almeirão Cichorium intybus Hortelã Menta piperita
Almeirão roxo Lactuca canadensis Hortelã pimenta Coleus amboinicus
Amendoim branco Arachis hypogaea Inhame Colocasia esculenta
Arruda Ruta graveolens Losna Artemisia abisinthium
Babosa Aloe vera Mamão Carica papaya
Berinjela Solanum melongena Mandioca Manihot esculenta

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Bertalha Basella rubra Manjericão Ocimum minimum
Beterraba Beta vulgaris Melissa Lippia alba
Boldo Plectranthus ornatus Milho amarelo/roxo Zea mays
Cana de Açúcar Saccharum spp Ora pro nobis Pereskia aculeata
Brócoli Brassica oleracea Poejo Mentha longifolia
Capim limão Cymbopogon citratus Quiabo Abelmoschus esculentus
Calêndula Calendula officinalis Rúcula Eruca sativa
Capuchinha Tropaeolum majus Salsinha Petroselinum crispum
Chicória Cichorium endivia Taioba Xanthosoma sagittifolium
Couve Brassica oleracea Tomate Solanum lycopersicum
Cebolinha Allium fistulosum Vinagreira Hibiscus sabdariffa

A associação para o trabalho na horta esteve sempre aberta para os moradores do


entorno, que poderiam receber alguns produtos em troca do trabalho ou participar da equipe e
da estruturação do empreendimento. No entanto, o acesso a esses alimentos em troca de mão
de obra em algum setor da cadeia produtiva ficou restrito a poucas pessoas da comunidade
local e aos estudantes bolsistas do projeto. Em média, os estudantes retiravam 1 kg de
alimentos por semana e os agricultores 2 kg. De agosto de 2016 a julho de 2017 cada
agricultor retirou 144 kg e cada estudante retirou 48 kg, totalizando 624 kg em 12 meses,
considerando hortaliças, plantas medicinais e frutas, tais como abacate, mamão, banana, fruta
do conde em suas épocas específicas. A partir desses dados é possível estimar um valor de
geração de renda indireta, ou seja, com a aquisição desses produtos agricultores e estudantes
economizaram na compra desses alimentos. Esse valor foi calculado a partir da média dos
valores de um kilo de 17 variedades cultivadas, totalizando R$ 3.027, 00, ao longo de 12
meses.

Processamento dos cultivos e comercialização local.


A comercialização dos produtos in natura se iniciou em dezembro de 2016, em feira
local de Economia Solidária. Denominada “Feira Compre no Bairro” (FCB), esse
empreendimento coletivo estava em estruturação e acontecia conforme a demanda das
feirantes, sem uma regularidade definida.
A fim de agregar valor aos produtos e diversificar as possibilidades de consumo
foram preparados alimentos da horta processados. Os alimentos processados eram: suco
verde, torta de taioba com berinjela, antepastos de abóbora e berinjela, curau, bolos, molho de
pimenta.

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Ao longo de seis meses foram realizadas 8 feiras e foram preparados 58,280 kg de
produtos in natura para a comercialização A tabela II mostra os valores de venda esperado e
realizado.
Tabela II - Análise da venda de produtos “in natura”
Valor venda esperado R$ 429,50
Valor vendas R$ 270,00

A quantificação da colheita de Inhame, Cúrcuma e Gengibre no mês de julho está


organizada na tabela III
Tabela IIIuantificação produção horta Julho/2017

Cultivo Quantidade (g) Preço/kg Valor venda esperado


Inhame 8500 R$ 4,00 R$ 34,00
Cúrcuma 2400 R$ 30,00 R$ 72,00
Gengibre 1250 R$ 10,00 R$ 12,50
Total 12150 Total R$ 118,50

O valor das vendas dos produtos “in natura” foi dividido entre os agricultores, a
agricultora que realizou o preparo e a venda teve uma remuneração acrescida por esses
serviços. O registro detalhado da venda dos produtos processados não foi exato. Com o
primeiro resultado das vendas, a agricultora participante da feira demonstrou-se motivada em
dar continuidade a toda a cadeia produtiva, por outro lado, não visualizava a participação de
mais pessoas em nenhuma das etapas de produção. Fosse por falta de interesse no tipo do
trabalho ou pela demora no retorno econômico.
Em julho de 2017 deu-se início a formalização do empreendimento econômico
solidário, por meio de cadastro no Cadastro de Empreendimentos Econômicos Solidários -
CadSol.

DISCUSSÃO

Nessa experiência a atividade extensionista promovida pelo NuMI-EcoSol da UFSCar


promoveu a socialização de conhecimentos acadêmicos produzidos principalmente sobre a
organização do trabalho, a descentralização dos meios de produção e o desenvolvimento
territorial. A atividade de extensão proporcionou a comunicação entre estudantes e

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comunidade, permitindo incorporar à formação dos estudantes a real perspectiva da
população brasileira e aproximar a comunidade da Universidade.
As metodologias participativas utilizadas nas reuniões e formações pretendiam
reforçar e fortalecer a dinâmica autogestionária no grupo. Essa forma de relação de trabalho
não foi incorporada, tendo em vista as ações individuais frequentes e a falta de interesse em
organizar o trabalho coletivamente em toda a cadeia produtiva, desde a produção à
comercialização.
No entanto a produção coletiva de alimentos na horta destaca-se como uma
experiência de resistência, principalmente sob as condições sociais locais, considerando os
oito anos desde seu início e as adversidades enfrentadas por diferentes grupos que ali
trabalharam: furtos frequentes, falta de apoio do poder público municipal, pouco apoio da
comunidade, falta de água. A Feira Compre no Bairro foi um canal importante de
comercialização e divulgação das atividades desenvolvidas na horta. Também contribuiu para
a formação e desenvolvimento dos agricultores por meio de realização de registros da
colheita, pesagem, precificação, além de renovar suas habilidades matemáticas.
Como um empreendimento econômico solidário em estruturação, é esperado que haja
o desenvolvimento individual e das relações entre os agricultores, melhorando a gestão,
tornando possível maior organização para aumento da produção de cultivos e de produtos
processados.
A produção da horta do CJ contribuiu com dados empíricos que demonstram a
viabilidade desse modelo de produção agroecológico em ambientes urbanos. Essa experiência
demonstra que por meio do cuidado com o solo, da reciclagem de nutrientes e
aproveitamento dos insumos locais é possível produzir alimentos saudáveis a baixo custo. A
não utilização de defensivos agrícolas, combinada a utilização de plantas repelentes e caldas
naturais não ocasionou nenhum tipo de perda de cultivos, sendo uma alternativa viável ao uso
de agrotóxicos e fertilizantes industriais. A produção agroecológica vem sendo estudada para
promover resiliência diante das mudanças climáticas (Altieri;Nicholls, 2013).
Fica evidente que as técnicas de produção agroecológicas utilizadas na Horta do CJ
representam a melhor forma de manejo ambiental, pois promovem ganhos ambientais e até
sustentabilidade econômica. No entanto, o resultado dessa experiência é de uma produção
baixa considerando seu potencial, devido, principalmente, a falta de mão de obra. A produção
de adubo a partir da gestão de resíduos orgânicos da comunidade local, por exemplo, não

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atingiu seu potencial máximo pela falta de estrutura e apoio para viabilizar a coleta dos
resíduos. Em contrapartida, o agronegócio é responsável por grandes impactos nas mudanças
climáticas, devido às altas emissões de gases causadas por uso inadequado do solo, produção
e uso de fertilizantes e agrotóxicos, além de complexos quadros de intoxicação. Mesmo com
esses dados, atualmente, esse modelo de produção é o que recebe mais investimentos
públicos e privados.
Embora o contexto ambiental seja propício para o sucesso dessa cadeia produtiva no
CJ, os setores sociais, políticos e econômicos que permeiam essa experiência, seja em âmbito
local ou global, não estão organizados para a estruturação, apoio e investimento em
experiências como essa descrita e analisada.
Considerando sua localização em um espaço público voltado para a Juventude, a horta
teve importante caráter pedagógico, aproximando algumas crianças e jovens frequentadores
das atividades de cultivo. Ainda que de maneira informal, esse público teve acesso a
conhecimentos sobre ciclos de vida das plantas, identificação de hortaliças convencionais e
não convencionais, bem como a importância de seu consumo.
No período relatado de abandono do poder público, apesar da ocorrência de ações de
degradação no local, a ocupação da horta contribuiu para a sua preservação, bem como para a
presença da população no espaço público reconhecendo seus direitos como cidadãos e a
necessidade de articulação com o poder público. Nesta conjuntura, a horta atuou como agente
político de sensibilização da comunidade para o consumo consciente de alimentos orgânicos
e possibilitou a reflexão e formação dos sujeitos envolvidos, evidenciando a necessidade da
produção agroecológica no contexto local e global.
A ampliação e formalização do potencial pedagógico da Horta pode ocorrer por meio
da construção de um projeto comunitário participativo que dê subsídios, com base na Lei
Municipal do Município de São Carlos (11.339/97), que cria o Programa de Hortas
Comunitárias, para atividades educativas por meio de visitas escolares e oficinas.
A quantidade de alimentos produzidos na horta, mesmo com poucos agricultores,
possibilitou a complementação do consumo da família dos agricultores e parceiros da horta.
O pequeno excedente pode ser comercializado para a comunidade do entorno a preço
acessível na Feira Compre do Bairro. Dessa forma contribuiu para a segurança alimentar e
nutricional desses agentes, parceiros e alguns membros da comunidade local. Essa
experiência tem condições de aumentar, para a mesma área, em escala de produção e

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comercialização, se houver maior número de agricultores participantes. E assim, gerar maior
retorno econômico e desenvolvimento social local, a partir de atividades econômicas
solidárias por meio do consumo consciente, incentivando a aquisição de produtos produzidos
de maneira ambientalmente sustentável e com condições de trabalho dignas.
A mudança de escala de produção e de renda deve ser acompanhada por uma
conscientização crescente dos envolvidos por meio de trocas de experiência por via oral e
escrita, compromissos de produção e venda constantemente registrados. Investir em parcerias
com os representantes locais de comércio, escolas, representantes políticos, agentes sociais
públicos, associações de bairro e de representações sociais privadas podem ser caminhos para
a manutenção do empreendimento.

CONCLUSÕES
A produção coletiva de alimentos na Horta Agroecológica do Centro da Juventude
Elaine Viviane destaca-se como uma experiência de resistência, principalmente sob as
condições sociais locais que afetam direta e primeiramente a produção. A experiência
garantiu soberania e segurança alimentar para os envolvidos por meio de parcerias públicas e
privadas que fortaleceram o empreendimento.
A Horta o CJ constituiu-se como um espaço de equilíbrio ecológico caracterizado pela
sua produção alimentar sustentável. As atividades desenvolvidas nesse local foram
responsáveis por sensibilizar a comunidade para o consumo consciente de alimentos
orgânicos, propor formação dos sujeitos envolvidos contribuindo para sua emancipação e
debater sobre a necessidade da produção agroecológica no contexto local e global.
Os resultados dessa ação até agora já apresentam significado importante para os
agricultores envolvidos na medida que possibilitou a geração de renda direta e indireta e não
gerou gastos com aluguel ou arrendamento do terreno para produção. A horta CJ tem
condições de se desenvolver como uma ação local de sucesso, com maior número de
agricultores participantes, gerar maior retorno econômico e desenvolvimento social local.
Os setores sociais, políticos e econômicos não estão previamente organizados para a
estruturação, apoio e investimento em experiências como essa, mas há formas possíveis de
superação para cada uma dessas categorias de problemas inerentes à atividade comunitária.

REFERÊNCIAS

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