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Alimentação adequada e saudável: direito de todos1

Irio Luiz Conti2


Evandro Pontel3

No Brasil estamos vivendo um tempo especial na área da segurança alimentar e nutricional (SAN).
Acabamos de realizar conferências municipais, regionais e territoriais de segurança alimentar e nutricional que
envolveram participantes de mais de 2.800 municípios brasileiros. Na sequência tivemos a realização das
conferências estaduais em todos os estados e no Distrito Federal. Em breve teremos a 4ª Conferência Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional, que se realizará em Salvador, na Bahia, de 7 a 10 de novembro, com
previsão de reunir cerca de dois mil participantes do Brasil e do exterior. Este amplo processo de mobilização
social e governamental que está envolvendo milhares de pessoas evidencia que vivemos um tempo favorável
para avançarmos na efetivação do direito humano à alimentação de todas e todos os brasileiros.
Inspirados pela inclusão do direito à alimentação na Constituição Federal, em 2010, ousamos adotar
nesta 4ª Conferência o tema: Alimentação adequada e saudável: direito de todos. A Conferência visa construir
compromissos para efetivar o direito humano à alimentação adequada e saudável por meio da Política, do
Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e da implantação de planos de SAN, a partir de análises
dos avanços, ameaças e perspectivas para a efetivação desse direito em todo território nacional.
No Brasil houve avanços significativos nos últimos anos com a implementação de diversas leis
acompanhadas da implantação de vários programas e ações que garantem o direito humano à alimentação
adequada. Foram criados e instalados CONSEAs e recentemente houve a realização das conferências de
segurança alimentar que impulsionaram diversas iniciativas e programas nesta área. Inegavelmente, a
Conferência de Salvador reconhecerá estes e tantos outros avanços que efetivamente alçaram o país como
referência nacional e internacional em iniciativas de promoção de políticas públicas de segurança alimentar e
nutricional, aliadas a outras políticas sociais.
Por outro lado, convivemos com ameaças como a contaminação dos alimentos decorrente do uso
desregrado de agrotóxicos que causa graves problemas à saúde da população e ao meio ambiente. Desde 2008
o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos e em 2010 a média per capita alcançou 5,2 quilos.
Nenhum outro país pulveriza a quantidade de agrotóxicos que o Brasil aplica na produção de alimentos.
Somente em 2010 foram vendidas 725,6 mil toneladas dessas substâncias, movimentando aproximadamente 7
bilhões de dólares na venda de produtos. Em 2009 a ANVISA coletou e analisou diversas amostras de alimentos
(hortaliças e frutas) e os resultados mostraram que entre 29% e 80% das amostras possuíam dosagens acima
dos limites tolerados. As irregularidades identificadas referem-se tanto à aplicação excessiva de agrotóxicos não
autorizados para as devidas culturas, como também à aplicação de agrotóxicos banidos ou não permitidos em
nenhuma cultura. Deste modo, ao mesmo tempo que ainda temos a falta de acesso à alimentos adequados e
saudáveis temos uma grande quantidade de alimentos que chegam às nossas mesas contaminados.
As conferências municipais, territoriais e estaduais identificaram, enfaticamente, que a maioria das
ameaças está relacionada a um tema que precisamos debater mais em todos os espaços: a matriz do
desenvolvimento brasileiro que influi diretamente na produção, distribuição e consumo de alimentos.
Atualmente coexistem dois modelos de desenvolvimento. Um se expressa pelo modelo agroexportador,
caracterizado pelas grandes propriedades, monoculturas intensivas, uso intenso de agroquímicos,
equipamentos e máquinas modernas, baixa utilização de mão de obra, disseminação intensiva de sementes
transgênicas e uso de agrotóxicos. Este modelo gera poucos postos de trabalho, concentra terra, água e renda,
acelera a degradação ambiental e deixa milhares de pessoas excluídas de seus direitos fundamentais, inclusive o
direito humano à alimentação adequada e saudável. Por outro lado, se fortalece um modelo de
desenvolvimento que se assenta na agricultura familiar e camponesa, constituído por unidades de produção
diversificadas, geradoras de trabalho e renda, voltadas prioritariamente ao mercado interno e à produção de
alimentos para o autoconsumo, à soberania e segurança alimentar e nutricional e à realização do direito
humano à alimentação adequada e saudável.

1
Parte II. Pois há mais as partes I e III que compõem um conjunto com este artigo.
2
Mestre em Sociologia, professor na RedeSAN/UFRGS e no IFIBE, conselheiro do CONSEA Nacional e
CONSEA RS, presidente da FIAN Internacional.
3
Graduado em Filosofia e Teologia, professor na RedeSAN/UFRGS.
Como podemos perceber, os participantes da 4ª Conferência Nacional de SAN analisarão os avanços e
ameaças, mas também se debruçarão sobre os desafios que precisam ser enfrentados para que tenhamos o
direito à alimentação adequada e saudável efetivado. Entre os desafios podemos citar a erradicação da
desnutrição e a garantia da alimentação adequada e saudável aos 16,2 milhões de cidadãos brasileiros que
ainda vivem em situação de extrema pobreza e vunerabilidade social e alimentar; a consolidação da Política e do
Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, mediante a articulação de um conjunto de ações e
programas que abranjam desde o acesso à terra, à água e aos recursos produtivos, até o enfrentamento dos
transgênicos e agrotóxicos e a transição para a produção de alimentos baseada em unidades de produção
familiares de matriz agroecológica que garantam a produção, o abastecimento e o consumo de alimentos
saudáveis e; não menos importante é a adoção de medidas urgentes de reversão das taxas de excesso de peso e
obesidade, aliadas com iniciativas de educação alimentar e nutricional para que a população tenha todas as
condições de se alimentar de modo adequado e saudável.
Oxalá aproveitemos esta oportunidade gerada pelos processos das conferências de segurança
alimentar e nutricional para discutir e implementar ações que efetivamente garantam o direito à alimentação
adequada e saudável como um direito de todos e todas em cada um dos lugares onde vivemos.

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