Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Segurança de
alimentos
Tatiane Marques
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
Ao ouvir a expressão segurança alimentar, é comum lembrarmos do aspecto
social mencionado na Constituição Federal, segundo o qual todos os brasileiros
devem ter acesso à alimentação de qualidade e em quantidade suficiente
para sua nutrição. Em parte, essa lembrança faz sentido, pois essa temática
envolve sim nossos direitos e deveres garantidos pela Lei Orgânica de Segu-
rança Alimentar e Nutricional, a Lei nº 11.346/2006 (BRASIL, 2006). Porém, essa
mesma expressão suscita também um aspecto de saúde pública, que está mais
diretamente relacionado ao profissional nutricionista.
O alimento, desde seu cultivo ou criação até o processamento e embalagem
final, passa por diversas etapas de manipulação, cozimento e conservação.
Tudo isso visa garantir ao consumidor que, no momento de sua compra ou de
seu consumo, lhe sejam ofertados alimentos de qualidade e isentos de con-
taminação microbiológica. Para isso, é necessária a aplicação de métodos de
higienização e técnicas de conservação de alimentos em todas as suas etapas
de manipulação, inclusive no armazenamento e no momento do consumo.
2 Segurança de alimentos
não apenas com a qualidade dos alimentos, mas também com sua sanidade.
Atualmente, a legislação federal afirma que é direito de todo brasileiro o
acesso a alimentos de boa qualidade nutricional, inclusive com incentivo
de práticas de alimentação saudável na escola. Embora ainda seja uma rea-
lidade distante, o ideal é que essas práticas sejam observadas também no
campo, com padrões saudáveis de cultivo e estratégias para minimizar o
uso de agrotóxicos e produtos químicos (MALUF; MENEZES; MARQUES, 2001).
Infelizmente, a agropecuária brasileira ainda é em grande parte baseada no
envenenamento alimentar com aditivos químicos, agrotóxicos e hormônios
para obter melhores resultados qualitativa e quantitativamente.
A preocupação com a segurança alimentar e nutricional não deve ser apenas
um fenômeno global. Individualmente, as políticas nacionais de diversos países
precisam preocupar-se em desenvolver seus próprios programas de vigilância
da qualidade dos alimentos. No Brasil, essas políticas estendem-se desde
meados da década de 1970, voltadas ao desenvolvimento da agropecuária e
suas tecnologias. Visando também a qualidade dos alimentos, e não apenas
seu fornecimento, o governo federal impulsionou suas ações a partir do ano
de 2003, com a criação do programa Fome Zero. A partir de então, observou-se
progressivamente a implementação de novas ações no que tange a cobertura
da população-alvo e a criação de novas políticas públicas e nova legislação
(KEPPLE; SEGALL-CORRÊA, 2011). Como consequência, mostrou-se essencial o
desenvolvimento de indicadores e índices de avaliação da segurança alimentar
e nutricional no Brasil.
A segurança alimentar nacional é definida como:
Bacillus cereus 30 min a 5 h Náuseas e vômitos Armazenamento de alimen- Alimentos ricos em amido
(tipo emético) Diarreia tos prontos em tempera- Molho caseiro
Dores abdominais tura inadequada Pudim
Sopa
(Continua)
5
6
(Continuação)
falar, respirar
Fraqueza muscular
Constipação
Dilatação das pupilas
Paralisia respiratória
Pode evoluir para óbito
Escherichia 1 a 10 dias Dores abdominais intensas Cozimento inadequado de Consumo de carne e leite
coli entero- Diarreia aquosa seguida de alimentos crus
hemorrágica ou diarreia sanguinolenta Contaminação cruzada Embutidos
enterotoxigênica Sangue na urina Contaminação por Iogurte
Síndrome hemolítico-urêmica manipuladores Vegetais de folha
Água contaminada
Hamburguer caseiro ou
artesanal feito com carne
contaminada
Escherichia coli 12 h a 3 dias Dores abdominais intensas Cozimento inadequado de Água contaminada
enteroinvasiva Diarreia aquosa alimentos Vegetais consumidos crus
mucossanguinolenta Contaminação cruzada não higienizados
Febre Contaminação por
Tenesmo manipuladores
Armazenamento de
alimentos em temperatura
inadequada
Reaquecimento insuficiente
Resfriamento lento
Segurança de alimentos
(Continua)
7
8
(Continuação)
Escherichia coli 12 h a 3 dias Diarreia aquosa sem muco ou Cozimento inadequado de Água contaminada
enterotoxigênica sangue alimentos Vegetais consumidos crus
Segurança de alimentos
(Continua)
(Continuação)
Febre
9
Conservação de alimentos
A relação do ser humano com o alimento data de nossa pré-história, quando
a espécie ainda era composta por nômades caçadores e coletores, que con-
sumiam somente o que estava disponível no momento. Ainda nos tempos de
nossos ancestrais pré-históricos, a descoberta do fogo e sua utilização no
Segurança de alimentos 11
Refrigeração
A refrigeração diz respeito ao armazenamento temporário de alimentos a
temperaturas entre –1,5 e 10 °C até o momento do consumo ou aplicação de
outro método de conservação. Isso mantém a originalidade do alimento e
prolonga sua vida útil. É ideal para inibir a multiplicação de microrganismos
contaminantes e retardar a deterioração de alimentos perecíveis, desde que
observadas as práticas de assepsia, para evitar a proliferação de contaminan-
tes na embalagem. A temperatura e o tempo de armazenamento devem ser
observados e adequados para cada tipo de alimento, pois vegetais e frutas,
por exemplo, são mais sensíveis a essa técnica. Alterações de cor, consistência,
palatabilidade, liberação de produtos voláteis, perda de crocância e firmeza
podem ser observados.
Congelamento
No congelamento, a diminuição gradativa da temperatura de armazena-
mento vai até valores entre –40 e –10 °C, em que ocorre paralização total
da atividade microbiana. Para que essa técnica seja bem-sucedida, o ideal
é que cerca de 80% da água livre do alimento seja transformada em gelo.
A temperaturas como essas, não há morte de microrganismos contaminantes
que podem apresentar atividade metabólica normal uma vez restauradas
temperaturas favoráveis para seu crescimento e multiplicação. O aumento
do tempo de vida útil do produto é resultado da combinação de água sob a
forma de gelo com o aumento da concentração de solutos na água congelada,
ou seja, a soma de baixas temperaturas com baixa atividade de água. Esse
método de conservação pode resultar em alterações nutritivas e sensoriais,
principalmente em alimentos ricos em gorduras e proteínas armazenados por
14 Segurança de alimentos
Supergelação ou ultracongelamento
A supergelação ou ultracongelamento é um processo bastante utilizado
pela indústria alimentícia. Basicamente, toda a água contida no alimento é
convertida em microcristais de gelo, garantindo elevado padrão de qualidade
e preservação da textura do alimento, assim como de seus nutrientes e
características organolépticas.
Branqueamento
O branqueamento é uma técnica aplicada em vegetais, preferencialmente
frutas e hortaliças, com a finalidade de fixar a cor, reduzir a carga microbiana
e inativar enzimas que podem causar deterioração no alimento. Também pode
ser empregada com a finalidade de melhorar as características sensoriais dos
alimentos, ao amaciá-los, por exemplo. O processo consiste em mergulhar o
vegetal em água a uma temperatura entre 70 e 100 °C por 1 a 5min e retirá-lo,
resfriando-o em seguida, pela imersão em água fria.
Segurança de alimentos 15
Pasteurização
A pasteurização é um tratamento aplicado a produtos perecíveis, principal-
mente leite e laticínios, com o objetivo de reduzir a maior parte dos microrga-
nismos presentes, incluindo bactérias e fungos. O aquecimento a temperaturas
superiores a 100 °C preserva as características naturais e nutritivas dos
alimentos, inativando enzimas que possam causar sua deterioração. Reco-
menda-se o resfriamento rápido do produto, seguido de seu aquecimento,
para maior eficácia da eliminação de microrganismos contaminantes, uma
vez que uma pequena quantidade de esporos pode sobreviver ao processo.
Esterilização
Outro tratamento térmico por aquecimento, a esterilização visa inativar todos
os microrganismos com potencial patogênico ou que possam deteriorar o
alimento, com potencial para crescimento durante a estocagem. Emprega o
uso do calor em todas as partes do alimento, com temperaturas que podem
atingir entre 120 e 135 °C, por até 6 min, para eliminação de esporos bacteria-
nos sensíveis ao calor. Se não for adequadamente empregada, essa técnica
pode provocar alterações sensoriais na cor, sabor, aroma e consistência dos
alimentos. Também pode haver perda de vitaminas C, A, e E na ausência de
oxigênio e de vitamina B1 em alimentos com baixa acidez.
Desidratação
Processamento baseado na remoção controlada de água livre do alimento
e/ou sua interação com outros compostos, de modo a reduzir a atividade de
água e, consequentemente, as taxas de alterações microbiológicas. Alimen-
tos desidratados apresentam como vantagens comerciais a facilidade no
transporte e distribuição, redução de custos com embalagem, praticidade e
maior tempo de vida de prateleira. É preciso observar, para fins de qualidade,
o índice de reidratação no consumo, de modo que o produto fique similar ao
seu estado original, assim como a manutenção das propriedades sensoriais
e alterações mínimas em suas características organolépticas.
Segurança de alimentos 17
Desidratação osmótica
Técnica bastante aplicada em frutas e hortaliças, na desidratação osmótica
a água é removida pela imersão do alimento em solução hipertônica com
elevada pressão osmótica. Esse é considerado um processo intermediário a
outras técnicas mais rotineiras, como secagem, pasteurização, congelamento
e liofilização, pois ao final de seu processamento os alimentos apresentam
umidade intermediária. Em combinação com a secagem, essa técnica au-
menta o tempo de vida de prateleira de vários alimentos, com baixo custo
de execução e boa preservação das características sensoriais de frutas e
hortaliças in natura.
Salga e cura
A conservação de alimentos pelo sal acompanha o ser humano desde os
primórdios da civilização. De fato, há relatos antiquíssimos de conserva-
ção de carnes e pescados utilizando elevadas concentrações de sal. Alguns
alimentos vegetais condimentados também utilizam a combinação de sal
com outros elementos para a elaboração de conservas, como, por exemplo,
o chucrute, os picles e as azeitonas. O princípio da salga consiste em desidratar
o produto, removendo a água livre e diminuindo a atividade de água, de modo
Segurança de alimentos 19
Defumação
A defumação é uma das técnicas de conservação de alimentos mais antigas e
ainda hoje muito empregada, sendo inclusive aplicada em ambiente domés-
tico. O alimento é salgado e submetido a secagem, reduzindo sua atividade
de água. A combinação de ervas e especiarias com a fumaça pode alterar seu
sabor e palatabilidade, o que é muito empregado com finalidades culinárias.
A princípio, o objetivo é reduzir a quantidade de água livre e minimizar a ação
de enzimas líticas, além de inibir a proliferação de microrganismos. A redução
da carga microbiana contaminante garante maior durabilidade do produto.
Esse método é empregado principalmente em carnes, peixes e queijos.
Adição de açúcar
O açúcar foi empregado inicialmente com fins de melhorar a palatabilidade
dos alimentos, mas descobriu-se não muito acidentalmente que também
poderia ser aplicado com o objetivo de preservação. Como aditivo, é utilizado
na fabricação de geleias, doces e massas, apresentando efeito desidratante,
ao elevar a pressão osmótica do meio e ao tornar a água indisponível para
bactérias, bolores e leveduras que fazem a decomposição por fermentação.
Em menores concentrações, o açúcar adicionado funciona como um conser-
vante auxiliar, sendo necessário empregar outros processos para a preser-
vação do alimento.
Aditivos químicos
As diferentes classes de aditivos químicos que podem ser adicionados aos
alimentos visam o melhor aproveitamento das matérias-primas e, por con-
sequência, são utilizadas para diminuir o desperdício. Sua aplicação tem por
objetivo manter ou melhorar a consistência do produto, suas características
químicas e biológicas, seu valor nutricional, regular o pH e controle seu aroma
e coloração. O Quadro 2 resume as principais classes de aditivos químicos
empregados na indústria alimentícia, as classes de alimentos a que se des-
tinam e sua ação como método de preservação.
20 Segurança de alimentos
Aditivo
Efeito esperado Produtos
químico
(Continuação)
Aditivo
Efeito esperado Produtos
químico
Vinagres
Vinhos
Vinhos compostos
Vinhos de frutas
Xaropes de frutas
Xaropes de glicose
Higiene pessoal
No âmbito da higiene pessoal, estão as ações que devemos praticar para
nos mantermos saudáveis física e mentalmente, bem como para prevenir o
desenvolvimento de doenças e, neste caso, principalmente a contaminação
de alimentos. Os manipuladores de alimentos devem agir de acordo com os
princípios destacados a seguir:
Qualidade da água
A manipulação e a cocção de alimentos devem ser realizadas apenas com uso
de água potável ou tratada para remoção de substâncias e resíduos tóxicos.
Os reservatórios de água precisam ser higienizados com frequência e, uma vez
detectada contaminação, devem ser esvaziados e higienizados. Mesmo sem
contaminação, não deve exceder o prazo de 6 meses sua higienização regular.
Manejo de resíduos
Ambientes, indústrias e estabelecimentos onde são manipulados alimentos
devem dispor de recipientes identificados e íntegros para descarte de resíduos
orgânicos e inorgânicos. Os recipientes para descarte devem ser feitos de
material de fácil higienização e transporte, dispostos em local de fácil acesso
e manuseio e em número e capacidade suficientes para conter os resíduos
gerados. Os cestos de lixo devem conter tampas acionadas por pedal, para
evitar manipulação direta com as mãos. Até o momento de sua coleta pela
empresa responsável, os resíduos coletados devem ser armazenados em local
Segurança de alimentos 25
Referências
ANVISA. Guia de boas práticas para bancos de alimentos: guia nº 26/2021, ver-
são 2. Brasília, DF: Anvisa, 2021. Disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/docu-
ments/10181/5321364/Guia+de+boas+pr%C3%A1ticas+para+bancos+de+alimentos_
novo+modeo+GGREG+15.01.21.pdf/6596a713-d23e-4eb0-8a13-31d3cc7c510e. Acesso
em: 4 jul. 2022.
ANVISA. Resolução RDC nº 21, de 26 de janeiro de 2001. Aprova o Regulamento Téc-
nico para Irradiação de Alimentos. Brasília, DF: Anvisa, 2001. Disponível em: http://
portal.anvisa.gov.br/documents/33916/394219/Resolucao_RDC_n_21_de_26_de_ja-
neiro_de_2001.pdf/28d81caa-e8ba-44a8-bcdc-83f950a29f35. Acesso em: 4 jul. 2022.
AZEREDO, H. M. C. Fundamentos de estabilidade de alimentos. 2. ed. Brasília, DF: Em-
brapa, 2012.
BARROS, D. M. et al. Principais técnicas de conservação dos alimentos. Brazilian Journal
of Development, v. 6, n. 1, p. 806-821, 2020.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 4 jul. 2022.
BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional — SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimen-
tação adequada e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2006.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.
htm. Acesso em: 4 jul. 2022.
BRASIL. Ministério da Saúde. Manual integrado de vigilância, prevenção e controle de
doenças transmitidas por alimentos. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2010. Disponível
em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_integrado_vigilancia_do-
encas_alimentos.pdf. Acesso em: 4 jul. 2022.
KEPPLE, A. W.; SEGALL-CORRÊA, A. M. Conceituando e medindo segurança alimentar e
nutricional. Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, n. 1, p. 187-199, 2011.
LEONARDI, J. G.; AZEVEDO, B. M. Métodos de conservação de alimentos. Revista
Saúde em Foco, n. 10, p. 51-61, 2018. Disponível em: https://portal.unisepe.com.
br/unifia/wp-content/uploads/sites/10001/2018/06/006_M%C3%89TODOS_DE_
CONSERVA%C3%87%C3%83O_DE_ALIMENTOS.pdf. Acesso em: 4 jul. 2022.
MALUF, R. S.; MENEZES, F.; MARQUES, S. B. Caderno ‘segurança alimentar’. In: FÓRUM
SOCIAL MUNDIAL, 1., 2001, Porto Alegre. Anais [...]. Porto Alegre: FSM, 2001. v. 1.
MARINS, B. R.; TANCREDI, R. C. P.; GEMAL, A. L. Segurança alimentar no contexto da
vigilância sanitária: reflexões e práticas. Rio de Janeiro: EPSJV, 2014. Disponível em:
https://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/seguranca_alimentar_vigilancia_0.
pdf. Acesso em: 14 jun. 2022.
PANDOLFI, I. A.; MOREIRA, L. Q.; TEIXEIRA, E. M. B. Segurança alimentar e serviços
de alimentação: revisão de literatura. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 7,
p. 42237-42246, 2020.
PEREIRA, W. B. B.; ZANARDO, V. P. S. Gestão de boas práticas em uma cantina escolar.
Revista Vivências, v. 16, n. 30, p. 193-200, 2020.
28 Segurança de alimentos
Leituras recomendadas
CEZAR, F. S. Política nacional de segurança alimentar e nutricional: uma análise da
descentralização da política nos municípios brasileiros. 2020. Dissertação (Mestrado
em Gestão e Economia da Saúde) — Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2020.
DIONYSIO, R. B.; MEIRELLES, F. V. P. Conservação de alimentos. DocPlayer, 2022. Dispo-
nível em: https://docplayer.com.br/7809089-Conservacao-de-alimentos.html. Acesso
em: 4 jul. 2022.