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Revista Ideias na Mesa


ISSN 2318-3543
4ª edição – 2º/2014
www.ideiasnamesa.unb.br

COMER
como ato político
sumário apresentação
2 s etapas do sistema alimentar, que vão desde a semente plantada
capa até o prato servido, estão interligadas e se afetam mutuamente.
Neste ciclo, da mesma forma que a produção de alimentos determi-
Comer como ato político: na o consumo, a escolha do que comemos também determina o que
escolha que faz a diferença é produzido e a maneira como é produzido. Assim, o aumento da de-
manda por alimentos da agricultura familiar contribui com o meio

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ambiente e com a qualidade de vida do consumidor e do agricultor,
boas práticas já que esta forma de produção, além de promover a saúde, contribui
para o estabelecimento de relações de trabalho mais justas e para
Experiências pelo Brasil maior distribuição de renda. A ampliação do contato entre quem
consome e quem planta é um ponto-chave para a estruturação de

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sistemas alimentares locais sustentáveis. Também contribui para o
políticas desenvolvimento e para a valorização das identidades culturais, que
se manifestam por meio da gastronomia e dos hábitos alimentares.
públicas Atenta à discussão, o quarto número da Revista Ideias na Mesa
dedica-se a esta reflexão e apresenta experiências que mostram como
O consumo político nas nossas escolhas podem contribuir para ampliar a produção de ali-
iniciativas públicas mentos saudáveis e sustentáveis do ponto de vista so­cial, econômico e
ambiental. Seja bem-vindo à discussão e boa leitura!

15 entrevista Arnoldo de Campos


Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Elaine Azevedo
A politização do consumo

18 saiba mais editorial


Saiba mais sobre Rede Ideias na Mesa coloca em pauta mais um tema impor-
consumo consciente tante para a agenda de Educação Alimentar e Nutricional no
Brasil. Depois de tratar do desperdício de alimentos, da obesida-
de e da agricultura orgânica e agroecológica, trazemos a escolha
consciente ou o consumo político não como iniciativa individual,
mas movimento coletivo que pretende interferir nos paradigmas
atuais do sistema alimentar. Essa prática, que tem suas raízes no
movimento ambientalista, tem contribuído para dar visibilidade a
elos do sistema alimentar aparentemente desconexos e ressignifi-
car as escolhas alimentares. Iniciativas de grupos de pessoas, orga-
nizações, movimentos e também governamentais, desta natureza,
são inúmeras, tanto no Brasil como em nível global.
Cada um de nós, no seu ato de consumo, pode demandar por
alimentos que tenham sido produzidos localmente, com uso sus-
tentável de recursos naturais, em que, ao longo de todo o processo,
a geração de resíduos e o uso da energia de origem fóssil sejam mí-
nimos, e as relações sociais envolvidas sejam éticas, justas e promo-
vam a equidade. Precisamos saber que não estamos fazendo isso
sozinhos, há um movimento global em curso. A quarta edição da
Revista Ideias na Mesa espera contribuir e fortalecer este processo.

Equipe Ideias na Mesa


capa

Comer como
omprar alimentos em feiras orgânicas ou agroeco- relação à procedência dos alimentos, valorizando mais
lógicas, verificando a procedência e conhecendo produtos locais ou regionais”, afirma a nutricionista.
pessoalmente o produtor, e optar por produtos e em- Embora também reconheça a falta de números
presas que estabeleçam o compromisso com relações precisos, a Associação Brasileira de Supermercados

ato político:
justas e sustentáveis no processo produtivo. Estamos (Abras) calcula que as vendas de produtos orgânicos
falando de uma forma cidadã de comprar, conhecida vêm crescendo em torno de 20% a 30% ao ano, e que a
como consumo político. Individual ou coletivamente, tendência é aumentar.
os consumidores brasileiros que fazem essa opção se Pesquisa do Instituto Akatu, entidade dedicada ao
multiplicam e integram grupos que buscam consumir consumo consciente, indica que 28% dos consumidores
o que contribui com a saúde e o bem-estar das pessoas brasileiros já têm hábitos sustentáveis de compras, pre-

escolha que faz


e com o meio ambiente. ferindo, por exemplo, produtos orgânicos, cuja produção
Essa atitude acompanha uma mudança de com- está isenta de agrotóxicos. Demonstra também que 75%
portamento global forçada por transformações ocor- dos brasileiros praticam atitudes no dia a dia para redu-
ridas na conjuntura mundial nas duas últimas déca- zir o consumo de água e energia elétrica, e 45% planejam

a diferença
das. Entre elas, maior conscientização sobre os riscos e as compras com base em informações dos rótulos.
impactos causados pelo modo de cultivo baseado, por Esse movimento vem sendo acompanhado por pro-
exemplo, no monocultivo, nos agrotóxicos e no uso fissionais que se dedicam ao estudo sobre o consumo,
de transgênicos. Pode-se dizer que, por trás da ideia da produção de alimentos orgânicos e a valorização
de politização do consumo, está a baixa confiança na da agricultura familiar no país, como Fátima Portilho,
qualidade da alimentação contemporânea e o pensa- doutora em Ciências Sociais e professora da Universi-
mento de que cada objeto ou alimento traz uma histó- dade Federal Rural do RJ (UFRRJ).
ria que afeta diretamente a saúde, o meio ambiente e Segundo Fátima, várias ações cotidianas e o modo
a vida das pessoas. de ingestão dos alimentos são de grande importância
Ana Paula Bortoletto, nutricionista e pesquisado- para que o ato de comer se torne político. Um de seus
ra em alimentos do Instituto Brasileiro de Defesa do artigos, assinado com outros pesquisadores, afirma: os
Consumidor (Idec), percebe a crescente mudança de anos 90 representaram uma virada histórica na con-
atitude do consumidor, embora admita que ainda figuração da alimentação como campo político. Com
não existam números oficiais sobre esse movimento. isso, cada garfada passa a articular experiências locais
Apenas 34 grupos de consumo responsável e 330 feiras a eventos que ocorrem no cenário global. Por exemplo,
de alimentos orgânicos no país foram catalogadas no quando evitamos consumir alimentos industrializados
mapa de feiras orgânicas produzido pelo órgão. ricos em açúcar, gorduras saturadas e sódio e que pro-
“Para mim, é visível o aumento da procura por ali- duzem grande quantidade de lixo ou quando optamos
mentos mais saudáveis e sustentáveis, pelo aumento do por comer um vegetal da época in natura, em detri-
número de locais que ofertam esse tipo de produto. Os mento de outro processado, estamos incentivando ou
consumidores estão ficando mais exigentes também em apoiando uma causa.

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Foto cedida pelo projeto
capa boas práticas

O consumo político
valorizando a agricultura familiar Em outro texto, publicado na revista Agriculturas,
O crescimento do número de cooperativas de consu- da AS-PTA, associação dedicada à agricultura familiar
mo de produtos orgânicos e agroecológicos e comércio e à agroecologia, sobre as qualidades da agricultura fa-
justo vem reforçando o papel da produção agrícola fa- miliar, o especialista em sociologia agrária, Jan Douwe
miliar no país, modo de produção fundamental para van der Ploeg ressalta que o ambiente político é extrema-
aumentar de maneira efetiva a oferta interna de ali- mente importante para o destino da agricultura familiar.
mentos saudáveis, garantindo a segurança alimentar Segundo ele, embora ela possa sobreviver em ambientes
e nutricional dos brasileiros. adversos, condições favoráveis podem ajudá-la a atin-
Em artigo assinado com Lívia Barbosa, Fátima Por- gir o seu potencial máximo, sendo fundamentais ações
tilho qualifica essa ação como um exemplo de aliança conjuntas do Estado, dos organismos internacionais, de
e adesão à causa rural pelos consumidores e seus mo- entidades da sociedade civil e dos movimentos sociais.
vimentos organizados. Segundo as pesquisadoras, a Jan Ploeg vê a agricultura familiar como uma forma
tendência de valorização de produtos oriundos de pro- de vida e nela os integrantes do grupo “têm o controle
cessos produtivos considerados “tradicionais e autên- sobre os principais recursos, investem a maior parte da
ticos” tem se refletido no visível aumento da demanda sua força de trabalho e dela retiram a sua renda e os
por produtos orgânicos, agroecológicos, artesanais, alimentos que consomem”. Também explica que esse
ou oriundos da agricultura familiar, favorecendo uma modo de viver é “parte de um fluxo que une passado
preocupação maior com os atores que fazem parte presente e futuro, contendo uma história e mantendo
desse cenário. uma conexão com o entorno e com a cultura local”.
Coletivo de Consumo Rural
Urbano de Diadema – SP

CONSUMIR POLITICAMENTE EM CASA Com a palavra, o consumidor cidadão


O grupo de compras é só uma das Um bom exercício é começar em casa, A família também pode ficar atenta
maneiras de agir politicamente em pequena escala, cultivando seus à quantidade de água e de energia s mudanças provocadas pelo crescimento de com isso, viajando com frequência ao interior de São
no consumo. Você pode participar próprios temperos e alimentos, valori- consumida e observar a quantidade adeptos ao consumo como ato político vem favo- Paulo, comecei a ver o uso indiscriminado de agrotó-
ativamente deste movimento em zando a culinária e a cultura locais ou de lixo produzido e descartado no recendo um encontro muito especial: do consumidor xicos, muitas vezes até como instrumento para secar
diversos contextos e etapas do adquirindo sua comida em lugares que ambiente. Evitar o desperdício é consciente com o produtor ético. Em Diadema, região o capim e o mato próximo às plantações e às estradas”,
sistema alimentar. se preocupam com a questão social e praticar o consumo político e cuidar metropolitana de São Paulo, o merca- recorda. Definitivo foi ter conhecido,
ambiental da produção, por exemplo. da saúde da população e do planeta. do de orgânicos era quase inexistente há seis anos, a Escola de Agroecologia
até ser criado o Coletivo de Consumo e produtores das Agrovilas de Itapeva,

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Rural Urbano de Diadema. Além de o que lhe permitiu testemunhar uma
fornecer alimentos saudáveis e segu- forma de agricultura sustentável do
ros à comunidade, o grupo promoveu ponto de vista ecológico e, principal-
o consumo crítico, responsável, so- famílias fazem parte mente, social.
lidário e o comércio justo, tornando Ana Paula considera a distribuição
produtores e consumidores figuras do Coletivo e compram do produto uma questão central para
centrais na ação. alimentos direto permitir que pequenos produtores e co-
Uma das participantes assíduas do produtor operativas possam encontrar um preço
da compra coletiva em Diadema, Ana competitivo, mas que ao mesmo tempo
Paula Musatti Braga, diz que há anos remunere dignamente o trabalhador
procurava uma forma de comprar do campo. “Colaborar para viabilizar a
com regularidade os produtos do Mo- produção de pequenos produtores as-
vimento dos Trabalhadores Sem Terra. A consciência sentados, remanescentes de quilombos e da população
sobre a importância de alimentos livres de agrotóxicos indígena, cujos frutos são resultado de uma luta políti-
veio a partir de uma somatória de fatores, principal- ca, é o que eu considero a maior “vantagem” da compra
mente depois que amigos próximos passaram a utili- desses alimentos. Acredito que essa forma de produção
zar uma dieta rigorosa por problemas de saúde. “Junto pode servir de exemplo e estímulo para pessoas exclu-

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Foto cedida pelo projeto
boas práticas

pedidos. Os alimentos também são expostos no dia da


distribuição, para os que não possuem acesso à internet.
As distribuições são feitas a cada 15 dias, nas assem-
bleias da Associação Oeste de Diadema. Esclarecer às
famílias da comunidade sobre as vantagens dos alimen-
tos orgânicos e agroecológicos, em relação aos alimen-
tos convencionais, tem sido um desafio vencido a cada
Foto cedida pelo projeto

feira. Uma das missões do coletivo, explicam seus orga-


nizadores, tem sido mostrar que todos podem se alimen-
tar de forma saudável e sustentável por um preço justo.
Agricultores familiares já
Com a compra coletiva, os produtores de Diadema
pensam em ampliar produção
vêm percebendo uma nova independência em relação
aos supermercados e atravessadores para vender seus
produtos, podendo abrir mão da monocultura, do uso de
ídas e exploradas, que não conseguem vislumbrar um Fátima Christine Silva chegou ao Coletivo Rural agrotóxicos, de transgênicos e da mecanização da opera-
trabalho justo”, afirma. Ela ainda acrescenta o fato de quase pelos mesmos motivos que Ana Paula e Marta. ção. E já percebem a valorização da pequena produção e
poder associar tudo isso a uma dieta saudável para a fa- Embora tivesse consciência da importância de comer das suas culturas tradicionais. A estreita relação forma-
Cestas de alimentos vendidas todas as
mília. “É uma das formas de tentar tornar sustentável e alimentos livres de agrotóxicos, não os comprava, em da com os moradores da cidade tem favorecido o contato
semanas para o Coleitvo de Diadema
coerente o meu cotidiano”, explica. função do preço, que considerava alto. Depois que o transparente com as famílias e a troca de conhecimentos.
Marta Cerruti, que hoje é compradora assídua do filho nasceu, mudou de atitude, buscou alternativas e
Coletivo, conta que sempre se preocupou em ter uma acabou por encontrar o Coletivo de Consumo Rural Ur-
alimentação mais saudável, mas que, muitas vezes, por bano, que oferece preços atrativos. “Comer alimentos
causa da correria cotidiana, acabava cedendo ao mais que não prejudicarão minha saúde nem a da minha fa-
No contato com o agricultor, todos saem ganhando
rápido e prático. Decidiu radicalizar quando acompa- mília é muito importante e me deixa mais segura”, diz.
nhou a doença de um parente que conseguiu melhorar A agricultora Conceição Gomes Alves, de 46 anos, Periodicamente, os integrantes do grupo de
a condição de saúde a partir da alimentação. “Muitas ve- vive com a família de 11 pessoas no assentamen- consumo realizam visitas programadas às terras
zes, o que perece ser fácil e prático se torna muito preju- O coletivo de consumo rural de diadema to de Guapiruvu, em Sete Barras, no interior de dos agricultores e, segundo Conceição, isso tem
dicial a longo prazo. O uso abusivo de agrotóxicos é real- Fundado no início de 2014, o Coletivo é integrado por 30 São Paulo. Eles integram uma das cooperativas feito muita diferença. “É outra relação, e é uma
mente um grave problema de saúde pública”, considera. famílias que se organizam para comprar alimentos orgâ- que entrega cerca de 50 cestas semanais de grande satisfação saber para quem a gente produ-
Entre as vantagens da nova forma de consumir, nicos e agroecológicos de pequenos produtores, associa- produtos para o Coletivo de Consumo Rural Ur- ziu, a gente já cultiva pensando em quem vai com-
Marta aponta também o fato de, com essa prática, aju- ções de produtores e do Movimento dos Trabalhadores bano de Diadema. O forte da produção local é a prar. Não é a mesma coisa que deixar um produto
dar a criar uma rede de sustentação ao pequeno produ- Sem Terra. Além de saber de onde vêm os alimentos que banana e o palmito pupunha, muitos já produzem pra vender num supermercado. Vemos que, assim,
tor, à agricultura familiar e à vida no campo. “Sabemos estão comprando e de estreitar os laços com o produtor, orgânicos. Com o aumento do número de com- o consumidor também começa a dar mais valor ao
o quanto isso evita que haja êxodo em direção à cidade. os consumidores ganham no preço, uma vez que foi eli- pradores em grupos de consumo, a ideia é am- produto”, afirma.
Criar recursos para que o pequeno produtor sobreviva minada a figura do atravessador. O palmito pupunha in pliar o cultivo para outras frutas e hortaliças de
e faça frente ao monopólio do agronegócio é também natura orgânico, de 500 gramas, por exemplo, é vendido base agroecológica, modo de produção que vai
uma atitude política e cidadã”, considera. Para Marta, para o coletivo por R$ 6,00, mas nos supermercados da além do cultivo sem defensivos agrícolas, que se Conheça o blog do Coletivo de
saber quem produziu o que ela consome é reconfortan- cidade pode ser encontrado até pelo dobro do preço. preocupa com o manejo sustentável, valorizando Compras Urbano Rural de Diadema:
te. “Faz que eu seja uma pessoa mais responsável pela A organização da compra coletiva é feita via inter- as sementes tradicionais e o cultivo de alimentos http://coletivocruabc.blogspot.com.br
minha saúde e dos que me cercam, e menos alienada net, ou seja, o produtor envia uma lista de produtos dis- em harmonia com a natureza e a cultura local.
com relação ao discurso da indústria que tenta deter- poníveis para o e-mail do coletivo, que disponibiliza essa
minar o que é saudável ou não”, afirma. lista no blog (sistema de compras) para que façam seus

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boas práticas

A missão central da rede Ideias na Mesa é promover a


valorização da Educação Alimentar e Nutricional (EAN) e para
isso utiliza o compartilhamento de experiências como uma
de suas principais ferramentas. Desde a criação da rede, 110
experiências foram postadas por seus usuários. Destacamos
aqui algumas dessas práticas alinhadas com o tema consumo
político e consciente, em discussão nesta edição.

Foto cedida pelo projeto


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Comércio justo aproxima consumidores e


agricultores familiares no Espírito Santo

Um mercado popular chega para mudar


s pequenos produtores de São Gabriel da Palha com alimentos frescos e sem agrotóxicos, vindos direta-
(ES) viveram durante muitos anos da monocultura mente do campo.
do café. Por falta de um local para comercializar seus O espaço onde atualmente funciona o mercado foi
produtos, verduras e frutas que eram plantados ape- doado pelo governo do estado à Associação dos Peque-
nas para consumo próprio, por vezes, banana, caqui, nos Agricultores do Estado do Espírito Santo (Apages) e
manga, seriguela, jambo e abacate se perdiam. Depois a reforma do local foi garantida com recursos da Secre-
Ananindeua/Pará
de quatro anos de intensas negociações com o estado, taria de Estado de Agricultura, Abastecimento, Aquicul-
nasceu, em novembro de 2011, no centro da cidade, o tura e Pesca (Seag). A compra de equipamentos também
Mercado Popular de Alimentos, considerado uma vitó- foi viabilizada por meio de parceria estabelecida com Aproveitamento Integral de
ria para o Movimento de Pequenos Agricultores e para governo federal, via Ministério do Desenvolvimento
os consumidores. Hoje, cerca de 2 mil moradores com- Agrário (MDA), e a construção do prédio contou com a alimentos da agricultura familiar
pram mensalmente no local. ajuda de várias famílias da base do movimento.
O espaço vem oferecendo à população cerca de 200 Raul Krause, um dos integrantes do Movimento Qual o melhor espaço para unir EAN e produção local O objetivo é orientar à população quanto ao desper-
tipos de produtos diversificados, cultivados por 250 dos Pequenos Agricultores do Brasil, observa que é e saudável? Pensando nisso, a coordenação de Segu- dício de alimentos e estimular o consumo de partes que
famílias camponesas de cinco municípios da região. fundamental nesse processo que os moradores das ci- rança Alimentar e Nutricional (SAN) da prefeitura de geralmente são desprezadas, como talos e cascas, além
Além de dez tipos de café, cultura abundante na região, dades que queiram consumir alimentos saudáveis se Ananindeua, no Pará, montou uma barraca na Feira de informar sobre as propriedades nutricionais dos ali-
os consumidores têm acesso a frutas, verduras, leite, organizem para isso e participem do processo de apoio Itinerante Municipal da cidade para ensinar sobre os mentos, suas funções no organismo, estimulando o con-
carnes, cereais, entre outros. ao funcionamento do mercado. “Na conjuntura em benefícios do aproveitamento integral dos alimentos. sumo de preparações rápidas, nutritivas e de baixo custo.
A comercialização é feita diretamente do produtor que vivemos, em que tudo é obstáculo, só a organiza- Nos dias de feira, a equipe expõe preparações nutri- Foram oferecidos a um público de 100 pessoas sucos, ge-
ao consumidor, sem passar por atravessadores. Com ção popular das famílias camponesas e dos consumi- tivas, confeccionadas com gêneros hortifruti doados leias e bolos feitos a partir de cascas de frutas, tudo com
isso, vem sendo criada uma relação de parceria entre dores consegue sustentar o projeto, porque é grande a pela Associação dos Agricultores de Curuçambá, uma ótima aceitação. Com o sucesso dessa primeira experiên-
o homem do campo e o morador da cidade, que conta pressão dos donos de supermercado”, alerta. das que comercializam seus produtos no espaço. cia, a ideia é levar o projeto a todos os bairros da cidade.

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boas práticas

São Bernardo do Campo/São Paulo

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Oficina dos sentidos
Resgatar a sensação, o cheiro e o sabor dos alimentos,
além de valorizar quem os produziu. Esse é o mote da
experiência desenvolvida pela Fundação Criança de
São Bernardo do Campo, São Paulo com o apoio do
Slow Food, movimento internacional voltado para a
difusão de hábitos de alimentação conscientes e sau-
dáveis. Foi criada uma prática denominada Oficina
dos Sentidos, na qual alunos de diversas idades tive-
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ram os olhos vendados para tentar reconhecer alimen-


tos. Também foi apresentada uma palestra de caráter
formativo e exibido um vídeo sobre a história de um
personagem chamado “professor da mandioca”, que
cuida, colhe e faz a farinha da raiz.

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Vicentina/Mato Grosso do Sul Coruripe/Alagoas

EAN para educação infantil Concurso de Receitas


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Preocupados em formar hábitos saudáveis de alimen- Valorizar a cultura alimentar regional e divulgar recei-
tação desde a primeira infância, acadêmicos da Uni- tas saudáveis à base de alimentos nutritivos e de quali-
versidade Federal da Grande Dourados desenvolveram dade. Esse foi o foco do concurso de receitas direciona-
um projeto de Educação Alimentar e Nutricional para do para alunos da rede de ensino de Coruripe, Alagoas.
alunos do Centro de Educação Infantil, que fica no A iniciativa é resultado de uma ação conjunta entre as
campus da universidade. secretarias municipais de Saúde e Educação do muni-
A primeira interação com as crianças foi realizada cípio, com o objetivo de promover um debate criativo
Curitiba/Paraná
com a ajuda de fantoches em formato de hortaliças, sobre a importância da alimentação saudável na pre-
Circuito de Alimentação Saudável para verificar as suas preferências alimentares. Em se- venção de doenças e na promoção da saúde. O projeto
Preocupada com o perfil nutricional das crianças, a Se- de como plantar e cultivar os alimentos; depois, vai ao guida, as crianças fizeram uma visita à horta agroeco- foi realizado durante cinco meses, de 10 de abril a 11 de
cretaria Municipal de Curitiba, no Paraná, criou o pro- minimercado, onde encontra réplicas de alimentos e lógica criada pelos acadêmicos, onde puderam identifi- agosto de 2010. O tema “Promovendo Saúde através de
jeto Circuito da Alimentação Saudável, uma proposta embalagens de produtos alimentares, onde ela simu- car as hortaliças que já conheciam. As crianças fizeram Receitas Saudáveis e Nutritivas” permitiu a criação de
de EAN intersetorial, realizada de forma lúdica e inte- la uma compra e recebe orientações de nutricionistas a colheita de folhas e temperos para levar pra casa e um clima de cooperatividade e interesse entre os par-
rativa, com o objetivo de levar às crianças atitudes e com relação aos alimentos escolhidos. também receberam uma muda para cuidar e acompa- ticipantes do concurso, cerca 100 alunos apresentaram
práticas alimentares mais saudáveis. O Circuito realiza Na sequência, a criança assista a um vídeo sobre a nhar o crescimento. O teatro de fantoches da Turma receitas fáceis e criativas, que foram testadas. Durante
uma abordagem inicial com a apresentação de um ví- importância da higiene de mãos, assim como dos ali- das Hortaliças animou a turminha, que demonstrou as etapas do concurso foram trabalhadas questões como
deo educativo com noções básicas para uma vida mais mentos, para a prevenção de doenças. Na última estação, grande aceitação em relação ao que foi ensinado. Pos- o alimento visto como fonte de prazer, o resgate dos va-
saudável. A seguir, a criança passa por várias estações. as crianças recebem orientação sobre o aproveitamento teriormente, pais e merendeiras observaram melhor lores da alimentação e práticas alimentares regionais.
Inicialmente, ela visita a horta, onde aprende como integral dos alimentos e aprendem como preparar recei- aceitação das crianças por hortaliças na alimentação
frutas e hortaliças são produzidas, e também noções tas mais nutritivas. oferecida em casa e na escola.

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políticas públicas

relações mais justas e sustentáveis de produção de ali- modalidade Compra Institucional foi uma experiência
O consumo político nas iniciativas públicas mentos, priorizando a agricultura familiar. Restauran- muito enriquecedora para o Ministério da Defesa. Di-
tes universitários, hospitais e ministérios têm iniciado ferente das demais modalidades de aquisição, foi pos-
O consumo pautando a produção no experiências positivas na modalidade Compra Insti- sível conversar diretamente com o produtor e expor
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) Além de oferecer uma alimentação adequada e tucional do PAA, como nos exemplos da Universidade as necessidades e expectativas quanto ao padrão dos
Após 10 anos de história, o Programa de Aquisição de saudável às pessoas atendidas pelo PAA, essa estraté­ Federal do Paraná, Grupo Hospitalar Conceição (GHC) alimentos a serem fornecidos para suprir nossos refei-
Alimentos (PAA) se volta à valorização do eixo consu- gia pretende ainda contribuir para a diversificação da e Ministério da Defesa. tórios, e ainda verificar in loco o objeto antes de adquiri
mo. A estratégia é estimular que as entidades que rece- produção da agricultura familiar fornecedora do Pro­ “Ofertar alimentos de qualidade a seus servidores -lo. Resultado desse diálogo próximo foi a qualidade e a
bem doações de alimentos do PAA demandem alimen- grama. A variedade da produção contribui tanto para civis e militares sempre foi uma preocupação do Minis- variedade dos produtos já entregues e a perspectiva de
tos diversificados e ofertem alimentação adequada e a oferta de alimentação adequada e saudável quanto tério da Defesa, bem como realizar aquisições visando contribuir para a ampliação da economia da agricul-
saudável às pessoas atendidas pelo Programa. Uma das para a qualidade de vida dos agricultores e equilí­brio à vantajosidade administrativa, incluindo assim a eco- tura familiar”(Patrícia Magalhães, primeiro-tenente
ferramentas desenvolvidas é o Manual de Orientação do meio ambiente, promovendo a sustenta­bilidade so- nomicidade. O processo de aquisição de alimentos pela (RM2-T) – Ministério da Defesa).
para Oferta de Alimentação Adequada e Saudável, desti- cial, econômica e ambiental.
nado a essas entidades. O manual tem como objetivo Outra ação desta estratégia é o curso de autoapren-
oferecer subsídios para que elas façam pedidos ade- dizagem de 30 horas que abordará de forma prática o Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as políticas públicas
quados ao público atendido, a partir do diálogo com os conteúdo do manual. O curso será lançado em dezem-
agricultores familiares. bro, pela rede Ideias na Mesa: www.ideiasnamesa.unb.br.
O Marco de Referência de Educação Alimentar I) sustentabilidade social, ambiental e econômica;
e Nutricional para as políticas públicas tem o II) abordagem do sistema alimentar, na sua inte-
objetivo de promover a reflexão e orientação gralidade;

Foto cedida pelo projeto


Modalidade Compra Institucional do
de práticas de EAN que contemplem os diversos III) valorização da cultura alimentar local e respei-
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)
setores vinculados ao processo de produção, to à diversidade de opiniões e perspectivas, consi-
Esta modalidade do programa permite que as compras
distribuição, abastecimento e consumo de derando a legitimidade dos saberes de diferentes
públicas de alimentos, realizadas usualmente pelos go-
alimentos. Nesse sentido, é um instrumento naturezas.
vernos federal, estadual, distrital e municipal por meio
importante na construção do “comer como ato
de licitação – que pode privilegiar grandes empresas –
político” por contribuir com uma perspectiva
agora sejam realizadas mediante chamadas públicas. O Marco orienta, principalmente em seu segundo
multidimensional da alimentação, que aborda
Por meio dessa modalidade, a Compra Institucional princípio, que as ações de EAN abranjam temas
desde os significados e simbolismos envolvidos
do PAA, os agricultores familiares podem participar de e estratégias relacionadas a todas as dimensões
no ato de comer até a inter-relação e as formas
compras públicas de forma justa, ofertando alimentos da alimentação, de maneira a contribuir para que
como cada etapa do sistema alimentar impacta
diversificados e saudáveis para instituições públicas, indivíduos e grupos façam escolhas conscientes
sobre as demais. Na direção de tal construção,
como hospitais, universidades e prefeituras. Essa é que possam interferir positivamente nas etapas
destacam-se seus princípios:
uma grande oportunidade de ampliação dos circuitos anteriores do sistema alimentar.
locais curtos de produção, abastecimento e consumo,
possibilitando a oferta de alimentação adequada e
saudável em instituições públicas, aproximando quem
produz e quem demanda os alimentos, ou seja, o con-
sumo pautando a produção. Campanha Brasil Orgânico e Sustentável

Foto cedida pelo projeto


Com a proximidade, o diálogo entre produtores e Três restaurantes do Ministério da Defesa serão A Campanha Brasil Orgânico e Sustentável é uma cam-
compradores é favorecido e os órgãos públicos podem abastecidos com alimentos adquiridos por meio panha de Consumo Consciente criada para promover
da modalidade Compra Institucional
demandar alimentos diversos e saudáveis. Assim, é o consumo de alimentos saudáveis e adequados, envol-
possível tanto melhorar a qualidade da alimentação vendo os alimentos orgânicos e da agricultura familiar.
das pessoas atendidas pelas instituições públicas (uni- “Hoje o Município de Viçosa compra frutas, verdu- Entre suas ações, em 2014, foram distribu­ídos kits de
versidades, unidades da rede assistencial e de saúde, ras, hortaliças e legumes de acordo com a sazonalida- lanches aos voluntários da Copa do Mundo, do Progra-
presídios, quartéis, etc.) como diversificar a produção de, de baixo custo e de alta qualidade. Somos nós que ma Brasil Voluntário, bem como realizadas palestras
da agricultura familiar. articulamos os agricultores e disponibilizamos o local sobre a im­portância de uma alimentação saudável. Os
Segundo Marcelo Vieira, gestor do PAA em Viço- de recebimento e distribuição, nós realizamos toda a alimentos que formavam o kit foram adquiridos por
sa(AL), no município, a compra institucional possibi- logística e com isso geramos o desenvolvimento geral e meio de dez cooperativas da agricultura familiar, que
litou maior interlocução e articulação entre os dife- econômico do município, a inclusão produtiva e social ofereceram sucos integrais, barras de cereais, biscoi-
rentes setores que recebem os alimentos do PAA, além e a renda permanece aqui em Viçosa”, afirma o gestor. tos, mel, frutas. Voluntária de Brasília recebendo seus
kits-lanche no Ponto dos Voluntários,
de contribuir com a economia, já que os alimentos são Também na esfera federal, órgãos públicos come- Outra ação da campanha durante a Copa do Mundo
durante a Copa do Mundo
adquiridos dos agricultores familiares locais. çam a utilizar seu poder de compra para fortalecer foi a montagem de dez quiosques que possibilitaram a

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políticas públicas entrevista

Foto: arquivo pessoal


venda de produtos originários de 60 cooperativas ou
Segunda edição do Guia Alimentar
agroindústrias familiares de 15 estados brasileiros, be-
neficiando 17.000 famílias no total. Além de beneficiar
para a População Brasileira
essas famílias de agricultores familiares, a iniciativa
aproveitou o evento para chamar a atenção de turistas Em 5 de novembro de 2014, o Ministério
e da população local sobre a importância da alimenta- da Saúde lançou a segunda edição do Guia
ção saudável, a importância da agricultura familiar e Alimentar para a População Brasileira.
a riqueza e diversidade dos alimentos produzidos nos O guia é um documento oficial que aborda
quatro cantos do Brasil. Os quiosques proporcionaram os princípios e as recomendações de uma
também o intercâmbio de experiências de coopera- alimentação adequada e saudável para a
tivas/agroindústrias, que puderam demonstrar seus população brasileira, por isso é também um
produtos fora da sua região de origem, como a Reserva instrumento de apoio às ações de Educação
de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, que levou Alimentar e Nutricional. As recomendações
seus produtos para Porto Alegre, e a Coopernatural, do guia têm o objetivo de contribuir para
que levou seus produtos para Salvador. a promoção de sistemas justos e sustentá-
veis de produção, distribuição e consumo
de alimentos, valorizando o sistema de
produção orgânica e de base agroecológica
e a agricultura familiar. Além disso, conside-
ra os padrões tradicionais de alimentação,
transmitidos ao longo de gerações, como
uma fonte valiosa de conhecimento para
elaboração das recomendações que contri-
buem com o reconhecimento, com o respei-
Foto cedida pelo projeto

to e com a preservação da identidade e da


cultura alimentar da população brasileira.
Comercialização realizada Acesse em http://ideiasnamesa.unb.br/index.
no Quiosque de São Paulo
durante a Copa do Mundo
php?r=bibliotecaIdeias/view&id=264.
Elaine Azevedo
Proteger a produção artesanal A politização do consumo
para preservar a cultura alimentar:
o consumo pautando normas sanitárias costumes, hábitos e conhecimentos tradicionais na
Outra iniciativa no sentido de fortalecer o eixo de pro- perspectiva do multiculturalismo dos povos, comuni- Neste número da Revista Ideias na Mesa, agriculturas sustentáveis, por exemplo, isso é fazer
dução de alimentos por meio do consumo foi a Reso- dades tradicionais e agricultores familiares”. conversamos com a nutricionista Elaine Azevedo a política-vida”. Elaine aponta vários fatores que
lução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Segundo a Assessoria de Articulação e Relações Ins- sobre o conceito de consumo político e suas vêm contribuindo para a politização do consumo,
Vigilância Sanitária (Anvisa) nº 49 de 2013, da Agência titucionais, a Resolução é parte de um projeto que bus- repercussões na vida das pessoas. Elaine é entre eles, os movimentos de politização da saúde,
Nacional de Vigilância Sanitária, que dispõe sobre a ca “um modelo de desenvolvimento que por um lado pesquisadora do Centro de Ciências Humanas e a educação e os inúmeros alertas ambientais: “Com
“regularização sanitária do microempreendedor indi- fortaleça padrões de equidade social e sustentabilida- Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo certeza, o aumento dos riscos socioambientais está
vidual, do empreendimento familiar rural e do empre- de ambiental no âmbito da produção e processamento e autora do livro Alimentos Orgânicos: ampliando promovendo a mudança de atitude das pessoas.
endimento econômico solidário”. de alimentos, fortalecendo a agricultura familiar como os conceitos de saúde humana, ambiental e social, Estamos mudando por causa das repercussões
Essa é a primeira vez que a Anvisa estabelece uma eixo central. E que, por outro lado, favoreça padrões de da editora Senac. Para ela, fazer política deve fazer de um sistema que está falindo; as cidades estão
normativa voltada especificamente para este público, consumo de alimentos saudáveis, diversificados e en- parte do cotidiano. “Todas as nossas ações podem insustentáveis, mas também existe uma mudança de
visando a incentivar sua formalização. A resolução raizados culturalmente, se contrapondo às tendências ter um cunho socioambiental e político. Na hora consciência e existe o ativismo alimentar. O perfil de
simplifica e padroniza procedimentos e requisitos para dominantes no padrão agroindustrial atual, que pres- em que você consome, na hora em que você escolhe alguns indivíduos que compram o alimento familiar
regularização sanitária, reconhecendo a necessidade siona no sentido de uma concentração, padronização e uma escola para o seu filho, na hora em que você orgânico é o de um consumidor que se preocupa com
de proteger “a produção artesanal a fim de preservar homogeneização cada vez maior dos alimentos”. considera as repercussões sociais, ambientais e a história por trás da comida, com sua saúde e com
políticas do ato alimentar e apoia alimentos de práticas sustentáveis.”

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Ideias na Mesa: Como as pessoas podem colocar em ção nas cidades e o desemprego. E com isso, temos uma IM: A questão do preço desses produtos também é um IM: E você acha que esse caminhar para a sensibiliza-
prática o conceito de comer como um ato político? sociedade mais equilibrada, menos estresse, menos desafio, porque, em geral, eles são mais caros do que os ção pode vir por meio de um trabalho de educação?
Elaine Azevedo: Dá para colocar em todas as ins- vulnerabilidade social... O outro aspecto é o ambien- produtos feitos em larga escala. Como lidar com isso? Como os profissionais podem ajudar nesse processo?
tâncias da vida. Mas, na alimentação, é comprando tal, porque não dá para ter comportamentos saudáveis EA: Sim, mas são mais caros porque a demanda ainda é EA: Sim. O trabalho começa nas escolas com educa-
do agricultor familiar agroecológico e optando por e respirar um ar poluído, beber águas contaminadas, baixa. Se a demanda aumenta, o produto tende a barate- ção alimentar para todos os alunos desde a educação
alimentos locais e orgânicos, pois assim você estará ter solos erosivos, viver sem florestas... Esse é o contex- ar. O consumo passa a ser uma estratégia de viabilização infantil. Ensinar a comer bem e a optar por alimentos
apoiando e incentivando práticas verdadeiramente to da saúde ambiental. Então, na verdade, tudo isso é para que mais pessoas tenham acesso. Consumir mais orgânicos. Nas universidades, ampliando o conceito e a
saudáveis! Comer localmente é um ato político quando saúde! E se as pessoas não ampliarem esse conceito, orgânicos significa dar garantia ao produtor de que o percepção dos estudantes (futuros profissionais) sobre
você pensa no gasto energético despendido na produ- se só pensarem em uma perspectiva micro, teremos que ele vai produzir vai ser comprado. Isso possibilita saúde. Você não pode querer que as pessoas transmitam
ção dos alimentos, no resgate das tradições alimenta- todas as repercussões que já estamos vendo na saúde, o aumento da produção. Os representantes comunitá- saúde se elas estão vivenciando doença. O contexto das
res regionais e no apoio ao agricultor que está perto de no ambiente, nas relações sociais... Não funciona! Es- rios e políticos também começam a perceber o que você universidades saudáveis, que é uma discussão da pro-
você que recebe retorno financeiro para investir no lo- pecialmente porque, nessa perspectiva micro, a gente quer e passam a incentivar mudanças nas políticas pú- moção da saúde, sugere tornar mais saudável o ambien-
cal... Do mesmo modo, quando acaba se voltando para uma blicas, começam a questionar se te acadêmico para que os jovens
você compra alimento de uma questão apenas quantitativa o transgênico e o agronegócio estudantes experienciem o que
multinacional ou um alimento da alimentação: restringe isso, precisam ser tão desigualmen- é mudar seus hábitos alimen-
que degrada o meio ambiente e tira aquilo, troca esse alimen- te fortalecidos. Na realidade tares e seu estilo de vida para
ignora o processo familiar de “Comer localmente to... Por isso o livro fala em saú- brasileira repleta de iniquida- poder multiplicar essa experi-
produção, você está fazendo de humana, social e ambiental. des sociais parece arrogante e “Mudar primeiro ência. Vivenciar a salutogênese
é um ato político
uma escolha política também. Porque o contexto de saúde que socialmente questionável você para mudar o mundo. em vez da patogênese.
E isso tem de estar muito cla- à medida que você se tem dentro da área de saúde dizer que todo mundo tem de
ro: quem você está apoiando. A (medicina, nutrição, farmácia) comprar alimentos orgânicos; Isso é muito mais IM: E, para finalizar, como
pensa no gasto
gente precisa se conscientizar é muito reducionista. não vai ser assim, mas a gente desafiante do que você avalia a coexistência da
desse potencial do consumidor. energético despendido sabe que uma classe que tem produção orgânica e da produ-
IM: Quais os desafios que as melhor poder aquisitivo pode mudar a política pública ção hegemônica, baseada no
na produção dos
IM: No seu livro, você afirma pessoas podem enfrentar ao mudar a realidade da outra. E ou mudar a indústria. agronegócio e na utilização de
que a produção e o consumo de alimentos, no resgate optar pelo consumo político? um alimento melhor merece agrotóxicos?
alimentos orgânicos trazem EA: Quando você passa a co- custar mais, como todo produto É preciso desafiar EA: O fato de se ter opções e
das tradições
resultados que ultrapassam mer alimentos familiares or- superior. E eu sempre pergunto: as pessoas a sair dicotomias é extremamente
a dimensão da saúde. De que alimentares regionais gânicos, por exemplo, você qual o real valor de um alimento importante, porque é no an-
maneira? tem de se mobilizar mais. Você barato que destrói a natureza, da zona de conforto, tagonismo que se desperta o
e no apoio ao agricultor
EA: A partir de uma premissa não consegue ir a um super- exclui o agricultor familiar e mudar paradigmas.” senso crítico. Sem opções, sem
da saúde coletiva, eu conside- que está perto de você” mercado e comprar tudo. Você promove doenças? O que não se a possibilidade de escolha, a
ro que a saúde faz parte de um vai ter de comprar o alimento gasta na feira vai para a farmá- gente só tem um padrão, um
contexto socioambiental. Os numa feira, pegar o leite com cia e para hospitais... caminho a seguir. Então, ter a
reflexos do consumo de orgâni- um produtor que mora perto, agricultura orgânica, a agri-
cos, em âmbito micro, individu- adquirir o alimento integral IM: Mas como conseguir cons- cultura familiar, a agricultura
al, podem ser observados na ingestão de alimentos que em um empório, mas tudo é questão de prioridade. cientizar o consumidor do seu papel nesse contexto? convencional, o agronegócio, ter ou não transgênico,
apresentam valores nutricionais equilibrados, ausên- Quando você prioriza sua saúde, esses movimentos EA: Mudanças politicas, exigem primeiramente mudan- ter controvérsias em xeque é extremamente mobiliza-
cia de toxicidades, maior durabilidade e características se encaixam no seu ritmo de vida. Quando você tem ças internas. Mudar primeiro para mudar o mundo. Isso dor para a sociedade. Estamos num momento frutífe-
sensoriais originais. Mas existem reflexos também na uma ajudante em casa, passa a enfatizar o preparo de é muito mais desafiante do que mudar a política públi- ro. De muitas dúvidas, incertezas, mas porque há mais
saúde social e ambiental, que significa manter os indiví- uma comida mais saudável, um pão integral., sucos ca ou mudar a indústria. É preciso desafiar as pessoas a possibilidades, e isso é fruto da reflexividade contem-
duos e o meio ambiente saudáveis. Alimento saudável frescos, em vez da limpeza. Outro ponto é que às ve- sair da zona de conforto, mudar paradigmas. Os movi- porânea. Cabe agora ao consumidor assumir a impor-
deve ser saudável para quem ingere, para quem planta zes você vai ter de ser aquele promotor de ações polí- mentos orgânicos, os movimentos de compras susten- tância de adotar hábitos de vida mais conscientes e
e para o planeta. ticas: vai à prefeitura e pergunta onde tem agricultor táveis, do comércio justo e responsável, dentre outros assumir o controle social cobrando do Estado e do sis-
familiar perto, onde reciclar seu lixo, vai a uma feira que fomentam práticas conscientes, devem trabalhar tema agroalimentar a produção e a oferta de alimentos
IM: E como o consumo político afeta a saúde social e convencional procurar agricultores familiares, vai ao com uma premissa de sensibilização, proporcionando mais saudáveis.
ambiental? condomínio ou dentro do seu local de trabalho suge- o autoconhecimento e a valorização da natureza, para
EA: À medida que o produtor permanece com dignidade rir grupos de compras coletivas de alimentos orgâni- que as pessoas possam perceber o que estão perdendo e
no campo, tendemos a reduzir o risco da superpopula- cos, promove hortas urbanas. o que podem ganhar ao fazer escolhas melhores.

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saiba mais

Para conhecer sobre


consumo político O que assistir
> Vídeo Slow Food: movimento internacional
voltado para a difusão de hábitos de alimentação
conscientes e saudáveis.
www.youtube.com/watch?v=ccUE3eurGC0#t=25
O QUE ACESSAR > 8º Hangout Ideias na Mesa 2013 – Comer e
> Instituto Akatu: organização não cozinhar como atos políticos: bate-papo online
governamental sem fins lucrativos que promovido pela Rede Ideias na Mesa sobre como
trabalha pela conscientização e mobilização o comer e o cozinhar podem ser considerados
da sociedade para o consumo consciente. atos políticos e a importância da compreensão da
www.akatu.org.br alimentação como prática social.
> Blog do Coletivo de Consumo Rural Urbano: www.youtube.com/watch?v=ep93hqcrteU
página do movimento criado com o objetivo > Organic Rising: filme sobre o aumento da
de promover o abastecimento e o consumo de conscientização das populações sobre a necessidade
alimentos livres de agrotóxicos, de forma a de disponibilizar alimentos orgânicos.
respeitar e valorizar o produtor e as múltiplas vimeo.com/87896825
características culturais que promovam o
comércio justo, conservem as comunidades
e culturas tradicionais, o meio ambiente e a
saúde do ser humano. O que ler
www.coletivocruabc.blogspot.com.br > Agricultura: cadernos para debate –
Dez qualidades da agricultura familiar
por Jan Douwevander Ploeg
Os textos publicados oferecem análise e pontos
PARA COLOCAR EM PRÁTICA de vista críticos sobre as atuais tendências do
Missões Ideias na Mesa desenvolvimento rural, situando a agricultura
(https://missiorama.com/missions) familiar e a agroecologia no contexto das lutas
> Plante sua Comida!: Produza em casa seu contemporâneas por sustentabilidade ambiental
próprio alimento. Comece a fazer uma mini- e equidade social.
horta em sua casa ou apartamento. Disponível em: http://issuu.com/aspta/docs/
> Tá na época! Tá na mesa!: Que tal comer agriculturas_caderno_debate_n01_bai
uma fruta ou verdura da estação? Alimentos Alimentos orgânicos: ampliando conceitos
da época são mais nutritivos, saborosos, de saúde humana, ambiental e social
sustentáveis e mais acessíveis, tanto física De autoria da nutricionista Elaine Azevedo,
como financeiramente. um dos mais completos livros sobre o tema,
> Conheça seu agricultor: Visite feiras, explica as questões que envolvem uma
fazendas e cooperativas para conhecer melhor alimentação saudável.
quem planta e colhe seu alimento do dia a dia! Editora Senac São Paulo, 388 páginas, R$ 59.

A Revista Ideias na Mesa é uma publicação pe- Conselho editorial Estagiários


riódica resultado da parceria entre o Observa- Elisabetta Recine e Luisete Bandeira Ana Maria Maya
tório de Políticas de Segurança Alimentar e Nu- Redação e edição Lucas Ferreira
trição da Universidade de Brasília (Opsan/UnB) Conchita Rocha (Reg.DRT 4609/87) Projeto gráfico, diagramação e fotografia
e a Coordenação Geral de Educação Alimentar Assistência editorial e pesquisa Estúdio Marujo
e Nutricional da Secretaria de Segurança Luiza Torquato, Maína Pereira
Alimentar e Nutricional do Ministério do Desen- e Nayara Côrtes Rocha Contatos
volvimento Social e Combate à Fome (CGEAN/ Revisão Rede Virtual: www.ideiasnamesa.unb.br
SESAN/MDS). Sua distribuição é gratuita. Joíra Furquim E-mail: ideiasnamesa@unb.br

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