Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Criado em 1955, o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE) atende cerca de 47milhões de
crianças, jovens e adultos, das redes públicas e filantrópicas de ensino no Brasil, desde a Educação
Infantil até a Educação de Jovens e Adultos. É uma política estrutural da Segurança Alimentar e
Nutricional no país, aproximando questões de saúde coletiva - na qualidade da refeição oferecida, a
estratégias de desenvolvimento rural - ao promover a compra da Agricultura Familiar (AF),
preferencialmente local e agroecológica (estipulada pela lei 11.947/2009). O objetivo deste artigo é
apontar elementos de estudo sobre Alimentação Escolar e AF, a partir do relato de experiências
profissionais desenvolvidas no Litoral Norte do RS nos últimos cinco anos. Três dimensões da PNAE
foram debatidas: cardápios escolares saudáveis, compras da agricultura familiar e o papel de
professoras e merendeiras na educação alimentar das crianças. Destacam-se mudanças nos
cardápios escolares a partir da compra da agricultura familiar, com o aumento na oferta de alimentos
frescos e locais. Alguns desafios das “novas relações” entre agricultores e escolas. Novas
perspectivas no rural a partir da organização de grupos de agricultores e da consolidação do mercado
institucional para a AF. Por fim, destaca-se o papel de merendeiras e professoras na formação de
crianças que crescerão com o gosto por alimentos de sua região; acompanharão mais de perto os
ciclos agrícolas; terão mais respeito e orgulho de serem parentes ou amigas de agricultores/as, que
produzem sua merenda – gostosa e nutritiva. Todos avanços observados a partir das compras da AF.
Abstract
Initiated in 1955, the School Meals Program reaches about 47milion children and adults, from all
public schools, since kindergarden till Adult’s Education. It is an important Food Security program in
Brazil, putting together public health and development matters, since it worries about serving quality
meals and has to buy at least 30% of the food from Family Farmers, especially from those who
produce in the same town of the schools and in an organic way. The goal of this paper is to point out
subjects of study about School Meals Program in Brazil and Family Farming. It is written since the last
five years of work experience with these subjects, in the Northern Shore of Rio Grande do Sul. Three
dimensions of the Program were discussed: healthy school meals, the process of buying from Family
Farmers and the role of teachers and school cooks in educating the taste of the scholars. Changes in
school meals since the acquisition of family farmers’ products were pointed out: more fresh food is
arriving at schools now. Challenges about the relationship between farmers and schools were
registered. To the farmers, new perspectives are arising as long as the governmental market
strengthen to them and they are assisted in forming new groups and organizations. At last, the role of
teachers and cooks at the education of children that will grow up with a taste to the food that their
1
Artigo escrito para Revista Trajetória - Multicursos da Faculdade Cenecista de Osório, referente à oficina de
estudos sobre o tema da Alimentação Escolar e Agricultura Familiar durante o XV Fórum Internacional de
Educação, 1 a 3/agosto/2011, cuja temática central será “Identidade: interação e saberes”.
2
Nutricionista (UFSC), mestre em Desenvolvimento Rural (UFRGS), é técnica da ONG Ação Nascente
Maquiné, desenvolvendo projetos voltados à agricultura familiar e agroecologia.
region produce, that will know closer the agriculture cicles and that will respect and be more proud of
their relatives and friends, family farmers, that produce their school meals – tasty and nutritious.
Introdução
Por todo o descrito, enfatiza-se que uma alimentação saudável depende de uma
agricultura saudável. A agricultura moderna (monocultora, empresarial) é um fator de
adoecimento e de degradação ambiental. Nesse sentido, a Alimentação Escolar tem
servido como exemplo e prática de caminhos para a construção de cardápios
saudáveis e sustentáveis, aproximando questões de saúde coletiva - na qualidade
da refeição oferecida ao escolar, a estratégias de desenvolvimento rural - ao
promover a compra da Agricultura Familiar, preferencialmente local e agroecológica.
Historicamente, a Agricultura Familiar produz alimentos diversificados (pois mantém
a lógica da produção para o autoconsumo), em pequenas e médias propriedades,
com baixo impacto ambiental, sendo responsável por 70% da produção de alimentos
destinados ao consumo interno no país.
Em junho de 2009 foi aprovada a lei 11.947 (BRASIL, 2009b), que regulamenta o
programa e institui, dentre outras questões, a obrigatoriedade da compra de no
3
A Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN)3 a define como “a realização do direito de
todos ao acesso regular e permanente a alimentos básicos de qualidade, em quantidade suficiente, sem
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de
saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis”
(BRASIL, lei n.11346, 2006).
mínimo 30% dos recursos repassados pelo governo federal aos estados e
municípios em alimentos produzidos pela Agricultura Familiar, com preferência por
aqueles produzidos nas próprias localidades e regiões, e para os alimentos
orgânicos. São repassados pelo governo federal R$0,304/dia/aluno para estados e
municípios, que devem complementar o recurso.
Importante lembrar que para os efeitos desta lei Alimentação Escolar é entendida
como todo alimento oferecido no ambiente escolar, independente de sua origem,
durante o período letivo (isso inclui o que é oferecido pelas cantinas, o que as
crianças trazem de casa).
Há diversos profissionais que se dedicam bastante para que o PNAE seja bem
executado e para que ele cumpra os objetivos a que se propõe: contribuir para o
crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento
escolar e a formação de hábitos alimentares saudáveis dos alunos, por meio de
ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram as
suas necessidades nutricionais durante o período letivo (artigo 4° da lei
11.947/2009).
4
A Educação Infantil, escolas quilombolas e indígenas recebem R$0,60/aluno/dia.
b) a compra da agricultura familiar: o (re)conhecimento de seu município e região,
documentos necessários, organização e parcerias importantes, impactos na vida dos
agricultores envolvidos, o fortalecimento de relações de complementaridade entre o
rural e o urbano;
Material e métodos
Estes cardápios devem oferecer pelo menos 20% das necessidades nutricionais dos
escolares e três porções de frutas e hortaliças (200g/aluno) por semana. A lei proíbe
a compra de refrigerantes e sucos em pó, bem como restringe o consumo de
enlatados, embutidos e doces (como milho em conserva, salsicha e achocolatados
respectivamente).
Além das frutas, há na região a oferta de tubérculos (aipim, batata doce, cará do ar,
cará da terra, inhame, mandioquinha), grãos (feijões, arroz, milho), hortaliças e
alguns produtos processados pela agricultura familiar: polpas e chimias de frutas
orgânicas, molho de tomate orgânico e panificados.
Desse modo, as compras da agricultura familiar que iniciam com 30% dos recursos
repassados hoje, demonstrando sua qualidade e eficiência, poderão representar até
100% das aquisições. Aí teremos cardápios escolares integralmente abastecidos
pela agricultura familiar.
- no mínimo 70% dos recursos devem ser utilizados para a compra de alimentos
básicos, respeitando os hábitos alimentares de cada localidade e sua vocação
agrícola;
- no mínimo 30% dos recursos devem adquirir alimentos produzidos pela Agricultura
Familiar local, regional, estadual ou nacional (nessa ordem).
Para alguns municípios, a compra da Agricultura Familiar já ocorria muito antes da
aprovação da lei 11.947/2009 (como nos casos de Dois Irmãos, Tapes e Rolante,
todos no RS). A experiência destes, somada às experiências com o Programa de
Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (o PAA) ajudaram a construir a lei da
Alimentação Escolar e a dar pistas para a superação de dificuldades que este novo
processo vem apresentando para muitas prefeituras e direções de escolas
estaduais.
Assim, pelo lado de quem vende, o grande desafio e, ao mesmo tempo, estímulo
promovido pela lei é a organização dos agricultores/as. A lei 11.947/2009 permite
que a venda seja feita por grupos formais (associações, cooperativas) de
agricultores familiares, e por grupos informais. Para estes a assessoria e parceria de
outras instituições é fundamental para que esse processo organizativo e
administrativo das compras tenha início (Emateres, Sindicatos de Trabalhadores
Rurais, Prefeituras, ONGs).
Para a organização interna do grupo, outros documentos são necessários para que
o processo avance. Na condução do grupo Sabores da Terra desenvolvemos: lista
de produtos do grupo e suas épocas disponíveis, cronograma de entregas por
produtor, cronograma de entregas por escola, termos de recebimento, orientação
para preenchimento do bloco do produtor por família, dentre outros.
Ainda que com muitos desafios, o grupo Sabores da Terra está crescendo (em
número de famílias, de produtos, volume de vendas) e demonstra a vontade de
seguir o caminho em conjunto, começando a amadurecer a idéia de montarem uma
cooperativa. O caminho até lá é ainda longo e exige a continuidade da assessoria
técnica. O papel da Anama, além do suporte humano e material direcionado até o
momento, é reforçar os dois princípios que tem destacado ao longo deste processo:
o compromisso das famílias com o trabalho de grupo e com a transição para a
produção orgânica.
6
A experiência do grupo de agricultores de Maquiné gerou um pequeno vídeo-documentário que pode ser
acessado na página www.onganama.org.br
Estes são alguns dos avanços que a lei 11.947/2009 tem alcançado ao ser
executada em nossa região: a formação de novas organizações, a inclusão de
famílias com grande dificuldade de comercialização até o momento e o avanço da
agroecologia. Para que a transição agroecológica ocorra é necessário que os
agricultores tenham assistência técnica em produção orgânica e que consigam
comercializar seus produtos.
A merendeira é uma grande educadora: seus saberes culinários, seus cuidados com
a limpeza e a higiene no preparo, seu tempero e, principalmente, o carinho e a
atenção que coloca nesta comida, desde o seu recebimento e armazenamento, até
seu preparo e distribuição para os alunos.
A lei 11.947/2009, em seu artigo 15°, afirma que aç ões educativas abordando o
tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na
perspectiva da segurança alimentar e nutricional devem perpassar o currículo
escolar.
A resolução 38/2009 do FNDE, que regulamenta a lei 11.947, em seu artigo 13°7
considera, dentre outras estratégias de educação alimentar e nutricional, a oferta da
alimentação saudável na escola, a implantação e manutenção de hortas escolares
pedagógicas, a inserção do tema alimentação saudável no currículo escolar e a
realização de oficinas culinárias experimentais com os alunos.
7
Ainda neste artigo, a resolução 38 adverte que “A fim de promover práticas alimentares saudáveis, deverá ser
respeitado o disposto na Portaria Interministerial MEC/MS n° 1.010, de 8 de maio de 2006”. Vale a pena
consultar esta portaria, que tem um texto bastante interessante em relação à promoção de práticas alimentares
saudáveis.
Retomando um pouco do que foi discutido na introdução deste artigo, as mudanças
na alimentação em direção a comidas padronizadas e industrializadas tem
conquistado o paladar de crianças, jovens e adultos. Em Maquiné, Ramos (2007)
registrou um processo de mudanças nas práticas alimentares de famílias rurais que
resultou no desuso do milho, de tubérculos, da banha de porco e de frutas nativas,
em detrimento a um aumento no consumo de sucos em pó, óleo de soja, margarina,
farinha de trigo e outros alimentos industrializados e não produzidos localmente.
Considerações finais
Novos consumidores estão sendo formados: crianças que crescerão com o gosto
por alimentos de sua região; conhecerão uma diversidade de sabores de frutas,
verduras, tubérculos e outros; acompanharão mais de perto os ciclos agrícolas e da
natureza nos seus locais de moradia; terão mais e mais respeito e orgulho de serem
filhas, filhos, parentes ou amigas de agricultores e agricultoras, que produzem sua
merenda – gostosa, fresca e nutritiva.
Referências bibliográficas:
AÇÃO NASCENTE MAQUINÉ. Alimentação Escolar Saudável: parceria entre alimentação
escolar, agricultura familiar e educação alimentar e ambiental. Cartilha. Maquiné, 2011.
BRASIL, Presidência da República. Lei 11947, 16 junho 2009. Dispõe sobre o atendimento
da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola. Disponível em:
http://www.fnde.gov.br/index.php/ae-legislacao Acesso em: 17 de setembro de 2010.
MONDINI, L.; MONTEIRO, C.A. Changing diet patterns in Brazil (1962-1988). Revista de
Saúde Pública, São Paulo, v.28, n.6, p.433-439, 1994.
RAMOS, Mariana Oliveira. A “comida da roça” ontem e hoje: um estudo etnográfico dos
saberes e práticas alimentares de agricultores de Maquiné (RS). 2007. 174f. Dissertação
(Mestrado em Desenvolvimento Rural). Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.