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RESENHA / REVIEW

Paleopatologia e Paleoepidemiologia: descrição de Orta permitem à autora concluir


Estudos Multidisciplinares. Adauto José G. que o Vibrio cholerae era freqüente na Índia
de Araújo & Luiz Fernando Ferreira durante o século XVI.
(coordenadores). Rio de Janeiro: Escola Sheila Mendonça de Souza traduz o artigo
Nacional de Saúde Pública, 1992. 237 p., seguinte, de 1980, assinado por Jane E. Buiks-
ilus., bibliografia. tra e Della C. Cook, sobre paleoepidemilogia e
(Brochura) paleopatologia, apontando os avanços obtidos
Cr$ 250.000,00 por esses campos de pesquisa desde a publi-
cação do livro de Saul Jarcho (1966) e o Disea-
Além dos importantes trabalhos que sempre ses in Antiquity (1967) até 1980. Entre os
realizou no campo da saúde pública, o monu- avanços, os autores citam a histomorfometria
mento da Ciência que é a Fundação Oswaldo dos ossos como tendo produzido resultados
Cruz (Fiocruz) vem criando novas linhas de impressionantes e, ainda, a paleoepidemiologia,
pesquisa, como a de paleopatologia e paleoepi- os estudos de múmias e de material osteológico
demiologia. que comprovam que patologias diversas, inclu-
O livro Paleopatologia e Paleoepidemiologia sive a tuberculose, já existiam na América antes
— Estudos Multidisciplinares teve como propó- da colonização européia.
sito “reunir trabalhos de especialistas em paleo- Lilia Cheuiche Machado discorre sobre a
patologia no Brasil, bem como alguns aspectos paleodemografia, citando estudos realizados a
de paleoepidemiologia e paleoecologia de partir de restos esqueletais encontrados em
populações pré-históricas, restringindo-se a sítios arqueológicos na Jordânia, Turquia,
publicação ao grupo de professores que partici- Grécia e Brasil (Sítio Arqueológico Corondó,
param deste primeiro curso de especialização”. da Tradição Itaipu, em São Pedro da Aldeia,
A determinação de patologias em populações Rio de Janeiro, com datações entre aproximada-
pré-históricas tem sido objeto de muitos estudos mente 4.000 e 3.000 AP; Sítio Piaçagüera, em
em vários países, mas, no Brasil, é graças Cubatão, São Paulo, com datações entre 4.890
especialmente à Escola Nacional de Saúde e 4.930 AP). Conclui a autora pela necessidade
Pública (Ensp), da Fiocruz, que trabalhos neste da continuação de pesquisas deste tipo.
sentido vêm sendo realizados e publicados. Já Em outro artigo, Maria Dulce Gaspar trata do
existe mesmo na Ensp uma área de concen- padrão de assentamento dos pescadores, coleto-
tração em estudos desta natureza dirigida às res e caçadores que habitaram sítios arqueológi-
populações indígenas pré-históricas e atuais. cos na região compreendida entre a baía da Ilha
O livro, que é o “primeiro suporte a estas Grande e o delta do Paraíba do Sul, entre 5.500
idéias de construção da nosologia no território e 1.200 AP.
brasileiro”, reúne uma série de trabalhos, entre Anne-Marie Pessis e Niède Guidon discorrem
eles os de autoria dos dois pilares das mencio- sobre a área arqueológica de São Raimundo
nadas especialidades: Adauto J. G. de Araújo e Nonato, no Piauí, onde evidenciaram vestígios
Luiz Fernando Ferreira, que, além de coordena- humanos da ordem de 50 mil anos. Nos últimos
dores da publicação, são responsáveis pela parte 22 anos, foi estabelecido um programa de
introdutória do livro. pesquisas objetivando o reconhecimento de
No primeiro artigo, Luiz Fernando Ferreira e modelos adaptativos do homem pré-histórico
colaboradores comentam trechos do livro de em seu processo interativo com o meio ambien-
Garcia da Orta, escrito na Índia, em 1957, e sua te.
contribuição à epidemiologia histórica, já que No artigo subseqüente, Sheila Mendonça de
ele nos fornece uma descrição clínica detalhada Souza estuda os traumatismos vertebrais da
da cólera. população que há 2.000 anos ocupou o sítio
No segundo artigo, Diana Maul de Carvalho arqueológico Furna do Estrago, em Pernambu-
retoma o tema, concluindo que o quadro clínico co, como indicadores de atividades físicas.
fornecido por Orta torna possível o diagnóstico Foram observadas fraturas na coluna vertebral
da cólera, embora a obra de Orta não se propu- e membros inferiores em 50% da coleção de
sesse a descrever doenças. A sazonalidade e a esqueletos examinada.

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Marília Carvalho de Mello e Alvim e João método experimental de diagnóstico de fezes e
Carlos Gomes analisam os casos de hiperosteo- cropólitos não-humanos encontrados no Parque
se porosa — considerada um marcador não-es- Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. Se-
pecífico de estresse — em 20 crânios de índios gundo a autora, os padrões utilizados na carac-
Tenetehára-Guajajára que viveram há 50 anos terização das fezes recentes encontradas na
na região do rio Pindaré, no Estado do Ma- mesma região, onde se localizam vários sítios
ranhão. Os esqueletos foram coletados pelo Dr. arqueológicos, também podem ser utilizados na
Pedro de Lima. Os resultados obtidos demons- identificação de coprólitos. Os coprólitos exa-
tram que, no material Tenetehára, a hiperosteo- minados foram coletados em 6 sítios arqueoló-
se é conseqüência de fatores ambientais que gicos datados entre 2.000 AP e até cerca de
provocaram a anemia malárica crônica, fortale- 8.000 AP.
cida por uma dieta inadequada, resultante do Finalmente, Jorge Ferigolo discorre sobre as
contato do indígena com a população regional, paleopatologias de vertebrados não-humanos e
não-indígena. sua importância para se estudar a paleontologia
A seguir, Verônica Wesolowski e Zélia dos evolutiva (cujo espectro é, segundo o autor,
Santos analisam, em uma reduzida amostra muito mais amplo do que o da paleopatologia
dentária Tupí-Guaraní, casos de hipoplasia humana); para se esclarecer aspectos ligados à
linear de esmalte, considerada também um história e à evolução das doenças; para se evitar
exemplo de marcador não-específico de estres- erros taxionômicos; e para suprir informações
se. sobre hábitos alimentares e dados biomecânicos.
Carlos E. A. Coimbra Jr. e Ricardo V. San- O autor — pioneiro no Brasil em paleopatolo-
tos, em seu artigo sobre paleoepidemiologia e gia de vertebrados não-humanos — lista os
epidemiologia das populações brasileiras, de- materiais examinados (ossos e dentes), descreve
monstram que, a partir da análise do material diversas patologias e aponta suas prováveis
ósseo das populações pré-históricas, chega-se causas.
apenas a um quadro fragmentário do estudo A leitura do livro parece-nos imprescindível a
dessas populações. O quadro que se obtém a todos quantos se interessam pelos estudos de
partir do exame das populações atuais é muito paleopatologia e paleoepidemiologia em suas
mais complexo e serve de contraponto ao visões multidisciplinares.
estudo das populações desaparecidas. Em
resumo, os métodos usados em epidemiologia
contribuem para tornar mais seguros os resulta- Maria da Conceição de M. C. Beltrão
dos da paleoepidemiologia. Setor de Arqueologia
Em outro artigo, Marcia Chame propõe um Museu Nacional

La Historia de Julian: Memorias de Heroína mundo da droga na Espanha. As investigações


Y Delincuencia. Juan F. Gamellla. Madrid: foram conduzidas em alguns bairros da zona
Editorial Popular S. A., 1990. norte de Madri, espaço urbano caracterizado por
ISBN 84-7884-018-4 profundos contrastes sócio-econômicos, pulula-
do por crianças e jovens sem ocupação defini-
Juan F. Gamella, antropólogo do Departamen- da, que se espalham por espaços concretados
to de Ciências Políticas da Universidade de difusos, ruidosos, sem jardins, praças e outras
Granada/Espanha, trabalhando na área de saúde, áreas de lazer, também carente de escolas, em
apresenta neste livro, de maneira especial, os número e qualidade, transporte coletivo, etc. O
resultados de uma pesquisa de abordagem autor realizou a pesquisa trabalhando com o
qualitativa, conduzida no período de 1977 a método etnográfico e com muita sensibilidade
1987, sobre a trajetória da construção de um apresenta, no texto, biograficamente, depoimen-
problema social: a juventude marginal e o tos pessoais sobre a história do modus de vida

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