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Investigación original / Original research

Agroecologia e promoção da saúde no Brasil


Elaine de Azevedo1 e Maria Cecília Focesi Pelicioni 1

Como citar Azevedo E, Pelicioni MCF. Agroecologia e promoção da saúde no Brasil. Rev Panam Salud Publica.
2012;31(4):290–5.

resumo Objetivo. Pesquisar como os especialistas da promoção de saúde e da agroecologia compre-


endem os conceitos dessas áreas de diretrizes comuns e como é concebida a relação entre tais
conceitos.
Métodos. Pesquisa qualitativa. Foram realizadas entrevistas com 14 especialistas das duas
áreas sobre relações entre sistema agroalimentar e saúde; conceitos de agroecologia e promoção
da saúde; relevância da inserção da agroecologia nos cursos de formação de saúde pública e
vice-versa.
Resultados. Existe pouco diálogo entre os campos de estudo que foram considerados afins,
sendo a qualidade do alimento a principal interface entre as áreas. A agroecologia apareceu
como um sistema de produção de alimentos saudáveis, mas o estudo mostrou outras relações:
agroecologia e empowerment, fomento à autonomia e qualidade de vida e melhores condições
socioeconômicas para o agricultor; agroecologia e saúde ambiental; agroecologia e participação
social; agroecologia, territorialidade e resgate cultural; agroecologia, alimentos locais e baixo
custo produtivo. Já a promoção de saúde foi essencialmente relacionada a práticas voltadas à
manutenção de estilos de vida saudável. Os especialistas mostraram-se favoráveis à inserção
de conhecimentos da área da saúde pública na agroecologia e vice-versa.
Conclusões. A agroecologia e a promoção da saúde são áreas contributivas e complemen-
tares, cuja aproximação pode vir a enriquecer a discussão da saúde rural e a concepção das
políticas públicas que se debruçam sobre essa temática, estimulando intervenções e práticas
intersetoriais.

Palavras-chave Agricultura sustentável; promoção da saúde; saúde da população rural; Brasil.

Estudos sobre promoção da saúde A agroecologia apareceu como disci- industrial agrícola externo a sua pro-
s­ urgiram no Canadá, na década de 1970, plina científica na década de 1930. A par- priedade (6). Como consequência disso,
orientados por uma visão de saúde que tir de 1960, o ideário se mesclou com o a forma de produzir alimentos na pers-
considera as diversas causas do binômio movimento ambientalista questionando pectiva agroecológica tem baixo impacto
saúde-doença, a partir de diretrizes éti- o sistema agroalimentar moderno. Como ambiental e promove a qualidade de
cas de fomento à democracia e à equi- prática agrícola, estabeleceu-se nos anos vida. Assim, a implantação de um sis-
dade, de estímulo à participação popular 1980 (4). Destacou-se de outras formas tema produtivo sustentável nos âmbitos
e de promoção da sustentabilidade e da de agricultura sustentável ao assumir o social, ambiental e econômico passou a
qualidade de vida dos indivíduos (1–2). caráter polissêmico de movimento eco- ser, igualmente, seu objetivo (7).
O ideário de promoção da saúde tra- nômico, ético e sociopolítico que obje- Apesar da importância da agricultura
balha com a ideia de responsabilização tiva centralmente fortalecer a identidade familiar que produz 80% da alimentação
múltipla, seja pelos problemas, ou solu- do agricultor familiar, resgatando suas no Brasil (8) e dos desafiantes objeti-
ções propostas para os mesmos, combi- raízes culturais e sua autonomia (4–5). vos da agroecologia, a saúde rural sob
nando ações intersetoriais (3). Para isso, esse agricultor foi estimulado a ótica da agricultura sustentável tem
a se inserir em uma estrutura social sido pouco explorada em pesquisas da
1 UniversidadeFederal da Grande Dourados, Facul- agrária associativa e cooperada, baseada saúde pública e coletiva. Um sistema que
dade de Ciências da Saúde, Dourados (MS), Brasil.
Enviar correspondência a: Elaine de Azevedo, em práticas tradicionais e locais que o minimize as repercussões ambientais ne-
elainepeled@gmail.com mantenha independente do complexo gativas dessa atividade e que considere

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o bem-estar do agricultor pode ampliar Iniciou-se com dois professores titu- sas nos últimos cinco anos sobre temas
o conceito de promoção de saúde nesse lares, referências de cada área, dos dois ligados a agroecologia ou a promoção
território, com significativas repercus- primeiros cursos de nível superior em da saúde em diferentes espaços: comu-
sões no meio urbano. agroecologia e saúde pública no Estado nidades, escolas, associações, serviços de
Além de objetivos comuns, existe ou- de São Paulo, na Universidade Federal saúde, entre outros.
tro fator de aproximação desses ideá- de São Carlos e na Universidade de São
rios. Fora do âmbito dos especialistas, a Paulo, respectivamente. Com a técnica Relação entre sistema agroalimentar
percepção sobre os mesmos tende a ser conhecida como Bola de Neve (10), os e saúde
estreita e reducionista. A agroecologia participantes indicaram os próximos en-
tem sido simplificadamente relacionada trevistados, até o ponto de saturação das De forma geral, os entrevistados con-
a um sistema produtivo que não utiliza informações coletadas. cordaram que a relação entre sistema
agrotóxicos, sendo pouco conhecidas Após a apresentação dos propósitos agroalimentar e saúde procede e o pri-
suas dimensões política e socioambien- da pesquisa e da assinatura do Termo de meiro foi mencionado como um “irmão
tal. Já a promoção da saúde é recorren- Consentimento, as entrevistas com du- da saúde pública”. Entretanto, essa re-
temente percebida como um conjunto ração aproximada de 45 minutos foram lação não se estabeleceu de imediato
de práticas individuais e restritivas, re- conduzidas pela primeira autora do es- para todos e, algumas vezes, surgiu uma
lacionadas a estilos de vida saudáveis, tudo. Foram gravadas e transcritas e seu visão negativa: a agricultura como uma
desqualificando a discussão acerca das conteúdo foi utilizado integralmente. atividade de risco ambiental e social; a
condições de vida como determinantes O material foi explorado na busca questão do êxodo rural — “a retirada do
da saúde. de padrões recorrentes e discordantes, espaço conhecido do agricultor, do seu
Diante das escassas relações conceitu- temáticas salientes e relevantes para fazer, do seu viver”— vinculou o padrão
ais entre esses dois campos de interfaces os entrevistados, expressões idiomáti- produtivo a processos de instabilidade
comuns e complementares, julgou-se re- cas, metáforas e elementos norteadores. social; e o alimento tradicionalmente
levante apresentar esse estudo, de cará- Após a análise, alguns códigos foram percebido como elemento promotor de
ter qualitativo, que analisou a opinião elaborados de forma indutiva para iden- saúde foi relacionado a doenças. “O
de especialistas das duas áreas para tificar temas emergentes (11). sistema agroalimentar é, na verdade,
saber como compreendem os conceitos Como resultado desse processo refle- promotor de doença, especialmente pelo
de agroecologia e promoção da saúde e xivo, intercalado a consultas a autores uso exagerado de agrotóxicos”.
como concebem as relações entre ambos. de referência sobre o tema da pesquisa, Uma temática emergente foi a qua-
foi possível construir e definir categorias lidade dos alimentos — “saúde passa
MÉTODOS analíticas para o trabalho, apresentadas muito pelo alimento” — ressaltando a
no item Resultados. necessidade de considerar sua origem e
A técnica utilizada em campo nesta A pesquisa atendeu a Resolução a isenção de agrotóxicos. Surgiu também
pesquisa qualitativa foi a entrevista 196/96 e foi aprovada pelo Comitê de a noção de qualidade da dieta relacio-
semi-estruturada, entendida como um Ética da Faculdade de Saúde Pública da nada a restrição de gorduras, açúcar, sal
processo de interação social por meio do Universidade de São Paulo, em 2010. e calorias.
qual o pesquisador buscou informações Para preservar a identidade dos especia- Além do tema da qualidade e ino-
a partir de roteiro que abordava a pro- listas, suas falas literais aparecerão entre cuidade química dos alimentos, foi le-
blemática central (9). aspas ou em recuo e o autor das mesmas vantada a preocupação com a saúde
Os informantes expressaram livre- será aqui mantido no gênero masculino, ocupacional dos agricultores. Uma das
mente suas percepções sobre as relações mesmo tendo havido diversificação de falas reforçou a discussão que envolve a
entre o sistema agroalimentar e a saúde; gênero entre os informantes. multifuncionalidade da agricultura (12)
sobre agroecologia (no caso dos especia- e os seus custos socioambientais: ”a fun-
listas em saúde pública) e promoção da RESULTADOS ção da agricultura não é produzir a todo
saúde (para os especialistas em agroeco- custo; além da renda do agricultor, ela
logia); e, por fim, deram opiniões sobre O estudo mostrou que o tempo de tem uma série de outras tarefas e isso
a relevância da inserção da agroecologia graduação dos entrevistados variou en- merece ser debatido com maior atenção
nos cursos de formação em saúde pú- tre 20 a 40 anos. Todos possuíam, no nas políticas públicas”.
blica e coletiva e vice-versa. mínimo, o grau de doutor. Os especialis- Foi observada uma perspectiva plural
O critério de seleção dos 14 entrevista- tas da agroecologia eram todos agrôno- de qualidade de vida e saúde a partir
dos foi baseado na atuação de cada um mos e fizeram pós-graduação em áreas de formas de agricultura sustentável.
como docente em universidade públi- variadas (desenvolvimento rural, meio Alguns dos entrevistados incluíram a
cas em cursos de agroecologia e saúde ambiente, sociologia rural, desenvolvi- agroecologia nessa relação e destacaram
pública e coletiva. Foram entrevistados mento sustentável, etologia, genética e aspectos importantes como: a agroecolo-
professores de agroecologia das Uni- biodiversidade e agroecologia). Já os es- gia como instrumento de empowerment
versidades Federais de Santa Catarina pecialistas da promoção da saúde, apre- e fomento à autonomia dos agricultores
e de São Carlos e da Universidade de sentaram diversidade nas suas gradua- para “tomar em suas mãos o processo
São Paulo e, na área de saúde pública, ções (enfermagem, pedagogia, ciências produtivo”; a saúde do agricultor re-
docentes da Universidade de São Paulo, sociais, biologia, medicina) e possuíam lacionada ao “tipo de tecnologia que
da Universidade Federal do ABC e da uma pós-graduação em comum: saúde ele usa”; a possibilidade de maiores
Universidade Federal de São Paulo. pública. Todos se dedicaram a pesqui- “lucros para o agricultor agroecológico”

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e de lazer no meio rural “através do ao bioma da região de produção e de subjetivos, como agroecologia, resgate
agroturismo”; agroecologia e promoção consumo. do sentimento de territorialidade e ma-
da segurança alimentar, saúde e con- A relação estabelecida entre agricul- nutenção de povos e saberes tradicio-
servação ambiental. “Uma agroecologia tura e saúde foi sempre a partir de for- nais: “(. . .) valorizar o saber popular, as
pra promoção da saúde” enfatizou um mas de agricultura sustentável, dentro pessoas, e isso é promotor”. Destacou-se
informante. da qual “o indivíduo produz a sua forma também a questão do sabor do alimento
Tais aspectos são sempre mencionados de viver”. produzido “que deve ser diferente, mais
por autores que se dedicam à agroecolo- gostoso”.
gia (4–7). Entretanto, esses elementos Visão da agroecologia para os
não são apresentados como determinan- especialistas em promoção da saúde Visão da promoção da saúde para os
tes de saúde, como elabora esse entrevis- especialistas em agroecologia
tado sobre a relação entre agricultura e Grande parte das respostas consti-
saúde ambiental: tuíram inicialmente uma afirmação de Ninguém parecia ter dúvidas sobre
pouco conhecimento sobre a agroecolo- o conceito de promoção da saúde, mas
(. . .) uma agricultura menos poluidora gia e muitos se consideravam “leigos no grande parte tratou do termo em si, e
é uma agricultura que faz bem pro assunto”. Entretanto, na continuidade não do campo de estudos.
meio ambiente, pra saúde do planeta das entrevistas construíram-se relações A maioria vinculou promoção de
e, portanto, pra saúde humana. Prá complexas, seguindo a mesma tendência saúde a práticas voltadas à manuten-
cada um de nós enquanto indivíduo das opiniões supracitadas. ção de estilos de vida saudável, abor-
(. . .) não dá pra pensar na saúde do A resposta mais comum baseou-se dagem que tende a desconsiderar as
indivíduo separada da saúde ambien- no prefixo ‘agro’ do termo agroecolo- condições de vida e os determinantes
tal e saúde do planeta (. . .). Biodiver- gia, uma forma de agricultura de baixo sociais da saúde: “eu me lembro das
sidade, um ar respirável, tudo isso faz impacto ambiental que prescinde de pessoas fazendo ginástica na rua, a ter-
parte da saúde e a agricultura tem sua agrotóxicos: “o que vem na cabeça é o ceira idade correndo na beira-mar, sei
missão a cumprir nessa ideia de que a uso de formas de cultivo que deveriam lá, mais ou menos isso (. . .) eu acho que
saúde do planeta deva melhorar. ser menos agressivas ao meio ambiente. a melhor maneira de promover saúde
Possivelmente usar melhor a terra, em é uma a­ limentação limpa e balanceada
O modo como as pessoas ou grupos vez de defensivos, usar composteira”. e esporte”. “Os meios de comunicação
sociais vivenciam a saúde está intima- Outras respostas endossaram a rela- tratam muito de noções do tipo: é pre-
mente relacionado ao contexto cultural e ção da agroecologia com a saúde, des- ciso comer mais hortaliças, mais frutas,
à organização de cada grupo; o elemento tacando “que a forma de usar a terra fazer caminhadas . . . Usar menos álcool,
cultural salienta o fato de que a saúde tem a ver com a saúde das pessoas”, do comer menos açúcar, gorduras, cuidar
não se reduz a uma evidência orgânica, produtor ao consumidor: do tabagismo”.
natural e objetiva (13). Esse elemento foi Outras perspectivas surgiram como:
destacado como um determinante da A agroecologia seria a produção de ali- “promoção da saúde? “ah, trabalho com
saúde do agricultor, inserindo a temática mentos de uma forma que produzisse periferia, orientação com nutrição, esse
em uma dimensão mais subjetiva: uma boa qualidade de vida no final da tipo de coisa”. A alimentação e a conta-
cadeia, qualidade de vida para as duas minação química apareceram também
Penso na cultura, nas relações e nos pontas; para o agricultor evitando o em duas falas: “a gente devia se preo-
problemas das pessoas que se dedicam uso de agrotóxicos e contaminação e cupar com a saúde pelo envenenamento
à agricultura. Isso é importante pra para o consumidor, da mesma forma, por compostos químicos desconheci-
promoção da saúde. A atividade eco- produzindo um alimento saudável. dos; o grande problema é o agrotóxico”.
nômica é importante, mas ela marca “Uma política pública de promoção
todo um padrão de vida cultural e de Um dos informantes com pouco co- da saúde pensa no alimento. Fiscaliza
saúde dessa população. nhecimento sobre a temática julgou que como está sendo produzido, como chega
os cursos de formação em agroecologia na mesa do consumidor”. Esse mesmo
Nessa mesma dimensão, o estreita- já estavam inseridos na área da saúde, entrevistado relacionou a promoção a
mento da relação entre sistema agroali- pois “não tem como a saúde estar fora ações preventivistas da saúde pública
mentar e saúde foi percebido como um disso”. como vacinação e controle de medica-
“fator de promoção de redes sociais e de Reapareceram abordagens socioeco- mentos “de qualidade, seguros e de livre
aglutinação”, estimulando a participa- nômicas de um sistema que se “opõe ao acesso às pessoas”.
ção social. agronegócio de exportação”. A agroeco- A promoção de saúde como processo
A questão da proximidade entre a logia foi novamente apresentada como vinculado à responsabilidade do indiví-
produção e o consumo de alimentos uma possibilidade de fortalecimento do duo frente a sua saúde surgiu na percep-
como aspecto salutar apareceu em uma agricultor familiar, como uma estratégia ção de um entrevistado:
citação que priorizava o consumo de para mantê-lo no meio rural com dig-
alimentos “que cheguem o mais livre de nidade e como prática de conservação Se as pessoas tiverem uma maior res-
intermediários possível”. Tal citação leva ambiental, minimizando gastos com a ponsabilização na própria saúde, isso
ao conceito de alimento local produzido produção e o transporte de alimentos. seria muito eficaz em termos de pro-
com menos gasto de energia e ajustado Ressurgiram também os aspectos mais moção da saúde, ou seja, as políticas

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de promoção da saúde poderiam ser alimento e esse tipo de incorporação fundamental na consecução de resulta-
nesse sentido, o de favorecer uma discute como se produz o alimento”. Um dos de promoção da saúde, em especial
responsabilização maior com sua pró- mencionou que nos cursos de Saúde Pú- a equidade e o empowerment individual e
pria saúde e com a saúde do planeta blica, o conteúdo de Agroecologia “cabe comunitário” (17).
e isso levaria a uma perspectiva mais com certeza”. E continuou: “(. . .) mas eu O destaque dado ao conceito de ali-
de prevenção. Cada um deveria ter não consigo me imaginar dando aulas mento local é relevante como questão
meios para se responsabilizar e tomar pra agrônomos, pois eu não sei outros ambiental, uma vez que sete a dez ca-
a saúde nas próprias mãos. elementos da agronomia”. lorias de combustível fóssil são usadas
Foi mais uma vez destacada a concep- para produzir uma caloria de energia
ção do meio rural “como espaço de saúde” alimentícia; 1/5 dessas calorias vai para
Relevância da promoção da saúde se vinculado a práticas agroecológicas. produção e o restante é utilizado no be-
para a formação profissional em neficiamento e transporte desse alimento
agroecologia e da agroecologia para DISCUSSÃO (18). Além disso, sob a ótica da agroe-
a formação profissional em saúde cologia a produção de alimentos locais
pública Pelos elementos identificados nessa contribui para viabilizar circuitos regio-
pesquisa, percebe-se a falta de diálogo nais de comercialização e para estimular
Diante dessa questão, muitos dos en- entre a Agroecologia e a Promoção da relações mais horizontais de produção
trevistados assumiram uma postura re- Saúde, consideradas áreas afins, sendo e consumo via comércio varejista de
flexiva: “eu nunca tinha pensado muito a qualidade do alimento o principal pequeno porte, construindo mecanismos
nisso”. Entretanto, a maioria afirmou elemento de conexão entre elas. Além que permitem a cooperação, a reciproci-
que a relação entre os campos de estudo da origem dos alimentos e da ausência dade e o fomento de ações coletivas (19).
é pertinente, “como um tema transver- de agrotóxicos como fator de qualidade, O conceito de promoção da saúde
sal na Saúde Pública”, ou ainda, “uma também foi apresentado o conceito de entre os especialistas agroecológicos foi
interface que não tem sido explorada alimento saudável com base em aborda- mais estreito. Sendo um grupo mais ho-
devidamente”, “(. . .) uma discussão gens restritivas, tendência das estraté- mogêneo, sintonizado com as premissas
muito rejeitada, pois a Agronomia é um gias de promoção da saúde voltadas às interdisciplinares da sua própria espe-
ambiente meio polarizado”, segundo um práticas alimentares saudáveis. Porém, cialidade, não tem muitas referências
especialista da Agroecologia. nenhum outro contaminante alimentar das duas tendências conceituais presen-
Foi mencionado o desafio da univer- (fertilizantes, aditivos sintéticos, anti­ tes nos estudos de promoção da saúde; a
sidade de “responder às necessidades bióticos e outras drogas veterinárias) primeira, centrada na responsabilização
sociais” que se apresentam, bem como a foi mencionado, demonstrando que a do indivíduo a partir do seu compor-
dificuldade dos alunos de graduação em produção sustentável é essencialmente tamento individual e estilo de vida. A
compreender a complexidade dos de- associada a alimentos vegetais in natura outra considera os determinantes sociais
terminantes sociais do processo saúde- e à ausência de agrotóxicos. da doença e o desenvolvimento de polí-
doença; assim sendo, a agroecologia não A definição mais comum da agroe- ticas públicas e condições favoráveis à
“devia ser inserida tão cedo nos currí- cologia foi uma forma de agricultura saúde (20).
culos de cursos de graduação da área sustentável, mas o estudo mostrou uma Esse desconhecimento é compreen-
médica”. Para esse entrevistado a pós- amplitude nas relações estabelecidas pe- sível, uma vez que até o início de 1990
graduação acolheria com mais proprie- los especialistas da área da promoção da quando ocorreram os primeiro eventos
dade a discussão “não necessariamente saúde. Tal fato mostra a familiaridade internacionais sobre essa temática no
sobre saúde e agroecologia, mas saúde desses especialistas com diálogos inter- hemisfério sul, as ações da promoção da
e ambiente; saúde e desenvolvimento disciplinares, talvez por se originarem saúde respondiam as necessidades da
local; saúde e outras opções econômicas; de diferentes áreas. Percebe-se igual- população dos países mais desenvolvi-
saúde e território”. mente o conhecimento das repercussões dos economicamente, com intervenções
Ressaltou-se a dificuldade de inserir ambientais, sociais e sobre a saúde hu- ajustadas a sua realidade. Além disso,
tais relações em cursos da área de saúde mana (14, 15) do sistema agroalimentar muitas das ações da Política Nacional
que abordam saúde como simples au- dominante e da perspectiva plural da de Promoção da Saúde do Brasil homo-
sência de doença. Para construir esse agroecologia fora do seu próprio meio logada em 2006 seguem essa direção,
diálogo interdisciplinar, o informante especialista. o que gera uma crítica recorrente a tal
enfatizou a necessidade de conceber o A agroecologia como prática que esti- política.
conceito de saúde na perspectiva da Pro- mula a participação social definida como Para Verdi e Caponi (21), é o reducio-
moção da Saúde. “partilha de processos decisórios e a nismo que explica a adoção de estratégias
Um especialista afirmou que na Saúde superação de conflitos de interesse por de informação e incentivo a mudanças
Pública, a subárea de Saúde Ambiental meio da negociação” (16) parece essen- de estilos de vida individuais, mantendo
poderia absorver a discussão da Agroe- cial para apoiar indivíduos socialmente o antigo enfoque preventivista na área
cologia, incluindo nela os determinantes saudáveis e para politizar as áreas da da saúde. Segundo essas autoras, o olhar
socioambientais da saúde. Outra ideia saúde e de produção de alimentos. Essa para os desvios de conduta individuais
foi a de inserir esse conteúdo na gra­ é uma das diretrizes da Política Nacio- deslocam o cerne da questão do corpo
duação de Nutrição, pois “há um desco- nal de Promoção da Saúde que objetiva: social para o corpo biológico ou físico,
nhecimento sobre o sistema que produz “fortalecer a participação social como bem como a responsabilidade do Estado

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na produção de respostas efetivas para entre as diferentes áreas e a coexistência Estados; a necessidade de realizar estu-
o próprio indivíduo. Ao assumir tal entre diversos saberes e especialistas. dos com profissionais da saúde pública e
tendência, é preciso evitar a armadilha Inserir a agroecologia nos cursos da da agronomia em regiões e espaços onde
de culpabilização das próprias vítimas e área da saúde sob as premissas da pro- tais conhecimentos não são explorados,
deixar de fortalecer a agenda que indica moção da saúde pode se tornar uma sensibilizando novos atores e buscando
os investimentos em saúde e a redução estratégia de superação da hegemonia outros questionamentos.
das desigualdades sociais e seus fatores do modelo biomédico intervencionista Por fim, pode-se afirmar que a agro-
determinantes como os segmentos com ainda prevalente. Na agronomia, essa in- ecologia e a promoção da saúde são
maior impacto de ganho para o estado serção poderá conscientizar o agrônomo áreas contributivas e complementares,
de saúde, qualidade de vida e bem-estar do seu papel de promotor da saúde em cuja aproximação pode vir a enriquecer
da população. diferentes níveis. a discussão em torno da saúde rural e a
Os dois grupos consideraram perti- O estudo parece reforçar a premissa concepção das políticas públicas que se
nente a aproximação dos campos de de que para discutir saúde no meio ru- debruçem sobre elas, estimulando inter-
estudos e sua inserção nos cursos de ral é essencial mobilizar conceitos que venções e novas práticas intersetoriais.
formação em saúde pública/coletiva e envolvam as diferentes formas de agri-
em agroecologia. Porém, apareceram cultura sustentável. Agradecimentos. Elaine Azevedo
dúvidas de como isso seria possível, re- Essa é uma temática pouco debatida agradece o apoio da Fundação de Am-
velando a dificuldade da implementação que necessita de aprofundamento e de paro à Pesquisa do Estado de São Paulo
de propostas interdisciplinares, especial- novas pesquisas que se sobreponham (FAPESP 09/54418-0) durante a rea-
mente em cursos de graduação. A prá- aos fatores limitantes deste estudo que lização desta pesquisa no período de
tica interdisciplinar não exige o conhe- foram a impossibilidade de abordar pós- doutorado na Faculdade de Saúde
cimento específico de outras áreas, mas um universo maior de especialistas, in- Pública da Universidade de São Paulo,
pressupõe a busca de interfaces comuns cluindo outras universidades e outros em 2010.

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abstract Objective. Research how specialists in health promotion and agroecology under-
stand the concepts in those areas of common guidelines and how the relationship
between such concepts is conceived.
Agroecology and health Methods. Qualitative research. Fourteen specialists in the two areas were inter-
promotion in Brazil viewed about the relationship between the agrofood system and health, concepts of
agroecology and health promotion, and the relevance of including agroecology in
public health training courses and vice-versa.
Results. There is little dialogue between the fields of study that were considered
similar, food quality being the main interface between the areas. agroecology ap-
peared to be a system of healthy food production, but the study showed other con-
nections: agroecology and empowerment, a spur to autonomy and quality of life,
and better socioeconomic conditions for the farmer; agroecology and environmental
health; agroecology and community involvement; agroecology, territoriality, and
cultural rescue [translator’s note: this is a term for measures taken to revitalize or
preserve imperiled indigenous cultures]; and agroecology, local foods, and low costs
of production. Health promotion already was linked in effect to practices oriented to
healthy lifestyles. The specialists appeared favorable toward including knowledge
about public health in agroecology and vice-versa.
Conclusions. Agroecology and health promotion contribute to one another and are
complementary, and bringing them closer together can lead to an enriched discussion
about rural health and the concept of public policies that focus on this theme, thereby
stimulating actions for improvement and intersectoral practices.

Key words Sustainable agriculture; health promotion; rural health; Brazil.

Rev Panam Salud Publica 31(4), 2012 295

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