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A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da

segurança alimentar e nutricional1

Anelise Rizzolo de Oliveira Pinheiro2

A alimentação e a nutrição constituem requisitos básicos para a promoção e a


proteção da saúde, possibilitando a afirmação plena do potencial de crescimento e
desenvolvimento humano, com qualidade de vida e cidadania (BRASIL, 1999).
A alimentação saudável não se delineia enquanto uma “receita” pré-concebida e
universal para todos pois deve respeitar alguns atributos coletivos específicos e
individuais impossíveis de serem massificados. Contudo, identificam-se alguns princípios
básicos que devem reger esta relação entre as praticas alimentares e a promoção da
saúde e a prevenção de doenças.
Uma alimentação saudável deve ser baseada em práticas alimentares com
significação social e cultural. A alimentação se dá em função do consumo de alimentos
(e não exclusivamente de nutrientes). Os alimentos têm gosto, cor, forma, aroma e
textura e todos estes componentes precisam ser considerados na abordagem
nutricional. Os nutrientes são importantes, contudo os alimentos não podem ser
resumidos a veículos destes. Os alimentos trazem significações antropológicas, sócio-
culturais, comportamentais e afetivas singulares, portanto o alimento enquanto fonte de
prazer e identidade também compõe esta abordagem (PINHEIRO ET AL, 2005).
Tradicionalmente o conceito de alimentação saudável foi desenhado com enfoque
especifico na dimensão biológica, contudo entende-se que este enfoque é um dos
componentes que integram este complexo conceito que, não se restringe, e envolve
uma complexidade de outras dimensões como sociais, econômicas,afetivas,
comportamentais, antropológicas e ambientais.
Os aspectos antropológicos da alimentação são fundamentais, pois determinam
as escolhas alimentares e podem ser observados na forma de manutenção cotidiana ou
de estratégias de sobrevivência das populações, revelando suas representações e
práticas relativas ao consumo alimentar. Os hábitos e ideologias alimentares justificam
as opções alimentares adotadas por um grupo social e se colocam como dimensões
mediadoras, organizando as praticas e a organização do consumo doméstico, ou mesmo
estratégias de sobrevivência (CANESQUI, 1994). Situações de privação também podem
provocar alterações e adaptações com características emblemáticas em práticas
alimentares, conforme observações de Freitas (2003) em um estudo etnográfico
realizado em uma comunidade de baixa renda em Salvador- Bahia. Observou –se que,

1
Artigo publicado na Revista do CEBES : Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v.29, n. 70, p.125 – 139,
mai/ago.2005.
2
Nutricionista e Sanitarista, Mestre em Saúde Pública (UFSC), Ex- assessora técnica da Coordenação
Geral da Política de Alimentação e Nutrição/SAS/DAB/MS; Pesquisadora Associada do Observatório de
Políticas em Segurança Alimentar e Nutrição NP3/UNB;Professora Visitante do Departamento de
Nutri~ção FS/UNB e Doutoranda em Política Social SER/UNB.

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na população estudada, as pessoas se identificam com o consumo de “comida” e não
propriamente “alimentos”. A comida é o alimento adequado para o consumo e assim
quando questionadas as mães referiam que as crianças não tomavam leite pois
“tomavam mingau”. O alimento cozido foi a opção preferida para o consumo.
Sob o ponto de vista da historia, as práticas alimentares também sofrem alterações a
luz dos modelos de desenvolvimento sócio – econômico dos paises. A Transição
Nutricional é um processo de modificações seqüenciais de perfil nutricional,
condicionado pelas possibilidades de escolha e seleção de alimentos que determinam o
padrão alimentar de grupos populacionais. Assim, as mudanças sócio-econômicas e
demográficas, influenciam no modo de viver, adoecer e morrer (processo saúde-
doença) das populações (PINHEIRO, 2004).
O Brasil também vem apresentando, nas últimas décadas, transformações sócio-
econômicas rápidas e profundas (urbanização acelerada e globalização), com reflexos
no perfil de saúde de sua população. No campo da saúde, a transição nutricional (e
epidemiológica) apresenta-se complexa e polarizada, na qual diferentes segmentos
sócio-econômicos e territórios apresentam perfis nutricionais substancialmente
diferentes e contraditórios (PINHEIRO, 2004).
Sob este enfoque, alguns aspectos merecem destaque e análise como: (1) o
papel do gênero neste processo quando a mulher assume uma vida profissional
extradomicilio, porém continua acumulando a responsabilidade sobre a alimentação da
família. A atribuição feminina transita entre o ambiente do trabalho e doméstico e assim
se coloca como um novo paradigma da sociedade moderna que não tem criado
mecanismos de suporte social para a desconcentração desta atribuição enquanto
exclusivamente feminina; (2) a modificação dos espaços físicos para o
compartilhamento das refeições e nas práticas cotidianas para a preparação dos
alimentos; (3)as mudanças ocorridas nas relações familiares e pessoais com a
diminuição da freqüência de compartilhamento das refeições em família (ou grupos de
convívio); (4) a perda da identidade cultural das preparações e receitas com a chegada
do “evento social” da urbanização/globalização e com isto o crescente consumo de
alimentos industrializados, pré-preparados ou prontos que respondem a uma demanda
de identidade e praticidade e; (5) a evidente desagregação de valores sociais e
coletivos que vem culturalmente sendo perdidos em função das modificações acima
referidas.
De acordo com Araújo et al (2005) o ato de comer revela aspectos sociais
importantes. “Come-se conforme as normas da sociedade. Hábitos interiorizam
costumes. Todos preferem sabores que suas mães lhe fizeram apreciar”. Nesta
perspectiva a “mesa” simboliza o centro das relações sendo o “palco” da organização,
critica familiar, alegrias, dissabores e novidades.
Assim, em síntese, uma alimentação saudável deve ser entendida enquanto um
direito humano que compreende um padrão alimentar adequado às necessidades
biológicas e sociais dos indivíduos de acordo com as fases do curso da vida. Além disso,

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deve ser baseada em práticas alimentares assumindo os significados sócio-culturais dos
alimentos como fundamento básico conceitual.
Sob o ponto de vista coletivo, uma alimentação saudável torna-se adequada
quando também compreende aspectos relativos a percepção dos sujeitos sobre os
modos de vida adequados, ou seja, quando se identifica com as expectativas dos
diferentes grupos sociais, que compõe a sociedade. Para isso as dimensões de
variedade, quantidade, qualidade e harmonia precisam associar-se aos padrões
culturais, regionais, antropológicos e sociais das populações.
No enfoque da Segurança Alimentar e Nutricional, uma alimentação é saudável e
adequada quando trazemos para a abordagem da saúde outros fatores envolvidos em
sua gênese. O alcance do estado nutricional adequado, de maneira indireta, pressupõe
o encontro de alguns fatores como produção, abastecimento e comercialização, acesso
e a utilização biológica dos alimentos. Para a garantia de uma alimentação saudável, é
necessária condição adequada para seu total aproveitamento e estas condições são
relativas às condições de vida como trabalho, moradia, emprego, educação, saúde, lazer
etc. Assim este conceito tem como objeto a trajetória necessária, desde a produção até
o consumo, do alimento, em todas as suas dimensões, e todas as possibilidades que
esta produção gera em termos de desenvolvimento sustentável e soberania alimentar.
Em nível de políticas publicas, o grande desafio na formulação e implementação de
uma estratégia para a promoção de uma alimentação saudável passa, portanto,
necessariamente, por torná-la viável em um contexto onde os papéis, os valores e o
sentido de tempo estão em constante mudança.
Este artigo tem como objetivo identificar a dimensão da alimentação saudável na
promoção da saúde, sob o contexto de Segurança Alimentar e Nutricional,
estabelecendo similaridades entre estes campos, no âmbito de políticas publicas.

Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e o Direito Humano à Alimentação


(DHAA): fundamentos da alimentação saudável
Neste contexto da alimentação saudável, a Política Nacional de Alimentação e
Nutrição (BRASIL,1999), tem como fundamento a Segurança Alimentar e Nutricional e o
Direito Humano à Alimentação Adequada.
Este entendimento (e abordagem) também é assumido pelo Conselho Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), órgão da Presidência da Republica
composto por representação em 2/3 de organizações da sociedade civil e 1/3 dos
setores governamentais, que tem sua Secretaria Executiva operada pelo Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate a Fome do governo federal (2004-2007). O CONSEA
tem em sua pauta de 2005 o tema alimentação saudável como eixo principal da
discussão da SAN no Brasil, entendendo que o seu alcance na população brasileira é o
principal resultado esperado para concretude do direito humano a alimentação
adequada (CONSEA,2005).

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Estes conceitos também são compartilhados e sistematicamente presentes nas
atuais discussões do Programa Fome Zero, do governo federal, que tem como objetivo
principal o combate à fome e a garantia da Segurança Alimentar e Nutricional através
da inclusão social das populações de baixa renda.O Fome Zero tem como principal
programa o Bolsa Família que se consiste em transferência direta de renda para famílias
de baixa renda , segundo critério pré- estabelecido (pobreza e extrema – pobreza). O
recebimento do benefício é feito mediante o monitoramento e cumprimento de uma
agenda de compromissos, pelos beneficiários (prioritariamente crianças e gestantes)
(CONSEA,2004).
A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) é entendida como a garantia, a
todos, de condições de acesso a alimentos básicos de qualidade, em quantidade
suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades
básicas como saúde, educação, moradia, trabalho, lazer etc.com base em práticas
alimentares que contribuem assim, para uma existência digna em um contexto de
desenvolvimento integral da pessoa humana (CONSEA,2004).
A alimentação é reconhecida como um direito humano no Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1996, do qual o Brasil é signatário, e
que foi incorporado à legislação nacional em 1992. Em 1999, o Comitêe dos Direitos
Econômicos e Sociais as Nações Unidas, explicita no Comentário Geral 12 que “o direito
a alimentação adequada é alcançado quando todos os homens, mulheres e crianças,
sozinhos, ou em comunidade, tem acesso físico e econômico, em todos os momentos, à
alimentação adequada, ou meios para sua obtenção”. O termo adequação refere-se não
exclusivamente a um pacote mínimo de calorias e outros nutrientes, mas também a
condições sociais, econômicas, culturais, ambienteis etc. para a digna sobrevivência
(CONSEA, 2004).
A SAN pressupõe a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada.
Entende-se que os ‘Direitos Humanos’ são aqueles que os seres humanos possuem,
única e exclusivamente, por terem nascido e serem parte da espécie humana. O Direito
Humano a Alimentação Adequada (DHAA) é um direito humano indivisível, universal e
não discriminatório que assegura a qualquer ser humano o direito a se alimentar
dignamente, de forma saudável e condizente com seus hábitos culturais (VALENTE,
2002).
Para a garantia do DHAA o Estado é um dos principais atores, pois precisa
estabelecer políticas que, assim como o faz perante o direito a saúde, melhore o acesso
das pessoas aos recursos para produção ou aquisição, seleção e consumo de alimentos.
Essa obrigação se concretiza através da elaboração e implementação de políticas,
programas e ações, que promovam a progressiva realização do direito humano à
alimentação para todos, definindo claramente metas, prazos, indicadores, e recursos
alocados para este fim.
As ações voltadas a garantir a SAN dão conseqüência prática ao direito humano à
alimentação e nutrição adequadas, extrapolando, portanto, o setor saúde e alcançando

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também um caráter intersetorial na perspectiva aliada da promoção da saúde das
populações.
Neste contexto, a premissa básica para o alcance da SAN é a intersetorialidade.
Enquanto diferentes setores de governo, nas três esferas de governo , e da sociedade
civil agirem isoladamente não termos a possibilidade de construir e operar uma Política
Nacional de SAN. Somente a intersetorialidade pode garantir a ação coordenada e
articulada de programas, projetos e políticas existentes em cada setor envolvido nesta
temática, com utilização de recursos orçamentários e financeiros adequados de modo
mais eficiente, direcionando as ações que obedeçam a uma escala de prioridades
estabelecidas em conjunto com o objetivo central da SAN.
A II Conferencia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (II CNSAN)
(CONSEA,2004) ocorrida, em Olinda-Pe, em março de 2004 com 1300 delegados de todas
as regiões do pais, representando a sociedade civil organizada, governo, sociedades
científicas e comunidade acadêmica (universidades), revelou em seu relatório final um
aspecto importante relativo ao entendimento do que é alimentação saudável no
contexto da SAN ao considerar a obesidade juntamente como a desnutrição como
manifestações de (In)segurança Alimentar e Nutricional.

Assume-se que tanto a desnutrição quanto a obesidade são resultantes de uma


má - alimentação, considerando seus desequilíbrios e carências.
A inclusão da obesidade no contexto da SAN agregou valor à dimensão
qualitativa, em seu próprio conceito. Neste enfoque, além das dimensões de dignidade
humana, quantidade, regularidade e sustentabilidade, a qualidade da alimentação
torna-se também um objetivo a ser alcançado. Desta forma a alimentação saudável e
adequada, incorpora-se definitivamente à busca pela garantia da SAN.

A alimentação saudável na promoção da saúde: inserção e contribuição

No contexto da formulação e aprovação do Sistema Único de Saúde, a saúde


passou a ser compreendida como dimensão social da cidadania, fazendo-se importante
espaço de luta coletiva, agregando-se a outros movimentos da sociedade civil e
reclamando a universalização do direito à saúde, estratégias de municipalização e o
efetivo controle social no sistema de saúde (BRASIL, 2001).
O relatório final da 8ª Conferencia Nacional de Saúde - CNS (1986) assumiu a
saúde “como resultado dos modos de organização da produção no contexto histórico de
uma sociedade e que deve ser conquistada pela coletividade em sua existência
cotidiana, constituindo avanço sem precedentes na abordagem das questões sanitárias
uma vez que apontava para a ruptura do modelo centrado na ação médica, curativa e
biologicista”. Esse conceito amplo exige que o Estado assuma a responsabilidade por

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uma política de saúde integrada às demais políticas sociais e econômicas, e garanta a
sua efetivação e a universalidade do acesso da população às condições mínimas de vida
digna e bem-estar.
Diretrizes como estas nos conduzem inexoravelmente ao desafio da promoção da
saúde, integrando o processo de inovações que operam uma ampla reforma setorial,
pautada pela universalização do direito à saúde, democratização e descentralização do
sistema de saúde . Tanto que a Carta de Ottawa (1986) declara que a promoção da
saúde consiste “... em proporcionar aos povos os meios necessários para melhorar sua
saúde e exercer um maior controle sobre a mesma. Na concepção holística adotada,
para alcançar um estado adequado de bem estar físico, mental e social, um grupo deve
ser capaz de identificar e realizar suas aspirações, satisfazer suas necessidades e mudar
ou adaptar-se ao meio ambiente” (BRASIL, 2001).
A promoção da saúde, é um conceito amplo e abrangente que se diferencia com
uma tênue linha divisória do conceito de prevenção de doenças. A promoção da saúde
procura identificar e enfrentar os macro-determinantes do processo saúde - doença, no
qual insere-se a promoção da alimentação saudável, e busca transformá-los
favoravelmente no sentido da saúde. Já a prevenção de doenças busca que os
indivíduos não sejam acometidos por estas, contudo como saúde não pode ser resumida
apenas à ausência de doenças, pessoas potencialmente em risco de desenvolver uma
determinada doença, como as crônico não transmissíveis, por exemplo, poderiam
investir em melhorar sua capacidade funcional, ampliar suas sensações de bem estar e
desenvolvimento individual (e coletivo) na perspectiva ampliada da promoção antes da
prevenção. Para a prevenção, evitar a doença é um fim em si mesmo enquanto que
para a promoção o objetivo contínuo e permanente é alcançar um adequado nível de
vida, em toda a sua complexidade (CZERESNIA, 2003).
No âmbito deste conceito, promover a saúde é atuar para modificar os
determinantes do processo saúde / doença da população e da comunidade. Isto
significa o compromisso de: (1) melhorar as condições sócio-econômicas dos
segmentos populacionais mais carentes; (2) promover a mobilização da comunidade
para a construção de um projeto de vida saudável no qual a (3) convivência com o
meio ambiente seja integrada, harmoniosa e sustentável e (4) responsabilizar os
gestores em saúde e de outros setores para com a saúde da população. Estas diretrizes
apontam a necessidade de elaboração de políticas públicas saudáveis; a criação de
meio ambientes que protejam a saúde; o fortalecimento de ações comunitárias; o
desenvolvimento de habilidades pessoais; e a reorientação do modelo de atenção e
conseqüentemente dos serviços de saúde. É, enfim, uma maneira de pensar e agir em
saúde de forma integrada e multidisciplinar. Com isto o conceito de saúde amplia-se e
torna-se um recurso fundamental para o desenvolvimento social, econômico e subjetivo,
saindo do lugar de objetivo para o de recurso para a vida cotidiana (BRASIL, 2001).
No Brasil, o Ministério da Saúde vem trabalhando em vários espaços de discussão
com outros ministérios, demais níveis de gestão do sistema de saúde e instituições de
ensino e pesquisa, o processo para a construção de uma Política Nacional de Promoção

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da Saúde, a qual tem a alimentação e nutrição como uma das linhas de cuidado a ser
abordado na perspectiva de modos de viver mais saudáveis.
Nesse sentido, a promoção da saúde apresenta-se como um caminho para o
fortalecimento e a implantação de uma política transversal, integrada e intersetorial, que
fomente o dialogo do setor saúde com os outros setores do governo e da sociedade,
compondo assim redes de co-responsabilidade quanto à qualidade de vida da população
em que todos sejam partícipes no cuidado com a vida.

Na atualidade, que dados subsidiam e determinam o papel a ser


desempenhado pelas políticas publicas em relação à alimentação e nutrição?

As distribuições das principais causas de mortalidade e morbidade têm mudado


profundamente nos países desenvolvidos e em muitos países em desenvolvimento se
observa uma tendência similar. Em nível mundial tem aumentado rapidamente a carga
de doenças não transmissíveis. Em 2001, estas foram as causas de 60% dos casos em
56 milhões de disfunções anuais e de 47% de carga mundial de mortalidade.
Considerando e o crescimento previsto desta carga, a prevenção das doenças não
transmissíveis, constitui-se num desafio muito importante para saúde pública mundial
(WHO,2000;2003)
A alimentação pouco saudável e a falta de atividade física são pois, as principais
causas das doenças crônico não transmissíveis mais importantes, como as
cardiovasculares, a diabetes tipo 2 e determinados tipos de câncer, e contribuem
substancialmente para a carga mundial de morbidade, mortalidade e
incapacidade.(WHO,2000).Neste caso a obesidade merece destaque por ser
simultaneamente uma doença e um fator de risco para outras DCNT.
Com já referido anteriormente, no Brasil, nas últimas décadas, fenômeno
semelhante vem sendo observado com modificações no padrão demográfico e no perfil
de doenças e mortalidade da população (transição nutricional e epidemiológica),
caracterizados pela alta morbidade e mortalidade por DCNT em detrimento de doenças
infecciosas e parasitárias.
De acordo com os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2002/2003,
pôde-se observar um aumento na prevalência de excesso de peso importante, cujos
valores atuais chegam a 40,6% dos adultos com excesso de peso e 11,1% (sendo 8,9%
em homens e 13,1% em mulheres) com obesidade. Apesar de ocorrer em todas as
regiões do país e nos diferentes extratos sócio-econômicos da população, o número de
casos de obesidade são proporcionalmente mais elevados nas famílias de baixa renda.
Dados do Ministério da Saúde, revelam que no Setor Saúde, as DCNT respondem pela
maior parcela dos óbitos no país e despesas com assistência hospitalar no SUS,
totalizando cerca de 70% dos gastos com atenção à saúde em 2002.
Em relação ao consumo alimentar, dados nacionais recentes atestam
modificações importantes. Estas considerações sobre a disponibilidade domiciliar de

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alimentos adquiridos pelas famílias brasileiras confirmam o aumento da participação na
alimentação de gorduras em geral, gorduras de origem animal e açúcar e diminuição
com relação a cereais, leguminosas e frutas, verduras e legumes. Associadas ao
sedentarismo, essas tendências podem explicar as taxas de prevalência de excesso de
peso e da obesidade entre adultos. Além disso, ressalta-se o aumento da participação
de alimentos industrializados e o fato que quase um quarto (24%) da despesa média
mensal familiar com alimentação destina-se a refeições fora de casa (BRASIL,2004).
Essas evidências também comprovam que a insegurança alimentar e nutricional no
Brasil tem duas faces: àquela associada à negação do direito humano à alimentação
adequada e àquela resultante da alimentação inadequada, que não confere à população
uma alimentação saudável. Pessoas com excesso de peso ou obesidade são pessoas
expostas ao consumo inadequado de alimentos; entre os mais pobres, alimentos com
alta densidade energética têm substituído alimentos tradicionais mais saudáveis (como o
tradicional feijão com arroz): exemplo claro é o consumo elevado de alimentos com
excesso de açúcar como refrigerantes e alimentos com alto teor de sal e gordura como
salgadinhos, fast foods e outros alimentos industrializados de preparo – rápido.
Em um país como o Brasil, onde a desigualdade social e regional é imensa, a
garantia da segurança alimentar e nutricional pressupõe a necessidade de um modelo
de atenção à saúde, no âmbito do SUS, que integre as duas faces da insegurança
alimentar e nutricional da população: a desnutrição e outras carências nutricionais de
um lado, e do outro, o sobrepeso/obesidade e as doenças crônicas não transmissíveis
associadas.

Gestão de competências: responsabilidades compartilhadas para a


garantia da alimentação saudável.
Enquanto instrumento político de respaldo à implementação das abordagens
apresentadas, o Brasil dispõe de um documento legal que é a Política Nacional de
Alimentação e Nutrição.
A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (BRASIL,1999) propõe uma
estratégia de inserção das praticas alimentares como componente da Política Nacional
de Saúde, e se integrando também na perspectiva de políticas públicas que requerem
ações intersetoriais para a promoção da saúde.
Esta Política homologada em 1999 foi elaborada na perspectiva de contribuir
concretamente com o conjunto de políticas de governo voltadas à concretização do
direito humano universal à alimentação e nutrição adequadas e à garantia da Segurança
Alimentar e Nutricional de nossa população, assumindo-os junto com a
intersetorialidade enquanto fundamentos.
A PNAN tem como propósito a promoção de práticas alimentares saudáveis e a
prevenção e o controle dos distúrbios nutricionais, a garantia da qualidade dos
alimentos colocados para consumo no País, bem como o estímulo às ações intersetoriais
que propiciem o acesso universal aos alimentos.

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Para o alcance deste propósito foram definidas como diretrizes: o estímulo às
ações intersetoriais com vistas ao acesso universal aos alimentos; a garantia da
segurança e da qualidade dos alimentos e da prestação de serviços neste contexto; o
monitoramento da situação alimentar e nutricional; a promoção de práticas alimentares
e estilos de vida saudáveis; a prevenção e controle dos distúrbios nutricionais e de
doenças associadas à alimentação e nutrição; a promoção do desenvolvimento de linhas
de investigação; e o desenvolvimento e capacitação de recursos humanos.
O conceito de alimentação saudável permeia todas as diretrizes e ações proposta
na PNAN. Entende-se que seu desafio principal é exatamente a garantia de acesso de
todos os brasileiros a uma alimentação saudável enquanto direito humano e medida de
promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional.
A promoção de uma alimentação saudável, de um modo geral, deve prever um
escopo amplo de ações que apóiem as pessoas em todas as fases do curso da vida,
desde o início da formação do hábito alimentar, isto é, do nascimento a velhice. É
importante favorecer o deslocamento do consumo de alimentos pouco saudáveis para
alimentos mais saudáveis, respeitando as identidades sócio antropológicas e culturais da
alimentação dos grupos sociais.

Análises e considerações finais:


A promoção da saúde pressupõe, investimentos consistentes em educação e
informação. O elemento diferenciador, no entanto, diz respeito ao pressuposto de que
as ações em educação e informação atingem seus objetivos quando sustentadas por um
ambiente social onde as políticas públicas e as ações de regulamentação promovem e
apóiam a escolha saudável dos indivíduos e coletividades. Portanto, a promoção da
saúde exige a ação intersetorial, na qual o setor sanitário e seus profissionais atuem
como publicizadores do fato de que as políticas formuladas pelos demais setores da
sociedade têm conseqüências para a saúde da população. Por isso, só uma ação
integrada e intersetorial responderá, na sua totalidade, à demanda pela melhoria da
qualidade de vida (BRASIL, 2001).
Neste enfoque, uma maneira a viabilizar o pressuposto da promoção da alimentação
saudável, é ampliar e promover a autonomia decisória dos sujeitos através do acesso a
informação para a escolha e adoção de praticas (de vida) alimentares saudáveis , e
neste caso , o setor público tem a responsabilidade de, através de políticas publicas,
fomentar mudanças sócio – ambientais, em nível coletivo de maneira a favorecer e dar
sustentabilidade às escolhas saudáveis no nível individual.
As evidências apresentadas quanto ao padrão alimentar atual da população tem
ocorrido em todos grupos econômicos estudados e trouxe mais problemas do que
benefícios para a nossa população. Na atual perspectiva, globalizada e neoliberal, faz –
se estratégico o resgate e a valorização da nossa cultura alimentar, o incentivo à
produção e ao consumo de alimentos mais saudáveis, de preferência minimamente
processados e culturalmente referenciados (cereais, leguminosas, frutas verduras e
legumes). O fomento à formação de hábitos alimentares saudáveis, deve ser explicitado

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em políticas publicas de todos os setores que tem interface com esta questão como
agricultura, desenvolvimento agrário e educação. Esta perspectiva pode representar a
tomada de decisão do Estado no sentido de conquista da SAN e da soberania alimentar
e para tal precisa de ações concretas com recursos orçamentários e financeiros que
garantam sua implementação.
O atual cenário epidemiológico e nutricional demanda às políticas públicas
(especialmente de promoção da saúde e de segurança alimentar e nutricional) o desafio
de conciliar essas duas faces da insegurança alimentar e nutricional. Isso implica na
responsabilidade do Estado, e da sociedade como um todo, de fomentar ambientes
saudáveis, promovendo a alimentação saudável e a atividade física – elementos
indissociáveis para a manutenção da saúde, e, portanto, de modos de vida saudáveis
em todas as fases do curso da vida. O acesso a uma alimentação saudável deve ser
promovido também no âmbito de programas de transferência de renda (Programa
Bolsa Família, por exemplo), associando, aos recursos transferidos para as famílias,
ações de saúde e de educação nutricional de tal forma a conciliar acesso a alimentos e a
informações que possibilitem às famílias a escolha e aquisição de alimentos mais
saudáveis - direito que lhes assiste enquanto seres humanos.
No setor saúde, onde reside o “modus operandi” da PNAN, se analisarmos o relatório
da XII Conferência Nacional de Saúde (BRASIL,2003) e do Plano Nacional de Saúde
(BRASIL, 2004) que são instrumentos recentes e chaves do processo político de formação
da agenda do setor saúde, alguns aspectos são evidenciados. A Conferência, legitimada
no SUS, reflete as demandas da sociedade exercendo um papel de pressão perante o
Estado para a formulação de programas, projetos e políticas. Ambos documentos
aprovados pelo Conselho Nacional de Saúde trazem as questões de alimentação e
nutrição de forma fragmentada e pontual, revelando uma desarticulação e pouca força
política desta discussão na sociedade civil e junto aos profissionais de saúde. No
relatório da XII CNS (BRASIL, 2003) as questões temáticas elencadas são de caráter
assistencialista como a “distribuição de multimistura nos postos de saúde da atenção
básica” ; .. e a “reedição do programa do leite...”. Na parte de educação em saúde foi
destacada ainda, a necessidade da inclusão do tema alimentação saudável nos
currículos do ensino básico.
Também é nítida a confusão que existe entre o conceito segurança alimentar e
nutricional e alimentação e nutrição, pois em várias citações estes são considerados
como sinônimos e com objetivos semelhantes que se sobrepõem (BRASIL,2003). O Plano
Nacional de Saúde (BRASIL, 2004) reconhece as ações de alimentação e nutrição
vinculadas ao combate à fome, enquanto apoio ao Programa Fome Zero, contudo não a
referencia como uma pratica de promoção e atenção à saúde no cotidiano dos serviços
de saúde do SUS. As ações ainda referidas são as relacionadas à assistência junto ao
pré-natal e crescimento e desenvolvimento de crianças com a suplementação
medicamentosa de micronutrientes como ferro e Vitamina A.
O papel do setor saúde precisa ser mais bem esclarecido frente às demandas da
temática Segurança Alimentar e nutricional . Mesmo os profissionais de saúde precisam

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ter uma compreensão mais qualificada da proposta pois cada setor precisa assumir seu
papel neste campo de atuação. A SAN não pode ficar restrita a uma política de governo
porque precisa ter mecanismos institucionais que garantam a articulação necessária a
sua instituição de maneira permanente como política publica , de Estado brasileiro.
Se entendermos o conceito de promoção da saúde, que assume a alimentação
saudável como um dos fatores determinantes da saúde, e a saúde enquanto um
conceito positivo, determinado pela interação de fatores diversos, como sociais,
culturais, ecológicos, psicológicos, econômicos e religiosos, fica claro as similaridades
entre os conceitos analisados : promoção da saúde e segurança alimentar e nutricional.
A alimentação saudável, aproxima o diálogo entre os dois conceitos pois além de ser o
objeto principal da Segurança Alimentar e Nutricional compõe-se com uma das ações
estratégicas da promoção da saúde. Nesta análise, os fatores determinantes da saúde
também vão influenciar na condição de segurança alimentar e nutricional dos indivíduos
e grupos sociais. E assim, este conceito abrangente de saúde, que se apóia nos recursos
sociais e coletivos, e não somente na capacidade física ou condição biológica dos
sujeitos, individualmente, se concretiza mediante a garantia da segurança alimentar e
nutricional.
Se a intersetorialidade, é um componente estratégico para tornar possível a
promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional,a alimentação
saudável é uma “zona de intersecção” oportuna para aproximar e subsidiar este
diálogo. A PNAN tem ações e diretrizes, legitimas e consistentes, que podem,
efetivamente, impulsionar a inclusão das abordagens aqui debatidas nas políticas
publicas setoriais, na perspectiva da construção de um modelo adequado de
desenvolvimento humano e social (e não só econômico) para a nação brasileira.
Do ponto de vista político, estudiosos em análises sobre a gestão do atual
governo federal (2003 – 2006), fazem algumas críticas frente ao modelo de
desenvolvimento adotado o qual têm sacrificado políticas sociais importantes em
detrimento da “estabilidade do mercado” e economia nacional. De acordo com o
sociólogo Chico de Oliveira (2005) “a política brasileira foi colonizada pela economia”.
Na tentativa de “descolonizar” a pauta política, a adoção e a efetivação de mecanismos
institucionais (com destinação orçamentária condizente a priorização do tema) que
garantam a inclusão permanente da SAN na agenda publica pode tornar-se um
proveitoso caminho para que este governo, historicamente comprometido com as
causas sociais, estimule a implementação de ações aliada à retomada do debate de
cunho político junto aos movimentos populares e sociedade civil como um todo no
Brasil.
O compromisso de construção de um projeto de nação que vise desenvolvimento
social (com ênfase na garantia da equidade e diminuição das desigualdades sociais)
deve ser resgatado, no plano das políticas publicas. Para este enfrentamento é preciso
coragem de dizer não as estratégias neoliberais e fazer opções que, a médio e longo
prazo, resgatem a soberania nacional, e assim promovam e sustentem, em nível
permanente, condições de vida e saúde adequadas para a população brasileira.

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Referências Bibliográficas:

1. .Valente, Flavio Luis S.. Direitos humanos e a promoção da alimentação e


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