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EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL Prof.

José Aroldo Filho


goncalvesfilho@nutmed.com.br

INTRODUÇÃO também, a tarefa de esclarecer a população sobre os


direitos de cidadania.
A história da educação alimentar e nutricional no Brasil e o
seu estreito vínculo com as políticas de alimentação e Lima et al. (2003) destacam que tal ênfase se projetou nos
nutrição em vigência têm sido abordados por diferentes Congressos Nacionais de Nutrição de 1987 e de 1989, nos
autores. quais o predomínio da discussão política parece ter
esvaziado a discussão da educação nutricional que não
De 1940 a 1960, a educação alimentar e nutricional esteve apareceu no temários desses congressos. Apenas no
vinculada às campanhas de introdução de novos alimentos congresso realizado em 1996 a temática da educação
e às práticas educativas que se tornaram um dos pilares nutricional retorna ao cenário, dessa feita enfatizando a
das políticas de alimentação e nutrição do período. Lima questão do sujeito, a democratização do saber, a cultura, a
(2000) ressalta que esse momento da educação alimentar ética e a cidadania.
e nutricional se fundamentou no mito da ignorância, fator
considerado como determinante da fome e da desnutrição Essa perspectiva resultou em parte das discussões sobre
na população de baixa renda, o grupo destinatário dessas segurança alimentar que integraram o cenário
ações educativas. Assim, o desenvolvimento de internacional e nacional nos anos 1990, concebendo a
instrumentos adequados, que ensinassem o pobre a alimentação como um direito humano. As concepções de
comer, a fim de corrigir hábitos errôneos nessas segurança alimentar têm sido muito mais abrangentes do
populações foi uma prioridade que caracterizava uma que as ações de combate à fome e à desnutrição, como
concepção de educação centrada na mudança do também têm impactado a formulação das políticas públicas
comportamento alimentar. em alimentação e nutrição no país.

A partir de meados de 1970, o binômio alimentação- É nesse contexto que também emerge a concepção da
educação prevalecente começou a ceder espaço para o promoção das práticas alimentares saudáveis, na qual a
binômio alimentação-renda, resultado dos alimentação tem sido colocada como uma das estratégias
redirecionamentos das políticas de alimentação e nutrição para a promoção da saúde. Não parece haver dúvidas
traçadas no país, as quais, a partir de então, se pautavam sobre a importância da educação alimentar e nutricional na
no reconhecimento da renda como principal obstáculo para promoção de práticas alimentares saudáveis. No entanto,
se obter uma alimentação saudável. Como decorrência, as reflexões sobre suas possibilidades e limites, como
intensas críticas foram feitas à educação alimentar e também o modo como ela é concebida, ainda são
nutricional que vinha sendo desenvolvida, avaliada como escassas.
meio de ensinar ao pobre a comer alimentos de baixo valor
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nutricional . Assim, as estratégias de suplementação O presente artigo faz uma reflexão sobre tais aspectos.
alimentar passaram a ser o eixo norteador das políticas. Para tanto, parte da discussão dos aspectos referentes às
atividades educativas contidas nos documentos da Política
Importante contribuição para a discussão sobre novas Nacional de Alimentação e Nutrição, instituída em 1999.
perspectivas da educação alimentar e nutricional se Esse documento é considerado uma importante expressão
consolidou em meados de 1980, com a educação política do conceito de segurança alimentar produzido a
nutricional crítica. Tal concepção identificava haver uma partir da I Conferência Nacional de Alimentação e
incapacidade da educação alimentar e nutricional em, de Nutrição, em 1986, e consolidado na I Conferência
forma isolada, promover alterações em práticas Nacional de Segurança Alimentar, em 1994. Os
alimentares. A educação nutricional crítica baseava-se nos argumentos do artigo consideram também alguns aspectos
princípios da pedagogia crítica dos conteúdos, de da política vigente, orientada pelo Programa Fome Zero, e
orientação marxista, considerando que a educação o relatório produzido pela II Conferência Nacional de
nutricional não é neutra, como também não pode seguir Segurança Alimentar e Nutricional ocorrida em março de
uma metodologia prefixada. Nessa perspectiva, essa 2004, apontada como central na construção da política de
vertente da educação nutricional pressupunha assumir o segurança alimentar e nutricional para o país.
compromisso político de colocar nossa produção técnica e
científica a serviço do fortalecimento das classes A EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO
populares em sua luta contra a exploração que gera a CONTEXTO DA PROMOÇÃO DAS PRÁTICAS
fome e a desnutrição. ALIMENTARES SAUDÁVEIS

Vale ressaltar que a educação nutricional crítica A difusão da noção de promoção das práticas alimentares
influenciou os conteúdos da disciplina educação saudáveis pode ser observada nas mais diversas ações
nutricional, integrante dos currículos para formação de políticas e estratégias relacionadas com alimentação e
nutricionistas, fortalecendo a discussão sobre a nutrição. Pode-se afirmar que essa noção é resultante do
determinação social da fome e da desnutrição e a relação cruzamento entre o conceito de promoção da segurança
desses fenômenos com o modelo de organização alimentar e o da promoção da saúde.
capitalista, em detrimento do enfoque biológico e técnico,
como também dos métodos e técnicas educativas. Como
consequência, passa-se a discutir a fome e não apenas a O papel da promoção da saúde cresce em sua importância
desnutrição, e a educação alimentar passa a contemplar como uma estratégia fundamental para o enfrentamento
não somente as práticas alimentares, pressupondo, dos problemas do processo saúde-doença-cuidado e da
sua determinação. A direção, nesse caso, é o

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fortalecimento do caráter promocional e preventivo, de 1990. A PNAN pressupõe contrapor o modelo de
contemplando o diagnóstico e a detecção precoce das atenção prevalecente no campo da alimentação e nutrição
doenças crônico-degenerativas e aumentando a a partir de 1970, marcado por uma intervenção centrada
complexidade do primeiro nível de atenção, elementos que no assistencialismo, voltada para os trabalhadores e para
ainda são considerados como desafios para o sistema de os chamados grupos de risco.
saúde.
O propósito da PNAN é "a garantia da qualidade dos
Dessa forma, Buss (1999) assinala a (re)construção do alimentos colocados para consumo no País, a promoção
conceito de promoção da saúde a partir de meados de das práticas alimentares saudáveis e a prevenção dos
1970, destacando a importância das conferências distúrbios nutricionais, bem como o estímulo às ações
internacionais sobre promoção da saúde. Para o autor, a intersetoriais que propiciem o acesso universal aos
promoção da saúde representa uma reação à acentuada alimentos". A perspectiva da promoção da saúde se
medicalização da vida social, que tem tido um baixo apresenta e é apontada como uma das diretrizes da
impacto sobre as condições de vida. Promoção da saúde política: "promoção das práticas alimentares e estilos de
não é mais interpretada como apenas uma caracterização vida saudáveis", cuja ênfase está na "socialização do
de um nível de atenção da medicina preventiva (o modelo conhecimento sobre alimentos e o processo de
da promoção, prevenção e recuperação da saúde alimentação bem como acerca da prevenção dos
construído por Leavel & Clark, em 1965). Trata-se de um problemas nutricionais, desde a desnutrição - incluindo as
enfoque político e técnico em torno do processo saúde- carências específicas - até a obesidade".
doença-cuidado.
O texto ainda afirma que a diretriz acima indicada deve
Existem múltiplas conceituações de promoção da saúde, estar integrada às medidas decorrentes das demais
dentre as quais Buss ressalta dois grandes grupos; no diretrizes definidas. Isso indica uma valoração dessa
primeiro, a promoção da saúde "consiste nas atividades estratégia que perpassa por todas as esferas dessa
dirigidas centralmente à transformação dos política. Percebe-se que essa perspectiva se situa dentro
comportamentos dos indivíduos, focando os seus estilos de uma concepção ampliada de promoção à saúde,
de vida e localizando-os no seio das famílias e, no conforme apontado na Carta de Ottawa.
máximo, no ambiente das 'culturas' da comunidade em que
se encontram". Essa concepção, segundo o autor, tende a Observa-se também na PNAN que há uma maior
se centrar nos componentes educativos. abrangência no enfoque dos problemas nutricionais,
passando a considerar a obesidade como alvo das
Uma segunda concepção, e mais moderna, da promoção políticas, ao lado do combate à fome e à desnutrição. Isso
da saúde é caracterizada pela "constatação de que a corresponde ao quadro alimentar-nutricional vigente,
saúde é produto de um amplo espectro de fatores caracterizado por uma expressiva redução da desnutrição
relacionados com a qualidade de vida, incluindo um energético-protéica, concomitante a um aumento do
padrão adequado de alimentação e nutrição, de habitação sobrepeso e obesidade em todas as classes sociais.
e saneamento, boas condições de trabalho e renda,
oportunidades de educação ao longo de toda a vida dos A PNAN, para alcance de seus propósitos, destaca que
indivíduos e das comunidades (empowerment)". atenção especial deve ser dada ao "desenvolvimento do
processo educativo permanente acerca das questões
A promoção da saúde é definida pela Carta de Ottawa atinentes à alimentação e à nutrição, bem como à
dentro dessa última concepção como "o processo de promoção de campanhas de comunicação social
capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua sistemáticas". No entanto, o documento não delimita
qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior claramente uma concepção de educação alimentar e
participação no controle deste processo". A elaboração e nutricional no que se refere aos seus limites e
implementação de políticas públicas saudáveis, a criação possibilidades, como também não indica diretrizes para a
de ambientes favoráveis à saúde, o reforço da ação sua prática. Todavia, mais adiante, o referido documento
comunitária, o desenvolvimento de habilidades pessoais e alude que a educação alimentar e nutricional contém
a reorientação do sistema de saúde são os cinco principais "elementos complexos e até conflituosos", preconizando
campos de ações definidos na Carta de Ottawa. que "deverão ser buscados consensos sobre conteúdos,
métodos e técnicas do processo educativo, considerando
A partir do final dos anos 1990, o termo "promoção de os diferentes espaços geográficos, econômicos e
práticas alimentares saudáveis" começa a marcar culturais". Pode-se argumentar, dessa forma, que a lacuna
presença nos documentos oficiais brasileiros. Aliada à antes registrada reflete a tensão que persiste em torno dos
promoção de estilos de vida saudáveis, a promoção de objetivos e da prática da educação alimentar e nutricional,
práticas alimentares saudáveis se constitui uma estratégia ainda que sua relevância seja reconhecida no contexto da
de vital importância para o enfrentamento dos problemas promoção de práticas alimentares saudáveis.
alimentares e nutricionais do contexto atual. Segundo as
Nações Unidas, promover exige que o Estado implemente Pode-se afirmar que, em relação às propostas educativas
políticas, programas e ações que possibilitem a da PNAN quanto à promoção das práticas alimentares
progressiva realização do direito à alimentação, definindo, saudáveis, o foco central esteja na disseminação de
com isso, metas, recursos e indicadores para esse fim. informações, valorizando a importância dos meios de
Embora os documentos não deixem claro o que seria o comunicação nesse processo, seja estimulando a
seu conceito, a perspectiva apontada pelas Nações Unidas produção de campanhas educativas, seja controlando as
é que parece nortear as políticas no campo. informações - como também o marketing - referentes à
alimentação e aos alimentos.
A instituição da Política Nacional de Alimentação e
Nutrição (PNAN) pode ser considerada como uma das O fortalecimento do campo da informação e da
expressões que oficializam a busca de uma nova direção comunicação em alimentação e nutrição se faz necessário.
das políticas de alimentação e nutrição no final da década No entanto, o seu fortalecimento parece ofuscar do cenário
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da formulação das políticas a discussão dos "aspectos Estratégias como as campanhas, elaboração de material
complexos", "conflituosos" e até "conflitantes" da educação educativo e instrucional são enfatizadas.
alimentar e nutricional a que o documento se refere.
A proposta do Programa Fome Zero (PFZ), elaborado pelo
No que tange à capacitação do profissional previsto na Instituto da Cidadania, em 2001, corrobora as proposições
PNAN, a centralidade parece estar no seu papel como da promoção de práticas alimentares saudáveis da PNAN.
disseminador de informações, em detrimento do seu papel O documento contempla a importância da educação
como educador. Perpassa a idéia de que ampliando o alimentar na prevenção tanto da desnutrição como da
acervo de informações dos profissionais de saúde, em obesidade, ressaltando que a mesma "é, geralmente,
todos os níveis, por meio das capacitações, se tornaria negligenciada como política alimentar devido à priorização
possível o seu repasse para os grupos populacionais e do ataque à causa principal da fome - a renda".
indivíduos. Não se faz alusão à importância da
capacitação em educação, em abordagens educativas No âmbito do Fome Zero, propõe-se "uma posição ativa do
apropriadas, apenas em conteúdos técnicos de poder público no estabelecimento de campanhas
alimentação e nutrição. publicitárias e palestras sobre educação alimentar e
educação para o consumo, devendo esse aspecto da
Vale lembrar que, dentro da discussão sobre promoção da educação ser um dever do Estado, incluido como
saúde, também há conflitos sobre o lugar da educação em obrigatório no currículo escolar de primeiro grau". Também
saúde. Buss (1999) traz em sua discussão sobre ao poder público cabe a responsabilidade pelo zelo das
promoção da saúde uma definição de educação em saúde informações sobre alimentação saudável ao público, desde
elaborada por Tones & Tilford, em 1994, que a entende a própria produção da informção até sua distribuição e o
como: "qualquer atividade, relacionada com aprendizagem, controle, como também a formação e capacitação de
desenhada para alcançar saúde". Considera, então, que a recursos humanos.
educação em saúde é uma parte estratégica de promoção
da saúde global. O PFZ reforça o papel do Estado na questão educacional
e na estratégia das campanhas e do controle das
No entanto, não parece haver consenso sobre tal informações, além da atuação na normatização da
compreensão da educação em saúde. Schall & comercialização dos alimentos, explicitando a busca de um
Streechiner entendem que a educação em saúde é um maior comprometimento ético da publicidade e da
campo multifacetado cujo conceito se sobrepõe ao de propaganda. Contudo, traz um conceito novo, além de
promoção da saúde. Para eles, a educação em saúde utilizar o termo educação alimentar no lugar de educação
inclui alimentar e nutricional: a educação para o consumo,
conceito que emerge das discussões sobre o direito do
[...] políticas públicas, ambientes apropriados e consumidor. Trata-se de uma das políticas específicas que
reorientação dos serviços de saúde para além dos prevê "uma série de ações que buscam informar e orientar
tratamentos clínicos e curativos, assim como propostas a população em geral via os meios de comunicação,
pedagógicas libertadoras, comprometidas com o escolas, empresas e na família para que o brasileiro passe
desenvolvimento da solidariedade e da cidadania, a ter mais consciência na hora de escolher o que levar à
orientando-se para ações cuja essência está na melhoria mesa".
da qualidade de vida e na promoção do homem.
Até o presente momento, o PFZ em vigência está ainda
Já Candeias (1997) compreende haver uma distinção mais voltado para os programas emergenciais, cujas
entre promoção da saúde e educação em saúde. atividades educativas estão também previstas como
Considera a primeira como "combinação de apoios suporte das ações. Por exemplo, o Programa Bolsa
educacionais e ambientais que visa atingir ações e Alimentação, cujos processos de gestão e execução foram
condições de vida conducentes à saúde"; enquanto a unificados dentro do Programa Bolsa Família, objetivava
segunda seria "quaisquer combinações de experiências de aprimorar as ações de combate às carências nutricionais e
aprendizagem delineadas com vistas a facilitar ações contribuir para redução da alta prevalência de desnutrição
voluntárias conducentes à saúde". Desse modo, de forma e mortalidade infantil em todo o território nacional. O
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similar à compreensão de Buss supracitada, a educação programa também concebia as atividades educativas em
em saúde é considerada uma fração das atividades saúde e nutrição dentro da agenda de compromissos a
técnicas voltadas para a saúde, sendo considerada mais serem estabelecidos com os beneficiários. No entanto, a
uma atividade-meio. concepção dessas ações educativas e a forma como elas
se dão na prática cotidiana demandam estudos.
Na PNAN parece que os conceitos de promoção de
práticas alimentares saudáveis e educação alimentar e O governo atual prevê a construção participativa de uma
nutricional estão mais próximos da superposição dos Politica Nacional de Segurança Alimentar, o que culminou
mesmos. Há um paradoxo: ao mesmo tempo que a na II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e
educação alimentar e nutricional é valorizada, ela se dilui Nutricional (CNSAN), ocorrida em março 2004. A II
no conjunto de propostas na medida em que não estão CNSAN apontou que "tanto a desnutrição como a
estabelecidas claramente as bases teórico-conceituais e obesidade são expressões de insegurança alimentar e que
operacionais que a fundamentam. as agendas de combate à pobreza e à fome e promoção
da alimentação saudável devem ser articuladas e
implementadas em conjunto". O reconhecimento da
Todavia, pode-se perceber que, em termos de abordagens necessidade de trabalhar concomitantemente essas duas
educacionais, a lógica da transmissão se faz presente. A perspectivas fundamenta-se no fato de as mesmas não
perspectiva educacional se limita a subsidiar os indivíduos serem excludentes, considerando ainda que, cada vez
com informações, utilizando ao máximo os recursos mais, esses problemas atingem as famílias.
tecnológicos da comunicação como um mecanismo que
facilita o acesso e a democratização da informação.

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O relatório final da II CNSAN traz no seu bojo avanços na pela OMS, sob a forma de um documento preliminar, e
consolidação de políticas de promoção da segurança prevê o estímulo a práticas alimentares saudáveis aliadas
alimentar no Brasil. Chamam a atenção as questões à prática de atividade física, juntamente ao controle do
institucionais que prevêem a criação imediata da Lei tabaco, como estratégias efetivas para reduzir
Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), que substancialmente as doenças e as mortes no mundo.
deverá estabelecer os princípios, a estrutura e a gestão do
Sistema Nacional de SAN. Esse sistema, por sua vez, A proposta objetiva assegurar o fornecimento de
procurará garantir a regulamentação das políticas de SAN informações corretas para permitir a facilitação de
como uma política pública integral com orçamento próprio, decisões por escolhas saudáveis e assegurar programas
contemplando ainda uma gestão participativa. Tal adequados de educação e promoção de saúde. Essa
proposição pode representar um avanço na articulação adequação se refere a informações apropriadas em termos
das políticas dentro do âmbito oficial. de escolaridade e cultura local, como também implica levar
em conta as possibilidades de comunicação das
O relatório contempla propostas relacionadas às "ações de comunidades. Para tanto, refere ainda o documento, os
promoção de modos de vida e alimentação saudável no governos devem selecionar políticas e programas que
qual a educação alimentar e nutricional se apresenta: estejam de acordo com as necessidades nacionais e com
"promover ações educativas e de difusão de informação o perfil epidemiológico, incluindo as áreas de: educação,
com apoio dos meios de comunicação e campanhas comunicação e conhecimento público; marketing,
publicitárias na perspectiva de orientar a população quanto propaganda, patrocínio e promoção; rotulagem e
ao uso integral dos alimentos; ao resgate e incentivo ao declaração de propriedades relacionadas à saúde.
consumo regionais brasileiros de alto valor nutritivo, […]; à
importância da educação nutricional como forma de Na filosofia dessa estratégia, há um predomínio de ações
prevenção de doenças e deficiências relacionadas à que promovam uma maior informação sobre alimentação e
alimentação e à nutrição - tanto desnutrição quanto as nutrição por meio da elaboração de material educativo,
Doenças Crônicas NãoTransmissíveis (DCNT) como como também uma intervenção através dos meios de
sobrepeso e obesidade -; e à garantia higiênico-sanitária comunicação. Em termos de capacitação dos profissionais
dos alimentos, bem como da sua origem genética e de saúde, centra-se em capacitá-los em temas de
procedência". alimentação e nutrição. O profissional também é visto
como um disseminador de informações, dividindo o seu
Engloba também a inserção nos projetos político- papel com outros agentes do discurso da alimentação e
pedagógicos e nos currículos de Graduação e Pós- nutrição, deixando à margem o potencial educativo das
Graduação de temas sobre SAN, como, por exemplo, práticas de saúde. Reforça-se, dessa forma, a lógica da
direito humano à alimentação, alimentação e cultura, educação baseada na transmissão, centrada nos
hábitos alimentares saudáveis, direito do consumidor, ética conteúdos, e construindo mensagens coerentes e
e cidadania, aleitamento materno, agroecologia, economia apropriadas.
familiar, associativismo, práticas agrícolas e de aquicultura
e pesca, reaproveitamento de alimentos, entre outros. O PAPEL DA EDUCAÇÃO ALIMENTAR E
NUTRICIONAL
As proposições apresentadas no relatório referendam as
propostas já apontadas nos documentos anteriores. No Diferentes estudos têm apontado o histórico vínculo da
entanto, destaca-se a criação de um Programa Nacional educação alimentar e nutricional com o contexto político e
de Alimentação Saudável, assim como o apoio à social, particularmente com o das políticas de alimentação
Estratégia Global para a Promoção da Alimentação e nutrição. Tais políticas redefinem constantemente as
Saudável, Atividade Física e Saúde da Organização prioridades em relação aos problemas nutricionais, as
Mundial da Saúde (OMS), na perspectiva da elaboração interpretações das suas principais causas, como também a
de uma estratégia brasileira, aprovando a moção que população-alvo a ser trabalhada. Como conseqüência, a
solicita que o governo brasileiro vote a favor da Estratégia. importância estratégica da educação alimentar e
nutricional no bojo dessas políticas também sofre
A Estratégia Global para a Promoção da Alimentação interferências, redefinindo, por sua vez, seus objetivos, e
Saudável, Atividade Física e Saúde foi lançada em 2003 as abordagens educacionais prioritárias.

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No atual contexto, em que a promoção das práticas direito ao acesso à informação. Sendo assim, caberia
alimentares saudáveis prevalece, a educação alimentar e questionar qual seria o lugar do profissional de saúde, em
nutricional também está sendo um reflexo das políticas. particular do nutricionista, nesse contexto. As habilidades e
Analisando os documentos apresentados, identificou-se a competências requeridas são mais de comunicadores do
existência de um suposto paradoxo: ao mesmo tempo em que de educadores, cujas bases teórico-científicas
que é apontada sua importância estratégica, o seu espaço guardam particularidades próprias em cada campo. Os
não se apresenta claramente definido. A educação profissionais são vistos como veiculadores de informações,
alimentar e nutricional está em todos os lugares e, ao mais do que como sujeitos das ações educativas na
mesmo tempo, não está em lugar nenhum. Está sendo promoção das práticas alimentares saudáveis. A
pouco citada nos documentos oficiais e a PNAN a centralidade da produção da mensagem sobrepõe a
reconhece como tendo "elementos complexos e até relação dela com o indivíduo e com o profissional
conflituosos" que precisam ser resolvidos. mediador dessa relação, que é, sobretudo, uma relação
dialógica. A relação dialógica, por outro lado, não se pode
O papel da educação alimentar e nutricional está vinculado conceber no momento em que os sujeitos não se
à produção de informações que sirvam como subsídios apresentam no cenário da ação educativa, restando
para auxiliar a tomada de decisões dos indivíduos que apenas a supremacia da mensagem.
outrora foram culpabilizados pela sua ignorância, sendo
posteriormente vítimas da organização social capitalista, e Ressalta-se aqui o crescente papel da comunicação, outra
se tornam agora providos de direitos e são convocados a importante marca do mundo contemporâneo. O seu
ampliar o seu poder de escolha e decisão. principal fundamento é o princípio da publicização, do
tornar público, de tornar compartilhado na
Sobre as decisões individuais, as políticas têm buscado a contemporaneidade. No entanto, a comunicação não pode
sua ampliação à medida que se fortalecem as políticas de ser vista como um mero potencializador da comunicação
promoção dos direitos humanos, ocupando um lugar que interpessoal. Na primeira não há um intercâmbio de
elas não tive-ram na história. Se, por um lado, isso mensagens, o diálogo conforme referido. É ainda
representa avanços na direção da alimentação como importante marcar que publicizar informações, dar
direito, por outro, emergem questões que precisam ser visibilidade aos fatos, não é necessariamente educar. São
consideradas. necessários mais elementos do que apenas a informação
para subsidiar os indivíduos nas escolhas e decisões do
que é mais significativo para as suas vidas.
O poder de decisão e de escolha encontra-se no seio da
sociedade contemporânea, pautada no individualismo
baseado na racionalidade. É interessante a discussão O Relatório para a UNESCO, da Comissão Internacional
sobre a construção da auto-identidade no mundo sobre Educação para o século XXI, aponta uma
contemporâneo, em que a primazia do individual se faz preocupação com a relação entre a educação para o
cada vez mais presente e a autonomia é um traço presente século e a circulação e armazenamento de
marcante no mundo ocidental. Nessa perspectiva as informações, e ainda a comunicação, nunca antes tão
decisões vitais estão nas mãos dos indivíduos, disponíveis na história. O relatório aponta que:
alimentados pela hiperinformação, outro marco do mundo
atual. No entanto, Castiel & Vasconcelos-Silva […] cabe à educação simultaneamente encontrar e
(2002) destacam que oferecer informações é uma assinalar as referências que impeçam as pessoas de
condição necessária, porém não suficiente, se levarmos ficarem submergidas nas ondas de informações, mais ou
em consideração as dimensões não racionais e menos efêmeras, que invadem os espaços públicos e
inconscientes que habitam a volição humana. privados e as levem a orientar-se para projetos de
desenvolvimento individuais e coletivos. À educação cabe
Além disso, reforça-se a responsabilização dos indivíduos fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo
no seu processo saúde-doença, reduzindo o seu estado de complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a
saúde a uma questão de decisão individual e de escolhas. bússola que permita navegar através dele.
Corre-se o risco de haver uma reconstrução do mito da
ignorância. As propostas de inclusão dos temas de segurança
alimentar nos projetos pedagógicos escolares, nos
É preciso também avaliar o estatuto do discurso científico diferentes níveis de ensino, podem contribuir para a
na contemporaneidade e a sua legitimidade no seio da instrumentalização dos indivíduos, permitindo aos sujeitos
sociedade moderna. A ciência aposta na sua autoridade e "navegarem" nesse mar de informações. No entanto, é
capacidade de produzir um discurso legítimo, racional, necessário aprofundar o "como" tais "inclusões" se
baseado na sua incontestável verdade. Dessa forma, concretizariam. Seria importante considerá-las dentro das
acredita-se que, democratizando esse discurso, ele poderá discussões político-filosóficas do ensino brasileiro, não
influenciar de forma decisiva na decisão e nas escolhas reduzindo o tema à mera inclusão de conteúdos.
dos sujeitos. É importante que a área de alimentação e
nutrição avalie outras experiências de campanhas Assim, corre-se o risco da finalidade educacional ser
utilizando a comunicação midiática como um dos secundarizada, frente à relevância da intermediação
instrumentos fundamentais, tais como as campanhas tecnológica. O silêncio (ou, até se poderia afirmar, o
relativas à AIDS, aos acidentes de trânsito e ao controle do afastamento) existente nos documentos sobre a discussão
tabaco, nas quais o discurso científico não tem provocado da educação e as abordagens pedagógicas deixa margens
as mudanças de comportamento dos indivíduos da forma para o que Luckesi denominaria de "senso comum
esperada. pedagógico", que é compreendido pelo caráter espontâneo
pelo qual adquirimos conceitos, significados e valores no
Assim, pode-se afirmar que a centralidade das práticas ambiente em que vivemos. É dessa forma que a lógica da
educativas está na transmissão de mensagens transmissão de informações prepondera frente à
consistentes, coerentes e claras, utilizando ao máximo os construção de conhecimentos.
recursos tecnológicos de comunicação, garantindo o
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Quanto ao processo de formação do profissional Parece haver um preconceito em discutir a dimensão
nutricionista no que tange aos conteúdos abordados, esse pedagógica no processo de formação, sob o risco de ser
silêncio também se apresenta. Os conteúdos abordados considerado "tecnicista" ou "alienado" dos reais problemas
nas disciplinas de educação nutricional fluem ao sabor do nutricionais da população brasileira, especialmente após
momento: da prioridade dos métodos e técnicas as severas críticas levantadas na década de 1980. No
educativas migra para a temática da determinação entanto, o mesmo preconceito não parece residir sobre a
sociopolítica da fome e desnutrição e dos hábitos discussão em relação aos recursos de comunicação e
alimentares a partir dos anos de 1980, esvaziando a saúde, que aponta o mesmo perigo.
discussão pedagógica. Atualmente, cresce a importância
do estudo sobre as práticas alimentares sob o enfoque Não se pode deixar de ressaltar as múltiplas
socioantropológico. No entanto, a socioantropologia da denominações que os documentos utilizam: educação
alimentação e nutrição, que vem se conformando em um nutricional, educação alimentar e, por fim, educação
campo específico do saber ao longo dos últimos tempos, alimentar e nutricional. Os documentos utilizam as
não necessariamente faz interface com a educação. A diferentes denominações não esclarecendo os motivos das
importância dessa temática demanda um espaço mudanças. Tais termos demandam um aprofundamento
específico na formação frente à sua importância. Assim, sobre os seus reais significados e sentidos.
persiste o vazio das abordagens educativas no campo da
educação alimentar e nutricional.

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VEGETARIANISMO E IMPLICAÇÕES NUTRICIONAIS Prof. José Aroldo Filho
goncalvesfilho@nutmed.com.br

Cálcio
CLASSIFICAÇÃO DA DIETA VEGETARIANA
As dietas vegetarianas contêm quantidade total de sódio e
• Vegetarianismo restrito – regime alimentar em que proteínas inferior que as dietas onívoras. Este fator
todo e qualquer alimento de origem animal é excluído, favorece a biodisponibilidade de cálcio, uma vez que a
denominando-se o seu seguidor de vegan. proteína animal, rica em aminoácidos sulfurados, promove
• Lacto-vegetarianismo – além de vegetais, inclui maior perda urinária do mineral.
também o leite e derivados.
• Ovo-lacto-vegetarianismo – semelhante ao Um fator que explica que pacientes vegetarianos possuem
lactovegetarianismo, porém permite a ingestão de menores taxas de osteoporose é a ingestão, com maior
ovos. frequência, de cálcio de fontes vegetais como oleaginosas,
• Crudivorismo – composta somente de alimentos crus, gergelim, castanhas, amêndoas, vegetais verde-escuras,
preferencialmente frescos, brotos, germinados, frutas, algas marinhas. Outro ponto é que as fibras vegetais não
hortaliças e oleaginosas. diminuem a biodisponibilidade de cálcio.
• Frugivorismo – dieta basicamente composta por frutas
e sementes oleaginosas. Shils  o cálcio contido nos legumes e verduras ricos em
oxalato (espinafre, acelga suíça e folhas de beterraba) não
ADEQUAÇÃO NUTRICIONAL está biodisponível. O cálcio presente em couve, brócolis,
acelga chinesa, mostarda e folhas de nabo fornecem
cálcio absorvível.
A adequação de dietas vegetarianas é julgada pela
variedade de alimentos que as compõem. Apesar da
aparente baixa disponibilidade de alguns elementos-traço, Proteína e energia
tais como zinco, cobre, magnésio e selênio, em dietas
vegetarianas, a maioria dos estudos falhou em mostrar A interferência do ovo-lacto-vegetarianismo sobre
que os vegetarianos têm deficiência em elementos-traço. crescimento é um assunto controverso, uma vez que as
Parece que o organismo se adapta para aumentar a recomendações proteicas são atingidas facilmente. O
absorção de elementos-traço. Suas dietas geralmente mesmo é observado entre os vegans.
apresentam teores nutricionais aproximados às
recomendações da RDA.
Shils  a complementaridade de aminoácidos presente
em cereais (pobres em lisina e ricos em metionina) e
Vitamina B12 e ácido fólico leguminosas (pobres em metionina e ricos em lisina) reduz
o risco de inadequação nutricional.
Indivíduos vegans podem demorar até 20 anos para
demonstrar qualquer sinal de deficiência de vitamina B12, Zinco
pois seus organismos, por não obter exogenamente a
cobalamina, podem adaptar-se para tornar muito efetiva a
reabsorção biliar, afastando por vários anos o surgimento A menor disponibilidade do zinco encontrado nos
de doenças carenciais. alimentos de origem vegetal pode causar um nível de
zinco um pouco mais baixo nos vegetarianos em
comparação com os não-vegetarianos. Encontrou-se uma
Cerca de 1 – 10mcg de vitamina B12 é secretada na bile e ingestão mais baixa de zinco em crianças e adolescentes
reabsorvida diariamente, quantidade suficiente para suprir vegetarianos, mas o crescimento não foi afetado.
as necessidades orgânicas. Outro ponto é que se verifica
uma significativa produção de B12 por bactérias de
intestino delgado e consequente absorção. Além disso, DIETAS VEGETARIANAS NA PREVENÇÃO DE
verifica-se o alto teor de vitamina B12 em algas marinhas. DOENÇAS CRÔNICAS

Shils  os níveis de folato séricos apresentam-se A associação das dietas vegetarianas com a diminuição do
elevados entre vegetarianos. Vegetarianos que consomem risco de doenças crônicas é objeto de pesquisas em saúde
alga Clorella ou Nori podem apresentar níveis duas vezes e nutrição, incluindo doença cardíaca coronariana,
maiores de vitamina B12. hipertensão, diabetes, câncer, osteoporose.

Ferro DIRETRIZES DIETÉTICAS PARA UM ESTILO DE VIDA


VEGETARIANO SAUDÁVEL

Vegetarianos não sofrem de anemia ferropriva geralmente.


O alto consumo de vitamina C potencializa a absorção de As diretrizes dietéticas fornecem aconselhamento sobre o
ferro não-heme (consumido adequadamente). O consumo consumo e tipos de alimentos e componentes alimentares
de 60mg de vitamina C triplica a absorção de ferro não- relacionados à saúde pública.
heme.
Recomendações dietéticas

As recomendações são bastante compatíveis com as


diretrizes dietéticas. Os vegetarianos consomem menos

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gordura e colesterol e mais gordura poli-insaturada e fibra Opcional:
dietética do que os não-vegetarianos.
• 4 – 7 porções de óleos vegetais;
Guias alimentares • 0 – 2 porções de produtos lácteos;
• 0 – 1 porção de ovos;
Um dos guias mais indicados é o da LOMA LINDA • Doces
UNIVERSITY VEGETARIAN FOOD GUIDE PYRAMID,
onde se observa a recomendação de: As recomendações dietéticas atuais incentivam o aumento
do consumo de alimentos de origem vegetal em todas as
• 5 – 12 porções de cereais integrais; dietas. O profissional de saúde tem responsabilidade de
• 1 – 3 porções de leguminosas; ser informado dos possíveis benefícios dos padrões
• 3 – 4 porções de frutas; alimentares e que possa estimular as práticas dietéticas e
• 6 – 9 porções de vegetais; de estilo de vida que promovem a saúde e de oferecer
• 1 porção de nozes e sementes; alternativas para aquelas que possam ser nocivas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1) SANTOS, L.A.S. Educação alimentar e nutricional no contexto da promoção de práticas alimentares saudáveis. Revista de
Nutrição, Campinas, v.18, n.5, p. 681-692, set./out., 2005.

2) SILVA, S.M.C.S., MURA, J.D.P. (org). Tratado de alimentação, nutrição e dietoterapia. 1.ed. São Paulo: Roca, v.1, 2007.

3) SHILS, M. E. et al. Nutrição moderna na saúde e na doença – 10ª Ed. São Paulo: Manole. 2009.

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