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PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA PARA ALÉM DE UMA OPÇÃO DE VIDA:

UMA INCIDÊNCIA POLÍTICA


Janice Cristiane Chies
Médica Veterinária e funcionária do município de Itatiba do Sul. janicecristiane@yahoo.com.br
David Luiz Mendonça Wigg
Eng.º Agrônomo, Assessor Técnico em Agroecologia, CETAP. david@cetap.org.br
Anderson Munarini
Eng.º Agrônomo, dr. em Ciências, APACO. andermpa@gmail.com

Introdução/Justificativa
A produção agroecológica no município de Itatiba do Sul tornou-se atividade econômica no
início dos anos 2000. Hoje, no município de Itatiba do Sul, tem em torno de 35 famílias produzindo
e comercializando seus produtos orgânicos, divididas em 3 grupos de famílias produtoras:
Derrubadas, Pitanga Alta e Sete Lagoas. Destas, 23 famílias são certificadas pelo Organismo
Participativo de Avaliação da Conformidade Orgânica (OPAC) da Rede Ecovida de Agroecologia,
outras 12 famílias estão em processo de transição para a certificação orgânica.

Essas famílias contam com assistência técnica desenvolvida pelo Centro de Tecnologias
Alternativas Populares (CETAP), com subsídio do município por meio de convênio, além de auxílio
financeiro para compra de sementes e insumos, e vários outros programas desenvolvidos pela
Administração Municipal através da Secretaria Municipal da Agricultura, que auxiliam na
viabilização da produção, transporte e comercialização dos produtos orgânicos. A comercialização
dos produtos orgânicos é feita diretamente ao consumidor final com a viabilização do transporte e
entrega realizados pela Associação Regional de Cooperação e Agroecologia (Ecoterra).

A incidência do Centro de Tecnologias Alternativas Populares (CETAP) na região Alto


Uruguai inicia no ano de 20011. Momento em que Itatiba do Sul enfrentava uma situação muito
grave de empobrecimento no meio rural, com pouca renda e um êxodo rural acentuado. Tinha como

1 Naquela época, o Sindicato Municipal de Trabalhadores Rurais, em conjunto com o CETAP e o Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA), organizou 6 grupos de famílias agricultoras para receberem assessoramento técnico com
foco na agroecologia, tendo como base as seguintes ações: recuperação de solo; cobertura do solo; combate aos
agrotóxicos e transgênicos; produção de sementes crioulas; consumo alimentar das famílias; e manejos agroecológicos.
Nesse momento, as famílias se desafiaram a olhar para um novo formato de produção como forma de reduzir os custos
de produção e visualizar a melhoria de sua qualidade de vida e de sua geração de renda. (ANA, 2021).
carro chefe a produção de fumo, em sistema de integração, que exige grande gasto de tempo e de
energia dispendida pelas famílias na cultura, além da utilização de um pacote químico pré-definido
pela assistência técnica, o que gerava uma grande preocupação no município. (ANA, 2021).

Cabe destacar que as ações de políticas públicas criadas neste município ganham relevante
notoriedade a nível nacional a partir da sistematização das ações, feita pela Articulação Nacional de
Agroecologia (ANA), que na prática funciona como uma “rede de redes”, sendo um importante
espaço de:

[…] troca de experiências, de convergência de lutas de organizações e movimentos


sociais pela construção e defesa da agroecologia enquanto ciência, movimento e
prática. A ANA é uma articulação que preza, sobretudo, pela democracia, de modo
que as políticas públicas construídas possibilitem que tanto o Estado como a
sociedade civil contribuam para que agricultoras e agricultores, camponesas e
camponeses, pescadoras e pescadores artesanais, extrativistas e outros segmentos
sociais que atuam na construção de sistemas alimentares sustentáveis sejam
capazes de produzir, distribuir, comercializar e, também, consumir alimentos
saudáveis, democratizando, assim, o acesso à comida de verdade para toda a
população. (SARAH et. all, 2021, p. 24-25).

Objetivo
O presente trabalho têm como objetivo ressaltar a importância do incentivo à produção agro-
ecológica por parte do poder público municipal e das ações de Extensão Rural desenvolvidas pelo
conjunto de atores que atuam no município de Itatiba do Sul, que reflete diretamente na melhoria da
qualidade de vida, aumento de renda e permanência das famílias no meio rural, além de contribuir
para a minimização dos impactos ambientais causados pela produção convencional, especialmente a
produção de grãos que se alastra rapidamente na região.

Metodologia
Este relato foi elaborado a partir de uma pesquisa exploratória, orientado por uma revisão bi-
bliográfica sobre o processo de formulação e implementação de políticas públicas e a interação en-
tre as instituições envolvidas no contexto da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), tanto
por parte da Secretaria Municipal da Agricultura quanto por parte do Centro de Tecnologias Alter-
nativas Populares.

Dessa forma, Maio e Grando (2016) sugerem que os aspectos complementares desta aborda-
gem qualitativa “seguem as características impostas pela ciência política e políticas públicas, procu-
rando caracterizar a racionalidade da formulação e implementação, através do poder público, das
políticas públicas”, resultando na articulação para a resolução das desigualdades sociais e dos possí-
veis conflitos gerados na (re)distribuição de recursos, voltados especialmente, para atender as de-
mandas concretas dos agricultores familiares de base ecológica do município de Itatiba do Sul.

O levantamento bibliográfico orientador do trabalho ganha um importante suporte a partir da


Agroecologia nos Municípios, que tem por objetivo central a promoção, o apoio e a sistematização
dos processos de mobilização e incidência política no nível municipal, sendo uma importante inicia-
tiva da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que visa “à criação e ao aprimoramento de
políticas públicas, programas, projetos, leis e experiências municipais importantes de apoio à agri-
cultura familiar e à segurança alimentar e nutricional e de fortalecimento da agroecologia”. (SA-
RAH et. all, 2021, p. 05).

Resultados
A produção agroecológica no município de Itatiba do Sul tem gerado renda e melhor quali-
dade de vida às famílias envolvidas, tornando uma opção viável em relação à monocultura e êxodo
rural ainda no início dos anos 2000, especialmente a partir das políticas públicas criadas nos últimos
seis anos neste município, que “são a maneira pela qual o governo atua para gerir o Estado, dialo-
gando e se posicionando entre os diferentes conflitos de interesse, e para garantir qualidade de vida
para a população ou a sociedade civil”. (SARAH et. all, 2021, p. 19).
A seguir (Tabela 1), apresentamos as principais políticas públicas criadas pelo Poder Público
a partir do ano de 2017 como incentivos à agroecologia no município de Itatiba do Sul, refletindo
positivamente na fixação das famílias no campo e no aumento da oferta de alimentos orgânicos
comercializados, em especial no último mês de junho (Tabela 2).
Tabela 1: Políticas públicas criadas no município de Itatiba do Sul a partir de 2017.
Políticas Públicas Descrição
Inclusão produtiva Essa iniciativa visa estimular a implantação e regularização de agroindústrias
com segurança familiares a fim de gerar emprego e renda, melhorar as condições de vida da
sanitária e incentivo à população local e aumentar a arrecadação ao erário municipal.
agroindústria familiar
Incentivo à produção O incentivo prevê um auxílio financeiro para aquisição de insumos, sementes e
e comercialização de equipamentos, para as unidades de produção. Além disso, no ano de 2022, o
alimentos município passou a disponibilizar recursos para a construção de carregadores ou
agroecológicos estaleiros de frutas em 05 unidades produtivas.
Incentivo à adubação Objetivando melhorar a produtividade do solo, o Poder Executivo subsidia o
orgânica transporte de adubo orgânico através da compra Direta do Agricultor.
Incentivo à O município de Itatiba do Sul, em 2022, elegeu 10 unidades produtivas com o
armazenagem da água maior deficit de água e está construindo cisternas com capacidade de 35.000 L de
da chuva água. Cabe a unidade produtiva colocar as calhas até a cisterna.
Programa Nacional de Em Itatiba do Sul, 46% do valor do PNAE é destinado para compras diretas da
Alimentação Escolar agricultura familiar, sendo que dentre esses, 80% é compra de produtos
(PNAE) agroecológicos, ou seja, de unidades de produção certificadas.
Central de recebimento e comercialização de produtos orgânicos: localizada no
Centro do município, para recebimento dos produtos das/os agricultoras/es da
Ecoterra.
Concessões de uso de
Agroindústria Flor de Pitanga: localizada no interior do município, na comunidade
espaços físicos em
de Pitanga Alta, para beneficiamento e o processamento de produtos
apoio à agroecologia
agroecológicos de origem vegetal. A concessão foi realizada a um grupo de
mulheres agroecologistas que possuem certificação orgânica pela Ecovida e
inspeção sanitária estadual para os produtos.

Projetos de emendas Aquisição de caminhão: compra de um caminhão para as atividades de transporte


parlamentares de produtos orgânicos da Ecoterra.
específicas para a Assessoria técnica especializada: para prestação de serviços técnicos especializados
agroecologia e de assessoria e consultoria para a promoção e desenvolvimento da agricultura
produção orgânica. ecológica e orgânica, para agricultoras/es familiares locais, com equipe
multidisciplinar.
Fonte: ANA, 2021. Adaptação dos dados feita pelos autores.
Tabela 2: Produção comercializada via Ecoterra no mês de junho de 2022.
Item Quantidade (Kg)
Bergamota 3582
Batata cará 10
Feijão Preto 122
Maracujá 27
Batata Doce 2221
Limão Taiti 719
Lima da Pérsia 20
Abacate 705
Cabotia 245
Laranja Rubi 3957
Laranja suco 1568
Amendoim 38
Açucar Mascavo 100
Laranja Bahia 200
TOTAL 13514 Kg
Fonte: Dados fornecidos pela Ecoterra e sistematizados pelos autores.

Analisando a Tabela 2, percebe-se que o apoio advindo do município de Itatiba do Sul


reflete positivamente na geração de renda dos agricultores. Somente no mês de junho de 2022,
foram comercializados 14 tipos de produtos vindo diretamente dos agricultores do município, o que
representa uma produção bruta de mais de 13 toneladas de alimentos agroecológicos (13.514 Kg),
gerando uma renda direta de aproximadamente R$14.937,20 aos agricultores, sem custos adicionais
de transporte, já que a produção é toda recolhida nas propriedades pela equipe da Ecoterra.

Referências
ANA – Articulação Nacional de Agroecologia. Agroecologia nos municípios. Disponível em:
<https://agroecologia.org.br/agroecologia-nos-municipios/>. Acesso em: 14 de julho de 2022.

Maia, Cláudio Machado e Grando, Johnny Luiz. Metodologia para definição de tipologias de
políticas públicas, para entender a elaboração, implementação e avaliação. Revista do
Desenvolvimento Regional – Faccat. Taquara/RS: V. 13, n. 2, jul./dez. 2016.

SARAH, Moreira et. all. Estado e políticas públicas. Coleção Agroecologia e políticas públicas:
subsídios para a incidência nos municípios. Câmara Brasileira do Livro, SP. 2021.

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