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A agroecologia e o direito humano à alimentação adequada: uma

análise do relatório de Olivier de Schutter

Agroecology and the human right to proper nutrition: an analysis of Olivier de


Schutter’s report

Felipe Akira Pereira de Souza

UFMG

Tiago Machado Teixeira

UFMG

Resumo

Esse trabalho busca analisar o relatório de Olivier de Schutter sobre agroecologia apresentado
para a ONU no ano de 2014, extraindo suas principais recomendações e propostas para a ampliação e
difusão dos conceitos agroecológicos. Foi levado em consideração o atual contexto internacional de
hegemonia do modelo desenvolvimentista de produção, que deve ser questionado e eventualmente
substituído por um modelo que priorize a questão ambiental e de redistribuição de recursos,
conhecimento e acesso à uma alimentação saudável. Com base nesse contexto, o relatório é capaz de
mostrar o potencial da agroecologia como uma alternativa ao modelo dominante de produção,
satisfazendo as necessidades previamente mencionadas.
Palavras–chave: agroecologia, políticas públicas, alimentação.
Abstract

This paper seeks to analyze Olivier de Schutter’s report on agroecology presented to ONU in
the year 2014, extracting its main recommendations and proposals for the amplification and diffusion
of agroecological concepts. It was taken into consideration the current international context of
hegemony of the developmental mode of production, which must be questioned and eventually
replaced by a mode that prioritizes the environmental issue as well as the redistribution of resources,
knowledge and access to healthy nutrition. Based on this context, the report is able to showcase the
potential of agroecology as an alternative to the dominant mode of production, satisfying the needs
previously mentioned.
Keywords: agroecology, public policies, nutrition.
Introdução

A agroecologia é uma área da ciência que vem sendo explorada durante as últimas
décadas, é um tema bastante importante para ser retratado, visto que se estima uma crise
alimentar em algumas décadas uma vez que há uma previsão de superpopulação global
juntamente com uma crise climática catastrófica (Al Gore, 1992). Segundo Pimbert (2015), a
agroecologia, juntamente com o conceito de soberania alimentar, representa um paradigma
alternativo ao modelo convencional de desenvolvimento agrícola vigente. Pimbert também
define a agroecologia como a ideia de que os agroecossistemas devem imitar o funcionamento
e os níveis de biodiversidade de ecossistemas naturais.

A partir do relatório especial sobre agroecologia elaborado por Olivier de Schutter em


2010 para a ONU, várias práticas e sugestões metodológicas para o crescimento da
agroecologia podem ser levadas em consideração. Esse conjunto de ideias, altamente
embasadas no conhecimento teórico e prático do relator especial, merecem ser analisadas e
discutidas nos diversos fóruns de discussão agroecológica existentes no Brasil e no mundo.

O debate agroecológico no Brasil e no mundo

De acordo com Reinach (2020) o termo "agroecologia" foi utilizado pela primeira vez
em 1928 pelo agrônomo russo Basil Bensin. Em 1930 ele voltou a usar o termo, em uma
publicação do Instituto Internacional para Agricultura de Roma (órgão precursor da FAO), na
qual defendia a necessidade de cooperação internacional em “investigação agroecológica”.
Reinach (2020) complementa ainda que Bensin definiu preliminarmente a agroecologia como
a aplicação da ecologia à agricultura, sugerindo que esta ciência descreveria o uso de métodos
ecológicos em pesquisas sobre cultivares agrícolas comerciais.

A Organização das Nações Unidas (ONU), participa de diálogos sobre meio ambiente
a quase um século. Porém, exerce um papel de observador, e apesar de algumas sanções não
possui poder político o suficiente para interferir em grandes negociações e ações mais agudas.
Dentro de suas organizações há a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO), que foi criada em 16 de outubro de 1945 como uma das agências das
Nações Unidas, com o objetivo manifesto de liderar os esforços internacionais de erradicação
da fome e da desnutrição. Atualmente a FAO é composta por 194 Estados-Membros, mais a
Comunidade Europeia, trabalhando em mais de 130 países em todo o mundo. A FAO
pretende-se um fórum neutro, onde todos os países reúnem-se em pé de igualdade para
negociar acordos, debater políticas e impulsionar iniciativas estratégicas. Seus objetivos
estratégicos são: ajudar a eliminar a fome, a insegurança alimentar e a má nutrição;
tornar a agricultura, a silvicultura e as pescas mais produtivas e sustentáveis; reduzir a
pobreza rural; promover sistemas agrícolas e alimentares inclusivos e eficientes; e aumentar a
resiliência dos meios de subsistência face a catástrofes (REINACH, 2020).

No Brasil, o debate agroecológico se dá por meio de diversas organizações e redes de


movimentos civis e governamentais. Alguns dos principais são a Articulação Nacional de
Agroecologia (ANA), a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) e o
Fórum de Agroecologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA).
Políticas como a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER)
também auxiliam nos esforços agroecológicos no país, fornecendo suporte para extensionistas
que procuram praticar a agroecologia em suas propriedades.

Apesar do crescimento da agroecologia nas últimas décadas no país, muitas políticas


públicas voltadas para a agricultura ainda operam sob o paradigma desenvolvimentista,
incentivando a mecanização dos núcleos de agricultura familiar e o uso de agroquímicos e
insumos nitrogenados. É evidente uma dicotomia entre o discurso governamental de
coexistência dos modelos agroecológico e desenvolvimentista e suas políticas e incentivos de
fato, que claramente favorecem o modelo convencional. Essa suposta convivência entre os
dois modelos proposta pelo governo exerce forte influência no atual quadro político, uma vez
que ofusca a crescente subordinação das organizações de agricultura familiar ao agronegócio,
e legitima as políticas públicas aos olhos da sociedade (CAPORAL, 2012).

Mesmo nesse quadro desfavorável, o contingente familiar é altamente importante para


agricultura nacional, tanto historicamente quanto para a segurança alimentar do brasileiro.
Segundo o Censo Agro 2017, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), os estabelecimentos de agricultura familiar compõem 77% do número total de
estabelecimentos rurais do país, apesar de ocuparem somente 23% da área total desses
estabelecimentos. Apesar dessas diferenças de abrangência, o setor da agricultura familiar tem
participação significativa na parcela de alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. Nas
culturas permanentes, responde por 48% do valor da produção de café e banana; nas culturas
temporárias, são responsáveis por 80% do valor de produção da mandioca, 69% do abacaxi e
42% da produção do feijão (IBGE, 2017).

Outros exemplos de evolução da agroecologia no Brasil são a adoção do paradigma


agroecológico pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), durante a década
de 2000 (BORSATTO et al, 2014), e a formação de iniciativas como a CSA Nossa Horta em
Belo Horizonte (OLIVEIRA et al, 2019). Juntamente com essas experiências, a atuação de
órgãos como a ANA e a ABA-Agroecologia é fundamental para a concretização do
paradigma agroecológico na sociedade brasileira.

Os Encontros Nacionais de Agroecologia (ENAs), realizados em quatro edições pela


ANA desde sua formação em 2002, são importantes locais de debate diálogo sobre a
agroecologia entre as esferas do governo e da sociedade civil. Segundo Petersen (2013), a
ABA-Agroecologia é reconhecida como um dos interlocutores chave no processo de
disseminação dos ideais agroecológicos em instituições de ensino no Brasil.

Relatório de Olivier de Schutter para a ONU

O professor Olivier de Shutter foi designado pela comissão das nações Unidas para os
Direitos Humanos como Relator Especial – cargo especial que possui as atribuições de
apresentar relatórios anuais sobre as atividades e estudos realizados com vistas à
implementação do mandato, ao Conselho de Direitos humanos e à Assembleia Geral. Além de
monitorar a situação do direito à alimentação em todo o mundo, identificando tendências
gerais relacionadas ao direito à alimentação; ainda deve realizar visitas a países para coletar
informações em primeira mão da situação relativa ao direito à alimentação em um país
específico. Deve também manter comunicação com os Estados e outras partes interessadas em
relação a supostos casos de violações do direito à alimentação e outras questões relacionadas
ao seu mandato. E, por fim, promover a plena realização do direito à alimentação através do
diálogo com os atores relevantes, participando de seminários, conferências e reuniões de
especialistas (OHCHR).

Olivier de Shutter é especialista em direitos sociais e econômicos e em globalização


econômica e direitos humanos. De Schutter atuou entre 2004 e 2008 como Secretário-Geral
da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH). Foi eleito Membro do Comitê de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, o qual integrou em 2015 e pelo
qual foi reeleito em 2019. Renunciou ao cargo em maio de 2020 para aceitar o mandato de
Relator Especial sobre pobreza extrema e direitos humanos. De Schutter tem contribuído
ativamente para o reforço da proteção dos direitos fundamentais na União Europeia, bem
como para o debate sobre as relações entre a UE e o Conselho da Europa. Entre 2002 e 2007,
foi o coordenador da Rede de Peritos Independentes em Direitos Fundamentais da UE, um
grupo de alto nível de peritos dos então 25 Estados-Membros da UE que prestava
aconselhamento à Comissão Europeia e ao Parlamento Europeu (Comissão LIBE) sobre a
proteção dos direitos fundamentais na União Europeia. Também atuou como membro do
Comitê Científico da Agência de Direitos Fundamentais da União Europeia (2013-2018).
Publicou amplamente sobre direitos econômicos e sociais e sobre a relação entre direitos
humanos e desenvolvimento. Ele também publicou extensivamente sobre corporações
transnacionais e direitos humanos, e é o fundador e editor-chefe do European Journal of
Human Rights (OHCHR).

Em seu relatório, de Shutter define a agroecologia como:


“...tanto uma ciência quanto um conjunto de práticas. Ela foi criada pela
convergência de duas disciplinas científicas: agronomia e ecologia. Como uma
ciência, a agroecologia é a aplicação da ciência ecológica ao estudo, projeto e gestão
de agro ecossistemas sustentáveis. Como um conjunto de práticas agrícolas, a
agroecologia busca maneiras de aperfeiçoar os sistemas agrícolas imitando
os processos naturais, criando, portanto, interações biológicas benéficas e sinergias
entre os componentes do agro ecossistema. A agroecologia é um conceito coerente
para projetar os sistemas agrícolas futuros, pois está fortemente enraizada tanto na
ciência quanto na prática” (DE SCHUTTER, 2010).

Um ponto importante do relatório de Shutter foi estabelecer três objetivos para o


sistema alimentar que um Estado Nação deve assumir para garantir a alimentação de seu
povo.

O primeiro objetivo é garantir a disponibilidade de alimentos “levando em conta o


crescimento demográfico, bem como mudanças na composição das dietas e níveis de consumo
associados à maior urbanização e maior renda familiar” (DE SCHUTTER, 2010). Ainda
segundo o relatório, há uma grande demanda de cereais que são destinados para ração de
animais de abate, e, principalmente nos países desenvolvidos, é necessária a “realocação dos
cereais usados em ração animal para consumo humano, uma opção altamente desejável em
países desenvolvidos onde o consumo excessivo de proteína animal é uma fonte de problemas
de saúde pública” (DE SCHUTTER, 2010).
O segundo objetivo é aumentar a renda de pequenos proprietários via agricultura. De
Shutter afirma que a fome é causada em primeiro lugar pela pobreza e não a falta em si de
estoque alimentar, e assim a melhor maneira de combater a fome é aumentando a renda dos
mais pobres. E para tal é necessário o investimento em agricultura, pois, “As comparações
entre países demonstram que o crescimento do PIB originário da agricultura é no mínimo
duas vezes mais eficaz na redução da pobreza do que o crescimento do PIB que se origina fora
da agricultura” (DE SCHUTTER, 2010). Além de ajudar na agricultura familiar, este objetivo
visa romper mecanismos culturais conservadores que visam prejudicar o desenvolvimento do
meio rural. Segundo de Shutter:

“Quando as grandes propriedades aumentam sua receita, a maior parte dela


é investida em insumos e máquinas importadas e uma parte muito menor vai para os
comerciantes locais. Apenas ao apoiarmos os pequenos produtores nós poderemos
ajudar a romper o círculo vicioso que leva da pobreza rural à expansão de favelas
urbanas, nas quais a pobreza gera mais pobreza” (DE SCHUTTER, 2010).

Por fim, o terceiro objetivo estabelece que a agricultura não deve comprometer as
necessidades futuras, ou seja, os cultivos de agora não podem degradar o meio ambiente de
forma que gere a perda da biodiversidade, a destruição de corpos d’agua, contaminação do
solo e qualquer outro meio que prejudique a agricultura futura.

Segundo Reinach (2020), a FAO considera o Estado e os governos como atores


absolutamente fundamentais para a promoção e ampliação da agroecologia, alegando que as
políticas públicas já têm fortalecido os processos de transição a partir de experiências de
comprovado êxito, e apoia uma reformulação de políticas e programas para que se criem
ambientes propícios à agroecologia. Foi um consenso, em todas as regiões, de que as
políticas públicas de apoio são um importante catalisador para a transição agroecológica.

De Schutter também propõe em seu relatório uma série de recomendações sobre


políticas públicas visando a ampliação da agroecologia. Para ele, é necessário tanto um
aumento das áreas cultivadas por técnicas agroecológicas (ampliação horizontal) quanto a
criação de uma estrutura de qualificação para agricultores (ampliação vertical). De Schutter
cita exemplos como a estratégia de “ampliação piloto”, implantada no oeste e centro da
África, e a técnica de “atração-expulsão”, praticada no leste africano, como inovações
agroecológicas localizadas que podem rapidamente se espalhar para regiões vizinhas.
O papel dos governos no estabelecimento de estruturas de qualificação, além de apoiar
o acesso à terra, à água e sementes para agricultores de pequena escala é dado como
fundamental por De Schutter. Ele aponta uma série de diretrizes que podem ampliar o apoio
às práticas agroecológicas, no âmbito de políticas públicas que priorizam as necessidades e
particularidades dos agricultores, assim como valorizam o conhecimento empírico acumulado
por eles ao longo de muitos anos de prática e observação.

A primeira diretriz que De Schutter aponta é a priorização dos bens públicos, tais
como serviços de extensão, instalações de armazenagem, infraestrutura rural (estradas,
eletricidade, tecnologias da informação e comunicação), acesso aos mercados regional e local,
acesso a crédito e seguro contra riscos relacionados a eventos climáticos, pesquisa e
desenvolvimento agrícola, educação e apoio às organizações e cooperativas de agricultores
(DE SCHUTTER, 2010). Em relação aos investimentos governamentais com agricultura, De
Schutter cita:

“Pesquisa baseada no estudo de 15 países latino-americanos no período de


1985 a 2001, em que os subsídios governamentais para bens privados foram
diferenciados dos gastos com bens públicos, indicou que, dentro de um orçamento
agrícola nacional fixo, uma realocação de 10% dos gastos para o fornecimento de
bens públicos aumenta a renda per capita agrícola em 5%, enquanto que um
aumento de 10% nos gastos públicos em agricultura, mantendo a composição de
despesas constante, aumenta a renda per capita agrícola em apenas 2%.” (DE
SCHUTTER,2010)

De Schutter conclui, com base nos dados, que é possível melhorar o desempenho
econômico dos setores agrícolas sem aumentar o valor total gasto, mas sim com uma
redistribuição dos recursos que prioriza serviços sociais e bens públicos em detrimento à
subsídios não sociais.

A segunda diretriz diz respeito ao investimento em conhecimento agroecológico, que é


por natureza altamente denso e variado. De Schutter aponta os investimentos em atividades de
extensão e pesquisa como fundamentais para que comunidades de agricultores adquiram
conhecimentos ecológicos e se tornem capazes de tomar decisões sobre o assunto. A pesquisa
agrícola é, segundo De Schutter, o fator mais impactante na pobreza e na produtividade
agrícola. A pesquisa agroecológica deve ser priorizada, pois combina conceitos científicos
com conhecimentos locais, possibilitando uma otimização do uso do espaço de forma
sustentável.

A terceira diretriz recomenda o fortalecimento da organização social mediante a


construção conjunta de conhecimento, através dos serviços de extensão rural. De acordo com
De Schutter, a construção conjunta do conhecimento agrícola, com participação ativa dos
agricultores em parceria com especialistas, é fundamental para a realização do direito a
alimentação. Essa participação faz com que os agricultores sejam vistos não só como
beneficiários das políticas de extensão, mas como especialistas que produzem conhecimentos
altamente específicos e aplicáveis a suas respectivas propriedades, complementando o
conhecimento de especialistas formais. De Schutter afirma que as políticas públicas
elaboradas em parceria os agricultores possuem um alto grau de legitimidade, uma vez que
favorecem o melhor planejamento dos investimentos e tem melhor aceitação por outros
agricultores (DE SCHUTTER, 2010).

A quarta diretriz se refere ao empoderamento da mulher no âmbito da construção dos


conhecimentos agrícolas participativos. De Schutter recomenda a formação de iniciativas
participativas e projetos de extensão agrícola que sejam executados por mulheres, contando
com grupos de trabalho integrados apenas por mulheres e estimulando uma maior contratação
local de mulheres para cargos de trabalho agrícola. Existe no meio agrícola uma forte
desigualdade de gênero, que é apontada por De Schutter no seguinte trecho:

“... enquanto as mulheres enfrentam diversos obstáculos específicos


(dificuldade de acesso ao capital e a terra, a dupla carga de trabalho em suas funções
produtiva e familiar e menor participação na tomada de decisão), as questões de
gênero são incorporadas em menos que 10% dos projetos de assistência para
desenvolvimento rural e as agricultoras recebem apenas 5% dos serviços de
extensão agrícola em todo o mundo.” (DE SCHUTTER, 2010)

A possibilidade de acesso à agroecologia para mulheres, apesar de muito importante,


por si só não gerará resultados automáticos, sendo necessárias realizações de ações
afirmativas focadas nas mulheres para que possam participar em pé de igualdade nos
processos construtivos.

A quinta diretriz de De Schutter aponta a necessidade de acesso dos pequenos


agricultores às cadeias de produção e distribuição. A atuação de cooperativas pode auxiliar os
produtores a atingir as economias de escala e facilitar a agregação de valor aos seus produtos.
Também pode se alcançar esse objetivo através de novas parcerias com o setor privado. É
essencial melhorar o acesso aos mercados, através da construção de estradas vicinais e rotas
de comunicação. Segundo De Schutter, os retornos marginais dos gastos públicos com
estradas vicinais é cerca de três a quatro vezes maior do que o retorno dos gastos com estradas
de murram (mistura de argila/lama e cascalho) e asfalto. Também é necessário que os
agricultores sejam protegidos dos preços voláteis e do dumping de produtos subsidiados nos
seus mercados locais, para atingir os resultados financeiros desejados pelas práticas e políticas
agroecológicas.

Conclusão

O relatório elaborado por Olivier de Schutter possui o mérito de elevar o patamar do


debate sobre a agroecologia, utilizando como base teórica uma gama de iniciativas e dados
concretos sobre experiências agroecológicas em países da África e da América Latina, e
conectando essas experiências com o direito básico e universal à alimentação. De Schutter
aponta que, dadas as mínimas condições favoráveis e apoio institucional, a agroecologia traz
resultados altamente satisfatórios, sem efeitos colaterais significativos, especialmente em
comparação com os modelos desenvolvimentistas de produção agropecuária. Esses resultados
mostram a viabilidade da agroecologia como solução para os problemas atuais de degradação
ambiental, concentração de riquezas por pequenos grupos privilegiados e a fome que atinge os
contingentes mais pobres da população. Porém, para se instalar de fato a agroecologia como
alternativa de produção, é necessária a execução e interação das várias iniciativas propostas
por De Schutter, articulando os aparatos dos Estados, os mercados, as políticas públicas e a
participação ativa dos agricultores nos processos de formação de conhecimentos e tomada de
decisões.
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