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MARABÁ
2023
ANA LUCIA LOPES RAMOS
MARABÁ, 2023
AGRADECIMENTOS
This work aimed to address the historical event of practices of asylum violence that occurred
at the Hospital Colônia de Barbacena/MG, intended for the treatment of people with mental
disorders who, based on negligence, corruption, abandonment of the State and other factors
such as prejudice against people considered “loucas”, became a place where methods of
violence were applied to patients and justified as psychiatric practices, based on the concepts
of societal hygiene and eugenics, with the aim of segregating not only the sick, but all
considered social nuisances. Through qualitative research and bibliographic review, a
contextualization of the history of psychiatry in Brazil was carried out, analyzing aspects of
mental health treatments, approaching its application between the year 1930 and the year
1980, factors that led to the establishment of from Colonia Hospital. The general objective of
this research was to detail how the asylum became one of the biggest landmarks of hospital
violence ever recorded in the country, emphasizing the methods of violence carried out in the
hospital, its impact on the lives of the inmates, the national repercussion of the situation, the
closure and the legacy left by the hospital, concluding in the need for psychiatric reform.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1. INTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------09
CAPÍTULO I-----------------------------------------------------------------------------------------11
2.1 Histórico do tratamento psiquiátrico no Brasil---------------------------------------------11
2.2 A questão da loucura----------------------------------------------------------------------------
11
2.3 Origem da abordagem psiquiátrica no Brasil------------------------------------------------16
2.4 O tratamento manicomial-----------------------------------------------------------------------
20
CAPÍTULO II----------------------------------------------------------------------------------------23
3.1 O HOSPITAL COLÔNIA DE BARBACENA----------------------------------------------
23
3.1 A cidade dos loucos-----------------------------------------------------------------------------23
3.2 A origem dos internos---------------------------------------------------------------------------
28
3.3 O cotidiano do hospital Colônia---------------------------------------------------------------33
CAPÍTULO III ---------------------------------------------------------------------------------------
38
4.1 MÉTODOS DE TRATAMENTOS NO NOSPITAL COLÔNIA-------------------------
38
4.2 Características do tratamento do psiquiátrico do HCB-------------------------------------38
TERAPIAS UTILIZADAS-------------------------------------------------------------------------
38
4.3 Violência como tratamento psiquiátrico------------------------------------------------------
42
4.4 A VIOLÊNCIA MANICOMIAL E A REFORMA PSIQUIÁTRICA-------------------44
4.5 ATUAÇÃO DO CAPS NA ASSISTÊNCIA A SAÚDE MENTAL----------------------
49
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS------------------------------------------------------------------50
REFERÊNCIAS-------------------------------------------------------------------------------------54
9
1. INTRODUÇÃO (refazer)
A loucura está aí, neste mundo indomado. Designa o que não é razão triunfante. É
categoria sociológica e antropológica, não psicológica (embora tenha aí
representação), muito menos psicopatológica (embora possa por aí se cristalizar).
Enquanto fenômeno é sempre na subjetividade e no comportamento dos indivíduos
que podemos encontrá-la, mas inúmeros fenômenos podem estar referidos a uma
categoria que os explique, e não é por expressar-se no individual que exija para
explicar-se uma categoria psicológica. (SAMPAIO, 1998, p. 86).
1
Estado mental consequente a uma doença psíquica em que ocorre uma deterioração dos processos cognitivos,
de caráter transitório ou permanente, de tal forma que o indivíduo acometido se torna incapaz de gerir sua vida
social.
13
2
BRASIL. Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.
³Lei nº 13.146/2015.
14
brasileiro e que uma vez diagnosticado com algum adoecimento mental era encaminhado para
os manicômios para fins de tratamento, o qual não lhe assegurava cura.
Analisando a compreensão da loucura a partir das falhas culturais da sociedade
(religiosidade, medo generalizado, preconceito) podemos considerar a abordagem do filósofo
Michel Foucault (1978) sobre o tema, em seu livro “História da Loucura na Idade Clássica”,
um marco importante. Nele, o filósofo descreve não apenas o significado da loucura, mas a
sua designação às pessoas, e como ela impacta a realidade do indivíduo. A abordagem
descrita por Foucault, influenciado pelo filosofo alemão Friedrich Nietzsche, faz uma
genealogia da loucura com um novo modo de analisar o insano, ou seja, não será por uma via
médica especulativa e neurológica e nem mesmo por uma via psicológica, mas sim, por uma
ótica, da qual, busca-se a raiz da patologia mental na história das relações humanas
(CAMARGO, 2004).
Foucault se nega a criar um conceito de loucura. Para ele, importa o que é entendido
como “o louco”, o que as diferentes sensibilidades em relação à loucura podem fazer
para alterar a situação dessa exclusão. Em sua análise das tecnologias de exclusão da
loucura, o pensador se concentra em uma questão muito importante: para ele, a
loucura se caracteriza estritamente pela forma como a sociedade experimenta,
vivencia essa relação com a loucura. Ele recusa qualquer ação do saber sobre a
loucura, qualquer patologização ou conceituação, preocupando-se principalmente
com a lógica da exclusão do louco, com as tecnologias que o retiram da sociedade.
(PROVIDELLO; YASUI, 2013, p. 1516).
15
Foucault trouxe uma leitura sobre o tema mais empática e consolidador a pessoa com
adoecimento mental frente a sociedade. Suas análises sobre as questões da loucura humana
notaram que os padrões do adoecimento advêm também da vivência pessoal, não só da
doença como aptidão. A questão dos transtornos mentais, a partir desses estudos, apontam que
além da doença mental advir ao ser assim como a doença física, por meio da
imprevisibilidade e fatores hereditários, a ocorrência de traumas e outros fatores sociais
causam ao indivíduo o adoecimento, que é tão comum quanto diversos adoecimentos físicos.
A loucura só existe em cada homem, porque é o homem que a constitui no apego que
ele demonstra por si mesmo e através das ilusões que alimenta. O apego a si próprio é o
primeiro sinal da loucura, porque o homem se apega a si próprio, aceitando o erro como
verdade, a mentira como a realidade, a violência e a feiura como a beleza e a justiça.
(FOUCAULT, 1972, p. 30).
Mesmo com a compreensão acerca da loucura para além do transtorno, persistiu um
marcador social enviesado de preconceito. Sabe-se que a saúde mental não é vista,
atualmente, como parte integrante do quadro de adoecimentos comuns ao ser humano. A
compreensão social sobre o adoecimento mental ainda é marcada por estigmas, noções
deturpadas do que se trata e tem caráter segregador, onde separam-se o que convive com a
doença daquele tido como “normal” a sociedade vigente. Até mesmo a condição em si é
invalidada, mesmo pertencente ao corpo humano, muitos acometimentos como a ansiedade e
a depressão não são vistos como doenças reais, por não prejudicarem o corpo de forma
visível.
Diante dessas concepções, torna-se difícil a compreensão da doença mental como
realidade na vida dos cidadãos assim como as demais doenças físicas, o que interfere na
autoaceitação do indivíduo acometido pelo adoecimento e em seu acolhimento familiar e
comunitário, já que, sem o devido reconhecimento, a pessoa com transtornos mentais é
invisibilizada como cidadão e em casos extremos, marginalizada, posta em posição de
incômodo a sociedade e é inserido em uma consciência geral de segregação, tornando-se
minoria, assim como outros grupos societários, e não tendo acesso a mesma vivência e
garantia de direitos que os indivíduos tipos como “comuns” e “úteis” a vivência social.
Então é possível pensar que saúde mental e doença mental são conceitos que
emergem da noção de bem-estar coletivo. Anormal é uma virtualidade inscrita no
próprio processo de constituição do Normal, carecendo, portanto, de instrumental
médico, psicológico, filosófico, sociológico, antropológico, econômico e político
para ser compreendido. (SAMPAIO, 1998, p. 88 apud SAMPAIO, 1988)
16
Segundo Jurandir Freire Costa (2007), até meados do século XIX, não havia opções
de tratamento médico para os acometidos por transtornos mentais no Brasil. Quem sofria com
perturbações mentais era considerado “vagabundo” e perturbava a ordem pública, era comum
que qualquer indivíduo que demonstrasse alguma inadequação ao que era considerado
“normal” a época, fosse visto a margem da sociedade, chegando a ser detido pela polícia ou
mantido em celas especiais de hospitais como a Santa Casa de Misericórdia.4
Em 1830, tem-se o primeiro registro de interesse ao tratamento psiquiátrico a partir
da junta de médicos autodenominados criadores da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro.
Esses médicos tinham a intenção de, além de outras intervenções de higiene pública, dar
início a asilos especiais para as pessoas tidas como loucos ou doentes mentais. Para fomentar
a opinião pública, os médicos criticavam abertamente a postura do tratamento fornecido pelos
hospitais com a Santa Casa e o trato social que pessoas com acometimentos mentais recebiam
por viverem nas ruas, marginalizados e abandonado por suas famílias, de acordo com
(COSTA 2007) ao invés de celas insalubres dos hospitais gerais e dos castigos corporais, os
médicos advogavam pela necessidade de asilos higiênicos e arejados, onde os “loucos”
pudessem ser atendidos segundo os princípios do tratamento moral.
Em 1841, foi fundado, a partir do decreto do Imperador Dom Pedro II do Brasil 5
(1825 – 1891), o primeiro hospital psiquiátrico brasileiro, Hospital Dom Pedro II, inaugurado
em 1852.6 Embora os doentes mentais tenham sido direcionados a este hospital, a liderança do
local era confiada aos religiosos da Santa Casa de Misericórdia. Após diversas mudanças na
direção, promulgações de mandatos a respeito do tratamento psiquiátrico, além da instauração
da república, entre os anos 1881 a 1890, o Hospital Dom Pedro II passou a chamar-se
Hospital Nacional dos Alienados, e a administração, antes cedida a Santa Casa, foi
direcionada a tutela do Estado. O governo Campos Sales (1898–1902), em 1899, impôs
drásticas reduções orçamentarias a assistência psiquiátrica, que começou a degradar-se.
4
Fundado em meados do século XVI, o hospital é uma instituição filantrópica de assistência médico-hospitalar
do Rio de Janeiro, que continua suas atividades desde a fundação até a atualidade.
5
Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel
Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança e Bourbon, filho do Imperador Dom Pedro I e da Imperatriz Dona Maria
Leopoldina, foi o segundo e último monarca do Império do Brasil, tendo imperado no país durante 58 anos.
6
Localizado no Rio de Janeiro e conhecido como o “Hospício Pedro II”, foi o primeiro hospital psiquiátrico do
Brasil e segundo da América Latina. Após irregularidades na administração e superlotação, os pacientes foram
realocados e o hospital foi desativado em 1944, o prédio do hospital atualmente está sob os cuidados e uso da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
18
Como relata Jurandir Costa Freire (2007, p. 40), em 1902, foi instaurado um
inquérito no Governo Rodrigues Alves (1902 - 1906), onde revelou-se que: “O Hospital
Nacional é simplesmente uma casa para detenção de loucos, onde não há tratamento
conveniente, nem disciplina, nem qualquer fiscalização”. A partir desse fato, Rodrigues Alves
decidiu reformular a assistência psiquiátrica, alterando a administração do hospital e
promulgando a primeira Lei Federal de Assistência aos Doentes Mentais, em 1903.7
Em 1912, a psiquiatria tornou-se especialidade médica autônoma e até 1920, ocorreu
um aumento no número de estabelecimentos destinados aos doentes mentais. Em 1927, o
governo de Washington Luís cria o Serviço de Assistência aos doentes mentais do Distrito
Federal, encarregado pela administração de todos os estabelecimentos psiquiátricos, o que
culmina na incorporação ao Ministério da Educação e Saúde, obedecendo a tendência
centralizadora do governo surgido após a revolução de 1930. Com o Decreto Nº 24.559 de 3
de julho 1934 promulgou- se a Lei Federal de Assistência aos Doentes Mentais, que tornava
obrigatório:
7
Decreto nº 1.132, de 22 de dezembro de 1903.
19
8
Crença na melhoria da qualidade genética da população. Uma das justificativas para a existência da eugenia é a
de que as raças humanas consideradas superiores prevalecem no ambiente de maneira mais adequada.
20
No século XVIII, Phillippe Pinel propôs uma forma de tratamento aos doentes
mentais abandonando os tratamentos desumanizados e transferindo-os para manicômios, onde
eram destinadas a pessoas com transtornos psíquicos. Várias experiências e tratamentos foram
desenvolvidos e difundidos pela Europa naquele período, com influência da visão de Pinel
sobre a reeducação das pessoas em tratamento, baseado no respeito às normas sociais vigentes
e desencorajando condutas consideradas inconvenientes. Para Pinel, a função disciplinadora
do médico e do manicômio deve ser exercida com firmeza, porém com gentileza, o que
demonstra o caráter do tratamento moral com o qual a loucura passa a ser trabalhado.
Com o pioneirismo de Phillippe Pinel no tratamento psiquiátrico, que tinha o intuito
de libertar os doentes mentais do aprisionamento com intuito de apagamento da vivência da
pessoa com deficiência mental, os asilos foram substituídos com o decorrer dos anos, em
vários países, pelos manicômios, que são estabelecimentos ou hospitais psiquiátricos
especializados em tratar pessoas com problemas mentais. A partir disso, foi desenvolvido
várias formas de tratamento nos hospitais La Bicêtre e Salpêtrière 9 que se difundiram da
França para o resto da Europa. Entretanto, como efeito mais direto da segregação do louco via
internamento, o que se tem e, principalmente, a invenção social da alienação através do
9
Hospitais tradicionais localizados em Paris, França, existentes desde o século XVII.
21
Como destaca Janis Alessandra Cassilia e Ana Teresa A.Venâncio (2010) em sua
pesquisa, existem narrativas que ampliam significativamente a compreensão historiográfica
sobre esses espaços, de sua constituição em tempos passados até a contemporaneidade,
abrindo questionamentos acerca dos limites do saber e do poder psiquiátrico e,
especialmente, acerca dos sujeitos que os ocuparam. Para os autores, os manicômios
passaram a ser usados como um espaço de poder, de elaboração de saberes relacionados
com a gestão e o disciplinamento da população, e não como um espaço de cura do doente
mental e compreensão da doença, e nesse sentido, pela forma como se emergiram e se
instrumentalizaram durante os séculos XIX e XX, não teriam representado nenhum avanço
em termos científicos, não tendo os médicos uma autoridade fundada em parâmetros
científicos, mas sim em uma ordem ética dominante. (CASSILIA; VENANCIO, 2010, p.
252)
Quando pesquisamos as condições em que os internos dos manicômios eram
submetidos, logo entramos em um processo de profunda reflexão sobre as instituições
psiquiátricas criadas no Brasil, pois não correspondiam, em suas práticas, com um tratamento
condizente a seres humanos. Ao fazermos diferentes leituras sobre o tema, aponta-se que os
locais usavam de torturas e punições físicas como métodos de tratamento, visando preservar a
ordem social e evitar que a loucura fosse disseminada para a sociedade. Este pensamento era
equivocado em essência, mas foi disseminado pelos profissionais e gestores das instituições, e
aceitos pela sociedade daquele período.
Nesta perspectiva, entende-se que o sofrimento e a dor dos internos fazia parte da
23
Era dentro deste contexto histórico que se encontrava o doente mental hospitalizado.
Enquanto população específica, os loucos tiveram a perda de sua autonomia e tornaram-se
vulneráveis não só em decorrência da própria doença que os afetava, mas também pela
situação de violência que sofriam dentro dos manicômios. Ao serem indivíduos
institucionalizados, com famílias omissas, em situação de abandono social, a pessoa doente
passava a existir em uma realidade diferente, enclausurada e a margem da civilização, em
situação de maus tratos permitida pelos profissionais que atuavam em seu tratamento.
Nesta perspectiva de manicômio, enquanto perpetuador de violências justificadas
como tratamento a doentes mentais, buscamos compreender como tais instituições se
mantiveram por longo tempo como lugares de aprisionamento e apagamento de sujeitos e suas
memórias, tendo como tema principal de abordagem o maior caso de negligência e violência
hospitalar no Brasil, ocasionado no Hospital Colônia de Barbacena, fundado em 1903, no
Estado de Minas Gerais, Brasil.
deste marco histórico. Localizado em Barbacena Minas Gerais, também conhecido como
hospital Colônia.
para doentes. Por ser destinado a tratamento da alta sociedade brasileira, o sanatório possuía
uma grande estrutura e área territorial, de cerca de 8 mil metros,² localizado nas terras da
Fazenda da Caveira, que pertenceram a Joaquim Silvério dos Reis (1759-1819) 10 – o delator
da Inconfidência Mineira. Além disso, os pacientes dispunham de acesso ferroviário especial,
autorizado pelo governo estadual, com parada de trens da Estrada de Ferro Central do Brasil
próximos a instituição.
O chamado “trem de doidos”, pela população de Barbacena, era um vagão específico
com grades nas janelas utilizado somente pelos pacientes. Edson Brandão pesquisador,
ratifica o sanatório da seguinte maneira:
“[...] O antigo sanatório, que funcionava nos prédios que hoje compreendem a
Assistência aos Alienados, era um lugar de muito requinte, com talheres de prata,
com menu muito charmoso, todo em francês, ele tem uma linha de trem exclusiva
para atender essa clientela [...]. Então, é uma história paradoxal, ela começa com
requinte, de um spa de luxo para pessoas ricas, que depois foi adquirido pelo
governo do estado de Minas Gerais, e ao longo do século XX se tornou no terrível
Hospital Colônia de Barbacena [...]”. (ARBEX; MENDZ, 2016)
Com a falência do Sanatório de Barbacena, no início dos anos 1900, o local foi
adquirido pelo governo do estado de Minas Gerais, que a época dava início a “Assistência aos
Alienados” a partir da lei nº 290, de 16 de agosto de 1900, que autorizada em seu artigo 1º e
2º a criação da Assistência de Alienados, a qual seria responsável pela instalação e
administração de hospícios (MINAS GERAIS, 1900). Em 12 de outubro de 1903 aconteceu a
inauguração do primeiro hospital psiquiátrico de Minas Gerais, o Centro Hospitalar
Psiquiátrico de Barbacena – CHPB, financiado pela Fundação Estadual de Assistência
Psiquiátrica (FEAP), com a intenção de receber pacientes, chamados de “alienados”, antes
atendidos pela Santa Casa de Misericórdia e Instituto Philippe Pinel, localizados no Rio de
Janeiro/RJ, e pacientes sem vínculos familiares que vivam no antigo sanatório de Barbacena.
Localizado no antigo sanatório, a instituição era um extenso prédio com 16 pavilhões
independentes de cerca de 1.500 m² cada, tendo cada um deles a sua função específica, como
por exemplo: Pavilhão "Zoroastro Passos" e “Arthur Bernardes” para mulheres indigentes;
Pavilhão "Antônio Carlos" para homens indigentes; Pavilhão "Milton Campos", para
trabalhadores; entre outros como o Pavilhão "Afonso Pena", Pavilhão "Rodrigues Caldas" e
Pavilhão "Júlio Moura”, que eram dispostos em forma de um grande retângulo, conectados
entre si, como um casarão de fazenda. O espaço era fechado e distante da população
10
Joaquim Silvério dos Reis Montenegro Leiria Grutes foi um coronel português e comandante do Regimento de
Cavalaria Auxiliar de Borda do Campo, além de um dos colaboracionistas responsáveis por delatar os
inconfidentes mineiros, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
26
barbacenense, com prédios compostos por enfermarias, oficinas, lavanderias e cozinhas, com
alas especiais para práticas terapêuticas, além de praças, pátios, capela e necrotério, a
estrutura do novo hospital foi organizada com a capacidade para 200 leitos.
A nova instituição (HCB) contava com escolta policial, ônibus para transportar os
pacientes e um vagão específico para os indivíduos que seriam internados considerados
loucos.
Com a abertura do local, também foi inaugurado o cemitério da Paz, destinado ao
sepultamento dos pacientes.
Sobre o cemitério, o Dr. Jairo Toledo, ex-diretor do CHPB, declarou no
documentário “Holocausto Brasileiro”:
“O cemitério (da Paz) era uma cultura de que os loucos não poderiam ser sepultados
próximo as pessoas normais. Assim como os suicidas e os negros, também os loucos
tinham que ter um local para sepultamento. Pouco depois da criação do hospital, em
1903, já se fazia sepultamento no cemitério do cascalho, depois Cemitério da Paz,
foi mudado o nome, esse cemitério é criado praticamente junto com a criação do
hospital [...]” (ARBEX; MENDZ, 2016)
11
¹¹Lei criada pelo decreto n. 206 – A de 15 de Fevereiro de 1890.
¹² Lei nº 290, de 16 de agosto de 1900.
27
Nesse sentido, o CHPB tomou popularidade pelo país ao contribuir com uma espécie
de limpeza social, ao tirar os loucos do convívio societário e inseri-los numa vigilância estatal
segregadora, sem a intenção de cura e retorno a liberdade.
Concepção confirmada pela lei de Assistência aos Alienados¹¹, que em seu artigo 3º
define a seguinte autorização: “No prédio que for destinado ao hospício haverá, além das
acomodações precisas, um pavilhão para observação dos indivíduos suspeitos, um gabinete
eletro-terápico e oficinas, quando necessárias e a juízo do governo.”¹². Com o conceito de
“suspeito” pode-se entender que aquele sem transtornos mentais comprovados poderia ser
internado no CHPB mediante interesse público, o que dava margem a pessoas que se
encaixavam na visão preconceituosa da época, do louco que atrapalha a normalidade de
outros indivíduos. Esses subjugados tinham espaço para análise de sua situação já dentro do
CHPB, com internação imediata e consequentemente, afastamento social.
CHPB tornou-se referência nacional em psiquiatria, sendo procurado por diversas
famílias que buscavam tratamento para seus "desajustados". Com a adesão popular, a procura
do hospital não apenas para consultas e tratamento, mas também internação, o hospital
excedeu a capacidade planejada de internos, já que “a cada duas consultas e meia, uma pessoa
era hospitalizada” (ARBEX, 2013, p. 31). Dessa forma, em 1911, houve a necessidade de
tornar o CHPB em um “Hospital Colônia”, isto é, a instituição dali em diante abrigaria grupos
de indivíduos para tratamento contínuo, o espaço tornou-se a moradia dos internados, para
tratamento médico e acompanhamento integral, além de acesso a lazer e trabalho.
Durante os primeiros 30 anos de funcionamento, o Hospital Colônia de Barbacena
oferecia atendimento humanitário aos pacientes, mesmo dispondo de métodos populares,
porém pouco eficientes em termos de tratamento e cura. Tendo a aceitação nacional, o
Hospital Colônia passou a ser um ponto de convergência para todos os pacientes que as
comunidades pretendiam curar ou isolar, ou seja, a instituição passou a ter uma grande
demanda de doentes mentais, pessoas portadoras de IST’s12, tuberculosos e marginalizados. O
Dr. Jairo Toledo descreveu: “[...] no primeiro momento no hospital, as coisas funcionaram de
uma forma diferente. Ele cumpria seu papel baseado na medicina francesa, pelo menos até a
década de 30, que é o que sempre digo, a partir do Estado Novo 13, o ‘Regime Forte’, as coisas
começaram a complicar dentro da instituição [...]”. (ARBEX; MENDZ, 2016)
Antes desse período, ainda em 1924, a superlotação já havia se tornado um problema
constante a ser enfrentado pela administração do Hospital Colônia de Barbacena. A
12
Infecções Sexualmente Transmissíveis.
13
Terceira República Brasileira, foi a ditadura brasileira instaurada por Getúlio Vargas em 10 de novembro de
1937, que vigorou até 29 de outubro de 1945.
28
Em 1930, o hospital projetado para 200 pacientes possuía 5 mil pessoas internadas.
Com o processo de sucateamento do serviço oferecido pelo Hospital Colônia, o fator protetivo
e psiquiátrico da instituição se perdeu, o local passou a ser administrado a partir da
precarização do atendimento psiquiátrico, desvio de verbas, falta de fiscalização, descaso com
pacientes e consequentemente, violação dos direitos humanos. No documentário “Em Nome
da Razão” (1979) realizado com filmagens originais da instituição, o cineasta Helvécio Ratton
descreve o hospital da seguinte maneira:
sustentava a ideia de limpeza social, fortalecia o hospital e justificava seus abusos.” (ARBEX,
2013, p. 30)
Avançou sobre o Hospital Colônia um consciente sucateamento e improvisação
constante, fazendo com que os internos fossem submetidos a uma realidade de precariedade e
com o tempo, completo descaso, evoluindo para uma vida de violências realizadas sob a tutela
do estado. A sobrecarga no serviço psiquiátrico impactou todas as esferas do hospital:
Pavilhões lotados, falta de leitos, de profissionais da saúde, tratamento e medicação
inadequado, falta de higiene, comida, bebida, vestimenta, calçamento, proteção das baixas
temperaturas da cidade, tudo passou a ser permitido, mesmo violando os direitos civis e
humanos dos pacientes.
suas mães (ARBEX, 2013, p. 19). No que tange a menores de idade, o hospital abrigou cerca
de 150 crianças e adolescentes, alguns deles advindos do Hospital de Neuropsiquiatria de
Oliveira/MG. A instituição, aos moldes do Colônia, também sofria com superlotação e casos
de violência entre as crianças e dos funcionários contra elas, com relatos de abuso físico e
sexual. Não foi encontrado registros oficiais sobre o que ocorreu com os demais
institucionalizados que não foram direcionados ao Colônia.
O Hospital de Oliveira, criado em 1924, atendia a indigentes e mulheres, mas mudou
de público-alvo em 1946, quando passou a receber crianças com qualquer tipo de deficiência
física e mental, a maioria rejeitada pelas famílias (ARBEX, 2013, p. 138). Com o fechamento
do hospital em 1976, 33 crianças da unidade foram transferidas ao Hospital Colônia para
continuidade da internação, e ficaram conhecidas como os “Filhos de Oliveira”. Como
descreve Daniela Arbex no documentário “Holocausto Brasileiro”:
‘[...] Uma das partes mais impressionantes dessa história é a situação dos meninos
de oliveira, exatamente porque – ao contrário dos pacientes do Hospital Colônia –
eles tinham alguma deficiência física ou mental, e os pais sentiam vergonha desses
filhos e encaminhavam esses filhos para um ‘deposito de criança’ chamado Hospital
de Oliveira. E aí, quando esse hospital fecha, eles meninos acabam mudando de
deposito, sendo encaminhados para o Hospital Colônia. [...]’. (ARBEX; MENDZ,
2016)
Um deles, “Luizinho” de Oliveira Melo, foi enviado ao Hospital Oliveira pela mãe
aos 15 anos, na década de 50, por apresentar “esquisitices” como não gostar de andar descalço
ou brincar com outras crianças na rua. Convencida que o filho tinha transtornos mentais, já
que qualquer moléstia mental serviria, afinal, o rapaz era filho da pobreza como a maioria dos
depositados nos manicômios do Estado (ARBEX, 2013, p. 216), o jovem foi transferido ao
Hospital Colônia em 1952 e mantido, assim como as outras crianças, nos pavilhões,
recebendo tratamento idêntico ao oferecido aos adultos, permanecendo, inclusive, no meio
deles.
Havia poucos pacientes que eram visitados pelos familiares. Seja pela falta de
condições financeiras para chegar até a instituição ou vergonha e horror ao local, o abandono
era normalizado a maioria dos internos, que buscavam consolo entre eles, em amizades que
duraram toda a vida. Os pacientes apadrinhavam-se entre si, como a relação de amizade de
Sônia Maria da Costa, rejeitada aos 11 anos por fazer “molecagem” na rua, em Belo
Horizonte/MG, foi despachada para o hospital pela polícia (ARBEX, 2013, p. 83) e
Terezinha, considerada indigente, sem registros de sua naturalidade. As duas pacientes se
uniam para proteger-se da miséria vivida no hospital: “Quando Terezinha caía sem poder dar
33
conta de si, a paciente mais velha procurava a torneira para molhar um pano e limpar o rosto
dela, na tentativa de oferecer-lhe o mínimo de dignidade. Também ensinou a amiga a tomar
banho e manter a higiene pessoal.” (ARBEX, 2013, p. 76)
Os internos entravam na instituição inocentes as práticas do local e leigos ao
acreditarem que suas diferenças dos familiares eram mesmo um transtorno mental, enquanto a
família convencia-se de que o local seria o fim de suas responsabilidades com o familiar visto
como estorvo devido a suposta anormalidade. Alcoólatras, pessoas que vadiavam pela cidade,
moradores de rua, viciados em substâncias psicoativas, pessoas com doenças físicas tratáveis,
crianças e adolescentes órfãos ou negligenciados, desobedientes, incômodos a madrastas e
padrastos, entre tantos outros casos, eram destinados ao Hospital Colônia que, na prática, era
um depósito de pessoas indesejadas, e era eficiente no que se refere ao apagamento da
dignidade humana.
No vídeo documentário “em nome da razão” Helvécio Ratton descreve que ao
adentrar a instituição, as pessoas perdiam o direito a nome, pertences pessoais, ao livre
arbítrio, e com o tempo ia-se também o direito à alimentação balanceada, a uma cama,
banheiro e água potável, a expressividade e individualidade, a sobriedade no que tange a
medicações sedantes, e por fim, o direito à vida e até à um sepultamento digno “[...] aquele
que não tem família é confinado para sempre. E recebe um rótulo: ‘Crônico Social’. Mesmo
depois de terminado o processo da loucura que o levou ao internamento, ele continua aqui
(Hospital Colônia), sem ter para onde ir, ou voltar [...]”(RATTON, 1979).
A marginalização do ser que ocorreu dentro do Hospital Colônia apagou a história de
vida da maioria dos pacientes. Ao adentrar no hospital, deixavam de ser filhos, de ter nome,
infância e liberdade, suas capacidades eram menosprezadas e o interno era resumido a sua
doença mental, isso aos que a de fato possuíam, já que a maioria dos pacientes só foram
designados a opressão social, como uma gentrificação ocorrida com a finalidade de expulsar
os indesejados da sociedade, segregando-os em um único local, onde lhe foram retirados o
direito a humanidade. A margem da sociedade, o Hospital Colônia foi um campo de
concentração para milhares de brasileiros inocentes e indefesos, onde todas as práticas de
violência eram permitidas e validadas pelo argumento de serem ações inerentes ao tratamento
manicomial.
As análises desse material audiovisual utilizados em nossa pesquisa não tem
caráter de verdade absoluta, mas nos proporcionou pensar a partir de um conjunto de
possibilidades metodológica pautadas por uma abordagem frequentemente enfatizada por
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“[...] tinha 5 mil pacientes quando eu entrei aqui, na época. Toda quarta feira,
chegava um ônibus ‘entupido’ de paciente vomitando, tendo diarreia, urinado, do
Hospital Raul Soares, porque a polícia militar, polícia de rua de Belo Horizonte, não
sei qual o tipo de polícia, pegavam todas as pessoas que estavam perambulando pela
rodoviária, por lá, e ‘enfiavam’ no (Hospital) Raul Soares. Do (Hospital) Raul
Soares tocava pra gente aqui (Hospital Colônia de Barbacena), sem nome, sem nada.
E aqui tinham muitos pacientes que os hospitais mandavam, porque era muito fácil,
o diretor era médico, todos tinham hospitais com uma fonte de renda excelente né,
excelente mesmo, porque ‘doido’ não tem coisa melhor pra dar dinheiro... e
mandavam quem estava dando trabalho pra cá. Aqui era deposito, sempre foi
deposito [...]”. (ARBEX; MENDZ, 2016)
Por dia, a cozinha gastava 120 quilos de arroz e apenas sessenta quilos de feijão para
alimentar um exército de 4.800 pessoas. Como a quantidade não dava, o jeito era
engrossar a água preta com farinha de mandioca na tentativa de encorpar o caldo e
fazer a comida render. Além de aguada, a comida era insossa, pois quase não levava
tempero. À época da colheita de milho, todas as refeições eram provenientes dos
grãos da espiga, sendo comum diarreia provocada pelo excesso de amido. Quando
havia carne, ela era triturada e misturada às refeições, já que faca e garfo eram
proibidos. Farta mesmo somente a quantidade de verduras colhidas na horta do
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14
Hospital fundado em 7 de setembro de 1922 em Belo Horizonte/MG para o tratamento de doentes
psiquiátricos. O instituto faz parte da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig).
37
construção de suas casas. (ARBEX, 2013. p. 219). Recebendo maços de cigarro como
pagamento, os internos considerados “úteis” foram submetidos à trabalhos contra sua vontade,
passando o dia fora da instituição e retornando à realidade do hospital a noite, como
prisioneiros em regime semiaberto15.
No vídeo documentário “holocausto brasileiro”, Milton Raposo ex-funcionário do
Colônia conta como esses internos eram submetidos a trabalhos dentro e fora do manicômio
em troca até mesmo de um cigarro.
“[...] Os pacientes do hospital colônia eram tranquilos, não agrediam ninguém, eram
uns pacientes educados, eles precisavam de um afeto. Os pacientes do hospital
colônia na época, eles iam para o olaria, faziam tijolos. Eu frequentava a olaria
porque meu pai inclusive era um chefe daquela parte. Tinham alguns que dormiam
lá, pois tinha que refazer o fogo para assar os tijolos, eram eles quem refaziam, no
tempo em que eu vivia lá dentro eram 200 a 300 pacientes para dois funcionários
olharem eles. Os pacientes pegavam uns cobertores e iam arrancar capim para fazer
colchões para eles dormirem, eles mesmos costuravam, davam os pontos. Como
dizia o Doutor Faustino para mim, o paciente psiquiátrico ele precisa de um fumo,
um cigarro e comida[...]” (ARBEX; MENDZ, 2016)
Milton quando questionado, fala que para ele cuidar daqueles pacientes era normal
pois eles não agrediam ninguém. E que se incomodava quando tinha que retirá-los para
realizarem trabalho pesado fora do manicômio e que muitos ao sair davam a mão para que
pudesse segurá-los.
Na fragilidade humana e em toda forma de descaso e desumanização, os internos do
Colônia viviam em regime análogo a escravidão. Sem direito a vida. Esses sujeitos
vivenciavam diariamente um processo de anulação mascarado como forma legitima de
tratamento psiquiátrico, no qual as drogas legais, afastamento social e a obrigação do trabalho
docilizavam e domesticavam seus corpos e mentes, descontruindo os seus laços familiares e
sociais e fazendo com que os pacientes perdessem sua identidade e dignidade. O modus
operandi do Colônia era manter os apagamentos dos preteridos por meio da padronização de
pessoas, segregação e escravidão, sem se importar com a individualidade dos pacientes.
Ademais, além da vida resumida a ociosidade, exploração da força de trabalho e
negligência dos aspectos básicos da vida humana, ou seja, alimentação, dormitório,
vestimenta, proteção e manutenção da saúde, o Hospital Colônia marcou a história recente do
país ao ser palco de violências físicas e psicológicas admitidas como tratamento psiquiátrico.
Tais práticas institucionais irregulares, junto ao tratamento psiquiátrico desumanizado e
15
No Brasil, de acordo com a lei n.º 7.210 de 11 de julho de 1984, dá-se o nome de prisão em regime semiaberto
à pena de prisão que é cumprida em colônias agrícolas ou industriais ou em instituições equivalentes. Neste
regime, o indivíduo poderá ser alojado em locais coletivos e sua pena estará atrelada a seu trabalho.
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vexatório, levaram a vida dos pacientes sob tortura durante décadas, culminando no óbito de
milhares deles.
A imagem revela que estão despidos não somente de panos, mas falta de
dignidade humana. E o quão é o descaso e o desrespeito que os internos HCB foram
submetidos.
TERAPIAS UTILIZADAS
pacientes que se comportavam mal. O sofrimento velado sobre o falso pretexto de estar sobre
o processo de cura pode ser mais bem compreendido na fala de:
Resende fala desse sujeito que está ali entre os loucos, mas que não é diagnosticado
de fato, um perturbador da paz, alguém, que não se encaixa no moralmente correto da
sociedade, e que vai ser também depositado no HCB, logo quanto este é quem vai ser a figura
mais ativa na laborterapia.
A conhecida “laborterapia” era usada na época como parte do tratamento da loucura,
na crença de que era necessário evitar a ociosidade, a qual era perniciosa ao espírito do louco.
Por meio do trabalho, retirava-se o louco de sua condição de criatura inútil, possibilitando a
canalização da sua agressividade e, consequentemente, a cura. Dessa forma, os pacientes
pobres e considerados indigentes eram forçados a trabalhos monótonos e repetitivos, sem
remuneração, e faziam trabalhos pesados na lavoura, na área do hospital, e na confecção de
tijolos, bonecos, tapetes e outros produtos que eram vendidos ou consumidos internamente.
A laborterapia teve uma tendência a ser estimulada pelo fato de nem todos os que
estavam internos no HCB serem loucos, conjectura-se que o estado estava muito ciente disso.
Porém não usava outra nomenclatura para as pessoas que viviam em ociosidade e que eram
recolhidas e destinadas ao trem dos loucos. De certa forma estavam sendo garantidos que
esses sujeitos estivessem dando retorno positivo para a sociedade de qualquer forma.
Existiram propostas de divisões dos internos em pavilhões, para os modelos de
assistência psiquiátrica e recursos terapêuticos, onde também existiam o tratamento e
atendimento realizados em ambulatórios de higiene mental são relatadas em diversos
regulamentos expedidos pelo governo de Minas em 1922, 1927, 1934 e 1946. Estes
constituíram o movimento de expansão do campo psiquiátrico para além do espaço asilar, se
estendendo para uma biopolítica. Dessa forma, tratava de questões que objetivavam o corpo
do indivíduo com intuito de buscar o adestramento social através de convenções sociais.
Portanto, o poder disciplinar imposto por essas instituições que controlava comportamentos e
atitudes colaboraram para o adestramento destes corpos os tornando “úteis” ao processo
produtivo. (DUARTE, 2009, p. 40).
Os doentes ficavam divididos dentro do espaço asilar no interior de forma que se
propicia-se a interação com o trabalho. Sendo separados os inválidos dos incuráveis e dos
43
crônicos, ou seja, era feita uma anamnese para distinguir quais dos pacientes possui sequela
física que o impossibilitasse ao trabalho, daqueles que poderiam ser ressocializados e
reinseridos. Desta maneira o trabalho não constituía em apenas um recurso terapêutico, mas
uma forma de diferenciação do indivíduo normal ressocializado do doente improdutivo.
(DUARTE, 2009, p. 40).
Existem certas divergências entre a indicação de repouso no leito e sua aplicação por
métodos de coerção, como uso de colete de forças, proibição das visitas, ser recolhido à
solitária. O sistema em si era contraditório, havia uma espécie de punição de cunho moral. No
regulamento interno constam como terapias: banhos e hidroterapia entre outros. A utilização
de internos para o ofício não era de forma generalizada, sendo apenas determinado grupo,
obedecendo regulamento interno. (NUNES et al, 2013, p. 93).
O trabalho do psicólogo no setor público e privado, atuando de forma comunitária ou
pessoal, deve ser norteado pelo código de ética, visando uma reflexão sobre suas ações,
compromissos e responsabilidades em determinada profissão. Estando envolvido em diversas
atividades, desenvolvendo pesquisas para produção de conhecimento em relação a saúde
mental, trabalhar com práticas psicoterápicas entre outras. Deve possuir um olhar atento
históricas, socioeconômicas, políticas e culturais, elaborando a melhor forma de intervenção
diante da realidade disposta. (RODRIGUES et al, 2021)
Os pacientes precisavam lidar com uma lista de horrores que ocorriam ali: estupros,
maus tratos físicos e mentais muito recorrentes no HCB. Internos eram obrigados a passar
pela supracitada terapia de choque e mais duchas escocesas, como punição ou mesmo por
vontade dos funcionários. Centenas que passaram por esses processos faleceram. Além de
tudo isso não possuíam vestimentas para todos e a maioria andava nu, mesmo com as baixas
nas temperaturas de Barbacena. Tentando sobreviver, eles tentavam se aquecer dormindo uns
próximos aos outros, mas devido ao clima pesado, muitos padeceram. A situação de
sobrevivência era insalubre, não havia água encanada ou fornecimento de comida que
provesse para a quantidade exacerbada de pessoas.
Segundo Arbex os pacientes faziam suas necessidades fisiológicas em público e
muitas vezes se alimentavam de dejetos. Utilizavam esgoto como fonte de água para suas
prioridades. Sendo estas práticas fontes de muitas doenças que os acometiam.
“A coisa era muito pior do que parece. Cheguei a ver alimentos sendo jogados em
cochos, e os doidos avançando para comer, como animais. Visitei o campo de
Auschwitz e não vi diferença. O que acontece lá é a desumanidade, a crueldade
planejada. No hospício, tira-se o caráter humano de uma pessoa, e ela deixa de ser
gente. Havia um total desinteresse pela sorte. Basta dizer que os eletrochoques eram
dados indiscriminadamente. Às vezes, a energia elétrica da cidade não era suficiente
para aguentar a carga. Muitos morriam, outros sofriam fraturas graves”, revela o
psiquiatra e escritor Ronaldo Simões Coelho, 80 anos, que trabalhou na Colônia no
início da década de 60 como secretário geral da recém-criada Fundação Estadual de
Assistência Psiquiátrica, substituída, em 77, pela Fundação Hospitalar do Estado de
Minas Gerais (Fhemig). A Fhemig continua responsável pela instituição,
reformulada a partir de 1980 e, recentemente, transformada em hospital regional.
Hoje, o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB) atende um universo de
50 cidades e uma população estimada em 700 mil pessoas.” (ARBEX, 2014)
No Brasil o doente mental faz sua aparição na cena das cidades, igualmente a um
contexto de desordem e ameaça à paz social, mas diferentemente do que se observou
na Europa, em plena vigência da sociedade rural pré-capitalista, tradicionalmente
pouco discriminativa para a diferença (RESENDE apud FULLIN, 1992, p. 30).
Como cita Heitor Resende, esse conceito de doente mental surge de um ambiente
diferente, ele é o estranho, o incômodo social. Daí vem um ponto onde as práticas do HCB
45
tentaram se legitimar no conceito de limpeza social. Onde como já foi dito anteriormente se
pega todos os socialmente inadequados e coloca em um único lugar fora do âmbito social. Por
isso tudo que era considerado estranho também era levado no trem dos loucos. Até mesmo
pessoas sãs mentalmente. Tudo isso foi amplamente relacionado ao fim da escravidão, a
“onda de desocupados”, onde o louco está aliado ao segregado, ao que possui baixa condição
social. Sendo vistos como resíduos da sociedade. Vejamos como Resende fala desses:
“O Hospital Colônia, apesar de ser uma instituição pública, também se tornou
reconhecido por seu caráter mercantilista, em que utilizou desde a venda de
cadáveres para faculdades de medicina até a recepção de um número de pessoas
muito superior à sua capacidade, para arrecadar lucros. O mesmo também se tornou
conhecido por seu caráter de utilitarismo social devido às controvérsias em relação
ao diagnóstico das pessoas ali internadas e os motivos aos quais elas eram asiladas
no local, já que muitas não apresentavam sintomas de neuroses.” (RESENDE apud
FULLIN, 1992, p. 22).
Segundo Fullin (2018) A doença pode ser vista como processo onde é uma categoria
que envolve uma sequência de eventos, onde estes eventos são impulsionados por dois
objetivos: “(1) compreender o sofrimento no sentido de organizar a experiência vivida, e (2)
se possível, sanar o sofrimento”, assim, “para compreender a percepção e o significado [da
doença] é necessário ver todo o episódio da doença: o seu percurso terapêutico e os discursos
dos atores envolvidos em cada passo da sequência de eventos” (Langdon, 1996, p. 9).Desta
forma, o corpo é quem carrega os sintomas que não estão separados da experiência social na
qual vive o indivíduo, uma vez que as sensações e experiências corporais são subjetivas e se
manifestam em conjunto com o mundo natural, social e cosmológico.
solicitação de um trabalho mais humanizado. Com essa nova realidade foi possível a entrada
dos jornalistas dentro dos grandes hospitais, com a missão de desvendar o cotidiano dos
internados, recebendo Minas Gerais destaque nacional.
Esse processo de reforma se concretiza a partir de diversas iniciativas em relação aos
direitos humanos. A crítica para o modelo atual até 1970 principalmente em Minas Gerais,
sendo 1979 ano de destaque, fora o momento em que o psiquiatra italiano Franco Basaglia
veio ao Brasil realizar seminários, onde divulgou o trabalho de desmonte que realizou em um
hospital público na Itália e também da lei que tinha sido aprovada pela Itália e visava a
recuperação da cidadania para as pessoas com doenças mentais, assim como a regulamentação
da internação compulsória, bem como extinção gradual dos manicômios.
Sônia cresceu sozinha no hospital. Foi vítima de todos os tipos de violação. Sofreu
agressão física, tomava choques diários, ficou trancada em cela úmida sem um único
cobertor para se aquecer e tomou as famosas injeções 5 de “entorta”, que causavam
impregnação no organismo e faziam a boca encher de cuspe. Deixada sem água,
muitas vezes, ela bebia a própria urina para matar a sede. Tomava banho de
mergulho na banheira com fezes, uma espécie de castigo imposto a pessoas que,
como Sônia, não se enquadravam às regras. Por diversas vezes, teve sangue retirado
sem o seu consentimento por vampiros humanos que enchiam recipientes de vidro, a
fim de aplicá-lo em organismos mais debilitados que o dela, principalmente nos
pacientes que passavam pela lobotomia. A intervenção cirúrgica no cérebro para
seccionar as vias que ligam os lobos frontais ao tálamo era recorrente no Colônia.
(ARBEX, 2013, p.47)
Segundo Figueiredo (2019) Reforma Psiquiátrica no Brasil tem início, ainda no seu
começo, na década de 1980, dentro desse contexto vem a criação do SUS com a constituição
de 1988. O movimento tem seu ponto alto com a criação da lei 10.2016 de 6 de Abril de 2001.
Com isto ganha destaque as Conferências Nacionais de Saúde Mental e 1992 e 2001 que
alavancaram as ideias na política de formação de recursos humanos, subsídio e controle social
com foco no desenvolvimento de serviços abertos de base territorial. Estes serviços
objetivavam ser substitutivos dos manicômios com uma proposta de cuidado integral com o
trabalho interdisciplinar, dando abertura para criação de um novo espaço com uma proposta
para as práticas de na saúde mental: o campo da Atenção Pessoal.
Este programa De Volta Para Casa, foi lançado em 2003 pelo Ministério da Saúde,
com objetivo de fornecer auxílio-reabilitação psicossocial e amparo social para as pessoas que
precisam viver nas residências terapêuticas, necessitando de uma ampla rede de recursos
assistenciais e de cuidados, que vão além do campo da psiquiatria, porém se relacionam com
diversos outros como: psicologia, serviço social e artes. (FULLIN, 2018).
No intento de se obter um tratamento eficaz, se faz necessário considerar não apenas
os sintomas clínicos do paciente, mas se fazer um estudo empírico a partir das experiências
humanas, nas quais o indivíduo não está só em si, mas envolvido em toda uma ordem social
em que este se insere e o seu contexto cultural. Tratamento este muito diferente do oferecido
nos manicômios, pois nestas instituições a subjetividade humana é anulada.
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), dentre todos os dispositivos de atenção
à saúde mental, têm tido a maior importância estratégica para a reforma psiquiátrica brasileira.
É devido a atuação de serviços como o CAPS que se torna real e possível a organização de
uma rede que substitua os manicômios no país. Sendo função do CAPS prestar o devido
atendimento clínico diariamente, evitando ao máximo internações em hospitais psiquiátricos;
é sua função também promover a integração social das pessoas com transtornos mentais
através de ações; controlar a porta de entrada da assistência em saúde mental em sua área de
50
atuação fornecendo suporte à atenção à saúde mental na rede básica. O CAPS tem por primor
organizar a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios.
Os CAPS devem ser substituintes dos hospitais psiquiátricos e não complementares.
Nessa perspectiva é responsabilidade do CAPS realizar o acolhimento e prestar a devida
atenção às pessoas com transtornos mentais graves e persistentes buscando criar e fortalecer
laços sociais em seu ambiente.
O novo e grande desafio para o profissional desta vez, é que este não deve mais
trabalhar sozinho, todo trabalho agora será realizado por uma equipe multiprofissional. Como
resposta imediata a este método houve uma perda sobre o controle do caso e uma dispersão
por parte da gestão em relação ao apoio técnico. Temos uma mudança considerável também
sobre as relações de poder e sobre os saberes do trabalho coletivo nas relações profissionais.
Além de que na formação das equipes à marca das disputas imaginárias ou “narcisismo das
pequenas diferenças” de Freud, gerador de contendas. Esses problemas ocorrem, entre outros
mais, já com os pacientes e o saber dos casos havendo uma incapacidade em compartilhar
esse saber e responsabilidades. (FIGUEIREDO, 2019)
por parte da gestão em relação ao apoio técnico. Temos uma mudança considerável também
sobre as relações de poder e sobre os saberes do trabalho coletivo nas relações profissionais.
Além de que na formação das equipes à marca das disputas imaginárias ou “narcisismo das
pequenas diferenças” de Freud, gerador de contendas. Esses problemas ocorrem, entre outros
mais, já com os pacientes e o saber dos casos havendo uma incapacidade em compartilhar
esse saber e responsabilidades. (FIGUEIREDO, 2019)
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
passar por terapia de choque e mais duchas escocesas, como punição ou mesmo por vontade
dos funcionários.
A superlotação e as condições insalubres no Hospital Colônia de Barbacena
ganharam destaque no final da década de 1970, a loucura nesse momento passou a ser um
problema a ser eliminado a todo custo. Isso tudo se deve à imprensa que passou a veicular
imagens relacionadas perturbadoras dentro das instituições de saúde mental. Chegavam
denúncias de movimentos que vieram a se chamar o Movimento da Luta Antimanicomial.
Essa luta possibilitou as bases das propostas para a Reforma Psiquiatra Brasileira. E foi no
período de 1978 e 1980 que se passa a reconhecer as idéias que passaram a nortear a
Reforma Psiquiatra Brasileira. Esse processo de reforma se concretiza a partir de diversas
iniciativas em relação aos direitos humanos. Os psicólogos e psicanalistas em nenhum
momento estiveram fora desses processos, tomando a frente em alguns movimentos, se
empenhando nos discursões a fim de trazer melhorias na reforma psiquiátrica, como no caso
comunidades terapêuticas de inspiração inglesa na antipsiquiatria dos anos 1960, e no
movimento dos trabalhadores de saúde mental no Brasil nas décadas de 1970 e 1980.
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), dentre todos os dispositivos de
atenção à saúde mental, têm tido a maior importância estratégica para a reforma psiquiátrica
brasileira. É devido a atuação de serviços como o CAPS que se torna real e possível a
organização de uma rede que substitua os manicômios no país.
Devemos considerar que que a violência praticada contra seres humanos dentro do
hospital Colônia de Barbacena teve a ver com médicos e autoridades, mas também teve
participação de uma sociedade que na incapacidade de lidar com as indiferenças demonstrou
através do ofício, todo o poder de opressão, anulação e apagamento dos sujeitos.
Conhecer a história de violência praticada dentro do hospital Colônia em
Barbacena, MG – Brasil, por meio da pesquisa bibliográfica, nos possibilitou não somente
pensar historicamente, mas a refletir sobre a produção e na sistematização do conhecimento
como passo importante para o desenvolvimento científico, tecnológico e humano de uma
sociedade.
54
REFERÊNCIAS
ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. 1. Ed. – São Paulo: Geração Editorial, 2013.
BRASIL. Lei nº 13.146. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
(Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília. 6 de julho de 2015. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm#:~:text=L13146&t
ext=LEI%20N%C2%BA%2013.146%2C%20DE%206%20DE%20JULHO%20DE
%202015.&text=Institui%20a%20Lei%20Brasileira%20de,Estatuto%20da%20Pessoa
%20com%20Defici%C3%AAncia).> Acesso em: 01 mai. 2021.
DOS Loucos e das Rosas. Direção: Andrea Pinto. Produção: Christovão Paiva. Local: Canal
Saúde; Fio Cruz. Brasil, 2011. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?
v=9Y2a88ZjIMg >. Acesso: 01 jun. 2022.
FOUCAULT, M. História da Loucura na Idade Clássica. 1. Ed. Rev. São ´Paulo: Editora
Perspectiva S. A. 1978. 608p.
FIGUEIREDO, Ana Cristina. Uma breve revisão da reforma psiquiátrica no Brasil e sua
relação com a psicanálise e a psicologia. Rev. psicol. polít., São Paulo , v. 19, n. 44, p. 78-
87, abr. 2019 . Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1519-549X2019000100009&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 17
fev. 2023