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TÓPICO 2 | EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E A AGRICULTURA

7 REVOLUÇÃO VERDE E A FARTURA MUNDIAL


Do ponto de vista da agricultura, um conjunto de transformações de grande
impacto mudou o modo de se produzir e trabalhar a terra, mudou drasticamente
a forma como o homem explora o fator terra. Tais mudanças iniciaram-se nos
Estados Unidos e na Europa Ocidental na década de 1950, e se expandiram para
outros países e regiões nas décadas seguintes. Foi a chamada Revolução Verde.

Segundo Albergoni e Pelaez (2007, p. 34), a Revolução Verde pode


“ser caracterizada fundamentalmente pela combinação de insumos químicos
(fertilizantes, agrotóxicos), mecânicos (tratores e implementos) e biológicos
(sementes geneticamente melhoradas)”. Este trabalho enfatiza sobretudo as
trajetórias tecnológicas associadas aos insumos químicos (agrotóxicos) e biológicos.

Vamos analisar os elementos desse conceito, pois eles nos mostram como
a relação do homem com a terra mudou drasticamente como consequência do
conjunto de inovações, que ficou conhecido como Revolução Verde. Ela é, antes
de mais nada, fruto da aplicação de conhecimento (agora não mais empírico, mas
científico) e tecnologia com objetivo específico de aumentar a produtividade das
lavouras, rebanhos e processos de produção.

Para tanto, houve o estudo sistemático dos processos e fenômenos ligados


à produção agrícola e pecuária, descoberta dos mecanismos de nutrição, dos
efeitos de moléculas químicas sobre as plantas, animais e pragas que infestavam
as plantações e rebanhos, além da aplicação das tecnologias de mecanização na
atividade de produção agrícola.

Alguns fatores ilustram com exatidão o que caracterizou esse momento


histórico, são eles: a aplicação maciça de fertilizantes químicos, principalmente à
base de nitrogênio, que proporcionou aumentos de produtividade das lavouras
de forma significativa; introdução dos defensivos agrícolas, que são produtos
produzidos à base de moléculas químicas que atuam com venenos para certos
grupos ou espécies selecionadas de animais (inseticidas, nematicidas), sobre fungos
e bactérias nocivos (fungicidas e bactericidas), sobre plantas daninhas (herbicidas);
o uso intensivo de máquinas agrícolas, que aumentou a produtividade do trabalho
e liberou grandes contingentes de mão de obra que puderam ser utilizados na
indústria.

O uso combinado desses novos fatores tecnológicos na produção agrícola


possibilitou um salto na produtividade e na oferta mundial de alimentos e
produtos de origem agrícola, tornando mais distante a ameaça malthusiana de
escassez e fome, ou seja, a capacidade mundial de produção de alimentos garantia
segurança alimentar à população mundial com sobras. Isso permitiu o incremento
tecnológico sem precedentes, percebido nas últimas cinco décadas. Em resumo,
a Revolução Verde libertou o ser humano para usar suas habilidades em outras
atividades, gerando progresso mundial.

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UNIDADE 1 | ORIGENS E FUNDAMENTOS DA AGRICULTURA

FIGURA 15 – REVOLUÇÃO VERDE – A APLICAÇÃO DE DEFENSIVOS

FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/ecologia/agrotoxicos/>. Acesso em: 3 maio 2017.

No entanto, houve consequências danosas desse processo, vamos analisar


algumas delas. O primeiro ponto a ser discutido é o fato de que ter grande produção
de produtos agrícolas, inclusive a baixo custo, não é garantia de que eles chegarão
ao consumidor. As desigualdades sociais e econômicas entre países, regiões e
mesmo entre classes sociais fizeram com que os benefícios dessa transformação
fossem percebidos e aproveitados de forma bastante diversa entre habitantes de
países ou regiões ricas daqueles das regiões mais pobres, bem como entre pessoas
abastadas das pessoas mais carentes. Como efeito prático, o que houve foi um
maior distanciamento entre ricos e pobres, sendo os primeiros muito beneficiados
pelo processo, ao passo que os mais pobres ficaram alijados dos benefícios gerados
ou até mesmo perceberam piora em sua condição, pela exploração de sua força de
trabalho e recursos naturais. Ou seja, a coletividade não foi beneficiada de forma
homogênea.

Esse problema, no entanto, não é responsabilidade da agricultura em si,


nem mesmo da Revolução Verde, mas sim do sistema econômico dual (ganha-
perde) e das falhas dos sistemas de distribuição de produtos e dos organismos
internacionais, criados após a Segunda Guerra Mundial para diminuir a
desigualdade entre povos e nações, que falharam sistematicamente em suas
atribuições.

O segundo impacto percebido foi sobre o ambiente, em que o uso


indiscriminado de pesticidas, alguns ainda sem os devidos cuidados de estudo de
impactos no ambiente, resultou em desequilíbrio ambiental, doenças graves em
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pessoas e ameaça à sobrevivência de espécies que nada tinham a ver com as pragas
ou doenças que se tentava controlar com a utilização de tais produtos, o mais
famoso deles foi o BHC (Benzene Hexachloride), cujo efeito nocivo foi registrado
no livro A primavera silenciosa, de Rachel Carson, publicado em 1962 (CARSON,
2010). Esse produto foi banido do mercado e proibido seu uso na maioria dos países
pelo fato de que, além dos impactos no ambiente, causa também sérios problemas
de saúde em quem entra em contato com ele, afetando o sistema nervoso central
de forma irreversível.

ATENCAO

Tanto os impactos ambientais e sociais quanto os econômicos, devem ser levados


em consideração no planejamento das atividades de exploração agrícola.

Também no âmbito ambiental, o uso exagerado e inadequado da adubação


nitrogenada, que grande aumento de produtividade trouxe para as lavouras,
gerou problemas de contaminação da água, aumentando a incidência de algas que
extraíam grandes volumes de oxigênio da água, matando peixes e outros animais
de maior porte, o que criou significativos problemas na cadeia alimentar, com
impactos na vida humana.

Outro fator que merece destaque é o uso cada vez maior de máquinas
agrícolas, que faziam, nessa época, grande revolvimento de solo, criando ambientes
propícios para a erosão, além de compactação de solo, pelo peso dos equipamentos
e outros males que só depois vieram a ser estudados e desenvolvidas técnicas para
contenção desses danos. Esse maquinário pesado também gerou outro impacto,
que foi a abertura de novas fronteiras agrícolas, feitas com a derrubada de matas ou
destruição de outros biomas, como o cerrado brasileiro, pois agora os agricultores
tinham maior poder de fogo para realizar tais derrubadas, fato que inclusive foi
estimulado por governos, como o brasileiro, até bem pouco tempo atrás.

Entretanto, são inegáveis o impulso e os benefícios trazidos pela Revolução


Verde, a saber: atualmente, quase sete décadas depois do início desse processo e
com a população mundial aumentando muitas vezes no mesmo período, ainda
há capacidade de produção de alimentos de forma segura e suficiente para toda a
população mundial. O grande problema ainda continua a ser a distribuição desses
alimentos e o acesso de pessoas e povos mais pobres e, portanto, mais necessitados
desses produtos.

Atualmente a inovação tecnológica no campo continua a existir em larga


escala, com uso de produtos mais seguros ao ambiente e às pessoas, com inovações
em práticas de manejo de solo e água, com uso de equipamentos mais modernos,
produtivos e menos prejudiciais ao ambiente, com menor poluição ambiental e
maior conscientização para conservação dos recursos e do ambiente.
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Em suma, a Revolução Verde nos trouxe maior produção e produtividade,


possibilitou segurança alimentar, mas não foi capaz de superar a ganância e a
ignorância humanas representadas pela divisão social e exploração econômica de
povos por outras nações.

LEITURA COMPLEMENTAR

REVOLUÇÃO VERDE, BIOTECNOLOGIA E TECNOLOGIAS


ALTERNATIVAS

Alan Kardec Veloso de Matos

Revolução Verde

A chamada “Revolução Verde”, iniciada na década de 60, orientou a


pesquisa e o desenvolvimento dos modernos sistemas de produção agrícola para a
incorporação de pacotes tecnológicos de suposta aplicação universal, que visavam
à maximização dos rendimentos dos cultivos em distintas situações ecológicas.
Propunha-se a elevar ao máximo a capacidade potencial dos cultivos, a fim de
gerar as condições ecológicas ideais afastando predadores naturais via utilização
de agrotóxicos, contribuindo, por outro lado, com a nutrição das culturas através
da fertilização sintética. A utilização intensiva de agrotóxicos e fertilizantes, aliada
ao desenvolvimento genético de sementes, contribuiu para “Revolução Verde”,
um amplo programa para elevar a produção agrícola no mundo (BARROS, 2010).

Para Goodman, Sorj e Wilkinson (1990), a Revolução Verde representa um


dos principais esforços para internacionalizar o processo de apropriacionismo.
O fato científico decisivo foi a difusão de criação de plantas, desenvolvidas na
agricultura de clima temperado, para o meio ambiente das regiões tropicais e
subtropicais. Assim, a Revolução Verde, através da difusão internacional das
técnicas de pesquisa agrícola, marca uma maior homogeneização do processo de
produção agrícola em torno de um conjunto compartilhado de práticas agronômicas
e de insumos industriais genéricos.

Esse sistema de produção, a priori, traria aumentos de produção em


pequenas propriedades agrícolas tendo consequências distributivas favoráveis.
Alimentos são duplamente importantes para os pobres, porque o cultivo responde
por uma grande parcela de sua ocupação e trabalho e sua compra absorve grande
parcela de seus gastos. Em princípio, acréscimos de produtividade agrícola devem
aumentar as rendas que as populações rurais pobres obtêm da venda dos alimentos,
ao mesmo tempo em que reduziria o preço que os pobres urbanos pagam pelos
alimentos.

Segundo Conway (2003), sem o advento da Revolução Verde, a quantidade


de pobres e famintos hoje seria bem maior. Há 35 anos, segundo a FAO3, havia
aproximadamente 1 bilhão de pessoas nos países em desenvolvimento que não

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obtinham o suficiente para comer, o equivalente a 50% da população, contra 20%.


Para Conway (2003), a conquista da Revolução Verde foi ter permitido aumentos
anuais de alimentos que acompanharam o crescimento da população.

De acordo com Conway (2003), a Revolução Verde originou de uma Joint


Venture entre o Escritório de Estudos Especiais, criado pelo Ministério da Agricultura
do México, e a Fundação ROCKEFELLER, em 1943. Na época, o rendimento dos
grãos mexicanos era muito baixo; o rendimento do milho era, em média, um quarto
do norte-americano; e o trigo rendia menos de 800 Kg/ha. O escritório era chefiado
por George Harrar e incluía Edwin Wellhausen, um plantador de milho, Norman
Borlang, fitopatologista e William Colwel, um cientista de solo. Ainda segundo
Conway (2003), o escritório chegaria a ter 21 cientistas norte-americanos e cem
mexicanos trabalhando principalmente numa estação experimental em Chapingo,
Planalto Central mexicano. Sua incumbência era melhorar o rendimento das
culturas alimentares básicas: milho, trigo e feijão.

Após intenso trabalho de pesquisa com a criação de variedades melhoradas,


que eram distribuídas aleatoriamente pelas instituições de pesquisa, dois
consultores agrícolas mexicanos que trabalhavam em El Salvador tiveram a ideia
de reunir num pacote os insumos básicos que um fazendeiro precisaria para testar
uma nova variedade num pequeno lote. A ideia se espalhou rapidamente para
outros países e foi testada em escala maciça nas Filipinas, onde um pacote típico
continha 0,9 Kg de semente de arroz, 19 Kg de fertilizante e 2,7 Kg de inseticida.
Os pacotes eram produzidos pelos governos e também vendidos por empresas de
fertilizantes (CONWAY, 2003).

Um objetivo consciente da Revolução Verde, desde o início, era produzir


variedades que pudessem ser cultivadas num amplo leque de condições em todo o
mundo em desenvolvimento. Para atingir esse objetivo, os produtores do México
haviam cultivado, com êxito, os novos tipos de trigo para serem indiferentes ao
fotoperiodismo, Revolução Verde, Biotecnologia e Tecnologias Alternativas, isto é,
eles poderiam florescer e produzir grãos em qualquer época do ano, ao contrário
de variedades tradicionais que tendem a florescer em certas estações. Contanto
que a temperatura ficasse acima de determinado grau mínimo e houvesse água
suficiente, as novas variedades cresceriam em quase toda parte.

De acordo com Almeida e Lamounier (2005), o processo de modernização


da agricultura brasileira, chamado de Revolução Verde, possibilitou o melhoramento
de formas de produção na maioria dos grãos agrícolas, principalmente o milho e
a soja, com uma melhor utilização do solo, proporcionando uma queda no preço
médio dos alimentos e beneficiando toda a população.

Crítica à Revolução Verde

De acordo com Moreira (1999 apud MOREIRA, 2000, p. 44)

as críticas à Revolução Verde oriunda dos movimentos ecológicos


e afins, centralizam-se na crítica à produção industrial. No espaço

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rural, a produção industrial surgiu na forma de pacotes tecnológicos


na Revolução Verde, assumindo no Brasil, marcadamente nos anos 60
e 70 – a prioridade do subsídio de créditos agrícolas para estimular a
grande produção agrícola, agroindústria, as empresas de maquinários
de insumos industriais para o uso agrícola – como tratores, herbicidas
e fertilizantes químicos –, a agricultura de exportação, a produção de
processados para exportação e a diferenciação – como queijos e iogurtes.

Conforme Moreira (2000), a crítica à Revolução Verde quando associada aos


movimentos ecológicos e ambientalistas no Brasil, é com relação à modernização
tecnológica socialmente conservadora, e desenvolve com três componentes
destacados, a saber:

O primeiro é uma crítica da técnica que nos leva a questionar a relação


herdada do ser humano com a natureza. Considerar o meio ambiente e
os recursos naturais de uma outra forma requer uma reconceitualização
de natureza, de ser humano e de trabalho produtivo, bem como a
atualização da teoria da renda da terra para a compreensão das questões
da biodiversidade no campo (MOREIRA, 2000, p. xx).

Ainda, segundo Moreira:

Esse questionamento leva em conta a poluição e envenenamento


dos recursos naturais e dos alimentos, a perda da biodiversidade, a
destruição dos solos e o assoreamento de nossos rios, e advoga um
novo requisito à noção de desenvolvimento herdada: o de prudência
ambiental. Desta crítica emergem tanto os movimentos de agricultura
alternativa, como aqueles centrados nas noções de agricultura orgânica
e agroecológica, e sugerem as discussões dos impactos da engenharia
genética e da utilização de matrizes transgênicas em práticas
agropecuárias e alimentares (MOREIRA, 2000).

O segundo componente expressa-se na crítica social da Revolução Verde,


não sendo uma crítica técnica, como a destacada anteriormente. É uma crítica
da natureza do capitalismo na formação social brasileira e da tradição das
políticas públicas e governamentais que nortearam as elites dominantes, seja na
área econômica, seja no campo político de definição de prioridades. É também
uma crítica ao modelo concentrador e excludente da modernização tecnológica
brasileira, socialmente injusta.

Através da elevada concentração da propriedade da terra e desigual


distribuição da propriedade dos recursos produtivos de origem industrial,
conformaram uma formação social capitalista no Brasil de forte exclusão social.
Exclusão de massas significativas da população do padrão de consumo e da
qualidade de vida e de condições mínimas adequadas de acesso à terra, ao trabalho,
ao emprego, ao teto, à educação, à alimentação e à saúde.

Assim, esses problemas são intensificados pela Revolução Verde dos anos
60 e 70, pela crise dos anos 80 e pelas políticas e práticas do neoliberalismo e da
abertura dos mercados, nos anos 90.

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O terceiro componente da crítica à Revolução Verde é de natureza


econômica. Conforme Moreira (2000), a elevação dos custos associada às crises
do petróleo dos anos 70 resulta em um processo de elevação de custos do
pacote tecnológico da Revolução Verde. A crise financeira levou a uma redução
significativa dos subsídios de crédito. Essas crises impuseram a necessidade de
mudanças no desenvolvimento de matrizes energéticas alternativas, sendo um
exemplo no Brasil, o desenvolvimento do programa do Proálcool, com reversão
dos motores a gasolina em motores a álcool.
[...]
FONTE: MATOS, Alan Kardec Veloso de. Cadernos da FUCAMP. V. 10, n. 12, pl. 17/2010. Disponível
em: <file:///C:/Users/05709246930/Downloads/134-493-1-PB%20(1).pdf>. Acesso em: 11 maio 2017.

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