Você está na página 1de 11

AGROTÓXICOS E TRANSGÊNICOS: SOLUÇÃO OU PROBLEMA À SAÚDE

HUMANA E AMBIENTAL?

LEANDRO DE MARTINO MOTA1*


1
ENSP/FIOCRUZ;* leandro.mota@ensp.fiocruz.br , Rua Leopoldo Bulhões, 1480 - Manguinhos, Rio de Janeiro. CEP: 21041-210.

RESUMO

O presente artigo realiza uma análise comparativa das principais ferramentas tecnológicas incorporadas na
modernização da agricultura brasileira e as suas implicações na saúde humana e ambiental. Os agrotóxicos,
produzidos pela tecnociência agrícola e os transgênicos, concebidos pela biotecnociência, são analisados na
perspectiva de sua contribuição, dos avanços e de suas conseqüências para a saúde humana, ambiental e para
a atividade agrícola. Os agrotóxicos, desde as primeiras utilizações até hoje, assumem uma perspectiva de
agricultura imediatista e produtivista, enquanto os transgênicos não possuem uma única determinação,
referem-se tanto à agricultura, quanto à saúde humana e na melhoria nutricional. Entretanto, o que se
verificou com este estudo é que as duas tecnologias estão inseridas em um mesmo paradigma de produção
que não pode ser considerado sustentável, ecológica e socialmente.

Palavras-chave: agrotóxicos – transgênicos – agricultura moderna – saúde humana e ambiental.

PESTICIDES AND TRANSGENICS: SOLUTION OR PROBLEM TO HUMAN


AND ENVIRONMENTAL HEALTH?
ABSTRACT

This article conducts a comparative analysis of major technological tools embedded in the modernization of
Brazilian agriculture and its implications in the processes of agricultural production and human health and
environment. The pesticides, produced by agricultural technoscience and transgenics, designed by
biotechnology are discussed in view of their contribution, the advances and their consequences for human
health, environmental and the agricultural activity. The pesticide, since the first use until today, are an
immediate prospect of agriculture and productivity, while the transgenics did not have a single determination,
both relate to agriculture, as regards human health, improving the nutritional efficiency. However, what
occurred with this study is that both technologies are still far from providing a system of sustainable
agricultural production, ecological and socially.

Keywords: pesticides - transgenic - modern agriculture - human health and environment.

permanecendo caracterizada pela intensa


INTRODUÇÃO concentração fundiária. Além disso, cada vez
mais as exportações visando o agronegócio têm se
Este estudo contribui com uma análise dos intensificado e se tornado um modelo hegemônico
avanços e das conseqüências, no sentido dos (Silva et al., 2005; Veiga, 2007).
riscos para o meio ambiente e para o homem - das A incorporação de tecnologias nos
principais ferramentas tecnológicas incorporadas processos de produção no campo tem objetivado
à modernização da agricultura brasileira: os programar formas de maximizar a produção
agrotóxicos produzidos pela tecnociência agrícola agrícola, a fim de obter alimentos com maior
e os transgênicos, concebidos pela facilidade agricultável, mais nutritivos ou
biotecnociência. comercialmente mais rentáveis. Assim, a
No Brasil, a agricultura brasileira vem se tecnificação da atividade agrícola no século 20
desenvolvendo em um contexto complexo, com as permitiu aumentar a produtividade do trabalho e
dimensões econômica, política e ambiental da terra, acelerar os processos produtivos e elevar
interligando-se. A agricultura do Brasil tem sido os índices de eficiência econômica.
conhecida pelo aumento da produtividade, pela Ao longo dos anos, a prática agrícola,
incorporação de tecnologias com significativas particularmente, com queimadas e
implicações sobre a saúde humana e ambiental, desflorestamentos com o propósito de

Saúde & Amb. Rev., Duque de Caxias, v.4, n.1, p.36-46, jan-jun 2009. Página 36
desenvolvimento de monocultivos, provocou Outros agrotóxicos tiveram suas propriedades
transformações em diferentes ecossistemas conhecidas no decorrer da Guerra do Vietnã
originais como a Mata Atlântica brasileira (Dean, (1975) quando a força área americana pulverizava
1998). Essas transformações - com a substâncias desfoliantes sobre as vegetações que
uniformização do ambiente das plantas - eram utilizadas como abrigo pela guerrilha
resultaram na destruição de diversas espécies vietnamita (Martins, 2004).
nativas, principalmente através do A relevância do desenvolvimento dos
desflorestamento e do conseqüente crescimento agrotóxicos no campo da saúde pública se observa
de espécies vegetais invasoras. com a diminuição de epidemias, como a malária,
Na tentativa de superar as adversidades do decorrente da utilização dos primeiros inseticidas.
ambiente, como espécies invasoras, com vistas ao Basta resgatar que entre as décadas de 40 e 50
desenvolvimento agrícola em diferentes partes do ocorreram milhões de óbitos em todo o mundo
mundo, alguns problemas foram gerados. Os (Martins, 2004). Posteriormente, o agrotóxico
agrotóxicos, a despeito do inequívoco aumento da influenciou o aumento da produção agrícola em
produção agrícola associada à sua utilização na grande parte do mundo, particularmente onde
agricultura, são responsáveis por comprovada havia a presença de monocultura, cujas plantações
contaminação ambiental e adoecimento de eram ameaçadas pela infestação de insetos-
trabalhadores no campo (Peres et al., 2007; 2005). pragas. A descoberta dos agrotóxicos possibilitou
As plantas transgênicas, liberadas comercialmente a diminuição de estragos e perdas econômicas
no Brasil, carecem ainda de mais estudos e de (Dorst, 1972) e, do ponto de vista produtivo, são
algum tipo de consenso científico sobre suas inquestionáveis os altos níveis de produtividade
implicações, pois a sua ausência tem provocado proporcionados pela difusão dessa tecnologia no
profundas controvérsias quanto a possíveis riscos campo, controlando parasitas de lavouras.
à saúde e ao meio ambiente, seja a médio ou Entre as décadas de sessenta e setenta do
longo prazo. século passado, em países em desenvolvimento
Os impactos do uso de agrotóxicos e do como no Brasil, observou-se um processo de
desenvolvimento da agricultura transgênica modernização da agricultura (Sobreira & Adissi,
representam uma problemática que vem sendo 2003), expresso através da difusão acelerada de
constantemente abordada pela comunidade insumos químicos que se tornaram fundamento
científica. Entretanto, o desenvolvimento de indissociável da produção de alimentos do País,
alimentos transgênicos preparados para obedecendo ao modelo desenvolvimentista dessas
adquirirem agrotóxicos não têm recebido a décadas.
atenção necessária. Este estudo parte do No começo dos anos setenta, Cohen e
pressuposto que as tecnologias trazem não só Boyer, ao inserirem um gene de rã em uma
avanços, mas também implicações ao ambiente, à bactéria em um experimento, ampliaram as
sociedade e à saúde. Embora com origens e de possibilidades científicas, sobretudo no campo da
natureza diferentes, tanto agrotóxicos quanto biologia molecular. Posteriormente, a engenharia
transgênicos guardam semelhanças e se destacam genética se tornou uma ferramenta tecnológica
por possibilitarem distintas interpretações para os com possibilidades científicas até então
conflitos que o desenvolvimento de tecnologias desconhecidas, passou a modificar os códigos
suscita. genéticos de plantas, animais e seres humanos. Na
década de oitenta, diante das conseqüências
negativas trazidas pelos agrotóxicos,
Soluções para a saúde, o meio ambiente especialmente para a saúde, os alimentos
ou à produção agrícola? geneticamente modificados emergiram como a
solução para a redução do uso de agroquímicos
O primeiro agrotóxico, o DDT (dicloro- nas lavouras (Guerrante, 2003).
difenil-tricloretano), é considerado o precursor de Os organismos transgênicos são
todos os inseticidas e da agricultura química. organismos cujo material genético (DNA) é
Sintetizado inicialmente por Zeidler, em 1874, na alterado artificialmente, redefinindo-se suas
Alemanha, a descoberta da sua propriedade características através da engenharia genética
inseticida ocorreu somente a partir de 1939, para (Arnaiz, 2004). Os transgênicos podem ser
fins bélicos. Durante o período da Segunda entendidos como um dos principais resultados da
Guerra vários agrotóxicos foram desenvolvidos biotecnologia moderna, que tem como um dos
por indústrias químicas alemãs e americanas para seus principais objetivos a obtenção de novos
serem aplicados na destruição de vegetação e nas alimentos. Uma das possibilidades da
colheitas dos inimigos (Alves Filho, 2003). biotecnologia foi o desenvolvimento de plantas

Saúde & Amb. Rev., Duque de Caxias, v.4, n.1, p.36-46, jan-jun 2009. Página 37
com proteção incorporada. Dois exemplos malthusiana de que o aumento da população
amplamente difundidos, a soja transgênica RR mundial não acompanharia a produção de
(Round up Ready), é um organismo que se tornou alimentos, podendo acarretar uma catástrofe, com
resistente e “preparado” a um determinado a fome mundial (Sobreira & Adissi, 2003).
agrotóxico e outro exemplo, o milho bt (bacillus A utilização de agrotóxicos foi
thuringensis), que traz uma bactéria nociva aos disseminada em todo o mundo através da
insetos em seu organismo. Essas possibilidades propaganda de empresas transnacionais que
são consideradas como um significativo fator de visavam a incorporação desses pacotes
contribuição para o agronegócio e para o tecnológicos principalmente para as monoculturas
ambiente, pelo controle da aplicação de (Alier, 1998). Esse processo, conhecido por
agrotóxico (Glaser, 2003). Uma segunda e uma Revolução Verde, caracterizou-se por orientar a
terceira geração dos transgênicos trazem outros pesquisa e o desenvolvimento de modernos
tipos de benefícios. Os de segunda geração estão sistemas de produção agrícola associados a
relacionados com o aumento na qualidade pacotes tecnológicos universalmente adotados,
nutritiva das plantas, e os de terceira geração independentemente das condições sociais,
utilizariam as plantas como “fábricas” de vacinas políticas e ecológicas de cada região. Esses
e de outras substâncias específicas, como pacotes propunham aumento da capacidade
vitaminas e proteínas. Até o momento, no entanto, produtiva dos cultivos através da tecnificação da
tem prevalecido o desenvolvimento de agricultura e da eliminação dos insetos-pragas
transgeneses que possibilitam a inserção de devido à intensa utilização de agrotóxicos e de
características passíveis de conferir resistência ou fertilizantes sintéticos, desenvolvidos por
tolerância a insetos, agrotóxicos, principalmente, empresas transnacionais (Costa Neto, 1999;
herbicidas e vírus (Marinho 2003). Rosset, 1997).
Poucos desenvolvimentos no campo Os agrotóxicos foram relevantes para o
científico nas últimas décadas se tornaram tão combate às ervas e insetos indesejados nas
populares e polêmicos como as questões que lavouras visando o aumento e a manutenção da
envolvem a engenharia genética. A partir do produtividade. Mas, por outro lado, são
desenvolvimento da engenharia genética o substâncias com diferentes níveis de toxicidade
primeiro microorganismo a sofrer a adição de humana e ambiental. Em 1946, no início da
genes humanos para a produção de insulina foi à primeira utilização de agrotóxicos, alguns insetos
bactéria E. coli, na década de oitenta. Com isso, já demonstravam ser resistentes ao DDT,
desenvolveu-se uma alternativa para a produção ocasionando uma crescente substituição de uma
de insulina que deixou de ser elaborada substância por outra. Na década de sessenta, só
exclusivamente a partir de pâncreas de origem nos EUA, havia mais de 50 mil marcas de
bovina e suína, permitindo, assim, diminuição do agrotóxicos (Dorst, 1972). Desde a década de
problema de reações alérgicas causadas em sessenta, existe intensa utilização de agrotóxicos
indivíduos diabéticos (Marinho 2003). A em todo o mundo, incluindo no Brasil. O
transgenia, que é um procedimento complexo, crescente uso de agrotóxicos ocasionou o
evidencia aspectos socioeconômicos, culturais e envenenamento do ambiente, do solo, das plantas
bioéticos, além das implicações ambientais e para e dos seres humanos, cujas conseqüências só
a saúde humana (Nodari & Onofre, 2001). Nesse puderam ser analisadas e evidenciadas décadas
sentido são diversas as manifestações que depois com a confirmação do caráter nocivo de
biotecnologia moderna suscita. várias substâncias.
Regressando para os anos de 1962, Rachel
Carson com o emblemático Silent Spring
Contraposições às tecnologias (Primavera Silenciosa) apontava distinta crítica ao
envenenamento e esgotamento do ambiente
Segundo as premissas vigentes na década ocasionado por agrotóxicos. Na época não foi
de sessenta do século passado, sem o uso de possível comprovar que o agrotóxico trazia
agrotóxicos não haveria produção de alimentos ou conseqüências para a saúde humana, porém se
estes não seriam economicamente viáveis, e o uso identificaram implicações em relação à cadeia
adequado dessas substâncias não produziria risco alimentar, que, com a chegada da primavera em
ambiental e coletivo. Alegava-se que a ausência lavouras convencionais, não se observava a
de controle dos agricultores era a principal presença de insetos, pássaros e outros pequenos
responsável pelas contaminações ocupacionais e animais (Martins, 2004). Mesmo com a intensa
ambientais. O panorama histórico-político de reação da indústria química em relação ao estudo
difusão dos agrotóxicos obedeceu a uma visão de Carson, os seus argumentos foram decisivos

Saúde & Amb. Rev., Duque de Caxias, v.4, n.1, p.36-46, jan-jun 2009. Página 38
para a constituição da Environmental Protection dos agrotóxicos que são igualmente conhecidos
Agency (EPA), responsável pela avaliação de como poluentes orgânicos persistentes (POPs). Os
agrotóxicos e pelo posterior banimento do uso pops estão disseminados em todo o mundo e
agrícola, a partir de 1971, nos EUA, além de repassados de geração em geração. Em maio de
outros produtos sintéticos, como os 2003, na Suécia, 90 países, inclusive o Brasil,
organoclorados (Alves Filho, 2002). assinaram um acordo internacional para o
São variadas as formas de compreensão banimento de 12 pops considerados danosos ao
sobre a problemática da aplicação de agrotóxicos ambiente e à saúde pública, entre eles o DDT. Os
e as suas conseqüências. Essa magnitude de seus riscos são comprovados pela propriedade
compreensão se expressa em questões como a bioacumulativa, particularmente, no tecido
ausência de conhecimento técnico, falta de clareza adiposo das espécies mais expostas, da
de embalagens e de leitura do produto e precária biomagnificância, acúmulo maior entre as
assistência técnica. Com isso, a prática do espécies situadas no topo da cadeia alimentar e
trabalhador rural, de acordo com Faria et al. pela persistência no ambiente (Gomes, 2004).
(2004) está distante de representar um uso Na agricultura e na pastagem a utilização
racional dos agrotóxicos. Dessa maneira, quanto de agrotóxicos tem sido amplamente apontada
maior a jornada de trabalho agrícola, maior é a como responsável por sérios problemas à saúde
exposição aos agrotóxicos e a outras substâncias humana, ambiental e animal, devido à
sintéticas também tóxicas. Ainda nesse sentido, comprovação da presença de resíduos tóxicos em
em estudo realizado por Faria et al. (2004) na alimentos e no ambiente. No caso do Brasil,
Serra Gaúcha, considerando os equipamentos apesar da proibição do uso dos organoclorados,
específicos para a proteção química, mais de estas substâncias ainda são encontradas no leite
35,0% dos trabalhadores admitiram que nunca bovino e humano. Isto pode ser atribuído ao fato
usaram luvas, máscaras ou roupas de proteção, o do Brasil não ter ainda estabelecido valores de
que aumentavam os riscos às contaminações. limite máximo de resíduos (LMR) permitido para
Um importante herbicida, o glifosato, é essas substâncias. Isso representa um grave
considerado o mais usado em todo o mundo e se problema de saúde pública, destacado pela
destaca pela sua ampla utilização na agricultura, importância do leite na nutrição humana,
dada a sua característica de eliminar plantas especialmente de crianças (Ciscato et al., 2004).
indesejadas, mas também algumas populações de Faria et al. (2004) considera a utilização de
insetos benéficos ao equilíbrio ecológico, aves e agrotóxicos nas lavouras agrícolas como o
pequenos mamíferos que são eliminados com a principal causador de problemas de saúde do
extinção da vegetação. Registrado nos EUA desde trabalhador e da comunidade rural. A ampla
1974, a Environmental Protection Agency (EPA) utilização dos agrotóxicos sem uma eficiente
calcula que sejam utilizadas de 17 a 21 mil política efetiva de fiscalização, controle,
toneladas/ano. Embora essa seja uma substância acompanhamento e aconselhamento técnico
considerada como tóxica para homens e animais, adequado para essa prática, constituem as
sua comercialização é liberada (Cox, 1998). principais causas para as intoxicações que
As populações humanas se tornaram representam os problemas de saúde mais
vulneráveis às contaminações por agrotóxicos à freqüentes, favorecidos ainda pela baixa
medida que sua utilização se tornou muitas vezes escolaridade do trabalhador rural e pela
indissociável à prática agrícola. Em países em propaganda persuasiva das empresas fabricantes
desenvolvimento como o Brasil esse quadro se dos agroquímicos (Moreira et al., 2002). Essas
agravou pela incorporação de tecnologias substâncias ocasionam intoxicações e a
agrícolas baseada nos pacotes químicos da conseqüente constatação de Oliveira-Silva et al.
Revolução Verde. Dados da FAO (Food and (2001) que os agrotóxicos constituem um dos
Agriculture Organization of the United Nations) principais problemas de saúde pública do meio
colocam o Brasil como o quarto maior rural brasileiro.
consumidor individual de agrotóxicos no mundo. Durante dez anos Pires e Recena (2005)
De acordo com os dados da Organização Mundial realizaram um estudo no Estado do Mato Grosso
de Saúde (OMS) anualmente de três a cinco do Sul, que revelou a prevalência de tentativas de
milhões de pessoas são contaminadas por suicídio decorrentes da exposição ocupacional aos
agrotóxicos em todo o mundo. Além disso, os agrotóxicos e pelo conseqüente quadro de
países em desenvolvimento são responsáveis por depressão derivado. A pesquisa utilizou os
20% do consumo mundial e onde ocorrem 70% registros das notificações de intoxicação do
das intoxicações (Peres, 2003; 2007). O DDT é Centro Integrado de Vigilância Toxicológica da
um dos principais organoclorados entre a classe Secretaria de Estado de Saúde e identificou 1.355

Saúde & Amb. Rev., Duque de Caxias, v.4, n.1, p.36-46, jan-jun 2009. Página 39
notificações de intoxicação, sendo 506 modificadas (GM) não necessitariam mais do uso
envolvendo tentativas de suicídio e 139 óbitos de agrotóxicos. Em um segundo momento,
entre os trabalhadores rurais. Nesse sentido vale entretanto, foram identificadas plantas GM
ressaltar a contribuição de Levygard e Rozemberg resistentes às aplicações de agrotóxicos. Embora
(2004) para os problemas dos nervos derivados da ainda não seja amplamente disponível no
intoxicação ocupacional por agrotóxicos mercado, há uma outra fase de plantas
manifestados por agricultores e interpretados transgênicas onde existe a possibilidade de
como depressão por profissionais de saúde, que criação de espécies com melhor eficiência
passavam a contribuir para uma dupla intoxicação nutricional, como nos casos da batata produzida
do trabalhador rural, por agrotóxicos e pela na Costa Rica e na Nicarágua com o aumento do
prescrição de calmantes. conteúdo de aminoácidos ou incluindo ferro.
O grupo de pesquisa do Prof. Seralini, do Entretanto, a preocupação com a eficiência
Departamento de Bioquímica, do Instituto de alimentar não representa a maior vocação das
Biologia, da Universidade de Caen, França, aplicações da biotecnologia agroalimentar
publicou, em Maio de 2007, um estudo sobre os moderna (Arnaiz, 2004).
efeitos do herbicida Round up em células A difusão dos OGM na alimentação foi
embrionárias humanas. O resultado mostrou que a implementada por políticas públicas que
exposição ao herbicida pode afetar a reprodução afirmavam que os cultivos transgênicos seriam
humana e o desenvolvimento fetal, no caso da mais produtivos e mais rentáveis (Pelaez &
contaminação. E que misturas químicas destes Schmidt, 2000) e teriam importância fundamental
produtos têm formulações subestimadas, o que para o aumento da produção de alimentos em uma
aumenta o risco a impactos hormonais escala de combate à fome no mundo, aumentando
(http://www.springerlink.com/content/d13171q7k a produtividade e a rentabilidade do produtor
8631446/fulltext.html, Maio, 2007). (Alier, 1998). Para a propaganda, não aderir à
transgenia implicaria em perda de
competitividade do mercado internacional e no
Fim dos problemas da agricultura agronegócio (Menasche, 2005). Entretanto, a
química? produção de incertezas não foi eliminada com o
desenvolvimento dos OGM, ao contrário, teve
O principal discurso das indústrias de uma maior expansão (Schmidt, 2004).
biotecnologia nos primeiros cultivos de plantas Desde o final da década de 1990 e o início
transgênicas foi à idéia que a produção desses dos anos 2000, a biotecnologia promoveu
organismos GM faria reduzir o consumo de diversos estudos e foi catalisadora de calorosos
agrotóxicos (Araújo, 2003). Entretanto, as debates, sendo, uma das principais controvérsias,
empresas transnacionais de agroquímicos são as a polêmica envolvendo os transgênicos. A
mesmas que controlam a direção e os objetivos da discussão tem sido complexa, possuindo
inovação agrícola por meio da biotecnologia. diferentes atores, representações e dimensões que
Estas empresas afirmam que a engenharia necessitam ser levadas em conta. É relevante,
genética melhorará a sustentabilidade da neste debate, destacar duas posições
agricultura resolvendo os problemas que afetam o contraditórias, de um lado os cientistas
manejo agrícola convencional e, com isso, triunfalistas, que defendem a segurança dos
livrarão os agricultores do terceiro mundo da transgênicos ao ambiente e à saúde, e do outro
baixa produtividade, da pobreza e da crise lado os críticos, que condenam os transgênicos,
alimentar (Altieri, 1998). Contrariamente a esta sobretudo pela carência de estudos relativos aos
perspectiva, Mooney (2002) destaca que é mais impactos ambientais e à toxicidade dos OGM, o
viável que a solução para a fome no mundo ocorra que aumenta as suas incertezas. Neste tipo de
com o fortalecimento dos agricultores como polêmica dentro e fora do campo científico, uma
cultivadores das plantas em sistemas abordagem relevante é aplicar o Princípio de
ecologicamente seguros, que em um sistema Precaução. Este Princípio é o resultado de anos de
artificial e dependente de empresas experiência com produtos químicos e outras
transnacionais. Algumas empresas de formas de poluição e foi desenvolvido com a
biotecnologia divulgaram, através dos intenção de evitar que danos desconhecidos na
transgênicos, uma relevante alternativa para a atualidade surjam no futuro.
solução dos problemas relacionados ao uso de O Princípio de Precaução pretende ser uma
agrotóxicos. Na primeira fase dos alimentos regra geral em situações onde existam ameaças
transgênicos foi divulgado por empresas e sérias e irreversíveis à saúde humana e ao meio
políticas agrícolas que as plantas geneticamente ambiente e requeiram uma ação para evitar tais

Saúde & Amb. Rev., Duque de Caxias, v.4, n.1, p.36-46, jan-jun 2009. Página 40
ameaças, mesmo que ainda não exista prova sintéticas. É possível criar espécies resistentes,
definitiva de dano. O princípio foi usado mas também o aumento na suscetibilidade de
formalmente pela primeira vez em legislações da pragas do solo (Nodari & Guerra, 2001). As fugas
Alemanha na década de 1970. Desde então vem de genes de transgênicos podem contaminar ainda
sendo adotado como uma abordagem de proteção outros organismos e ameaçar a diversidade
da saúde do ser humano e do meio ambiente em biológica (Guerrante, 2003; Nodari, 2003). Outro
muitas outras leis nacionais, regionais e possível risco ambiental é a suscetibilidade de
internacionais. O Protocolo de Cartagena, sobre o insetos se tornarem beneficiados com a
transporte entre países de organismos uniformização dessas lavouras, devido a maior
geneticamente modificados (OGMs), é baseado utilização de substâncias químicas.
no Princípio de Precaução, além disso, este No que se refere à redução do consumo de
princípio vem sendo endossado pela Comissão agrotóxicos, que se tornou o argumento oficial a
Européia. Mas, na prática, muito freqüentemente, favor da produção dos transgênicos, segundo a
a precaução é traduzida como uma avaliação de FNP Consultoria (Teixeira e Araújo, 2003), a soja
risco convencional, como ocorre sob o “European no Rio Grande do Sul (RS), considerada como
Deliberate Release Directives”, que leva em predominantemente transgênica, apresentou o
consideração a influência dos defensores das maior incremento de utilização de agrotóxicos
corporações de biotecnologia. No entanto, o (herbicidas), por unidade de área, considerando as
Princípio de Precaução é muitas vezes criticado posições entre 1999-2002. No Estado do Rio
como sendo não científico e por “engessar o Grande do Sul cresceu 47,6%, enquanto
progresso” (Raffensberger & Tickner, 1999). decresceu na maioria dos Estados brasileiros.
Apesar de serem plantas com qualidade Em 1999, a soja no RS ocupava o 5º lugar
nutricional ampliada, os transgênicos, com a no consumo de herbicidas por unidade de área;
presença de proteínas, possuem conseqüências em 2002, passou a ser considerado o 3º maior
ambientais derivadas da resistência por consumidor. No Brasil, entre 1997 a 2000, houve
agrotóxicos (Lu & Snow, 2005). O que se um aumento médio de 18% nas vendas de
questiona, concretamente, é o processo de agrotóxicos, principalmente herbicidas, cujas
transgenia ser ainda pouco preciso no vendas aumentaram 31,0% (Faria et al., 2004).
conhecimento do genoma, o que pode acarretar Somente em 1998 o Brasil comercializou o
conseqüências imprevistas, cujos riscos ainda não equivalente a 2,5 bilhões de dólares em
são avaliados sobre o ambiente e à saúde pública agrotóxicos. O mercado brasileiro de agrotóxicos,
(Lewgoy, 2000). Entre os possíveis danos ao meio em 2001, movimentou cerca de US$ 2,3 bilhões
ambiente, encontra-se a transferência de genes crescendo à taxa de 7,9% ao ano, a partir de 1991.
modificados para outras espécies do ecossistema. No mesmo período a venda interna dos herbicidas
Adição de novos genes no ambiente pode - incluindo o glifosato utilizado na soja RR
ocasionar efeitos imprevistos, como a eliminação (Round up Ready) - cresceu 7,2% ao ano, sendo
de espécies originais, a exposição de espécies a responsáveis pela metade das vendas totais de
novos patógenos, substâncias tóxicas, a geração agrotóxicos em 2001(Teixeira & Araújo, 2003).
de plantas invasoras (daninhas) ou pragas Em matéria publicada no Jornal Valor
resistentes, a poluição genética, a erosão da Econômico (2007), se destacou que o avanço da
diversidade genética e a interrupção dos processos soja transgênica estava ampliando o uso de
naturais de produção de nutrientes e energia glifosato. Segundo a matéria, de acordo com os
(Nodari & Guerra, 2001; 2003). dados do IBAMA, o volume de utilização saltou
Os potenciais riscos sócioambientais das de 59,5 mil para 95,2 mil toneladas entre 2000 e
tecnologias de sementes podem ser 2005. Nesse período, a área plantada de soja
compreendidos pela classificação de terminator, aumentou em 59% no país.
que inviabiliza a fertilidade da geração seguinte A organização americana UCS – Union of
da semente ou do grão, aumentando a Concerned Scientists, divulgou em boletim
dependência do agricultor a algumas indústrias e publicado em setembro de 2007, o aumento de
traitor, que desenvolve um organismo resistência ao herbicida glifosato em plantas
condicionado à aplicação de substâncias químicas daninhas. As plantas transgênicas resistentes ao
visando diferentes finalidades e a eliminação de glifosato representam quase 70% dos transgênicos
insetos e micro-organismos do ecossistema cultivados em todo o mundo, incluindo no Brasil.
(Guerrante, 2003). E, em alguns casos, quando o glifosato não faz
A introdução de plantas transgênicas com mais o efeito esperado, os agricultores passam a
resistência a insetos e agrotóxicos reacende os usar agrotóxicos mais tóxicos, como o Paraquat e
riscos de contaminação por essas substâncias o 2,4-D, ambos causadores de severos agravos à

Saúde & Amb. Rev., Duque de Caxias, v.4, n.1, p.36-46, jan-jun 2009. Página 41
saúde. Outra informação relevante publicada diz celulares permanecem desconhecidas e ainda
respeito ao fato de não terem sido ainda necessitam de mais investigação.
publicados dados oficiais sobre o consumo de Retornando aos agrotóxicos, a partir da
agrotóxicos nas lavouras de soja transgênica no década de oitenta foram implementadas, em
Brasil (AS-PTA, setembro de 2007). países do primeiro mundo, como nos EUA,
Um dos principais problemas que medidas restritivas para a produção e utilização de
envolvem os alimentos GM é o receio de uma agrotóxicos face ao reconhecimento dos seus
possível resistência bacteriana aos antibióticos efeitos nocivos. Essa medida resultou numa
empregados na modificação genética e o aumento “fuga” de indústrias químicas multinacionais para
das alergias alimentares às novas proteínas os países em desenvolvimento (La Dou, 1994
(Arnaiz, 2004). Ainda é comum a utilização, para apud Peres, 2003). No Brasil existiam, de acordo
esse fim, de genes marcadores de resistência a com Peres, (2003) sete empresas transnacionais
antibióticos com a função de selecionar e produtoras de agrotóxicos.
confirmar se a alteração genética foi de fato O contexto socioeconômico e vulnerável
realizada da maneira planejada. No entanto, tem das populações residentes nas zonas rurais do
se investigado se esses genes continuariam a ser Brasil potencializa os problemas decorrentes da
expressos nos tecidos da planta, que ao serem utilização dos agrotóxicos. Seja pela precariedade
ingeridos através dos alimentos poderiam reduzir de acesso aos cuidados primários em saúde, como
a eficácia do antibiótico administrado no combate educação e saneamento, que agravam a
a doenças. Argumenta-se ainda que a resistência possibilidade de contaminações e, do ponto de
desses genes pudesse ser transferida a patógenos vista agrícola, pela baixa assessoria técnica.
humanos ou animais, tornando o efeito da Mesmo assim, o país utiliza metade da quantidade
administração de antibióticos sem qualquer valor, de agrotóxicos consumida em toda a América
tal como já ocorre quando microorganismos vão Latina. Pode-se associar essa proporção a
se tornando resistentes a antibióticos usados pelas questões como a dimensão continental do Brasil e
populações humanas. A crescente resistência de à presença de monocultivos em larga escala,
organismos aos antibióticos já vem sendo geneticamente modificados ou não (Alier, 2003).
avaliada como um grave problema para a Saúde No plano das saídas para essa
Pública (Union of Concerned Scientists, s.d. apud problemática, segundo Sobreira et al (2003), a
Marinho, 2003). taxação dos agrotóxicos, como as bebidas
É importante mencionar, no campo da alcoólicas e os cigarros, permitiria possível uma
saúde coletiva, que de acordo com Nodari & arrecadação de um bilhão de reais por ano,
Guerra (2003) houve o retorno de patologias recurso que poderia ser responsável por alguma
emergentes e re-emergentes como a tuberculose, ação voltada para a minimização dos impactos das
malária, cólera e difteria de forma mais agressiva. intoxicações da agricultura convencional. No ano
Ao mesmo tempo houve diminuição na eficiência de 1998, o Sistema Único de Saúde (SUS)
dos antibióticos. despendeu mais de quarenta milhões de reais para
Da mesma forma que se considera como o atendimento e promoção da saúde dos
um potencial risco ambiental a maior utilização de intoxicados por agrotóxicos (Sobreira et al.,
substâncias químicas na agricultura convencional, 2003).
é possível afirmar que, na produção de alimentos Em relação à produção de transgênicos, o
transgênicos, o risco à saúde humana permanece Brasil é um dos três principais exportadores de
presente. Um estudo sobre a produção de soja e possui áreas de cultivo ainda não
sementes de arroz geneticamente modificado para totalmente definidas (Menasche, 2005). Essa
adquirirem resistência ao agrotóxico glufosinato situação se deve à clandestinidade das lavouras
de amônio confirma essa observação (Lilge et al. durante os anos em que a liberação do cultivo de
2003). A não evidência direta que alimentos transgênicos não havia acontecido. A liderança
geneticamente modificados podem representar um dos EUA, na produção mundial de transgênicos
possível risco à saúde tem sido um tema muito indica 59% de área plantada com OGM, seguido
discutido, entretanto a literatura científica nesse da Argentina, com 20% e em terceiro o Canadá e
campo permanece limitada. Em seu estudo, o Brasil, com 6% cada. Com cinco milhões de
Malatesta et al. (2002) demonstram que embora hectares plantados com a soja transgênica, que
nenhuma modificação estrutural tenha ocorrido representou 6% da área total de 81 milhões de
em células pancreáticas de ratos alimentados com hectares cultivados em todo o mundo com OGM,
soja GM, mudanças quantitativas de constituintes cabe destacar que no Brasil esta produtividade
celulares ganharam destaque em comparação com ocorreu ainda antes da liberação do cultivo
o grupo-controle de animais. Essas mudanças transgênico.

Saúde & Amb. Rev., Duque de Caxias, v.4, n.1, p.36-46, jan-jun 2009. Página 42
Dos aspectos socioeconômicos e políticos
relacionados à produção dos transgênicos, o CONSIDERAÇÕES FINAIS
controle do mercado internacional de sementes
modificadas, como demonstra a tabela 1, é feito A modernização da agricultura no Brasil é
por poucas indústrias transnacionais de considerada conservadora uma vez que não se
biotecnologia o que reafirma as desigualdades baseou numa perspectiva de diminuição das
sociais e geopolíticas entre os hemisférios Norte- desigualdades sociais no campo e tão pouco na
Sul. preservação ambiental. A substituição da
tecnologia de agrotóxicos pela tecnologia de
Tabela 1 - Sementes Transgênicas: As transgênicos representa tanto um avanço quanto
Empresas Dominantes no Mundo - 2000 uma ameaça. A elaboração de um novo
paradigma de produção rural sustentável tem
Empresa Área plantada encontrado dificuldades em virtude da
Monsanto 80% dependência que a agricultura convencional
Aventis (AgrEvo/R.Poulenc) 7% desenvolveu por substâncias químicas e suas
Bayer
Syngenta (Novartis/AstraZeneca) 5%
indústrias que desde a Revolução Verde
BASF (com Cyanamid) 5% naturalizaram a sua utilização e, em alguns casos,
DuPont (com Pioneer) 3% banalizaram os seus riscos. Dessa forma, criaram-
Fonte - RAFI Genotypes, 12 dezembro 2000, D. Hathaway. se resistências bastante enraizadas para a
transformação da agricultura convencional. O uso
racional das substâncias químicas e o controle
Os trabalhadores rurais se tornam biológico de insetos na agricultura podem ser
dependentes dos preços das sementes alternativas para uma prática agrícola menos
geneticamente modificadas, assim como de nociva à saúde humana e ambiental.
agrotóxicos e do mercado. Vale lembrar ainda que O conjunto de problemas que se
a mercantilização de novas formas de vida, relacionam com os agrotóxicos tem tido maior
através das patentes, e a biopirataria, levam à impacto nas pequenas produções, algumas vezes
apropriação de recursos genéticos por parte das com a agricultura familiar, dada as suas
empresas transnacionais e dos governos dos dimensões e características. As grandes empresas
países mais industrializados, principalmente em agrícolas, com as tecnologias de aplicação de
benefício das próprias indústrias (Arnaiz, 2004). agrotóxicos, visando, especificamente, à
Em relação à concentração econômica, eficiência econômica em lavouras de exportação,
com a produção de transgênicos no Brasil, os possuem impacto reduzido sobre os trabalhadores
agricultores tendem a se tornar dependentes de rurais, embora o mesmo não se possa assegurar ao
grandes empresas multinacionais, proprietárias meio ambiente e nem em todos os casos.
das patentes das sementes transgênicas, que são as Em função da inter-relação que existe
mesmas empresas que controlam os insumos entre os impactos, os benefícios, os riscos, a
químicos. Nos EUA, essa dependência dos segurança alimentar, a saúde, as questões
agricultores não resultou em reações relevantes, ecológicas, econômicas, culturais e sociais, entre
provavelmente pela existência de políticas outras, os agrotóxicos e os transgênicos
satisfatórias de subsídios agrícolas. apresentam-se como objetos complexos e cobram
O Brasil encontra-se frente a uma situação uma abordagem e avaliações interdisciplinares.
particular em relação à posição comercial com a Comparando as duas tecnologias estudadas no
soja. Trata-se de um dos maiores produtores de artigo, refuta-se a noção que coloca os
soja do mundo, com níveis de produtividade em agrotóxicos enquanto mais nocivos e perigosos
ascensão. Dessa maneira, há possibilidade em que os transgênicos. O risco dessa formulação é
atender à crescente demanda por soja não que não sejam observados seus possíveis
transgênica, por parte da Europa, a China e o impactos negativos, sejam humanos, econômicos
Japão (Marinho, 2003) e não apenas a soja e ambientais, a médio ou longo prazo.
transgênica para os EUA e Alemanha. É Embora de naturezas diferentes, a maior
imprescindível para essa discussão uma análise semelhança entre agrotóxicos e transgênicos está
cuidadosa das conexões entre os processos contida na racionalidade econômica de ambas as
globais e locais, para que as tecnologias deixem tecnologias que se orientam pelo paradigma
de reproduzir a assimétrica geometria política do científico instrumental, de controle da natureza,
modelo global de benefícios especialmente para que visa também o controle dos empecilhos para a
os países do centro e conseqüências negativas produção. As principais diferenças referem-se aos
para a periferia (Jepson, 2003; Porto, 2005). riscos que as tecnologias apresentam e, no caso

Saúde & Amb. Rev., Duque de Caxias, v.4, n.1, p.36-46, jan-jun 2009. Página 43
dos transgênicos, há uma perspectiva mais ampla ALTIERI, M. Los Mitos de la Biotecnología
que inclui avanços tecnológicos na saúde, na Agrícola: Algunas Consideraciones Éticas.
nutrição e na agricultura quando se identifica Universidad de California, Berkeley, 1998.
efetivamente a diminuição de agrotóxicos.
O que se verifica com a agricultura ALVES FILHO, José Prado. Uso de agrotóxicos
transgênica é o desdobramento do mesmo no Brasil: controle social e interesses
paradigma da agricultura moderna, ou seja, não corporativos. São Paulo: Annablume; Fapesp,
houve ruptura ou transformação do modelo de 2002.
agricultura convencional, quer sejam nas
características ou nos seus efeitos, uma vez que ARAÚJO, J. C. Produtos transgênicos na
permanecem as intensas utilizações de agricultura: um panorama geral. Eng. Cons.
agrotóxicos, como os herbicidas. Um dos maiores Leg. Da Câmara dos Deputados, Área de Política
destaques dos estudos sobre o risco dos Agrícola. Junho de 1999.
organismos transgênicos é que os seus efeitos
ainda não podem ser previstos na sua abrangência ARAÚJO, J. C. Transgênicos: um olhar crítico
e rapidez, diferentemente dos efeitos nocivos dos sobre alguns mitos. Cadernos ASLEGIS, v.6 n.
agrotóxicos que têm sido muito discutidos e 21 p. 1-112. Dezembro de 2003.
comprovados nos últimos anos, fato este que não
foi aceito pela comunidade científica na década de ARNAIZ, M. G. Pensando sobre el riesgo
1960, época da divulgação dos primeiros alimentario y su aceptabilidad: el caso de los
agrotóxicos. A incerteza em torno dos alimentos transgénicos. Revista de Nutrição.
transgênicos deve reforçar novos estudos para a Campinas, 17(2): 125-149, abril/junho. 2004.
segurança alimentar e à saúde humana, e não o
contrário. Além disso, é imprescindível fazer AS-PTA, Boletim de Setembro da UCS – Union
valer as premissas da biossegurança, aplicando o of Concerned Scientists, setembro, 2007.
decreto de Lei 5033/2007, que trata da
obrigatoriedade da rotulagem de produtos que CISCATO, C. C. et al. Resíduos de Pesticidas
contenham alguma quantidade de transgênicos. em Leite de Bovino e Humano. Ecotoxicologia e
Podemos concluir afirmando que os Meio Ambiente, Curitiba, v. 14, jan./dez. 2004.
transgênicos representam a continuidade da
agricultura convencional e estão contidos num COSTA NETO, Canrobert. Agricultura
paradigma de fragilidade social e ambiental, sustentável, tecnologias e sociedade. Mundo
sobretudo pela ausência da noção de produção rural e Tempo Presente. Mauad,1999;
rural sustentável. O aumento da produtividade se
faz acompanhar do desmatamento, da erosão, COX, M. C. Glyphosate (Round Up). Journal of
salinização e poluição dos solos e das águas por Pesticide Reform/Fall 1998-vol. 18, n.3.
componentes provenientes de agrotóxicos. Por Northeast Coalition for Alternative to Pesticides.
fim, destacamos que perante o estágio atual de
estudos incipientes sobre os transgênicos estamos DEAN, W. A Ferro e Fogo: A história e a
assumindo um risco significativo em nome dos devastação da Mata Atlântica brasileira. São
benefícios pontuais e de grande relevância que a Paulo: Companhia das Letras, 2000.
biotecnologia proporciona.
DORST, Jean. Antes que a natureza morra: por
uma ecologia política. São Paulo: Edgard
REFERÊNCIAS Blüncher, 1973.
ALIER, J. M. Da economia ecológica ao FARIA, N. M. et. al. Trabalho rural e
ecologismo popular. Blumenau, SC. Ed: FURB, intoxicações por agrotóxicos. Caderno de Saúde
1998. Pública, Rio de Janeiro, 20(5): 1298-1308, set. -
out., 2004.
ALMEIDA, J. A construção social de uma nova
agricultura: tecnologia agrícola e movimentos GLASER, J. & MATTEN, S. R. Sustainability of
sociais no Sul do Brasil. Porto Alegre/RS: insect resistence manangement strategies for
EDUFRGS, 1999. transgenic Bt corn. Biotecnology Advances, 22
(2003) 45-69.

Saúde & Amb. Rev., Duque de Caxias, v.4, n.1, p.36-46, jan-jun 2009. Página 44
GOMES. J. C. A maior contaminação por Pop´s MARINHO, C. L. C. O discurso polissêmico
no Brasil: o caso Rhodia na Baixada Santista. sobre plantas transgênicas no Brasil: Estado
Justiça Ambiental e cidadania, 2004. da Arte. Tese de doutorado. ENSP/FIOCRUZ,
2003.
GUERRA, M. P. E NODARI, R. O. Impactos
ambientais das plantas transgênicas: as MARTINS, C. E. Agrotóxicos. La Insignia.
evidências e as incertezas. Agroecologia e Brasil, novembro de 2004. Internet, acessado em
Desenvolvimento Rural sustentável. Porto Alegre, Maio de 2005.
n.3, jul./set. 2001.
MENASCHE, R. Os grãos da discórdia e o
GUERRANTE, R. S. Transgênicos: uma visão trabalho da mídia. Opinião Pública, Campinas,
estratégica. Rio de Janeiro: Interciência, 2003. Vol. XI, n.1, Março, 20056, p. 169-191.

HO, M-W. Genetic Engineering: Dream or MOONEY, P. R. Entrevista. Agroecologia e


Nightmare? The brave New World of Bad Desenvolvimento Rural Sustentável. Porto
Science and Big business. Third World Network: Alegre, v. 3. n. 1, jan. /mar. 2002.
Pentang, Malasia. P. 157, 1998.
MOREIRA et al. Avaliação integrada do
JEPSON, W. E. Globalization and Braziliian impacto do uso de agrotóxicos sobre a saúde
biosafety: the politics of scale over humana numa comunidade agrícola de Nova
biotechnology governance. Political Geography Friburgo, RJ. Ciência e Saúde Coletiva. 7 (2):
21 (2002) 905-925. 299.311.2002.

JORNAL VALOR ECONÔMICO, 23 de abril de NODARI, R. O. e GUERRA, M. P. Plantas


2007. transgênicas e seus produtos: impactos, riscos e
segurança alimentar (Biossegurança de plantas
LAPPE, M. Against the Grain. Common transgênicas). Revista de Nutrição, jan./mar.
Courage Press, p. 75-76, 1998. 2003, vol. 16, n. 1.

LEVYGUARD, Y. & ROZEMBERG, B. A OLIVEIRA-SILVA et al. Influência de fatores


interpretação dos profissionais de saúde acerca socioeconômicas na contaminação por
das queixas de “nervos” no meio rural: uma agrotóxicos, Brasil. Revista de Saúde Pública:
aproximação ao problema de intoxicação por 35(2): 130-135, 2001.
agrotóxicos. Cadernos de Saúde Pública, 20(6):
1. 515-1. 524, 2004. PELAEZ, V. e SCHMIDT, W. A difusão dos
OGM no Brasil: imposição e resistências.
LEWGOY, F. A voz dos cientistas críticos. Estudos Sociedade e Agricultura, n. 14, Abril de
História, Ciências, Saúde-Manguuinhos, vol. 2000.
VII(2), 503-08, jul. out. 2000.
PERES, F. É veneno ou remédio? Agrotóxicos,
LILGE, C. G. et al. Identificação de Sementes saúde e ambiente. Rio de Janeiro: Editora
de Arroz transformado Geneticamente FIOCRUZ, 2003.
resistente ao Herbicida Glufosinato de
Amônio. Revista Brasileira de Sementes, vol. 25, PERES, Frederico, ROZEMBERG, Brani e
n. 1, p. 87-94, 2003. LUCCA, Sérgio Roberto de. Percepção de riscos
no trabalho rural em uma região agrícola do
LU, B. R. & SNOW, A.A. Gene Fow from Estado do Rio de Janeiro, Brasil: agrotóxicos,
Genetically Modmed Rice and its saúde e ambiente. Cad. Saúde Pública,
environmental consequences. Bioscience, v. 55, Nov./Dec. 2005, vol.21, no.6, p.1836-1844. ISSN
n. 8, 2005. p. 669-78. 0102-311X.

MALATESTA, M. et al. Ultrastructural PERES, et al. Neoliberalismo uso de


analysis of pancreatic acinar cells from mice agrotóxicos e a crise da soberania alimentar no
fed on genetically modified soybean. J. Anat. n. Brasil. Ciência e Saúde Coletiva, 12(1):7-14,
202, pp 409-415, 2002. 2007.

Saúde & Amb. Rev., Duque de Caxias, v.4, n.1, p.36-46, jan-jun 2009. Página 45
PIRES, D. X. e RECENA, M. C. Uso de http://www.springerlink.com/content/d13171q7k8
agrotóxicos e suicídios no Estado do Mato 631446/fulltext.html, Publicado em 4 de Maio de
Grosso do Sul. Cadernos de Saúde Pública, 2007.
ENSP/FIOCRUZ. 2005.
SILVA, J. M., SILVA, E., FARIA, H. E
PORTO, M. F. Saúde do trabalhador e o PINHEIRO, T. Agrotóxicos e trabalho: uma
desafio ambiental: contribuições do enfoque combinação perigosa para a saúde do
ecossocial, da ecologia política e do movimento trabalhador rural. Ciência e Saúde Coletiva,
pela justiça ambiental. Ciência e Saúde 10(4): 891-903 2005.
Coletiva, 10(4):000.000, 2005.
SOBREIRA, A. E. G. e ADISSI, P. J.
PRIMAVESI, A. Agricultura sustentável. São Agrotóxicos: falsas premissas e debates.
Paulo: Nobel, 1992. Ciência e Saúde Coletiva, 8(4):985-990, 2003.

RAFFENSBERGER, C. & TICKNER, J. TEIXEIRA, G. e ARAÚJO, J. C. Transgênicos:


Protecting Public Health and the Aspectos Econômicos e Comerciais – Mitos e
Environment: implementing the Precautionary Manipulações. In: Araújo, J. C. Agricultura,
Principle. Washington: Island Press, 1999. Biotecnologia e Transgênicos: Um panorama
da Concentração Empresarial. Brasília: Revista
ROSSET, P. M. La crisis de la agricultura de Conjuntura, jan./mar. 2001.
convencional, la sustitución de insumos y el
enfoque agroecologico. Agroecologia y VEIGA, M. M. Eficiência econômica e injustiça
desarrollo (CLADES), n.11/12, novembro de sócioambiental. Ciência e Saúde Coletiva, 12 (1):
1997. 145-152; 2007.

SCHMIDT, C. W. Genetically Modified Foods:


Breeding Uncertainty. 2003.

SERALINI, G. Archives of Environmental


Contamination and Toxicology.

Recebido em / Received: 2009-07-02


Aceito em / Accepted: 2010-03-24

Saúde & Amb. Rev., Duque de Caxias, v.4, n.1, p.36-46, jan-jun 2009. Página 46

Você também pode gostar