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Tradução

Laura Pohl
Dahli Adler trabalha na área da matemática durante o dia, é
a rainha das leituras LGBTQIA+ durante a noite e escreve romances
YA em todos os seus momentos livres. Ela mora em Nova York com
a família e uma quantidade obscena de livros.
Sumário
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Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo catorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capítulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Capítulo vinte e dois
Agradecimentos
Créditos
Para Tamar.
Este pode não ser um livro de “irmãs”,
mas que ficção faria jus à realidade, de qualquer forma?
Capítulo um
AGORA
Apesar de tudo, o ensino médio me fez muito bem. Tá certo que,
se reclamo de alguma coisa, minha mãe começa a comparar os
meus infortúnios de não ter o meu próprio carro com os infortúnios
dela de não ter tido sapatos quando era mais nova e morava na
Rússia, mas, mesmo quando estou sendo uma pirralha mimada, sei
que ter bons amigos, notas decentes, sempre ser convidada para as
festas e ter uma pele eternamente lisa faz de mim uma das pessoas
mais sortudas do planeta.
Claro, meu pai é um babaca ausente e eu não ganhei um pônei
no meu aniversário de nove anos, mas, no geral, eu diria que a vida
tem sido muito boa.
Então por quê, quando entro em Stratford High no primeiro dia
de aula do meu último ano de escola, sou imediatamente lembrada
do que não tenho? Por que Chase Harding, o amor não
correspondido da minha vida, com todo o seu um metro e noventa
de altura, precisa ser a primeira coisa que vejo? Por que ele precisa
estar bem no corredor de entrada da escola, rindo com os caras do
time de futebol, com suas pernas enormes, exibindo para todo
mundo que é um grande gostoso?
Como ousa, universo? Como ousa?!
— Cuidado com a baba, Rissy. Alguém pode escorregar.
— Estava torcendo pra esse alguém ser você — respondo sem
desviar um centímetro sequer do meu olhar. Não preciso ver para
saber que é Shannon Salter. Ela é a única pessoa que ousaria me
chamar de Rissy. A única pessoa que pode me chamar assim sem
levar uma unha de gel no olho, na verdade.
Ainda assim, depois de um instante, eu me viro. Até eu sei que
sou patética.
— Senti saudade, vadia — diz Shannon, dando um beijo na
minha bochecha. — Odeio esse seu bronzeado.
— Você adoraria estar com meu bronzeado.
— É claro que sim. — Shannon pega um dos cachos cor de
manteiga que caem na altura dos meus ombros, enrola em seu
dedo indicador e dá um puxão. — E olha só esse corte de cabelo! É
tão fofo e loiro! Como você ousa passar o verão na praia sem mim?
— Você estava em Paris, Shan.
— Ah, é. Estava mesmo. — Ela dá um sorriso largo o suficiente
para fazer as covinhas aparecerem nas bochechas de pêssego e
pele de creme. — Merda, eu sou demais mesmo.
Ela é, infelizmente. Mesmo durante essa conversa breve,
algumas pessoas aleatórias nos cumprimentam com um “Oi, gente”,
mas a maioria diz “Oi, Shannon!”, com um aceno ou um sorriso,
tomando cuidado para não atrapalhar nossa reunião pós-férias de
verão, mas loucos para começar o ano com o pé direito, se
aproximando da garota mais popular de Stratford.
Como se Shannon estivesse desesperada por novos amigos.
Foi esquisito passar o verão todo separadas. Não fazíamos isso
há anos, principalmente depois que entramos no ensino médio. Mas
também nunca tinham pedido para minha mãe acompanhar o chefe
dela a Outer Banks, na Carolina do Norte, durante o verão. E ela
nunca tinha arrastado a filha junto, em vez de deixá-la ficar sozinha
em casa, em Stratford.
Foi um verão de primeiras vezes.
— Bota demais nisso — confirmo, dando um beijo na bochecha
dela e deixando uma marca coral. — E agora estamos juntas, então
isso é...
— Olá, garotas.
O cumprimento não é tão tímido quanto os outros e veio
acompanhado de uma sombra. Uma sombra de um metro e
noventa. Não sou do tipo que grita, mas, se fosse, estaria rompendo
alguns tímpanos.
— Oi, Harding. — Será que parece que estou flertando demais?
É bem possível que pareça. Só que o jeito como ele está apoiado no
meu armário é definitivamente provocante, então, tipo, sério, eu não
estou sendo estranha. — Você ficou mais alto durante o verão?
Ok, agora estou sendo estranha.
— Fiquei, obrigado por notar. — Ele semicerra os olhos, como se
estivesse examinando meu rosto. — Você também está diferente,
Bogdan.
— De um jeito bom?
Ele me oferece um sorriso, mostrando os dentes tortos que só o
fazem ficar mais fofo.
— De um jeito ótimo.
— Era isso que eu estava falando — diz Shannon, esticando um
braço por cima dos meus ombros. — Olha só pra essa puta gostosa.
— Estou olhando, estou olhando — diz Chase com um sorriso,
mas eu mal consigo ouvi-lo.
Um fantasma está atravessando a porta da escola. Um fantasma
com pele marrom macia, lábios cheios, cabelo de ondas escuras
exuberantes e olhos cor de âmbar que sei, por experiência própria,
que podem te convencer a fazer coisas que você nunca nem
sonharia. Coisas de que você gostou. Coisas que você amou.
Coisas nas quais pensou todas as noites desde que aconteceram.
Por que tem um fantasma na forma de Jasmine Killary
assombrando Stratford?
Me assombrando?
— Ei, Bogdan. — Unhas meticulosamente pintadas estalam na
frente do meu rosto. — Pra onde você foi?
Eu pisco, esperando minha visão clarear, mas Jasmine ainda
está ali, em carne e osso, um ser cujo rosto está parcialmente
escondido por um celular, mas cuja existência real é tão inegável
quanto o batimento tempestuoso dentro do meu peito ao vê-la.
Pra onde você foi?
Como é que conto para minha melhor amiga que não sei nem
por onde começar a responder essa pergunta?

ANTES
O ar é diferente em Outer Banks, mas, para falar a verdade, tudo é
diferente. As casas ficam em plataformas de madeira elevadas para
evitar inundações. Nada tem mais que dois ou três andares, no
máximo. A estrada principal que sai do lado sul do nível do mar é
larga, reta e solitária. É muito diferente dos subúrbios de Nova York,
onde eu passaria o verão vendendo livros, comendo o equivalente
ao meu peso em frozen yogurt, sendo babá dos trigêmeos Sullivan e
encarando o Instagram com inveja das selfies da Shannon na Torre
Eiffel.
Não era um plano de férias incrível, mas era o meu plano,
destruído no instante em que minha mãe entrou no nosso
apartamento e anunciou que eu tinha uma semana para arrumar as
malas para um verão inteiro. Não fiquei feliz com aquilo — com
nada daquilo —, mas ainda não tenho dezoito anos e também não
poderia aparecer na casa do meu pai pela primeira vez depois de
anos implorando para ele tomar conta de mim. Em vez disso, fiquei
a semana choramingando na frente da TV enquanto via séries ruins,
disse adeus para os meus amigos, arrumei a mala com roupas que
serviriam para ficar choramingando ainda mais, e então partimos.
É um pouco humilhante ficar na ala de hóspedes da enorme
casa de praia do chefe da minha mãe, mas ao menos tem um
pequeno quarto separado para mim com uma vista incrível para o
Atlântico. Declan Killary, o CEO das Indústrias Decker, ou fez
alguma coisa muito correta na vida passada, ou fez um monte de
merdas terríveis nessa aqui.
Mal chegamos e nos instalamos, e meia hora depois somos
chamadas para a cozinha — ou, ao menos, minha mãe é. Eu vou
junto, já que não tenho mais nada para fazer.
Além disso, estou com fome.
Felizmente, o sr. Killary é generoso com o conteúdo da
geladeira, basicamente me dizendo para eu me divertir antes de se
virar para minha mãe para conversar sobre o itinerário da noite. Era
de se pensar que seria tudo tranquilo, já que ele está na sua casa
de praia, mas, quando decido deixar de prestar atenção na conversa
para focar em aipo e manteiga de amendoim, ele já foi avisado que
tem três audioconferências naquele dia, recebeu os planos de
reforma do escritório em Dallas e foi informado de que tem um
encontro às dez em um bar de vinho em Kill Devil Hills. Finjo que
não ouço a última parte. Deve ser um pouco constrangedor ter uma
jovem de dezessete anos ouvindo que quem organiza seus planos
românticos é a sua secretária, mas, se ele notou que eu ainda estou
no cômodo, não deixou transparecer.
Coloco toda a minha concentração em pegar o máximo de
manteiga de amendoim que consigo.
Os dois estão repassando a agenda da manhã do dia seguinte
quando um furacão entra na cozinha em um borrão de longos
cachos pretos e pernas bronzeadas ainda mais longas. O furacão
passa por mim, abre a geladeira, quase me acerta com a porta
enquanto pega a água de coco e então geme alto o suficiente para
sacudir as paredes da casa depois de tomar um longo gole da
bebida.
Achei que ela não tinha notado que havia mais pessoas no
cômodo, mas a garota reclama:
— Tá quente pra caralho lá fora. Preciso pular na piscina. — E
então olha diretamente para mim com os olhos da cor mais próxima
do dourado que já vi. — Quem é você?
— Cadê a educação, Jasmine? — diz o sr. Killary. — Lembra da
minha assistente, Anya? — Ele aponta para a minha mãe, que
parece completamente inabalada. — Essa é a filha dela, Larissa.
Elas vão ficar aqui conosco durante o verão. Sua mãe não falou
nada?
Ela dá de ombros.
— Acho que não prestei atenção. — Ao menos ela é sincera. —
Você tem biquíni?
Eu tenho, apesar da sensação de que ele custa uns quinhentos
dólares a menos do que qualquer um que Jasmine coloque.
— Tenho.
— Ótimo. Vamos. — Ela sai da cozinha levando a água de coco
e não me dá escolha a não ser segui-la.
Eu meio que a odeio logo de cara. Ela é o tipo de garota que
sempre consegue o que quer. E ela faz com que eu também me
odeie um pouco, porque já sei que vou ser tão obediente quanto
qualquer outra pessoa que quer fazê-la feliz. Não dá para passar
três anos como o braço direito de Shannon Salter sem aprender a
identificar essas personalidades mais rápido do que encontrar o
jeans perfeito na Nordstrom, e nunca fica menos irritante encontrá-
las.
Eu amo a Shannon, mas já basta ser o segundo lugar durante o
ano letivo. Não quero passar meu verão fazendo a mesma coisa.
Só que uma piscina é uma piscina, e, se é para ficar presa aqui
durante o verão todo, então, pelo menos, vou garantir um bom
bronzeado.
Demoro mais tempo do que deveria para escolher entre meu
biquíni xadrez e um cor-de-rosa mais sensual, porém mais sem
graça — quero mostrar que sou fashion ou que tenho uma cintura
invejável? —, e acabo escolhendo o primeiro. É claro que Jasmine
está vestindo uma coisa de um padrão metálico que é infinitamente
mais legal que o meu e exibindo um corpo cheio de curvas e
músculos, porque é isso que gente como ela faz. Eu suspiro e
mergulho.
Em sua defesa, Jasmine não fica tentando puxar papo comigo.
Não passamos por uma sessão em que ela avalia o cérebro da
invasora e qual o nível da ameaça. Então talvez não seja
exatamente outra Shannon. Ela até tira um livro da bolsa, coisa que
Shannon nunca faria.
Não sei como me sentir sobre isso.
Antes de pensar duas vezes, sou eu que puxo a conversa.
— Está lendo para a escola?
Os olhos dela permanecem na página, mas Jasmine ergue o
livro alto o suficiente para eu ver que ela definitivamente não está
fazendo uma leitura para a escola, a não ser que frequente uma
extremamente moderna que indica graphic novels em vez de algum
clássico escrito por um homem branco que morreu há muitos anos
como recomendação de leitura de férias. O que não é improvável, já
que ela é mais sofisticada do que eu em todas as circunstâncias.
— Legal. Também gosto de ler por prazer. — Eu falei isso
mesmo? Por favor, diga que não. Daqui a pouco estarei me abrindo
sobre minhas quinhentas tentativas frustradas de escrever um
romance. — Nem sabia que seu pai tinha filhos — continuo, me
odiando por ficar tagarelando enquanto Jasmine deixa claro que não
está interessada na conversa.
— Filha. — Ela ergue o rosto para o sol, o reflexo brilhando nos
óculos escuros de marca. — Só eu. Moro com minha mãe em
Asheville. Você sabe que ele é divorciado, né? Ou você achava que
sua mãe estava transando com um homem casado?
Eita, ela é um Tipo. Mas estou acostumada com Tipos. Sei lidar
com Tipos.
— Sabia, sim, e eles não estão transando. Então se você quer
uma comparsa pra um verão estilo Operação Cupido, não está com
sorte.
Os dentes brancos perfeitos brilham em um sorriso.
— Deus, não consigo imaginar coisa pior. — Ela se senta e acho
que está olhando para mim, mas é impossível ver através das lentes
espelhadas dos óculos estilo aviador. — Mas aceito uma motorista
pra festa de hoje à noite. Vai ser uma festa boa. Prometo.
Me convidar para a piscina e para uma festa na primeira hora em
que nos conhecemos? Ou Jasmine é bem mais amigável do que
parece, ou muito solitária. Não importa. Não conheço ninguém aqui
e não tenho outra escolha a não ser aceitar o convite.
Só que aí está a coisa que aprendi sobre Jasmine naquele dia:
as promessas dela são sempre, sempre para valer.
Capítulo dois
AGORA
Mais cedo, fugi da conversa com Shannon e Chase murmurando
uma desculpa, mas, quando deslizo na carteira atrás dele na
segunda aula, de cálculo, depois de passar a aula de história
buscando sem sucesso em cada canto das redes sociais por pistas
do que diabos Jasmine está fazendo aqui, decido empurrá-la para
longe dos meus pensamentos e ativar o modo flerte descarado.
Aparentemente, Chase também.
— Ei, você vai no jogo sexta à noite? — O rosto dele está
inclinado o suficiente para eu saber que está falando comigo, a
covinha do lado direito exibida em sua glória máxima. Meu sonho é
fazer coisas estranhas com aquelas covinhas.
— Vou ver e te aviso. — Como regra, costumo colocar um limite
a quantos jogos de futebol eu vou em cada temporada. É um pouco
triste passar todo o meu tempo babando por Chase e seus ombros
mágicos. (Ou observando-o enxugar o rosto na camisa, revelando
um tanquinho digno de lambidas. Ou compondo odes à sua bunda.)
E eu certamente não preciso dizer a ele o quão feliz eu ficaria de
desistir de qualquer plano em qualquer noite para vê-lo jogar.
Shannon colocou um limite rigoroso de dois jogos por mês, e acho
que é uma boa regra. — Talvez a gente vá para a casa da Kiki.
Temos que aproveitar pra nadar à noite enquanto o tempo ainda
está bom.
Tradução: não estou tão interessada em você e prefiro ficar com
as mesmas garotas com quem passo o dia todo, todos os dias, e, só
para acrescentar, eu estarei de biquíni.
— Então você vai estar de biquíni.
Dou um sorriso meigo.
— É bem provável.
— Agora nem eu quero ir para o meu jogo. — A covinha aparece
de novo, e ele se vira para a frente quando o sr. Howard chama a
atenção de todo mundo.
Beleza, que porra está acontecendo aqui? Eu passei três anos
de ensino médio tentando chamar a atenção do Chase, e isso
depois de sei lá quantos anos de ensino fundamental, quando ainda
nem estava tentando. E agora ele está simplesmente... oferecendo.
Eu realmente deveria dar uma gorjeta para a cabeleireira.
Enquanto o sr. Howard se apresenta para os alunos que não o
conhecem (ele foi meu professor de álgebra no primeiro ano),
deslizo meu celular para baixo da carteira e abro o grupo de
conversa que tenho com Shannon, Kiki Takayama e Gia Peretti.
Piscina na Kiki sexta à noite? Só a gente?
Shannon responde quase imediatamente.
Vc tá mesmo fingindo que não quer ir no jogo do Chase na
sexta?
E então:
Boa garota.
Eu tenho que ir no jogo, Gia lembra, seguido por um emoji de
megafone, o que é justo, já que ela é a capitã das líderes de torcida.
Quando todas nós estávamos no time júnior no primeiro ano,
levávamos bronca se faltássemos aos jogos, a não ser que fosse
uma emergência. (Eeeee é por isso que só uma de nós continuou
na equipe.) Não que Gia teria aceitado faltar; ela só faria isso se
estivesse inteiramente engessada. A única coisa que essa garota
ama mais do que ser líder de torcida é ser namorada de alguém.
E a festa do Hunter?
Perder a Primeira Festa Anual de Hunter Ferris parece mesmo
um sacrilégio em Stratford, mas, pensando bem, eu não ouvi uma
palavra sequer sobre o assunto o dia todo. Os posts idiotas sobre os
armários cheios de bebida e a magnitude da sua banheira de
hidromassagem geralmente ocupam todo o meu feed.
Ele não vai dar a festa esse ano, responde Shannon, e consigo
sentir através da tela do celular sua arrogância por saber da fofoca.
É claro que ela não me contou. Claro. E então ela solta a outra
bomba.
Mas uma garota nova vai.
Jasmine. Eu sei que é ela, sinto isso no fundo do meu ser. É
uma coisa tão Ela de se fazer, entrar e ferrar com tudo só porque
pode. Jasmine quer dar a impressão de que nada é capaz de
intimidá-la. E ok, realmente pouca coisa consegue, que eu saiba. O
que também é irritantemente atraente.
Quase tão irritantemente atraente quanto ver o que realmente
quebra as barreiras dela.
Pare com isso, ordeno ao meu batimento cardíaco acelerado
enquanto Gia responde com um emoji chocado.
Eu odeio mentir para minhas amigas, especialmente depois de
todos os anos em que elas aguentaram minha obsessão por Chase,
mas de jeito nenhum vou falar com elas sobre Jasmine. O que eu
iria dizer? Como é que se conta para as pessoas que escutaram
você tagarelar sobre um cara por mil anos que ops, você passou o
verão de caso com uma garota? Especialmente se você não tem
ideia do que isso significa para nenhuma das duas? Especialmente
se já está tão superado para ela que foi parar na sua escola sem
nem avisar?
A única coisa que posso fazer é fingir completa ignorância e
tentar mantê-la o mais longe possível das minhas amigas.
Ai, a gente não vai pra casa de uma desconhecida, né?, eu
digito, sabendo que não há nenhuma chance de ganhar com esse
argumento.
Vc tá me zoando? Missão de reconhecimento básica.
Não há nada que Kiki ame mais do que espionagem
adolescente. Ela quer ser detetive particular ou jornalista
investigativa, dependendo do dia.
A gente vai.
Mesmo sabendo o que estava por vir, meu coração acelera
quando penso em nós quatro chegando juntas nessa festa.
Imediatamente tento imaginar o que minhas amigas acharão de
Jasmine.
Sempre brincando de detetive, Kiki vai tentar se aprofundar nas
razões que podem ter levado Jasmine ali para cursar o último ano, e
eu não posso culpá-la — estou morrendo de vontade de saber.
Passamos o verão inteiro juntas e ela nunca comentou nada, a não
ser sobre voltar para a casa da mãe, em Asheville. Como ela não
me contou que estava mudando para a casa do pai? Como não
falou que a última vez que nos despedimos nem mesmo era uma
despedida? Como poderia aparecer aqui sem me deixar
completamente obcecada com o que isso significaria?
Não seria o fim do mundo se Kiki conseguisse algumas
respostas.
Quanto à Shannon, ela não vai gostar da Jasmine. Fora o nosso
grupinho, Shannon não gosta de ninguém. Tem dias que eu não sei
nem se ela gosta de mim. Só que Jasmine é bonita e rica o
suficiente para entrar no radar de “importância” da Shannon, então
ao menos ela vai fingir ser amigável e acolhedora até sacar o
quanto Jasmine é uma ameaça para sua popularidade ou para suas
chances de entrar na faculdade, ou os dois. Basicamente, qualquer
fofoca que Kiki não conseguir, Shannon conseguirá. Preciso pensar
em um plano para mantê-las longe uma da outra até o dia da
formatura.
Gia vai passar a noite inteira tentando decidir se Jasmine é mais
bonita do que ela. Ela é, mas Gia vai fingir que não chega a essa
conclusão enquanto chega exatamente a essa conclusão. Eu amo
que ela sempre tenta fazer com que suas verdades se tornem
realidade. Não que esteja mentindo, é que ela realmente acredita
que, se mentalizar alguma coisa o bastante, deixa de ser sonho. Ela
aprendeu a ser assim com o ex-namorado, e acho que ela pensa
que ele inventou a frase, não que é uma citação famosa que deve
ter roubado de algum álbum de fotos da escola. Enfim, é uma
estratégia de vida. Claro, ela conseguiu se tornar capitã do time de
torcida, tem um namorado fofo que é completamente dedicado a ela
e obviamente tem as amigas mais incríveis em Stratford, então
talvez essa estratégia valha de alguma coisa.
Eu nunca diria isso para ela, mas seu sucesso me inspirou a
tentar o mesmo com o Chase. Passei noites mentalizando que ele
me ofereceria uma carona para casa ou me convidaria para dançar
em uma festa. Agora, considerando o flerte comigo esta manhã, me
pergunto se finalmente está dando certo, só que com atraso. (Ah,
esse timing.)
Ele vai estar na festa; os jogadores de futebol sempre vão,
independentemente do resultado do jogo. Quer eu esteja lá ou não,
Jasmine e ele vão estar no mesmo lugar, como mundos colidindo.
Me pergunto se ele vai achá-la bonita. (Como não?) Me pergunto se
ela vai achá-lo um gato. (Como não?) Será que eu falei dele para
ela? Não consigo me lembrar de nenhuma conversa sobre Chase,
apesar de não acreditar que tenha passado o verão inteiro sem falar
disso. Mas a verdade é que ele quase não era importante quando
eu estava perto de Jasmine. Só que agora ele definitivamente é.
O problema é que ela também.
Argh, que bagunça.
Ouço uma tosse alta e vejo que o sr. Howard está tentando
chamar minha atenção. Sinceramente, o timing é perfeito, então
coloco o celular de volta na mochila e me concentro na palavra
“cálculo”, que me encara em letras vermelhas do quadro branco.
Em questão de minutos, meu foco se esvai. Jasmine não está
nessa aula e também não estava na aula de história. Que aulas ela
está fazendo? Será que está em cálculo avançado, igual à Kiki? Ou
será que está na outra turma de cálculo, com Shan e Gia? Ela não
estava no laboratório, não está comigo agora e não estará na minha
aula de espanhol porque é fluente em francês.
Quem. Se. Importa. Porra. Eu não sou a guardiã de Jasmine
Killary. Eu não sou nem mesmo amiga de Jasmine Killary. Se fosse,
saberia que ela estava vindo para cá. Saberia que agora ia morar
com o pai e quando chegaria, e teríamos ido para a escola juntas,
assim como fomos a todos os lugares no verão.
Em vez disso, tudo que sei é que não conversamos desde que
fui embora de Outer Banks, e talvez seja melhor assim.
Grudo meu olhar na parte de trás da cabeça de Chase,
pensando no seu flerte de hoje. É nisso que devo focar.
Um bilhetinho cai na minha mesa alguns minutos depois,
amassado e com manchas de tinta. “Você deveria repensar sobre
sexta à noite”, está escrito. “Me ajudaria muito ter uma líder de
torcida particular.”
Observo a caligrafia que eu queria não conhecer tão bem,
considerando que esse é o primeiro bilhete que Chase me manda
que não é pedindo uma ajuda no dever de casa. O que isso
significa? Será que ele lembra que eu já fui líder de torcida e ficava
ao lado do gramado com uma microblusa e uma saia ainda mais
minúscula? Ou acha que estou tão na dele que vou torcer para ele
independente do que acontecer? Ou isso é só um flerte?
Argh, acho que gostava mais de quando ele me tratava como
uma irmãzinha. Estratégias românticas não são a minha
especialidade. Por que seria, se o meu coração está parado no
mesmo lugar não correspondido de sempre? Não que eu nunca
tenha tido encontros ou beijado uns caras ou algo do gênero — e o
verão passado foi completamente diferente de qualquer outra coisa
—, mas era tudo por diversão, paquerar e ter companhia para sair
com Gia e Tommy e Shannon e o “funcionário do mês”. Chase
sempre foi real, real demais, e, portanto, não era real de forma
alguma.
Considero não escrever uma resposta, mas quem estou
querendo enganar? “Vou pensar no caso.”
Mesmo com meus olhos fixos no quadro, consigo ver
perfeitamente o sorriso satisfeito dele quando desdobra o bilhete.
Eu não odeio o sorriso.
Como esperado, Jasmine não é minha colega de classe em
nenhuma aula naquela manhã, e também não a encontro no
almoço, já que Shannon prontamente me leva com Gia e Kiki até o
carro para aproveitarmos as vantagens de sermos veteranas e
almoçar fora da escola. No entanto, ouço muito sobre ela, já que
todas a encontraram e têm um montão de opiniões.
— Ela veio de Asheville, na Carolina do Norte — diz Kiki, a mão
abanando como ela sempre faz quando está empolgada com
alguma informação que descobriu, as unhas pintadas de preto
refletindo sob a luz do Lily’s Café. — A mãe dela continua lá, mas
Jasmine agora mora com o pai. Aparentemente ele é um CEO
desses grandes e a casa dele é incrível.
— Quem diria que tem Balenciaga no interior? — Shannon
apunhala uma folha de alface metodicamente. Ela sempre come
como se estivesse dissecando um rato de laboratório.
— E por que vai ser ela que vai dar a festa? — pergunta Gia.
— Boatos de que Hunter tentou fazer charme com um convite
para a festa e ela olhou bem nos olhos dele e disse que estaria
ocupada demais com a própria festa de boas-vindas, e que ele
estava convidado. Na aula seguinte, Hunter já estava dizendo pra
todo mundo que tinha mudado a data da festa dele.
Kiki é uma fonte de informações, mal parando de falar para
engolir a pizza. Mas nada do que ela diz são as informações de que
preciso saber — por que Jasmine está morando com o pai e por que
ela não me falou que mudaria para cá —, mas estou sedenta por
qualquer migalha, então vou ficar satisfeita com o que conseguir.
Escuto em silêncio enquanto minhas três melhores amigas
analisam tudo a respeito de Jasmine, começando pelo guarda-roupa
(caro), o cabelo (Gia acha que é longo demais, e eu enfio três
batatas fritas na boca de uma vez só para não dizer uma palavra
sobre como ela não acharia isso se estivesse com o tal cabelo
enrolado em seus dedos) e até mesmo o francês impecável (do qual
sou testemunha que é de deixar a calcinha molhada).
Jasmine era para ser o meu segredo e, naquela manhã, virou a
notícia principal.
Eu realmente preciso mudar de assunto.
— Ainda não acredito que estamos falando dessa garota quando
Chase Harding deu em cima de mim a manhã toda. — Dou um
suspiro magoado e, apesar de estar falando isso como forma de
mudar de assunto, também estou um pouco desapontada. Fiz com
que essas meninas aguentassem horas e horas da minha obsessão
por Chase e, na manhã que ele retribui um pouquinho do meu
interesse, não tem nenhum carnaval sendo feito em minha
homenagem? Mas que porra, galera? Como eu processo tudo isso
sozinha?
— Achei que você estivesse tentando não parecer interessada
demais — diz Shannon, sorrindo como se tivesse acabado de me
encurralar. — Então não é verdade.
— O que isso significa?
— Ele falou para o Alex que você está se fazendo de difícil —
responde Kiki, pegando um pouco das minhas batatas. — Disse que
você mandou um belo “talvez” quando ele perguntou se você vai no
jogo de sexta à noite.
— Mas vocês vão, né? — Gia pergunta, seguindo o movimento
de Kiki até as minhas batatas antes de tirar a mão rapidamente,
provavelmente ao lembrar que estamos na temporada de jogos. —
Vocês prometeram que iriam me ver.
Prometemos? Merda. Lá se vai o jogo de se fazer de difícil.
— É claro que a gente vai — diz Shannon antes que eu possa
pronunciar uma só palavra. — A Riss só está fazendo o Chase suar
um pouco.
— Estaremos lá — prometo, e Kiki assente.
— E depois vamos para a festa da Garota Nova — acrescenta
Kiki.
E, assim, a conversa volta a ser sobre Jasmine, e eu pondero se
é possível alguém conseguir, literalmente, se afogar em ketchup.

É só na última aula — inglês, porque é claro que seria na nossa


matéria favorita — que eu finalmente consigo ver Jasmine. Ela entra
assim que o sinal toca, sem me dar qualquer chance de fazer
contato visual. Eu nem sei se ela me vê. Mas não há dúvida de que
é ela, com suas pulseiras que tilintam, a voz rouca que responde
“presente” na chamada, e, Deus, não consigo nem lembrar mais em
que aula estamos.
Ela não diz mais nada pelo restante da aula, e eu também não,
mas no final guardo minhas coisas lentamente, tendo certeza de
que ela vai aparecer do meu lado antes de sair — talvez me
cumprimentar com um “Oi, Sininho”. O calor sobe para minha
bochecha enquanto imagino a cena, e demoro bastante tempo
colocando as coisas na mochila, esperando o aroma de pêssego do
seu creme hidratante chegar em mim. Quando finalmente não
aguento mais, olho para cima… e a sala está vazia.
Espera um pouco, mas que porra é essa? Mesmo se ela não
tivesse me visto quando entrou na sala, era impossível não ter
escutado quando respondi a “Bogdan, Larissa” durante a chamada.
Eu não vou deixá-la me ignorar. Há algumas semanas estávamos
juntas, passando as noites acordadas assistindo a filmes com as
pernas entrelaçadas, misturando o gosto de pipoca salgada ao doce
de M&Ms nos lábios uma da outra, e agora… isso? O que é isso?
Preciso sair correndo para conseguir alcançá-la do lado de fora,
e lá está ela, já entrando no jipe que conheço melhor do que o velho
Toyota da minha mãe.
— Jasmine!
Ela hesita. Então desce do carro. Lentamente. Como se
soubesse que isso ia acontecer e estivesse temendo a cena o dia
todo. Jasmine não diz uma palavra, só fica esperando. É uma coisa
dela — ela é sempre a pessoa perseguida, nunca a que persegue.
Achei que eu fosse a exceção.
— Jasmine — repito, quando estou mais perto, como se ainda
precisasse confirmar.
— Larissa.
Nada de Sininho, nem sequer um “Larotchka” cantarolado com
um sotaque forte que carinhosamente imita o da minha mãe. Só…
Larissa.
— O que você está fazendo aqui? Por que não me contou que ia
se mudar? — Eu me sinto boba por fazer as perguntas mais
básicas, mas não sei mais o que dizer.
Ela dá de ombros.
— A gente não estava mais se falando quando meus pais
decidiram, só isso.
— Ok, mas a gente não estava se falando porque… — As
palavras saem dos meus lábios e param.
Nós não estávamos mais nos falando porque era difícil demais
depois da intensidade de tudo o que aconteceu no verão. Eu tentei
tantas vezes, mas minhas mãos sempre tremiam enquanto eu
digitava e apagava, digitava e apagava. Era impossível reduzir a
nossa comunicação somente a mensagens de textos e ligações, e
eu não sabia o que dizer, não sabia por onde começar. Então não
comecei, e ela também não.
— Só que você está aqui — é tudo que consigo dizer.
Você não quer ser minha amiga? A frase paira diante dos meus
lábios. Mas não consigo dizer em voz alta, porque “amiga” não é a
palavra correta para o que nós somos. Ser alguma coisa aqui, em
Stratford, longe da magia da costa da Carolina, perto da Shannon,
do Chase e da vida real… nada disso faz sentido.
— Sim, estou, e agora sou eu que tenho que conhecer pessoas
novas e toda essa merda. — Ela puxa o cordão dourado familiar
pendurado no pescoço, o hamsá e a estrela de seis pontas que se
tocam silenciosamente. — Invertemos o papel.
— Você já conhece uma pessoa — falo. — É mais do que eu
conhecia.
— Bom, quando cheguei, a única pessoa que eu conhecia
estava bem ocupada — diz ela casualmente, e percebo que está
falando sobre me ver flertando com Chase no corredor. Essa cena
foi suas “boas-vindas” a Stratford, e é como se eu tivesse levado um
soco no estômago. Sinto que devo pedir desculpas, mas… pelo
quê?
— Você poderia ter interrompido.
— Você e o célebre Chase Harding? Jamais.
As palavras sugerem que ela está magoada ou brava ou talvez
as duas coisas, mas o tom não sugere nada. Na verdade, é como se
estivesse fazendo algum tipo de piada.
Como é que eu respondo isso?
— De qualquer maneira, nem precisei ser sua conhecida pra ser
convidada pra uma festa.
— Fiquei sabendo. E parece que agora você é a pessoa que
devo procurar pra receber um convite.
Os lábios cheios, estranhamente sem batom e levemente
ressecados, se curvam em um sorriso.
— É, acho que sim.
— Então — pergunto, sem ter nenhuma certeza —, estou na
lista de convidados da sua primeira festa em Stratford?
Ela entra no carro, ficando atrás do volante, e fecha a porta, que
está com a janela bem aberta.
— Vou pensar no seu caso.
Capítulo três

— Você não me contou que a Jasmine estava se mudando pra cá


— digo para minha mãe em tom acusador no instante em que ela
entra na cozinha depois de passar o dia recebendo mensagens do
pai da minha ex-amiga. — Um aviso teria sido legal.
— Espero que você também tenha tido um dia ótimo, milaya. —
Suas chaves tilintam enquanto ela as coloca ao lado da bolsa no
balcão laminado, olhando para a tigela de edamame salgado na
minha frente. Normalmente, eu teria escolhido pipoca com uma
dose saudável de M&Ms, como tenho feito todos os dias desde que
voltei das férias, mas, depois de ter visto Jasmine, não consegui
nem pensar em fazer isso. Infelizmente, grãos de soja eram a
segunda coisa mais apetitosa na casa. — E eu não sabia que
precisava te avisar, considerando que vocês ficaram inseparáveis no
verão. Ela não te ligou?
Eu me recuso a responder a essa pergunta e finco os dentes em
outra vagem para conseguir chupar o conteúdo.
— Ah. Bom, se melhora a situação, foi uma decisão de última
hora, pelo que entendi. O Declan nem pediu a minha ajuda.
Descobri só hoje, quando ele me pediu pra enviar flores para a casa
deles como boas-vindas no primeiro dia dela.
Isso me acalma um pouco, mas continuo irritada no geral.
— Posso ir jantar na Shannon?
Ela suspira.
— É seu primeiro dia no último ano, Larotchka. Talvez o seu
último primeiro dia enquanto ainda mora aqui. Você pode, por favor,
fazer companhia pra sua mãe e contar o que aconteceu enquanto
comemos uma pizza?
Agora me sinto uma babaca. Não é culpa da minha mãe que
Jasmine seja uma otária.
— O que a gente tem para acrescentar na pizza?
— Só meio vidro de azeitonas, mas estarão deliciosas porque
vão ser colocadas com amor. — Ela beija o topo da minha cabeça.
— Vai fazer o dever de casa, eu te chamo quando a pizza
descongelar e estiver tudo pronto.

Vou para o meu quarto, mas não começo a fazer a lição de casa.
Em vez disso, entro no closet e apoio os pés na prateleira mais
baixa para alcançar o álbum que fica escondido na mais alta.
Shannon morreria de rir se soubesse que fiz algo tão sentimental.
Bom, Jasmine também. Mas estou tão aliviada em ter aquilo, em ter
provas de que o verão foi real e não uma completa ilusão.
E ali estão as provas: ingressos para o cinema de Kill Devil Hills,
entradas para o Elizabethan Gardens, os tíquetes do show The Lost
Colony e os comprovantes da balsa que pegamos para ir à Knotts
Island. Fotos que tiramos abraçadas em faróis e fingindo voar na
frente do memorial aos irmãos Wright. Papéis de embrulho de
sorvete, conchas achatadas que peguei na praia, um coringa de um
baralho já gasto e até mesmo a haste de uma cereja na qual
Jasmine tinha feito um nó usando só a língua em uma festa. Não há
escassez de lembranças nessas páginas.
A verdade é que não preciso de fotos ou embalagens ou
ingressos para lembrar desse verão, apesar de uma parte dele ser
nebuloso mesmo enquanto estava acontecendo. Caramba, ainda
me lembro de cada minuto até pelo menos o terceiro shot que tomei
naquela primeira festa a que fui e fiquei extremamente bêbada.
Foi naquele momento que eu soube que o verão não seria ruim.

ANTES
Não sei o que vestir para a festa do amigo da Jasmine. Não porque
eu não saiba como me vestir, mas porque achei que minhas noites
de verão seriam baseadas em me transformar em uma lesma no
sofá e ficar maratonando Netflix com a minha mãe. Eu trouxe alguns
biquínis, shorts e blusinhas, mas, para a noite, tudo o que tenho são
alguns jeans e umas calças de moletom confortáveis para o caso de
eu querer sentar perto da água quando estivesse mais frio. Roupas
de festa não tinham entrado na equação.
Um jeans sem graça e uma regata de bolinhas vão ter que servir.
Shannon ia morrer se me visse usando chinelos para ir a uma festa,
mas ela está em Paris usando saltos e lenços no pescoço, então
tanto faz.
Sem mais nada para fazer, fico pronta vergonhosamente rápido
e, com medo de parecer ansiosa demais, eu me tranco no quarto e
passo o tempo mandando mensagens para Kiki e assistindo a
vídeos idiotas no YouTube. Finalmente, ouço movimento do lado de
fora, seguido de um grito de “Sininho, cadê você?” que poderia ter
vindo de uma fada.
Pego minha bolsa e pulo da cama para encontrar Jasmine, que
parece cem vezes mais estilosa com sua regata branca, calça capri
rosa e uma fileira de pulseiras tilintando nos braços. Branco é uma
cor que eu evito até estarmos ao menos duas semanas verão
adentro, mas ressalta a pele naturalmente marrom de Jasmine e
seu cabelo escuro e sedoso.
Aguardo um comentário sobre minha aparência, parte de um
ritual pré-festa com Shannon, Gia e Kiki, mas tudo o que Jasmine
diz é:
— Está pronta?
Assinto. Só depois de entrarmos no carro dela que pergunto:
— Sininho?
— Pequenininha, loira, provavelmente caberia no meu bolso. E
eu ainda não consegui aperfeiçoar o “Larotchka” da sua mãe.
Caio em uma gargalhada com a tentativa dela de fazer o som de
A mais aberto e o R enrolado do russo. No geral, o sotaque da
minha mãe aparece apenas de leve; ela mora nos Estados Unidos
desde a faculdade. Só que, quando ela diz meu apelido, o sotaque
ressurge, bem forte, e é um dos meus sons favoritos no mundo. É
estranho ver alguém notar isso tão adequadamente logo no primeiro
dia. É óbvio que Jasmine tem bons poderes de observação.
Ela sorri, e nós abrimos as janelas do jipe ao máximo e ligamos
o som no volume mais alto. Está tocando uma banda que nunca
escutei antes, com vocais raivosos e sussurros de garotinha que se
transformam em gritos, me dando a sensação de escrever meu
nome no céu com um batom vermelho. O ar salgado e as casas
sobre estacas são tão diferentes de Nova York... Não é nada
parecido com a experiência que estava pronta para viver no verão.
Apesar de nada disso ser minha escolha e tudo me deixar brava,
essa noite tem um pouco de liberdade.
Eu não olho o Instagram da Shannon nem uma vez. Nem
mesmo o do Chase.
A casa onde a festa está acontecendo não é tão impressionante
quanto a dos Killary, mas foi decorada por alguém que sabe mesmo
dar uma festa. Nós damos a volta pela praia, onde as chamas de
uma fogueira lambem o céu e a música preenche o ar. Na grama,
coolers com gelo, refrigerante e cerveja estão à disposição. Há uma
mesa cheia de pratos pequenos com coquetel de camarão e
biscoitos salgados com queijo salpicado e, apesar de parecer que
todas as espreguiçadeiras e cadeiras de praia de Outer Banks estão
nesse único quintal, tem uma bunda preenchendo cada uma delas
— em algumas, tem até duas bundas, de casais abraçados.
— De quem é essa casa? — pergunto enquanto nos
encaminhamos para os coolers com bebidas e eu obedientemente
pego uma lata de refrigerante diet, fiel à minha promessa de ser a
motorista da rodada.
— Do Carter Thomas — diz Jasmine, tirando a lata da minha
mão e substituindo-a por uma garrafa de Corona. — Pensei um
pouco sobre o assunto e cheguei à conclusão de que fazer você ser
a MDR na sua primeira festa em Outer Banks é crueldade demais,
então, só dessa vez, vou cuidar disso.
Ela abre a lata de refrigerante e toma um grande gole desafiador,
como se isso encerrasse o assunto. E suponho que encerra,
porque, antes mesmo de pensar no assunto, estou bebericando a
cerveja e Jasmine está me apresentando para o pessoal.
Demora um pouco para encontrar Carter, mas, enquanto isso,
sou apresentada a Owen, um garoto branco com a cara vermelha e
cabelo da cor de cenoura com um sorriso tranquilo e dentes
afastados; Keisha, a prima de Carter, cuja pele escura brilha com
glitter corporal e aroma de coco, um cheiro agradável que percebo
quando ela joga os braços ao meu redor em um abraço caloroso e
me envolve na camiseta de Minecraft que está usando; Brea, que
talvez seja branca ou talvez latina ou talvez as duas coisas, está de
tranças loiras que chicoteiam o vento e tem o tipo de risada que
ocasionalmente soa como um porco roncando, ou seja, o melhor
tipo de risada; e Derek, que é do leste asiático, muito gato e
definitivamente o tipo interessante com quem eu passaria o verão se
ele não tivesse imediatamente se juntado a Jack, um sósia de Dax
Shepard, que entrelaça os dedos dos dois e não solta durante a
noite toda.
A coisa engraçada de estar em Outer Banks só durante o verão
é que todos estão em Outer Banks só durante o verão. No resto do
ano, estão espalhados pelo sul e pelo Médio Atlântico do país, mas
vêm para cá sempre, desde que usavam fraldas à prova d’água. É
óbvio que essa é uma festa tradicional de reencontro, na qual
Keisha conta a todos sobre o primeiro ano dela em Georgetown,
Brea compartilha as últimas da mãe hippie e Jack e Derek (Jerek?)
mostram fotos da festa de formatura para todos. Por um lado, eu
sou obviamente a forasteira. Por outro, é uma oportunidade perfeita
de me enturmar — e fica muito mais fácil quando Owen nos traz
uma bandeja de shots de gelatina.
— Então, de onde você é, nova musa do verão? — ele pergunta
enquanto eu me sirvo de um shot sabor cereja.
— Nova York. Moro num subúrbio fora da cidade.
Ele vira um shot de gelatina verde-clara.
— E está ficando na casa da Jas? Como vocês se conheceram?
Uma pergunta inevitável, mas argh. Parece triste demais dizer
“estamos ficando lá como servas porque minha mãe é secretária do
pai dela”. Não tenho vergonha do trabalho da minha mãe ou do fato
de que não temos muito dinheiro, mas não preciso que as pessoas
aqui me tratem como se eu estivesse à disposição deles, ou sei lá.
Por sorte, Jasmine é muito mais rápida do que eu, respondendo
enquanto viro o meu shot de gelatina.
— Nossos pais trabalham juntos — ela responde, e fico grata
pela resposta, que não é exatamente mentira. — Agora, onde
diabos o Carter está?
— Alguém disse meu nome? — Olho para cima e vejo um cara
negro alto e musculoso com cabelo curto e olhos escuros brilhantes
vindo na nossa direção. Ele está com um sorriso lindo no rosto,
perfeito demais para ser real. Parece que Carter tem muuuuuito
mais do que só a casa a seu favor. Uau. — Ei, gata.
Ele passa um braço ao redor de Jasmine e beija o topo de sua
cabeça de um jeito nada paternal.
É claro que ela tem um cara por aqui. Lá se vão os planos de ter
alguém com quem sair durante o verão. Só que isso provavelmente
é uma coisa boa. Eu devia estar ganhando dinheiro para guardar
para a faculdade, mas precisei desistir do meu trabalho para vir para
cá. Devia passar um tempo procurando por outro.
Me pergunto se algum desses garotos já trabalhou algum dia na
vida.
— Carter, essa é a Larissa — Jasmine nos apresenta. —
Larissa, Carter. Agora, o que tenho que fazer pra ganhar uns
s’mores por aqui?
Caminhamos na direção da fogueira, e as garotas que a rodeiam
— que não parecem mais velhas do que calouras — se espalham
assim que nos aproximamos. Carter providencia os suprimentos
enquanto Owen e Derek vão atrás de mais bebidas. Preciso de um
pouco mais de álcool no sistema, mas logo já estou relaxando e
aproveitando a vista, os sons da festa e todo o restante. Danço com
Owen, Jack e Derek, Keisha e Brea, com o grupo todo. Quando
finalmente noto que Jasmine e Carter desapareceram, já estou
agradavelmente bêbada e conversando com esse pessoal que
acabei de conhecer, então imediatamente pergunto qual é a deles.
— Ah, eles só ficam de bobeira — diz Keisha, passando areia
nas pernas. — Não é nada sério, mas, nos últimos verões, ficaram
tipo coelhinhos.
— Exceto naquelas duas semanas, uns dois verões atrás,
quando Carter achou que tinha encontrado A Escolhida. Lembra
daquela garçonete do Sally’s Shack? — Derek pergunta. — Qual
era o nome dela mesmo?
— Marly! — os outros berram, e então caem na gargalhada.
Vê-los tão unidos e confortáveis me faz sentir muita falta de
Shannon, Kiki e Gia. Só que nenhuma de nós ficou em casa para o
verão. Shannon está em Paris, Gia está no acampamento de líderes
de torcida e Kiki está no Japão com os avós. Estamos vivendo vidas
separadas, enquanto aqui todos se reúnem para ficar juntos.
Tiro uma foto do fogo que sobe ao céu, as garrafas pontuando a
areia ao redor, e mando uma mensagem para as três dizendo:
Queria que vocês estivessem aqui.
— Então, Larissa, qual a sua história? Está solteira? — pergunta
Derek.
— Extremamente — respondo com um suspiro que faz todos
eles rirem.
— Bom, isso não é legal — diz Jack. — Do que você gosta?
Garotos? Garotas? As duas coisas? — Keisha o cutuca com um
cotovelo, e ele simultaneamente tosse e ri. — Desculpa, ninguém
também é uma opção. Nesta casa, nós respeitamos arromânticos e
assexuais.
— Obrigada — diz ela majestosamente, voltando a enterrar as
próprias pernas na areia.
— Não sou nada disso — respondo, acrescentando
rapidamente: —, mas na minha casa também respeitamos todas as
orientações. Eu sou do time “garotos”. Bom, garoto, no singular. Não
acho que sirva pra ter mais de um por vez. — Na verdade, só tem
um garoto há muuuuuito tempo. — Mas eu não sou... Quer dizer,
meio que tem esse cara.
Jack imediatamente coloca a mão no queixo, inclinando-se para
a frente.
— Fale mais sobre isso, por favor.
Não consigo deixar de rir. Minhas amigas em Stratford estão tão
cansadas da minha paixonite por Chase que eu tento não reforçar
muito, especialmente porque me sinto patética. Só que aqui posso
contar a história do jeito que quiser, apesar de suspeitar que essas
pessoas ainda achariam que está tudo bem se eu revelar que tenho
um crush não correspondido por esse cara há anos.
Passar o verão em um lugar onde não dá para escolher os
amigos tem suas vantagens, acho.
— Ele é jogador de futebol americano, quarterback, é muito
talentoso e fica tão lindo de uniforme — começo, e ouço a minha
voz adquirir um aspecto sonhador. Fico me sentindo boba, mas
todos estão olhando para mim com uma curiosidade ávida, e eu
amo tanto essa noite. Recebo outro shot de gelatina e eu viro sem
pensar duas vezes. — Ele está no meu ano e é tão bonzinho. Tipo,
ele é gato e popular e poderia ser um babaca, mas é bonzinho com
todo mundo. Eu amo o fato de ele ser bonzinho com todo mundo. —
Estou tagarelando, sendo verborrágica, mas desisti de qualquer
esperança de chamar a atenção dele nesse verão depois que vim
para cá, então sinto que mereço esse momento. — E ele dá muito
duro. Eu o vejo na academia o tempo todo. Ser bom no que faz
significa muito pra ele.
Todo mundo assente como se eu não estivesse sendo
incrivelmente entediante, e eu os amo por isso. Por fim, alguém
pede para tirar fotos e eu ofereço meu celular, me sentindo só um
pouco estranha quando Jasmine e Carter se juntam a nós de novo e
perguntam o que estamos fazendo.
Eu murmuro um “nada” para o ar do verão, mas os outros se
apressam para responder antes de mim, o que me faz amá-los um
pouco menos. Fico só esperando esse casal que estava se pegando
em algum outro lugar da festa começar com as provocações,
zoando o meu crush em um cara que nem sequer beijou minha
bochecha, mas não acontece. Em vez disso, a conversa recai em
crushes antigos. Todo mundo conta sua história, Brea rindo sobre o
amor não correspondido pela instrutora de ioga da mãe, Keisha
confessando que sempre usava a desculpa “meu namorado mora
no Canadá” antes de se assumir como aroace, e é o mais
confortável que me sinto em eras.
Esse conforto me encoraja a perguntar para Jasmine sobre
Carter quando ela está nos levando de volta para a sua — nossa —
casa. Se quisesse abertura para confessar sentimentos mais
profundos, ela definitivamente teria uma. Ele parece ser um cara
fofo, é ridiculamente gato e também é muito legal, então fico
esperando para ver algum sinal, mesmo com ela agindo como se
não fosse nada. Anos sendo amiga da Kiki me ensinaram o que
devo procurar, de pupilas dilatadas a bochechas coradas e alguma
outra coisa na linguagem corporal.
Só que tudo que ela diz é:
— É bom me distrair um pouco.
E, apesar de eu não saber se é o resultado que ela esperava,
fico em silêncio pelo resto do caminho.
Capítulo quatro
AGORA
Durante o restante da primeira semana, as coisas continuam
iguais — me divirto com minhas amigas, flerto com Chase e evito
totalmente Jasmine ao mesmo tempo em que fico obcecada por ela.
Então chega sexta à noite, o que significa que tenho o jogo de
futebol de Chase e depois a festa da Jasmine, o que quer dizer que
todas as coisas que pairam na minha cabeça vão ter que se resolver
de alguma forma.
Me vestir para esta noite se revela um problema. Todas as
minhas coisas mais arrumadas e novas são roupas lindas e caras
que Jasmine jogou nos meus braços dizendo “pode ficar, vai vestir
melhor em você”. Nem ferrando que vou usar as suas roupas de
segunda mão para ir à festa, o que significa evitar vários looks
absolutamente perfeitos e ter que vestir algo que já usei um bilhão
de vezes. Ao menos tem algumas coisas que parecem estar
funcionando para mim, começando pelo bronzeado glorioso que vai
desbotar logo, logo.
Tenho algumas blusas novas bonitinhas que servem para o
combo jogo-festa, então vasculho minhas gavetas até encontrar
uma perfeita. É branca e tem a gola redonda — meu colo não é
exatamente digno de uma nota especial —, mas é aberta nas
costas. Jeans parece simples demais para a festa da Jasmine,
especialmente com algo que é basicamente uma camiseta, então...
Ahá! Sabia que estava em algum lugar. Quando Shannon me
convenceu a comprar um short de couro ano passado, nunca achei
que teria coragem de usá-los. Mas a pessoa que fui no último ano
só precisava esperar um pouco para que fossem perfeitos.
É oficial: estou muito gata. Não tem jeito algum da Jasmine —
quer dizer, do Chase — não notar.
Meu celular apita enquanto estou terminando de jogar algumas
coisas dentro da bolsa, e eu sei sem precisar olhar que é uma
mensagem do tipo “Kd vc vadia” da Shannon. Eu sempre recebo
uma dessas, esteja atrasada ou não, mas então coloco minhas
sandálias e saio porta afora gritando um “tchau” para minha mãe.
— Eu disse que esse short era uma ótima compra — Shannon
diz no instante que abro a porta do carro, e deixo o alívio da
validação me banhar como uma cachoeira. — Agora senta a bunda
aí porque meu rímel novo é um presente divino e você vai me amar
mais ainda.
O rímel é mesmo milagroso, e com um pouco de delineador
marrom, um toque de iluminador e um gloss de leve, eu pareço
natural e sem exageros. Para falar a verdade, eu provavelmente me
comeria. Shannon é uma mestra da maquiagem e, mais importante
ainda, ela é generosa tanto com suas habilidades quanto com sua
coleção do tamanho da Sephora. Estou ocupada demais me
achando para me irritar com o “Está bonitinha, Rissy” dela.
— O Chase vai morrer — Kiki confirma. Essa ideia de morte
súbita é o maior elogio que ela pode fazer, e eu alargo meu sorriso.
As arquibancadas estão cheias quando nós três chegamos, mas
a vantagem da combinação ideal entre ser amada e temida é que
assentos sempre aparecem quando precisamos deles. Nós nos
apertamos em uma fileira na frente da parte central, e meus olhos
imediatamente encontram Chase, alto e esguio em seu uniforme
branco e azul-marinho, com bíceps esculpidos tão lindamente que
quero lambê-los.
Eu sempre amei ver Chase jogar — o jeito como os músculos
ondulam quando ele puxa o braço para trás para lançar a bola, o
jeito como os pés se posicionam como em uma dança… Eu sei que
sou bitolada, mas ele é genuinamente bom, bom o suficiente para
jogar na faculdade, que é o plano dele. (Ele também quer se formar
em sociologia, apesar do interesse em cursar medicina esportiva se
fosse melhor em ciências. Sim, eu sei muito sobre os sonhos de
Chase Harding.)
O treinador Montgomery pede uma pausa e aproveito a
oportunidade para avaliar a multidão e ver quem mais apareceu no
jogo. Ganho um sorriso e um aceno da minha parceira de
laboratório, Jamie Nguyen, que está sentada ao lado de —
namorade é a palavra neutra certa? — Taylor, uma pessoa novata
com o cabelo cacheado cor de lavanda, e reconheço mais alguns
colegas aleatórios. Eu não vejo Jasmine.
Isso não é uma surpresa. Ela deve estar em casa organizando a
festa — que pode ter dez ou mil pessoas, já que não sei de nada.
Ela nunca nem confirmou se estou na lista de convidados. Mas
estarei lá, e meu estômago borbulha só de pensar nisso, me
perguntando se o quarto dela agora também esconde memórias
parecidas com as que eu guardo no meu álbum. Será que tem fotos
nossas no espelho? Ou tudo ficou no passado, como pareceu
quando conversamos perto de seu carro?
Sou arrancada dos meus pensamentos quando a multidão
eclode, e pulo no lugar com todo mundo, me perguntando se Chase
finalmente conseguiu um touchdown.
Em que momento tirei os olhos dele, afinal?
— Harding está detonando hoje — um cara na minha frente diz
para outro, e meu coração se enche de um orgulho completamente
deslocado.
Pelo resto do jogo, fico com o olhar grudado em cada passe,
cada chute, cada movimentação. Harding de fato está detonando
esta noite, e, quando o apito soa para o intervalo, meu coração está
batendo daquele jeito familiar.
— Dá pra sentir o cheiro de hormônios exalando de você — diz
Shannon enquanto pega a bolsa e tira um pacote de chiclete. Ela
puxa um e passa para o restante da fileira. — Meu Deus, você quer
mesmo esse cara.
Não há sentido algum em negar qualquer coisa para Shannon,
então não faço isso. O chiclete é a desculpa perfeita para minha
boca estar ocupada demais para responder, então Gia e as líderes
de torcida entram no gramado e nós aplaudimos, assobiamos e
batemos os pés enquanto ela agita os pompons. Tiro algumas fotos
dela e mais algumas selfies com Kiki e Shannon, e estou ocupada
colocando filtro e postando quando Shannon tosse alto e me dá um
cutucão na costela com seu cotovelo ossudo.
Tiro o olho do celular e lá está a estrela em pessoa, sem o
capacete, o cabelo encharcado de suor, o sorriso levemente torto
iluminando o gramado todo.
— Você veio — ele diz, e preciso de toda minha concentração
para não olhar ao redor para confirmar que Chase está falando
comigo.
Dou de ombros, apesar de sentir que meu sorriso enorme está
me traindo.
— Ouvi dizer que a mira do Kosinski melhorou bastante durante
as férias. Vim conferir.
— E?
Meu Deus, tem tantas pessoas olhando na nossa direção.
— Eu diria que o jogo de vocês está lindo — admito, e, se isso é
possível, o brilho do sorriso de Chase aumenta ainda mais.
— As coisas também estão lindas por aqui — diz ele, e, apesar
de minhas pernas à mostra dificilmente estarem visíveis daquele
ângulo, me sinto nua sob o olhar dele.
Conheço esse efeito. Ele causa isso em mim desde sempre. Só
que desde quando eu tenho esse efeito sobre ele?
Chase olha para trás, em direção ao campo, e fica claro que
precisa voltar. Então se vira para mim de novo.
— Vai na festa hoje?
A festa. É isso que é para ele. Não a festa da Jasmine. Só a
festa. Ela não entra como fator na equação. Não é uma coisa ruim
para eu me lembrar.
— Esse é o plano.
— Bom. Acho que te vejo lá.
— Ou você pode levá-la — sugere Shannon. — Acho que ela
gostaria de uma carona. — A insinuação fica clara para mim, e eu
me viro para encará-la. — Que foi? — diz ela, inocente. — Gia vai
entulhar o carro com as coisas de torcida. Não tenho espaço pra
todo mundo.
Shannon dirige a porra de um tanque, mas tudo bem. Aposto
que Chase sabe disso também, mas ele diz:
— Se você não se importar em me esperar tomar banho, fico
feliz em te levar.
Eu não sei se devo beijar ou matar Shannon, mas Kiki declara
que elas podem me fazer companhia até ele estar pronto, já que
precisamos esperar por Gia de toda forma. E então, antes de me
dar conta, estou observando Chase correr de volta para o jogo com
a clareza de que mais ou menos cem pessoas acabaram de
presenciar o que aconteceu e que a noite acabou de começar.
Vou precisar de mais chiclete.

Os Stratford Saints arrasam, e Chase praticamente salta para fora


do vestiário para me encontrar onde Shannon, Kiki e eu estamos
esperando e discutindo fofocas de celebridade.
— Estou lisonjeada por pegar carona com o jogador mais
importante da noite — falo, batendo meus cílios exageradamente
enquanto caminhamos para o seu Nissan Xterra.
Ele ri, mas sua alegria e orgulho são palpáveis. Essa é uma das
coisas que mais gosto nele: ele sempre deixa as emoções
transparecerem. Mas também é uma das coisas que mais odeio. Ele
é sempre tão transparente em relação a suas emoções que eu
nunca nem pude ficar imaginando que ele secretamente estava a
fim de mim ou que estivesse escondendo uma paixãozinha. Mas
essa transparência deixa esse momento ainda mais delicioso
quando eu o pego lançando olhares para o decote nas minhas
costas.
— Por mais que eu goste de falar de mim e da minha vitória —
diz ele assim que apertamos os cintos —, quero saber mais de
você. O que fez no verão? Claramente passou um tempo na praia.
O último assunto que quero discutir. Jasmine não entra nessa
equação, tento lembrar, mas nós estamos indo justamente para a
casa dela. Respiro fundo.
— Na verdade, passei o verão inteiro na praia. Minha mãe e eu
fomos pra Outer Banks.
— Ah, é? Onde fica isso?
Eu tive a mesma reação quando minha mãe mencionou o lugar
pela primeira vez, apesar de agora isso parecer impossível.
Enquanto Outer Banks no verão fica repleta de moradores do Médio
Atlântico dos Estados Unidos para baixo, quem vive do Médio
Atlântico para cima frequenta ou tem uma casa de praia na região
dos Hamptons, onde eu normalmente passaria uma ou duas
semanas estirada ao lado da piscina na casa que os pais da
Shannon alugam todo verão. Só que, apesar de ela ter feito o
convite de sempre para aproveitarmos a casa antes da escola
começar, acabei recusando para ir trabalhar na Book & Bean, onde
eu teria passado o verão inteiro. Foi extremamente gentil da parte
de Beth, a dona, me dar outra chance, me incluindo nos turnos de
fim de semana durante o ano letivo. Eu não estragaria a
oportunidade de novo — não quando minha poupança para comprar
um carro estava em jogo.
Além disso, me mantinha ocupada, o que era muito melhor para
me distrair de Jasmine do que ficar ao redor de uma piscina.
— São umas ilhas na costa norte da Carolina do Norte. Conhece
Kitty Hawk?
— Tipo dos irmãos Wright?
— É. Fica por lá.
— Legal.
Também acho legal. Jasmine tinha me zoado sem dó, mas ela
me levou para Kitty Hawk para fazer um tour e uma sessão de fotos
na frente do monumento até o calor nos exaurir. Uma delas foi meu
fundo de celular por algumas semanas, até eu ficar cansada de
sentir que cada vez que a tela acendia era como um desafio para
ligar para Jasmine, então mudei a foto para uma com a minha mãe.
— Er, dã, esqueci de colocar o endereço. — Chase me entrega
o celular enquanto sai do estacionamento. — Você pode olhar
minhas mensagens? Deve ser a última do Paulie.
Fico me deliciando com a sensação de Chase confiar em mim
para olhar suas mensagens, então demora alguns instantes para eu
perceber que já sei o endereço. Eu já estive naquela casa.
Buscando ou deixando minha mãe quando ela precisava; até
mesmo entrei uma vez, quando ela me fez esperar demais e eu
precisava muito fazer xixi. Lembro do banheiro de mármore preto,
iluminado por um espelho com lâmpadas. Lembro do chão de
madeira brilhante. E lembro de pensar, “Jesus, é uma casa enorme
pra uma pessoa só”.
Mas não é mais a casa de uma pessoa só.
— É na Darlington, 37 — falo, digitando o endereço no GPS. Os
olhos dele estão na estrada, então não tem como saber que não
chequei. E não quero ceder à tentação de olhar as mensagens dele,
de saber quais nomes de garotas podem aparecer ali. Se ele e a ex-
namorada líder de torcida, Brielle, ainda conversam, eu
definitivamente não quero saber. Se ele teve um caso de verão que
está enchendo sua caixa de mensagens com emojis de coração,
isso também pode ficar trancafiado no cofre.
Preenchemos o espaço com conversas fáceis e previsíveis
sobre o jogo, sobre as faculdades em que queremos nos inscrever e
quais olheiros ele gostaria que assistissem a seus jogos; mas não
espero qualquer tipo de revelação, e é por isso que fico
particularmente surpresa quando ele diz:
— Posso te falar uma coisa que nunca contei pra ninguém?
— Claro — respondo automaticamente, mas tudo que quero
fazer é contar o segredo aos berros do alto dos telhados para provar
que Chase Harding confiou a mim alguma informação secreta e
confidencial.
— Sinceramente, estou torcendo pra ficar por aqui. Ir pra Marist
College é, na verdade, meu sonho. É da primeira divisão, e
Poughkeepsie fica só a, tipo, uma hora de distância. Além do mais,
fico bem de vermelho.
— Aposto que sim — digo, meu coração alegre com a confissão.
— É de Stratford que você gosta tanto, da sua família, ou o quê?
— Os dois, acho — ele responde, e consigo notá-lo corando
levemente no escuro. — Meu irmão estuda na Arizona State porque
queria um clima mais quente e uma universidade com muitas festas,
e quase nunca volta pra casa. Não quero ser assim. Eu gosto dos
feriados e de fazer coisas com a minha família, sem contar que
deixar minha irmãzinha sozinha em casa seria horrível.
Deus, quando achei que meu crush não podia ficar maior. Claro
que, para começo de conversa, Chase ser um irmão mais velho
incrível é uma das coisas que sempre fez meu coração palpitar. A
irmã dele, Kira, está no segundo ano do ensino médio, e nós
éramos do mesmo time de beisebol quando crianças. Nos domingos
de manhã em que ele não tinha treino, costumava assistir aos
nossos jogos sentado nas arquibancadas segurando cartazes
enormes feitos em casa, escritos em uma caligrafia horrível, e
gritava o nome dela sempre que era a sua vez no taco.
No começo, eu ficava triste por não ter um irmão mais velho
torcendo por mim.
Depois percebi que eu queria que o próprio Chase Harding
torcesse por mim.
E foi ali que tudo começou.
— Essa filha única aqui pode confirmar que isso é horrível —
falo, apesar de nunca ter experimentado a vida com irmãos e amar
minha mãe e nossos feriados aconchegantes. Mas eu estaria
mentindo se dissesse que nunca quis que houvesse mais pessoas
do que só nos duas na nossa pequena mesa redonda de quatro
cadeiras. Se dissesse que eu ocasionalmente não desejava que
tivéssemos uma sala de jantar enorme para decorar e encher de
coisas idiotas, como jogos americanos com estampa de flores
vermelhas tipo aquela bico-de-papagaio. Que meu coração não
tinha doído um pouquinho naquelas noites de verão nas quais
Jasmine, minha mãe, Declan e eu nos sentávamos para jantar
juntos, como se fôssemos uma família estranha, porém completa.
Sem pensar, eu estico o braço e aperto a mão dele quando paramos
no sinal vermelho. — Você é um bom irmão.
Ele sorri, suave.
— Obrigado.
Nossas mãos continuam unidas até que a luz fica verde.

A casa já está cheia quando chegamos, com música alta e pessoas


aglomeradas no gramado da frente. Conseguimos lugar para
estacionar umas duas quadras depois, o que é perfeito, porque
Chase me oferece a jaqueta dele para andarmos até lá.
Eu quero muito, muito mesmo, aceitar.
Só que a primeira visão que Jasmine teve ao entrar em Stratford
High foi minha, flertando com Chase, então me pego pensando
como eu me sentiria se ela entrasse na minha casa usando a
jaqueta de outra pessoa, e não consigo fazer isso. Ainda não. Não
até nós duas conversarmos.
— Ainda está quente, obrigada — digo, esperando que o meu
sorriso deixe claro que essa não é uma rejeição simbólica. — Mas
aceito a oferta depois, quando estiver mais frio.
— Combinado — ele diz, jogando a jaqueta de volta no carro,
mas não se aproxima para passar um braço ao redor do meu ombro
ou pegar minha mão. Preciso lembrar que esse foi o pouco espaço
que implicitamente pedi.
Assim que a casa — ou mansão? — aparece à vista, eu
continuo o ciclo de pensamentos sobre Jasmine. E se ela for tão fria
essa noite quanto foi do lado de fora da escola? E se já estiver
bêbada? E — o pior pensamento — se ela estiver com outra pessoa
quando entrarmos?
De alguma forma, estou de pé ao lado da porra do Chase
Harding, prestes a riscar o número sete da minha lista de coisas pra
fazer antes do ensino médio acabar (entrar em uma festa ao lado
dele), e só o que consigo pensar é no quanto eu vou querer vomitar
se der de cara com Jasmine Killary se pegando com alguém do
outro lado da porta.
Está literalmente tudo errado.
O que estou fazendo aqui?
Não consigo repensar meu plano, porque a porta se abre e um
fluxo de estudantes de Stratford sai de lá. Eu os reconheço, são da
equipe de tênis, e alguns deles nos cumprimentam enquanto dão a
volta pela casa e vão para o gramado. Uma espiadinha rápida além
deles mostra que está lotado demais lá dentro para conseguir
chegar às portas duplas que dão para o deque com a banheira de
hidromassagem, e, meu Deus, eu me lembro dessa casa melhor do
que pensava, o que de alguma forma torna tudo pior.
No minuto em que entramos, Shannon, Kiki e Gia pulam em
mim, me puxando para a cozinha enquanto Chase aceita
cumprimentos de mão e tapas no ombro dos seus fãs e do time.
— Então? Como foi a carona? — Kiki pergunta, levantando as
sobrancelhas.
— Vocês conversaram sobre a posição dele no jogo? — A voz
de Shannon não poderia parecer mais maliciosa.
Gia me poupa — esse tipo de humor malicioso nunca foi a praia
dela —, mas os seus enormes olhos de Bambi se arregalam, e sei
que ela está esperando por uma resposta.
Reviro os olhos.
— Foi só uma carona. Conversamos sobre coisas normais.
Somos amigos. Nós conversamos.
— “Somos amigos” — repete Shannon em tom de escárnio. —
Ah, por favor. Pode ficar pagando de indiferente, Bogdan, mas,
depois do seu expediente amanhã, a gente vai no Lily’s comer
waffles, e você vai contar tu…
— Aqui está, como prometido! — Um longo braço com pulseiras
que tilintam se estica entre nós segurando duas garrafas de long
neck, que Shannon e Kiki retiram de dedos familiares pintados de
roxo. — E uma sidra pra você. — Jasmine entrega para Gia a
garrafa que estava na outra mão. Só quando não tem mais nada
para oferecer é que percebe que estou ali parada com as outras. —
Oi — diz ela, com bem menos entusiasmo.
— Oi pra você também.
— Ah, vocês já se conhecem! — Kiki diz.
É exatamente o tipo de abertura que pode ajudar a revelar a
verdade. Eu poderia falar “passamos o verão juntas”. Ou “minha
mãe trabalha para o pai dela”. Mas, assim como a jaqueta de
Chase, não quero fazer qualquer jogada até nós conversarmos —
conversarmos de verdade — e eu descobrir o que diabos está
acontecendo.
— Estamos na mesma aula de inglês — é tudo que revelo, e
observo enquanto Jasmine avalia minha resposta e percebe que
não falei dela para minhas amigas. Tento comunicar com meus
olhos que é uma resposta temporária, que pode mudar se ela
quiser, mas ela só assente.
Sem parecer triste, nem surpresa — ela apenas aceita.
De repente, tudo isso é sufocante. Tudo é sufocante. Os
segredos e o verão que pairam pesados entre nós e a fusão da
minha vida em Outer Banks com a de Stratford, aqui na porra da
cozinha da Jasmine Killary… é sufocante.
— Você pode me mostrar onde fica o banheiro? — pergunto à
Jasmine com pressa.
Ela começa a responder, e gesticulo como se não conseguisse
ouvir. Se ela acha que pode se livrar de ter uma conversa de
verdade comigo, então é melhor se preparar. Ainda bem que isso
ela entende bem rápido, e logo está mostrando o caminho para fora
da cozinha. Quando percebe que ninguém está prestando atenção,
sobe as escadas até o quarto dela.
Demora uns segundos para eu perceber que estamos em seu
quarto, porque não parece em nada com ela e é difícil imaginar que
é aqui que Jasmine dorme. Até mesmo a casa de praia tinha mais
personalidade do que isso. Não tem fotos, não tem pôsteres, não
tem lenços coloridos pendurados e, ao contrário da estante cheia de
livros na casa de Outer Banks, neste quarto há uma única prateleira,
que está cheia de livros, mas a maioria da escola. Não há nem
mesmo maquiagem espalhada na escrivaninha.
Pela milésima vez desde que a vi em Stratford, me pergunto se a
Jasmine Killary que conheci durante o verão é real.
— Vejo que estamos mantendo o segredo — diz ela, e eu estava
tão distraída observando tudo o que não está aqui que fico
atordoada com o som de sua voz. Abro a boca para responder que
não precisamos quando ela acrescenta: — Acho que é uma boa
ideia.
Mesmo que eu estivesse esperando isso, ainda assim é como
uma flechada no coração. Não respondo logo de cara, em vez disso
circulo pelo quarto fazendo um tour.
— Onde estão todas as suas coisas?
— Em Asheville, a maioria. Minha mãe está vendendo a casa e
se mudando pra mais perto da família, então não parecia valer a
pena arrastar tudo pra cá para depois me mudar de novo ano que
vem.
É claro que a mãe dela ia vender a casa, já que é um dos
cenários de uma das minhas memórias favoritas do verão inteiro.
Queimar essas memórias parece ser o tema da semana. Em outra
vida, eu teria perguntado como ela se sente sobre perder a casa
onde cresceu e se a mudança da mãe é a razão pela qual está aqui
esse ano, mas agora estamos nessa outra vida alternativa, então
tudo que posso fazer é uma piada besta.
— Tenho certeza de que o seu pai teria corrido atrás de um novo
pôster de Podres de Ricos. Não consigo acreditar que você se
mudou sem uma cláusula de decoração no contrato.
A única resposta que ela dá é uma risada para dentro. O que
quer dizer que está falando sério sobre não ficarmos revirando o
nosso verão, o tanto de vezes que assistimos a esse filme juntas, o
dia que encontramos o pôster numa loja de “tudo por um dólar” e ela
declarou que precisava comprá-lo. Ela nem quer aproveitar essa
oportunidade para falar sobre o porquê de as coisas terem mudado
depois de dez anos de uma situação de guarda que funciona bem,
apesar do divórcio complicado por trás dela.
Ela está falando sério sobre enterrar tudo, o que significa que eu
também deveria.
— Você quer mesmo fingir que esse verão nunca aconteceu? —
pergunto, finalmente me virando.
— Você não? — ela rebate, e eu a olho. Aquilo nos olhos dela é
dor? É impossível dizer, já que estão cobertos de delineador,
brilhando como âmbar líquido atrás de uma cortina de fumaça. E
agora que estou sustentando o olhar dela, não consigo desviar. Ela
tem esse tipo de poder sobre mim, e sabe disso.
Eu nunca me senti atraída por garotas. Fiquei muitas noites
acordada pensando, repassando todos os momentos que passei ao
lado de Shannon, Kiki, Gia, Jamie e sei lá mais quem, procurando
por sinais. Objetivamente, sei que todas são bonitas, lindas, até. Só
que beijar, tocar, ficar com elas… nunca nem passou pela minha
cabeça. E ainda não passa.
Não me senti atraída por Jasmine dessa forma, ao menos não
no começo. Não foi assim que aconteceu. Eu não sei o que
aconteceu. Mas não olhei para os olhos dela como olho agora, não
encarei seus lábios como encaro agora, relembrando a sensação da
pele dela contra a minha, como estou fazendo agora. Não era nada
até que virou alguma coisa, e então depois já não era mais, e
agora…
Agora, estou encarando a pinta no pescoço dela e não consigo
parar.
Sei exatamente que som que ela vai fazer se eu encostar minha
língua ali. Se eu chupar gentilmente. Se chupar menos gentilmente.
Consigo ouvir nos vestígios do meu cérebro, e isso está fazendo
com que ressurjam ondas de eletricidade através dos meu short de
couro.
Sei que som ela vai fazer e sei o que isso faz comigo, e ela sabe
o que faz comigo e o que precisa fazer em seguida. Como em um
sonho distante, sei exatamente como essa noite pode seguir se só
fecharmos a porra da porta e esquecermos que existe um mundo lá
fora, que tem uma festa lá embaixo e que nessa festa há um garoto
que supostamente é o único que deveria fazer eu me sentir dessa
forma.
— A gente devia descer — anuncia ela, a voz rouca. — As
pessoas vão perguntar onde estamos.
Pessoas. Shannon. Gia. Kiki, a detetive.
Chase.
— É — respondo. Soo tão rouca quanto ela. E não quero descer.
Só que ficar aqui não é uma opção. Espero ela ir embora, mas ela
não vai.
Então eu vou.

— Aí está você! — Chase me encontra assim que desço as


escadas, e, apesar de a minha libido ter aumentado muito com
Jasmine, o sorriso que ilumina o rosto dele faz meu estômago se
revirar de um jeito familiar. Meu Deus, eu sou uma pessoa horrível.
Uma pessoa horrível e com muito tesão. — Achei que tinha te
perdido. Está tudo bem?
Consigo sentir os olhos de Jasmine em nós, observando ele
descansar a mão confortavelmente nas minhas costas, como se
sempre houvesse um espaço em mim para ele. De alguma forma,
acho que tem. Jasmine não estava presente quando fiquei
tagarelando sobre ele para nossos amigos de Outer Banks, mas sei
que ela sabe exatamente quem ele é.
De repente, minha pele coça e formiga, e eu preciso sair da linha
de visão dela.
— Estou bem — afirmo. — Ou vou ficar, assim que conseguir
arrastar sua bunda para a pista.
Ele ri.
— Vai na frente, madame.
Quando estou certa de que ela não consegue mais nos ver, eu
relaxo, mexendo o meu corpo perto do dele no ritmo da música. As
mãos de Chase no meu quadril são firmes e quentes, e sinto que as
pessoas nos observam, tentando entender qual é a da cena. Mas
aguento melhor mil olhos de Stratford do que os dois inquisitivos e
intensos de Jasmine a qualquer hora.
— Especial do Shamir? — Duas mãos profundamente
bronzeadas estendem dois copos vermelhos de plástico para nós, e
vejo que são de Shamir Bem-Dror, que se considera um bartender
amador, mas que só consegue fazer bebidas minimamente bebíveis
quarenta por cento do tempo. Mesmo assim, penso em aceitar uma,
mas as coisas já parecem pesadas demais. Sinto que talvez faça
algo ainda mais estúpido do que quase fiz lá em cima se deixar a
bebida entrar no meu sistema.
— Eu passo, obrigada. — Olho para Chase. — Pode pegar. Fico
feliz de ser a motorista da rodada se você deixar as chaves comigo.
Você tem que comemorar.
Ele sorri, e é tão fofo.
— Você é uma garota muito legal, Larissa Bogdan. Vou pegar
um desses, cara.
— Pode virar! — diz Shamir, e ele entrega um copo para Chase.
Os dois brindam e eu o observo beber tudo e fazer cara de quem
quer vomitar.
Enquanto rezo para que vômito não esteja no meu futuro,
provavelmente valeria a pena só pelo “você é uma garota muito
legal, Larissa Bogdan” que vou ouvir de novo e de novo nos meus
sonhos.
Não importa que tenha sido Jasmine quem me ensinou o quanto
se oferecer para ser a MDR pode significar.
Com certeza não estou pensando nisso.
Não estou nem mesmo pensando nela.
Capítulo cinco

Chego em casa quinze minutos depois do meu horário-limite da


meia-noite, mas o combinado é que, se eu mandar uma mensagem
antes avisando que estou bem e que só estou atrasada, está tudo
certo. Eu tinha mandado um recado às 23h45, quando ficou óbvio
que levar um Chase bêbado para casa no carro dele, com Shannon
seguindo atrás para me deixar em casa depois, seria algo que me
atrasaria, então não estou em apuros. Só que, quando entro e vejo
minha mãe acordada, esperando por mim no sofá da sala, fico
preocupada se fiz algo errado.
A preocupação aumenta quando ela pergunta:
— Como foi a festa da Jasmine?
Eu mal tive tempo de fechar a porta atrás de mim.
— Boa — respondo com cuidado, certa de que nunca falei
exatamente o que ia fazer essa noite. — Como você sabe que a
festa era da Jasmine?
Minha mãe costuma dar um sorrisinho de quem sabe de algo, o
que sempre odiei, e ele aparece bem agora.
— Você acha que ela planejou aquilo tudo sozinha em uma
semana? Por favor.
— Argh. — Me jogo na outra ponta do sofá e arranco minhas
sandálias de tiras. — Você se envolver na minha vida social nesse
nível é oficialmente esquisito.
— Mas foi uma boa festa, não foi?
— Foi, sim — admito com relutância. Eu deveria ter adivinhado
que minha mãe tinha algo a ver com aquilo quando vi os
salgadinhos sabor picles. Ela vive tentando fazer com que eles
sejam apreciados. E está convencida de que, se as pessoas ao
menos experimentassem, se apaixonariam pelo sabor. Até agora ela
converteu exatamente zero pessoas. Tenho quase certeza de que a
tigela ainda estava 75% cheia quando fui embora, e fui eu que comi
a maioria. O que posso dizer? Me acostumei com o gosto. Minha
mãe ama sabor de picles em tudo, e os genes russos são fortes. —
Mas seria melhor se fosse na casa do Hunter Ferris.
— Porque aí eu não teria nada a ver com ela?
— Porque a Jasmine tem meio que sido uma cuzona comigo
desde que chegou em Stratford. — De alguma forma, mesmo sem
ter bebido, as palavras que estou morrendo de vontade de dizer em
voz alta saem. — Ela está tentando fingir que nunca fomos amigas.
Não me pergunte o porquê. — Não, sério, não me pergunte. — Ela
mal admitiu que a gente já se encontrou antes.
Bom, talvez essa não seja a apresentação dos fatos mais
precisa, mas tanto faz. A mãe é minha, então é a minha versão da
história.
— Ah, milaya, isso não parece bom. — Mamãe estica a mão e
afaga meu cabelo, e de repente percebo como está curto,
considerando que eu costumava deixá-lo longo, abaixo dos ombros.
— Vocês ficaram tão próximas. Ela provavelmente está tentando
não ficar muito dependente de você pra vida social. Construir o
próprio caminho, essas coisas.
— Mas por quê? É um direito dela entrar no meu círculo social
— digo, apesar de estar aliviada por ela não ter feito isso. — Foi
exatamente o que fiz com ela.
— Sim, mas você conhece a Jasmine. Ela é muito…
independente. Ela quer fazer as coisas sozinha.
Minhas sobrancelhas levantam.
— E eu não sou independente? Você está dizendo que eu sou
uma sanguessuga?
— Bozhe moi. — Ela suspira profundamente, como faz sempre
que acha que estou sendo o estereótipo adolescente. — Lara, eu
não te chamei de sanguessuga. Você só tem uma tendência a
depender de outras pessoas em vez de trilhar seu próprio caminho,
e a Jasmine não é assim.
— Você sabe que agora estou ainda mais ofendida, né? — digo,
me afastando da mão dela.
Ela fecha os olhos.
— Claro que está. Acho que é minha hora de ir pra cama.
Spokoynoy nochi, milaya. Vamos conversar amanhã quando não
estiver tão tarde.
Ela beija o topo da minha cabeça e sai na direção de seu quarto.

Enquanto minha mãe encerra a sua conversinha infeliz com uma


boa noite de sono, eu estou completamente acordada no meu
quarto, andando em círculos e olhando para todas as minhas fotos,
postais velhos e outros suvenires. Minha mãe não sabe do que está
falando; meu mundo inteiro é prova de que sou muito sociável.
É verdade que Shannon é definitivamente a diretora social do
grupo, mas quem se importa? Essa é uma das razões para eu amá-
la — ela cuida de nós do seu próprio jeito estranho e sabe que o
restante da gente não planeja merda nenhuma. Nem Kiki nem Gia
ficam incomodadas de ser sempre ela quem está no comando. É
verdade que Shan geralmente escolhe pra onde vamos, mas, para
ser justa, é ela quem sempre dirige.
Mas também não é como se elas fossem minhas únicas amigas.
Eu sou amiga de Jamie e um pouco amiga de Taylor. E sou amiga
da Deanna, que senta comigo na aula de espanhol — e a gente
conversa na aula o tempo todo. E Chase! Chase e eu
definitivamente estamos bem amigos nesses últimos tempo.
Então toma essa, mãe.
E não é só na escola. Tive um verão ótimo com Keisha, Derek,
Owen, Brea, Jack, Carter e Aquela Que Não Deve Ser Nomeada.
Ela nem mesmo estava presente no dia em que fiz uma maratona
de Star Wars com Keisha, ou das duas vezes em que fui com Brea
e Derek a uma aula de hot ioga.
Fico satisfeita e convencida por um total de dois segundos,
quando a dúvida começa a surgir de novo.
Kiki tem um podcast, Kiki investiga o caso, e muitos amigos
virtuais de um fórum dedicado a solucionar mistérios que nunca
foram resolvidos, e também da associação de estudantes asiático-
americanos, a cujas reuniões ela sempre vai quando precisa de um
pouco de espaço do que chama carinhosamente (acho) de nossa
“insustentável branqueza de ser”.
Gia tem um namorado com quem é praticamente casada e o
mesmo grupo de líderes de torcida do qual eu desisti.
Shannon faz umas coisas sofisticadas aleatórias, como ir a
museus e ao clube de francês, e tem um garoto novo nos braços a
cada cinco minutos. Ela é o tipo de pessoa que não só tem um
plano para daqui a cinco anos, mas que também vai executar cada
passo perfeitamente, enquanto ainda continua sendo a pessoa mais
absolutamente divertida do planeta com quem ir em festas e a que
vai ter a cura perfeita para ressaca de manhã.
O que diabos eu tenho além de alguns arquivos secretos no meu
computador, todos salvos com nomes que são alguma variação de
EscritaTerrível.doc? Será que nós quatro teríamos continuado
amigas por tanto tempo se Shannon e os planos dela não tivessem
nos unido?
Quanto aos meus amigos do verão, eu realmente não fiz um
trabalho espetacular para manter contato: às vezes um like em um
post de Brea sobre algo da ioga, um emoji triste em uma foto de
Derek e Jack se separando para o ano letivo… No máximo, algumas
mensagens entre mim e Keisha, lembretes casuais de que alguma
série de que nós duas gostávamos tinha acabado de começar. Eu
tinha passado dias ótimos com eles, mas, quanto mais próxima
fiquei da Jasmine, mais os outros desapareceram no pano de fundo.
Eu ainda passava pelas fotos deles para ver Keisha com os amigos
da banda de quem ela tinha falado durante todo o verão, as fotos de
Owen em ação numa prancha de surfe e os posts de “look do dia”
de Carter. Mas sem ter Jasmine para compartilhar comigo, parecia
outra vida.
Sem Jasmine, eu não teria amigos de Outer Banks.
Será que, sem a Shannon, eu teria amigos de Stratford?
Se de alguma forma eu conseguisse conquistar a Jasmine de
volta — caso eu ainda quisesse conquistar Jasmine de volta —,
será que isso significaria perder todo mundo quando descobrissem
a verdade?
Pressiono um travesseiro contra a boca e grito de frustração.
Maldita hora em que minha mãe quis me fazer pensar nisso.
Quando finalmente vou para a cama, eu me obrigo a focar em
pensamentos felizes sobre Chase antes de cair no sono, mas, no
fim das contas, sonho com uma praia vazia.
Acordo na manhã seguinte me sentindo horrível, mas, por mais que
meu bom e velho pai tenha concordado em pagar minha faculdade
desde que eu frequente uma subsidiada pelo governo, estou
sozinha no Fundo Automobilístico Larissa Bogdan, então lá vou eu
para o trabalho.
A livraria-barra-café é surpreendentemente movimentada nas
manhãs do fim de semana, e imagino que seja por essa razão que
Beth Rinker, a dona da Book & Bean, foi gentil o suficiente para me
contratar quando voltei rastejando. Aos sábados, a loja abre
oficialmente às nove da manhã, mas chego às oito para preparar as
máquinas e os expositores e também para organizar tudo atrás do
balcão.
Essa horinha mais cedo é inesperadamente agradável, com
nenhum som além do zumbido das máquinas de café e o barulho
suave de Beth trocando livros de lugar. Fica melhor ainda quando
faço para mim uma xícara bem quente de um café com aroma de
avelã e coloco por cima uma colherada de chantilly. Para Beth,
preparo um café preto “como minha alma”, como ela me instruiu
quando comecei a trabalhar lá. Uma das muitas razões para eu
amá-la.
Uma pequena fila de clientes se forma quinze minutos depois
das nove, a maioria pessoas que reconheço das últimas semanas:
Alice, a mulher que chega com seus bebês gêmeos e sempre se
refere ao seu pedido regular de um café preto enorme com duas
doses de expresso como sua “essência de vida”; Dave, o cara que
sempre compra apenas um café pequeno, se senta curvado sobre o
laptop por pelo menos metade do meu turno e fica escrevendo o
que eu tenho quase certeza (e espero) que seja um livro de espiões,
a julgar pelos sites que já vi abertos na tela para pesquisa; uma
garota gótica que murmurou o nome da primeira vez que veio e
nunca mais repetiu, mas que sempre pede algo doce e espumoso;
e, em alguns dias (mas nem sempre, porque raramente gasta
dinheiro com coisas frívolas), minha mãe, que sempre pede um “me
surpreenda!”, apesar de nós duas sabermos que somente as
bebidas mais amargas vão satisfazê-la.
O primeiro cara da fila, mesmo parecendo familiar, é alguém
para quem nunca servi café antes. Eu tenho uma memória muito
boa para os clientes frequentes, mas não lembro dele.
— Como posso ajudar?
Ele ergue um livro e eu reconheço a capa ilustrada
imediatamente.
— Você recomendou esse livro para a minha filha da última vez
que estive aqui, e eu queria agradecer. Ela amou mesmo e me
implorou pra voltar aqui atrás do resto da série.
A cena me faz sorrir, só que é agridoce. Foi Jasmine quem
originalmente me recomendou a série de quadrinhos Candy Buttons.
Quando esse cara veio à loja pedindo para Beth uma recomendação
de leitura para a filha que não gosta muito de ler, precisei entrar na
conversa e sugerir que quadrinhos poderiam resolver esse
problema. E é claro que eu tinha que dar uma sugestão. Candy
Buttons era a escolha óbvia, e eu já tinha pedido para Beth comprar
para a nossa pequena seção que era quase inteiramente composta
de Raina Telgemeier e Lumberjanes (escolhas excelentes, mas
previsíveis). Mencionei alguns outros favoritos da Jasmine, que Beth
encomendou para ele de cara. Mal acreditei que os dois confiaram
assim em mim tão prontamente, mas ali estava a prova de que eu
sabia do que estava falando.
Ou ao menos Jasmine sabia.
— Nós temos o segundo volume aqui na loja — declaro —, e
tenho certeza de que a Beth vai ficar feliz em fazer uma encomenda
especial do terceiro. Sai na semana que vem.
— Vou pedir pra ela agora, obrigado.
Eu o espero ir embora, mas ele não vai, e então percebo que
talvez ele queira mesmo tomar café.
— Você quer uma bebida?
— Não, eu só… queria mesmo agradecer. Eu nunca sou bom
com presentes pra ela. Sempre consigo fo… hum, ferrar com tudo.
Essa é a primeira vez que acerto de verdade, e isso é importante.
Então… é isso. Obrigado.
É uma coisa ótima e eu definitivamente não estou com os olhos
cheios d'água, é só tudo ao redor que está ficando embaçado.
— Muito, muito de nada — respondo, e, Deus, odeio não poder
contar isso para a Jasmine. O coração de manteiga secreto dela
derreteria. — Tenho muitas outras recomendações quando essas
acabarem.
— Você está perdendo o seu tempo atrás desse balcão — diz
ele. — Você deveria estar em vendas.
Bom, não existe um bom jeito de admitir que perdi essa posição
quando precisei acompanhar minha mãe e que agora tenho que
ficar observando esse universitário aleatório chamado Greg fazer
um péssimo trabalho. Ele fica literalmente dias sem recomendar um
único autor que não seja um cara branco e velho. Eu diria a Beth o
quanto ele é horrível, mas acho que ela já sabe, e isso faz eu me
sentir mal. Ela realmente devia estar desesperada para contratar
alguém.
— Pode falar pra Beth que eu mereço um aumento — digo em
vez disso. Ele ri e vai embora, mas, de alguma forma, acho que vai
fazer isso.
O resto da manhã segue como o normal, mas essa interação fica
martelando na minha cabeça por mais um tempo, até mesmo
durante o meu descanso, quando geralmente aproveito para tomar
um café mocha bem quente. (Tenho direito a uma bebida sofisticada
a cada meio turno, juro.) Eu tinha ficado completamente atordoada
com as escolhas de leitura da Jasmine durante o verão, presumindo
que ela era uma daquelas princesas de coração gélido que estavam
sempre lendo Anna Kariênina, mas ela contou que sua mãe a havia
iniciado com leituras como Persépolis, de Marjane Satrapi, e Maus,
de Art Spiegelman, e então um amor por ler palavras misturadas a
arte se firmou.
Ela me emprestou livro atrás de livro, apesar de eu só ter
conseguido terminar talvez um quarto deles. Eu não fazia ideia de
que leitura dinâmica era um negócio de verdade até que a vi devorar
quatro livros em um único dia. Nós passamos bastante tempo na
biblioteca de Kill Devil Hills aproveitando o ar-condicionado e
passeando pelas prateleiras coloridas. Jasmine ficou horrorizada
quando soube que eu tinha desistido de trabalhar em uma livraria
para ir a Outer Banks. Aparentemente, ela sonhava em ser
bibliotecária quando criança, algo que me contou e que nunca tinha
revelado para mais ninguém. Agora ela gosta mais de design de
sites e fotografia, mas disse que, mesmo que continuasse gostando,
provavelmente iria para a faculdade de administração, fazer algo
muito chato.
Torço muito mesmo para que ela não faça isso.
— Oi, Larissa. — Olho para cima e vejo Beth de frente para o
balcão, uma pilha de folhetos em mãos. — Você pode pendurar
esses folhetos na loja e mais alguns pelo bairro?
— Claro. — Pego os folhetos e olho para o papel. — Caramba,
você conseguiu que a Clementine Walker faça um evento na loja?
— Você já leu alguma coisa dela?
— Apenas todos os livros.
Olho para a data. É um domingo, dois dias depois da festa de
volta às aulas, mas não importa o quão exausta esteja, eu com toda
certeza virei trabalhar.
Jasmine curte ler quadrinhos, mas o meu lance são os romances
de banca com uma dose pesada de humor, e Clementine Walker é
uma das melhores entre as melhores. Ela é a primeira autora que
me fez querer tentar escrever meu próprio romance. Jasmine leu
alguns dos livros de Clementine em troca de eu ler os favoritos dela,
e vamos dizer que deu muito certo.
Droga, seria tão divertido trazê-la para esse evento.
Entretanto, pensar em Jasmine não invoca a sua presença. Em
vez disso, invoca Chase Harding, que vem hesitante até o balcão,
dando a Beth um sorriso que definitivamente poderia iluminar até a
mais sombria das almas.
— Oi — digo, e não consigo evitar sorrir também, apesar de não
fazer ideia do motivo pelo qual está aqui. No passado, eu teria
ficado paralisada ao ver Chase por acidente, mas agora sinto que
posso conversar com ele enquanto bebemos mochas por uma hora.
— Beth e eu estávamos falando sobre o evento aqui na loja com a
minha autora de romances favorita. — Ergo um folheto. — Por favor,
me diga que você é um fã secreto.
— Ah, não tem nada de secreto na minha paixão por… — Ele
semicerra os olhos, observando o panfleto. — Clementine? Parece
o nome de uma fruta.
— Mas é o nome de uma escritora excelente. — Pego o folheto
e o coloco no quadro de avisos, feliz que hoje vesti meu jeans que
valoriza a bunda. Sinto os olhos dele nas minhas costas como se
fossem lasers. — Então, o que aconteceu? Você está aqui pra tomar
algo? Eu faço um chai latte ótimo.
— Claro, aceito um desses — ele diz, se apoiando no balcão e
tirando a carteira. O sino na porta tilinta, e Beth se apressa para dar
boas-vindas ao novo cliente, já que nós duas sabemos que Greg
não vai fazer isso. — Também queria agradecer por me levar até em
casa e ter certeza de que você chegou bem.
Dou o troco para a nota de dez e noto com satisfação que ele
deixa uma gorjeta na caixinha.
— Ah, eu na verdade fui assassinada noite passada, mas meu
fantasma não é incrível?
Ele abre um sorriso largo.
— Muito. O que me leva à outra razão por estar aqui: pra ver se
você está livre hoje à noite. Achei que seria legal sair sem os nossos
duzentos amigos mais próximos.
Por um instante, enquanto despejo a jarra de chai que preparei
esta manhã em uma xícara quente, tudo que consigo pensar é que
preciso de um cotonete para limpar meus ouvidos. Porque posso
jurar que Chase Harding acabou de entrar no meu local de trabalho
e perguntou se quero sair com ele. Como se não fosse nada. Como
se ele fosse adorar sair comigo e talvez comprar um hambúrguer
para mim ou segurar a minha mão durante um filme.
É uma coisa muito estranha, passar sabe Deus quantos anos
imaginando isso e então… simplesmente acontecer.
Uma parte ridícula de mim quer que ele engula as próprias
palavras, porque, assim que elas saem, eu sinto a falta de esperar
por elas, de imaginar como seriam. E não é como achei que seria.
Parece mais uma… pergunta. Uma pergunta para a qual eu
facilmente poderia dizer sim ou não. Uma pergunta que não é a
decisão final de todas as coisas.
E então percebo que na verdade minha resposta é de fato não, e
meu estômago se revira.
— Prometi ficar de babá hoje à noite — digo, franzindo o cenho
enquanto adiciono um leite espumante e quente na bebida. Fico
tentada a cancelar os trigêmeos dos Sullivan, mas não quero
desistir de um trabalho que paga muito, muito bem, e também não
quero estragar a única noite que os dois saem no mês. — Que tal
amanhã? Faço o mesmo turno que hoje, mas estou livre depois
disso.
Bom, tenho um trabalho de história para escrever que mal
comecei, e prometi à minha mãe que trabalharia um pouco nas
inscrições para faculdade no fim de semana e que também lavaria a
roupa.
Mas é o Chase Harding.
Minha mãe vai entender.
— Vou jogar beisebol com os caras à tarde. Depois vamos para
o Benny’s. Você é muito bem-vinda se quiser ir junto. — É óbvio
pela sua voz que ele percebe que é uma oferta ruim, ir com um
monte de caras do time comer sanduíches de pastrami, o que
garantiria um hálito impossível de beijar. Mas a verdade é que gosto
dos caras do time e gosto dos sanduíches de frango frito do
Benny’s. Ainda assim, aprecio quando ele acrescenta: — Prometo te
levar pra tomar um sorvete depois.
— Bom, como posso recusar uma oferta dessas? — pergunto
enquanto acrescento canela em pó na bebida dele e a empurro pelo
balcão.
— Definitivamente não dá pra recusar — ele responde com
aquele sorriso. Deus, como ele é fofo. E isso é tão fácil. Como pode
ser fácil assim?
Pare de pensar demais, Larissa.
— Bom, então me manda uma mensagem quando o jogo
acabar? Depois de você tomar banho, tá — acrescento com uma
torcida exagerada do nariz, ainda que a única coisa que eu sinta
seja o cheiro da bebida condimentada no balcão entre nós.
Ele ri.
— Combinado. Mas acho que não tenho seu número.
Era esse o objetivo.
Ele me entrega o telefone.
— Adiciona aí?
Tantos sonhos se tornando realidade em um único lugar. Deus,
mal posso esperar para contar para a Shannon. Ela vai querer fazer
uma noite completa de transformação. Exceto que já estou bem feliz
com a minha aparência, e parece que Chase também está.
Que seja, vou lidar com isso quando for a hora. Por enquanto,
pego o telefone de Chase, digito meu número e entrego de volta.
— Pronto. Agora me manda uma mensagem pra eu ter o seu.
Sim, eu poderia ter feito isso eu mesma. Só que não é assim que
realizar sonhos funciona.
Ele digita algo no celular e, um instante depois, o meu vibra. Um
emoji de piscadela. Seguido de um de sorvete. Parecem um pouco
maliciosos juntos, mas estou bem com isso.
Ouço uma tosse alta atrás da forma esguia de Chase e noto que
uma fila se formou.
— Já te atendo, senhor — digo para o próximo cliente, então
olho para Chase. — Você quer mais alguma coisa agora?
— Nada que não dê pra esperar mais um pouco. — Ele pisca. E
eu morro.
Ele pega a bebida e vai embora, e eu fico o tempo todo
encarando a bunda dele.
Minha garganta fica completamente seca.
— Próximo!

Apesar da minha manhã de desejos realizados, naquela noite,


enquanto coloco os trigêmeos Sullivan na cama, volto a pensar no
quão frustrante é a situação com Jasmine. Por alguma razão, eu
esperava que ela atravessasse a porta da Book & Bean, pedisse um
espresso duplo e ficasse passeando pelas estantes. Uma das
coisas mais difíceis de se mudar de Asheville para Jasmine deve ter
sido deixar para trás a livraria favorita, e não é como se toda cidade
em Westchester tivesse uma. A Book & Bean deveria estar no topo
da lista de lugares para ela explorar.
Ela deve saber que trabalho lá.
E essa é a extensão do sacrifício que Jasmine está disposta a
fazer para me evitar.
Não que eu queira que ela apareça. Quer dizer, se fosse como
nos velhos tempos, poderíamos conversar sobre Goldie Vance,
jogar “julgue um livro pela capa” (jogo em que nós inventamos
histórias absolutamente ridículas sobre o enredo dos livros apenas
observando a capa) e surtar juntas por causa do evento com
Clementine Walker. Se isso fosse possível, se nós pudéssemos ser
apenas amigas…
Isso me atinge como o copinho de pudim que a pequena Ashlyn
atirou na minha direção depois do jantar. E se o problema for ela
estar pensando que quero mais do que isso? E se pensa que estou
atrás das, er, coisas de não exatamente amigas que fizemos e esse
é o jeito que encontrou de dizer não? Bom, claro, seria arrogante e
ridículo de sua parte presumir isso sem falar comigo, mas Jasmine
não ganha nenhum prêmio por suas habilidades de comunicação e,
para ser justa, eu também não.
Amanhã vou sair com Chase e sem dúvida as fofocas vão se
espalhar. Talvez seja disso que precisamos. Talvez, assim que
souber que meu coração e libido estão em outro lugar, ela fique
tranquila e possamos voltar a ser amigas, só que sem os benefícios.
— Por que você está sorrindo?
Merda, meu cérebro saiu completamente do controle enquanto
eu ainda estava de pé no quarto dos trigêmeos, e Chadwick me
pegou parecendo uma boba. A luz noturna deve estar iluminando
minha cara de um jeito assustadoramente fantástico.
— Durmam bem — digo, saindo do quarto, mas ainda estou
sorrindo quando fecho a porta atrás de mim.
Capítulo seis

O turno de domingo é muito parecido com o de sábado, só que


sem a visita surpresa de Chase e o momento de aquecer o coração
da manhã anterior, mas parece que demora três anos. Os minutos
passam lentamente enquanto espero poder voltar para casa e me
aprontar para meu encontro. É um encontro? Eu não sei se conta
como um se também inclui metade do time de futebol. (Apesar de
alguns poderem dizer que isso faz com que seja um encontro muito,
muito bom.) Só que a princípio ele tinha me convidado para um
encontro — disso eu tenho ao menos oitenta por cento de certeza
—, então vou fingir que essa é provavelmente a intenção.
O problema é que tenho o vestido perfeito escolhido para meu
primeiro encontro com Chase há anos, mas, parada de pé na frente
do meu guarda-roupa, segurando-o na mão, de repente parece...
demais. Eu sempre imaginei que, quando finalmente saíssemos
juntos, seria para um jantar romântico em um dos meus
restaurantes favoritos — talvez um daqueles bonitos perto de Long
Island Sound. Ninguém sonha que o primeiro encontro seja um
jantar informal com amigos em uma lanchonete. Como uma pessoa
se veste para ser sexy com hálito de pastrami?
Meus dedos estão coçando para pedir conselhos para Shannon,
que é o que eu normalmente faria. Nós conhecemos o guarda-roupa
uma da outra tão bem quanto o nosso próprio. Mesmo se ela me der
bons conselhos, vai achar que não é um encontro de verdade, e eu
não estou com ânimo pra isso. Gia ia surtar de um jeito
completamente oposto; eu não quero ter que ouvir o quão grande
isso é por uma hora. E, infelizmente, Kiki é inútil para conselhos de
moda. A ideia dela para inovar o seu guarda-roupa preto e cinza é
adicionar risca de giz.
Jasmine seria a pessoa perfeita para quem ligar. Fazer compras
com ela era um dos meus programas favoritos, porque ela é sincera
até demais, mas quando encontrávamos algo que ficava bom — e
ela me fazia experimentar umas merdas naaaaada a ver porque
tinha certeza de que ficariam fantásticas em mim e quase sempre
estava certa —, Jasmine fazia eu me sentir como se ninguém no
mundo fosse ficar tão bem com qualquer tipo de roupa quanto eu
fico usando um corpete de couro incrustrado de pedrinhas.
Tem um vestido muito bom que comprei com ela no shopping em
Nags Head, e ainda está quente o bastante para usá-lo, apesar de o
quadriculado vermelho parecer um pouco campestre demais para
Stratford. Bom, tanto faz — eu gastei dinheiro e sei que fica bom em
mim. Tiro a calça preta de ioga e a camiseta que usei por baixo do
meu avental roxo pelas últimas seis horas e entro no banho.
Quarenta e cinco minutos depois, estou limpa, bonitinha, e
minha mãe está me levando para o Benny’s enquanto “Confident”,
de Demi Lovato, toca no som do carro. (Eu embarco em
aproximadamente zero jornadas sem antes ouvir essa música.
Graças a Deus, minha mãe entende.) Só que meu entusiasmo
diminui abruptamente quando vejo muuuuito mais carros do que eu
esperava no estacionamento, inclusive um Toyota 4Runner familiar.
Bom, lá se vai o plano de não dar informações para que
Shannon não zoasse esse não encontro.
Meus passos ficam um pouco menos alegres nas minhas
espadrilles quando entro na lanchonete, apesar de Shannon soltar
um “iiiihá” quando me vê e proclamar alto que eu sou uma linda
caipira.
Felizmente sou poupada de responder, já que Chase se levanta
como o cavalheiro que é e me dá um daqueles sorrisos épicos.
— Você veio! — exclama, como se houvesse outra opção.
— Como eu poderia recusar um sanduíche de frango frito com
repolho extra? — Do canto dos olhos, vejo Shannon registrar que o
convite de Chase é a razão de eu estar ali. Também vejo que ela
está flertando com Lucas Miller, o que explica o porquê de ela estar
ali.
Não estou ansiosa para o momento de cobrança “Como é que
você não me contou?” que vai acontecer no instante em que eu
chegar em casa.
E falando de conversas para as quais não estou ansiosa, todo
mundo retoma o papo que estavam tendo antes de eu chegar, que é
sobre a festa de sexta-feira e a anfitriã misteriosa.
— Então ninguém sabe se ela tem namorado? — Keith Radcliffe
pergunta.
A pergunta se assenta no meu estômago, pesada como uma
pedra. Não ajuda quando Shannon acrescenta:
— Parece que não, já que vi ela dançando com o Linus na sexta.
Argh, o Linus? De todas as pessoas? Por Deus, ele é o tipo de
cara que acha que negging é uma interação social legítima. Como
ela poderia sair de mim, e até do Carter, para isso?
— Linus é um babaca — diz Keith, e eu não posso discordar. —
Ela consegue coisa melhor. Tem um corpo bem top.
Bom, ok, agora o Keith é um babaca. Discutir o corpo de uma
garota em público é nojento, e, além disso, ele mal viu alguma
coisa. Bom, claro, ele a viu com uma saia curta, então dá para saber
mais ou menos como o corpo dela é. Mas talvez seja melhor não
falar sobre o “corpo bem top” antes de ficar cara a cara com os
quadris dela, porque, deixa eu te contar, você não sabe porra
nenhuma.
— Ei, você está bem? — Chase murmura no meu ouvido.
Pisco com força, afastando meus pensamentos agitados como
bolas de bilhar.
— Claro. Por quê?
— Porque você acabou de massacrar minhas batatas fritas.
Olho para a mesa e vejo pedaços de batata aniquilados sob
ketchup sangrento ao redor de um caixão feito de cestinha
vermelha.
— Ops! — Minhas bochechas esquentam. — Desculpa. Acho
que estou com mais fome do que pensava. Cadê a nossa
garçonete?
Chase me olha de um jeito engraçado.
— Já pedi pra você. Sanduíche de frango frito com repolho extra,
certo? E eu estava planejando dividir as batatas, mas talvez seja
melhor pedir mais uma porção.
— Eu vou pegar — digo, envergonhada, saindo da mesa.
Preciso de um pouco de ar, mesmo que seja pesado e com o aroma
de óleo de fritura.
Não sei o que tem de errado comigo. Agora é a hora. Agora é
tudo com que sempre sonhei. Eu estou num meio que encontro com
Chase, minha melhor amiga está aqui (para o bem ou para o mal),
ele pediu minha comida e todo mundo sabe, mas, de alguma forma,
Jasmine está conseguindo arruinar tudo sem nem estar presente.
Em outra vida, tê-la por perto faria sentido. Ela poderia sair com
Keith e eu com Chase, os casais saindo juntos, e poderíamos
também chamar Shannon e Lucas. Seria perfeito.
Exceto que estamos nessa vida, e isso parece o meu inferno
pessoal.
Eu peço mais batatas e me avisam que vão levar na mesa,
então não tenho escolha a não ser voltar. Espero que tenham
parado de falar da Jasmine, mas estou sem sorte. Pior ainda, eu
chego no momento que Shannon está garantindo para todo mundo
que ela e Jasmine são amigas e que vai conseguir descobrir se ela
está saindo com alguém.
A ideia de Shannon e Jasmine serem amigas acaba
imediatamente com o meu apetite.
Minha relação com Shannon é complicada, mas ela ainda é a
minha melhor amiga. Ela esfregaria a cara de alguém no asfalto por
me machucar, e sim, digo isso por experiência própria. Ela pode até
gostar de manter os amigos na linha, mas também faria qualquer
coisa por nós, e eu não tenho muitas pessoas assim na minha vida.
(Um alô pro meu pai, esteja onde estiver!)
Então, é — a única coisa que eu odeio mais que a ideia de
perder Shannon para Jasmine é a ideia de perder Jasmine para
Shannon.
E, se elas ficarem próximas e começarem a compartilhar
segredos sobre mim, posso perder as duas.
Eu não vou deixar isso acontecer.
— Quando foi que vocês ficaram tão próximas? — pergunto tão
casualmente quanto consigo, enquanto me espremo ao lado de
Chase, sentando um pouco mais perto dele do que antes. — Nem
sabia que tinham saído juntas. Você não acha que ela é um pouco
estranha?
Eu honestamente nem sei o que nela poderia ser chamado de
estranho, mas esses são tempos de desespero etc. etc.
— A gente conversou um pouco na festa — diz Shannon —, e
não senti nada de estranho. Ela é bem legal. Fala francês até
melhor do que eu e já foi pra, tipo, todos os lugares. Todas as joias
que ela estava usando foram de uma viagem que fez para o
Marrocos.
Meu cérebro imediatamente corrige essa informação. Ela
também estava usando o anel de esmeralda que ganhou dos avós
no aniversário de dezesseis anos, comprado em Paris. Além disso,
ela sempre usa o colar de hamsá e estrela de Davi por baixo da
roupa, e esse foi um presente de bat mitzvah de sua mãe. São fatos
bobos, mas saber deles me faz lembrar que ainda vai demorar um
tempo até Shannon poder superar o tanto de informação que sei
sobre Jasmine. Porque, aparentemente, criei uma competição
dentro da minha cabeça, e não vou perder fácil assim.
— Por que não chamo ela pra vir pra cá? — Shannon continua,
pegando o celular. — Aí o Keith pode dar em cima dela agora
mesmo.
A única parte de mim que não quer vê-la testar esse blefe é a
que quer saber se Shannon realmente tem o número de celular da
Jasmine. Por sorte, Keith é um covarde e diz que suas manobras
românticas não funcionam diante de um público. Enquanto está todo
mundo zombando dele, a comida chega e, felizmente, a conversa
muda para discutir coisas como olheiros, candidaturas à faculdade e
a festa de volta às aulas. Eu juro que Chase dá um aperto na minha
coxa quando esse último assunto aparece.
Ir pra festa nos braços de Chase Harding? Nem eu sei se posso
sonhar assim tão alto. (Isso é mentira — eu já tive literalmente esse
sonho muitas e muitas vezes, e sempre acordo com um mau humor
horrível quando percebo que foi só invenção do meu cérebro com
tesão. É o item número dois na lista de sonhos para realizar até o
fim da escola, logo abaixo de “festa de formatura nos braços de
Chase Harding”.) Só que agora ele está aqui, fazendo meu pedido
de sanduíche de frango com repolho extra e apertando minha coxa
e não deixando dúvidas quanto a estar interessado em mim. É tudo
tão rápido que estou começando a ficar paranoica pensando que
Shannon está por trás de tudo, como se ela estivesse pagando para
ele deixar o meu último ano especial ou algo do tipo. O que é
ridículo, porque, sério, eu não sou uma pessoa sem confiança, mas
como explicar essa mudança enorme?
— Você ainda quer tomar sorvete depois? — A voz baixa dele
faz cócegas na minha orelha e além, e de repente eu nem me
importo se minha própria mãe estiver pagando.
— Com certeza — digo. E, dessa vez, quando a mão dele aperta
minha coxa, ela continua lá.

Como esperado, ganho uma levantada de sobrancelhas e um “me


liga” inaudível de Shannon quando Chase e eu saímos depois de
comer. É surreal que eu já tenha começado a entender o carro dele,
tipo o jeito como as aberturas do ar-condicionado precisam ser
chacoalhadas e como sempre tem um rock clássico preenchendo o
silêncio segundos depois que o motor é ligado. Sei que ele vai
tamborilar no volante cada vez que uma música dos Rolling Stones
tocar e que ele não vai fazer uma guitarra no ar quando for o Black
Sabbath, apesar de seus dedos estremecerem como se quisessem
tocar, como se precisassem se controlar na minha frente.
Há tantas coisas para aprender sobre esse garoto por quem sou
obcecada quase a vida toda.
Eu sei que ele vai pegar sorvete de baunilha com granulado
arco-íris porque já o vi aqui com seus amigos e foi o que pediu das
duas vezes. Ele não me desaponta. Eu peço o mesmo porque
passei o tempo todo no carro pensando como eu sabia o que ele ia
pedir e, no fim da jornada de cinco minutos até o Ice Palace, eu não
conseguia tirar essa ideia da minha cabeça.
— Sabe, todo mundo sempre me zoa dizendo como eu sou sem
graça — Chase diz enquanto nos sentamos em um dos bancos do
lado de fora. — Você não precisava pedir a mesma coisa pra eu me
sentir melhor.
— Bom, na verdade, eu acho que baunilha é muito subestimado
— digo enquanto lambo uma gota que caiu no meu dedo, sabendo
que ele está me observando. Acho mesmo que baunilha é um sabor
subestimado, mas normalmente, em outras circunstâncias, eu
pediria o sabor de massa de cookie ou um daqueles com dezessete
tipos de chocolate dentro. — E um pouco de cor na sobremesa
também é bom.
— Obrigado — ele diz com um sorriso enorme no rosto. —
Como não ficar de bom humor depois de comer alguma coisa de
cores alegres? Foi minha irmã que me ensinou isso.
Meu Deus, eu queria que ele não tivesse mencionado Kira. Meu
crush nele só fica mais forte cada vez que faz isso.
#ProblemasDeFilhaÚnica.
E então meu estômago revira novamente, porque “hashtag
problemas de filha única” era uma coisa que eu e Jasmine dizíamos
o tempo todo.
Eu tinha ficado tão chateada com a possibilidade de Shannon
ligar para ela quando estávamos no Benny’s, mas por que eu não fiz
isso? Minha mãe está certa, ao menos em parte — eu realmente
fiquei dependente da Jasmine para fazer amigos em Outer Banks.
Ela me apresentou para Keisha, Derek e o resto do pessoal. Eu não
deveria fazer o mesmo e convidá-la para sair com os meus amigos?
Mesmo estando preocupada que a Shannon vá roubá-la de
mim?
Ou o Keith?
Ou os dois?
Mas de que isso importa, se eu tenho o Chase?
Essa é a pergunta que vale um milhão de dólares, acho.
Só que também não tenho Chase ainda, não exatamente. E se
quiser tê-lo, eu provavelmente deveria conversar em vez de ficar
encarando o vazio, deixando o sorvete derreter na minha mão.
Depois de um tempo, não tem jeito de fazer com que a limpeza
pareça sexy.
Dou outra lambida no cone e olho para esse garoto que é a
estrela de todos os meus sonhos. Ele está olhando para mim, com
aqueles olhos lindos da cor do céu da noite, e de alguma forma isso
me deixa com calor e arrepiada ao mesmo tempo.
— Está claro que eu vou te beijar agora, né? — ele pergunta, e
eu assinto.
Eu sempre imaginei faíscas da primeira vez que beijasse Chase
Harding, mas é um beijo doce e frio, graças ao sorvete, e granulado
é melhor do que faíscas, de toda forma. Não conseguimos fazer
nada com as mãos enquanto estamos segurando as casquinhas,
mas é definitivamente mais do que um selinho, e eu fico atenta
demais à sua pele com a barba por fazer roçando contra a minha.
É difícil esquecer que a última pessoa que você passou
semanas beijando era uma garota de pele lisinha quando sente
essa aspereza de novo.
Mas não significa que as duas coisas não são boas.
Nós terminamos o sorvete e voltamos para o carro dele, onde
mais alguns beijos acontecem antes de voltarmos para casa ao som
de Rush e The Who. Na minha porta, mais beijos. Nós finalmente
nos separamos com um pulo quando meu celular toca, revelando o
rosto de Shannon na tela. Mas tanto faz, estou de bom humor e
quero conversar mais sobre minha noite, então espero que ela
esteja mais empolgada do que tentando ser uma estraga-prazeres.
Nunca dá pra saber o quão generosa ela está se sentindo.
Chase ri baixinho enquanto silencio meu celular e diz:
— Acho que eu deveria te deixar ir embora, mas quem sabe na
próxima sexta à noite, depois do jogo, a gente possa fazer essa
coisa de só nós dois de novo?
— Vocês não estavam falando sobre ir na casa do Lucas depois
do jogo?
— Os caras estavam. — Ele coloca um cacho loiro atrás da
minha orelha. — Eu não.
Aff, essa foi boa. Fico me perguntando o quão depravada eu
seria se o arrastasse para o banco de trás, mas decido que é um
pouco demais. Só que isso não me impede de ser ao menos um
pouco atirada.
— Parece ótimo. A gente pode escolher um filme horrível pra
não assistir.
— Meu Deus, eu gosto de você — ele murmura, e apesar de eu
não responder direito quando ele me beija, um “eu gosto de você
também” estremece por todo o meu corpo.

Faz sentido que Jasmine Killary seja a primeira pessoa que vejo na
escola na segunda de manhã. Ela está bem perto do meu armário, e
eu poderia pensar que está esperando por mim se ela não tivesse
sido tão absurdamente clara que esperar por mim é uma coisa que
jamais faria de novo.
— Ouvi dizer que a coisa com o Chase Harding está oficialmente
ficando séria.
Eu gelo na hora. Só há uma pessoa que poderia ter contado
para Jasmine, uma única pessoa que ficou comigo no telefone por
uma hora inteira ontem à noite até espremer cada detalhe de
informação.
— Aparentemente, você e a Shannon também.
— Eu sabia que ele ia te dar a maior bola assim que te visse —
ela diz, passando por cima da minha resposta. — Falei que esse
cabelo ficaria ótimo em você.
O fato de ela estar se dando crédito por Chase e eu estarmos
juntos quando ela é a pessoa que está me impedindo de aproveitar
isso por completo me irrita, e é claro que ela consegue cutucar
exatamente a coisa com a qual estive mais preocupada.
— Não acho que um corte e uma tintura possam levar crédito
por todo um relacionamento, Jasmine.
Espero que não, na verdade.
— Não, acho que não — ela considera. — Só que agora você
está com toda essa… aura de confiança que cresceu bastante
desde que te conheci. Ele já encontrou o seu piercing?
O piercing. Nós estávamos tão entediadas um dia que um jogo
de verdade ou desafio foi longe demais e acabou comigo tendo que
colocar uma argola no meu umbigo graças à irmã mais velha de
Carter. Clichê, talvez, mas ainda assim fiquei gata. Qualquer um
pode vê-lo, basta estar em uma piscina ou na praia comigo, ou em
qualquer lugar se eu estiver usando uma blusa cropped, mas, do
jeito que ela fala, parece que é em um lugar que até mesmo o
menor dos biquínis ainda cobriria.
— Ainda não.
Ela dá um sorrisinho de lado, mas não parece ciumento. Nem
amargurado. E é isso que faz com que seja cruel.
— Então é só uma questão de tempo.
— Acho que sim. — Ainda não consigo acreditar que Shannon
correu para fofocar tudo para a Jasmine depois que falou comigo.
No fim das contas, ela tinha mesmo o número de celular dela. —
Então agora você está falando comigo?
— Eu não estava não falando com você, Sininho. A gente
conversou na minha festa.
Sininho. A volta do meu apelido poderia me preencher com um
calor aconchegante se ela não estivesse com essa atitude. Percebo
que eu estava certa — Jasmine realmente precisava saber que eu
não estava tentando reviver nosso verão. Ela precisava que eu
tivesse um namorado para que fôssemos amigas, para ter certeza
de que eu não iria persegui-la. Eu tinha ficado feliz quando pensei
que talvez assim pudéssemos voltar ao normal, mas agora isso me
dá náusea.
— Ok, tanto faz. Acho que não importa, já que você não está
tendo problemas pra fazer amizades aqui. — Tento manter minha
voz leve, mas eu me lembro do quão grata eu fiquei pelos amigos
que ela me apresentou há alguns meses, mesmo que tenhamos nos
afastado. Mas meus sentimentos por ela estar se aproximando da
Shannon transparecem a cada palavra, e não ajuda que estou
chateada com o resto das coisas.
O problema é que eu quero que sejamos amigas e quero sair
com Chase, e parece que vou conseguir tudo isso, então eu deveria
estar feliz. No mínimo, eu deveria ser legal.
— Acho que isso significa que você vai se juntar a nós pro
almoço?
— A Shannon mencionou algo do tipo, sim.
— Ótimo! — Forço um sorriso no rosto. — Te vejo lá.
Saio de perto antes que ela possa sair primeiro.

Tenho que aguentar duas aulas antes de ter a primeira matéria com
Shannon, mas, assim que a vejo, vou até ela como uma tempestade
e exijo saber:
— Mas que porra, Shannon?
— O que aconteceu? — ela pergunta, na voz inocente mais falsa
do mundo.
Eu a arrasto para o corredor, porque já estamos chamando
atenção.
— Eu te contei sobre meu encontro em segredo. Você sabe que
não tem nada de oficial entre mim e o Chase ainda. Por que você
saiu correndo pra contar isso pra uma garota que mal conhece?
— Meu Deus, Lara, desculpa. Parecia bem oficial pra mim, e eu
fiquei feliz por você. Achei que você queria contar pra Gia e pra Kiki,
então quando a Jasmine me ligou… — Ela dá de ombros. — Eu
precisava falar da minha empolgação pra alguém!
Ela é tão mentirosa. Eu sei que está mentindo. Primeiro que não
tem chance alguma de a Jasmine ter ligado para ela. Jasmine não é
o tipo de pessoa que gosta de falar no telefone, e certamente não
para ficar de conversinha. Só que eu também tenho a minha própria
mentira que me impede de falar isso pra ela. Eu não deveria saber
disso, ou qualquer outra coisa sobre Jasmine.
Além disso, conheço essa jogada da Shannon. Jasmine está no
radar de popularidade e Shannon está tentando ir a fundo porque da
próxima vez que alguém perguntar os detalhes da vida amorosa da
Jasmine ou o porquê de ela ter uma casa tão enorme, Shannon será
A Pessoa Que Sabe Todas As Fofocas. “Conhecimento é poder” é
uma das frases favoritas de Shannon Salter, e é difícil argumentar
contra, porque ela realmente tem muito desse último.
Infelizmente, também sei que não tem nada que eu possa fazer.
Shannon sempre dá um jeito de fazer as coisas serem do jeito dela,
para tecer a história como se ela estivesse sendo uma ótima amiga;
ela devia ser medalhista olímpica, ouro absoluto em gaslighting. E a
mera menção ao nome da Jasmine já parece um campo minado.
Não tem por que ficar brigando. Shannon vai fazer o que bem
entender, assim como Jasmine. Então foda-se, vou fazer o que
quero também.
— Tá bom. — Reviro meus olhos enquanto a sra. Spier vira o
corredor, volto para a sala de aula e deslizo na cadeira antes que
ela fale que estou atrasada.
Jasmine quer que eu fique com Chase. Shannon aparentemente
está muito empolgada que eu esteja com Chase. Então por que
estou brigando?
Talvez eu e Chase não sejamos algo oficial ainda, mas, no fim
do nosso próximo encontro, vamos com certeza ser.
E meu verão com Jasmine será só uma lembrança distante.
Capítulo sete
ANTES
Depois de três dias de bronzeamento valiosos e uma caça a
emprego infrutífera, alguém finalmente bloqueia o meu sol. Olho
para cima e vejo Jasmine na minha frente, uma bolsa enorme para
câmera jogada no ombro.
— Olha — ela diz sem rodeios. — Meu pai está se sentindo
muito mal de te deixar sem um emprego, e me ajudaria ter uma
assistente no verão, então o que acha de me ajudar alguns dias por
semana, todos os custos pagos pelo meu pai?
Eu me remexo até ficar sentada, tentando absorver a
informação. Jasmine e eu mal nos falamos desde a noite da festa.
Na verdade, eu mal a vi. Foi só pela gentileza de Keisha, Brea e
Derek que tive com quem sair.
Além disso... uma assistente? Pra quê? Se ela faz qualquer
outra coisa que não seja ler, se bronzear e ficar de pegação com
Carter, é novidade pra mim. Se Jasmine acha que vou ficar
segurando a bolsa dela como se ela fosse algum tipo de
subcelebridade…
— Eu sou fotógrafa — diz, abrindo um sorriso pequeno que
deixa claro que minha confusão era evidente. — Bom, sou web
designer, mas estou tentando desenvolver um portfólio de fotos
como parte disso. Já fiz todas as fotos de praia e biquíni que posso
aguentar em uma semana, então estava pensando em ir pra
Elizabethan Gardens tirar umas fotos de flores. Você quer ir ou não?
Preciso sair na próxima meia hora pra conseguir a luz boa.
Do nada, tem muita informação no ar, mas estou entediada pra
caramba e acho que tanto o dinheiro quanto a companhia me fariam
bem. Além disso, Elizabethan Gardens parece ser um lugar bonito,
e não fiz nada de turismo desde que cheguei, a não ser frequentar o
um bilhão de lojinhas cafonas que vendem ímãs em formato de
chinelos e sinos dos ventos no formato de pranchas de surfe. Tomo
um banho rápido, coloco shortinhos e regata, e então pegamos a
estrada para Manteo.
Jasmine não é uma garota de muitas palavras, e estou tentando
não ser irritante apesar de ter um zilhão de perguntas sobre o
trabalho dela. Assim, tudo o que descubro no percurso de vinte
minutos são suas músicas favoritas — ou ao menos o que ela
escuta no carro. São todas de bandas que nunca ouvi falar: Chronic
Apathy, Pepperpots, Glory Alabama, The Brightsiders e um grupo
cujo nome eu não consegui ver, mas que está definitivamente
cantando sobre querer ser a cicatriz no braço de Padma Lakshmi.
Uma vez que estamos entre as flores, porém, é como se ela se
transformasse em uma pessoa diferente. Conforme arruma os
ângulos, vai explicando para mim que pode usar algumas das fotos
como fundo para os modelos de sites e como outras podem ser
editadas para capas de livros. Ela faz enquadramentos macros de
flores coloridas e fotos incríveis de borboletas voando. Fico tão
fascinada vendo-a trabalhar e notando como parece saber o nome
de cada flor e criatura que não ouço da primeira vez que ela diz:
— Vamos tirar uma foto sua.
Na segunda vez que fala, eu imediatamente respondo:
— Não, tudo bem. Não quero atrapalhar o trabalho. — Mas, na
verdade, eu quero, sim, porque a paisagem é linda e, vamos ser
sinceros, eu não sou uma pessoa que recusa uma boa foto para
usar de perfil.
Felizmente, ela não se convence e, antes que eu consiga
protestar de novo, me leva até um banquinho rodeado por canteiros
de lírios e faz eu me sentar.
— Sabe — ela diz, franzindo o cenho, concentrada, enquanto
arruma a bagunça cor de noz-moscada que é meu cabelo. — Eu
estou com inveja. Seu cabelo tem tantas possibilidades. Você podia
cortar na altura do queixo que ia ficar incrível, especialmente com
alguns cachos.
— Isso é um pouco demais, eu nunca consegui deixar ele tão
curto — digo, apesar de já conseguir imaginar e não odiar a
imagem.
— O verão mal começou — ela diz com um sorriso, dando um
passo para trás e me entregando um gloss labial rosa-claro que
pegou em sua bolsa. — É uma boa hora pra ser corajosa e fazer
algumas mudanças divertidas.
Passo o gloss e o entrego de volta, ignorando por completo o
arrepio de excitação com a ideia de voltar para Stratford com um
look diferente — um que não foi assessorado, avaliado e analisado
pelas minhas amigas primeiro. Então eu sorrio, faço um biquinho e
fico tentando poses para a sessão de fotos, com Jasmine gritando
ordens em tom de brincadeira cada vez que mexo meus braços.
— Biquinho de pato! — ela exige, tirando fotos e mais fotos
minhas colocando os lábios para fora até tomarem a maior parte do
meu rosto. — Mais! Bem pato! Eu disse mais pato!
Por fim, precisamos parar porque estou rindo demais, e Jasmine
volta a tirar suas fotos oficiais enquanto eu remexo nos filtros de luz
e rearrumo as flores.
Depois de algumas horas debaixo do sol quente, estou suando
como um porco e mentalmente implorando para Jasmine querer
parar, mas ela não parece notar a temperatura. Não há suor
acumulando em sua pele, acima do top faixa que está usando, e a
saia fluida balança enquanto ela se movimenta, fazendo parecer
que ela tem uma brisa particular aonde quer que vá. Até mesmo o
cabelo escuro com luzes cor de mel preso em um coque no topo da
cabeça não está grudando no rosto dela.
— É o sangue do Oriente Médio — diz, dando de ombros, e eu
amaldiçoo meu DNA russo por me deixar despreparada. Ao lado
dela, eu pareço um cachorro ofegante.
Quando ela finalmente declara que está na hora de parar, fico
muito aliviada. Já posso até sentir o ar-condicionado do jipe. Mas
são só quatro horas da tarde, ainda temos algumas horas de luz
natural pela frente, e não tenho ideia do que fazer. Quero perguntar
“e agora?”, mas já ficamos quase o dia inteiro juntas, então imagino
que ela queira um pouco de espaço.
Como presumi, não há qualquer menção de planos para a noite
enquanto voltamos, apenas vinte minutos de rock indie seguidos por
um “obrigada pela ajuda” quando chegamos na casa. Estou quase
indo para o quarto quando ela diz:
— O Owen vai reunir umas pessoas pra um churrasco hoje à
noite, se você quiser ir.
Antes de eu responder, a porta do banheiro principal se fecha.
Alguns segundos depois, ouço que o chuveiro foi ligado e percebo
que ela já contava com meu “sim”.
Meu Deus, eu devo estar irradiando solidão.
Tomo um banho no banheiro menor, que divido com a minha
mãe, e então checo o celular que mal olhei durante o dia. Há
algumas fotos da Shannon no grupo — uma selfie com um croissant
entre os dentes e uma foto dela de braços dados com um cara
bonitinho enquanto bebe champanhe —, um vídeo da Gia caindo de
bunda enquanto treina e uma notificação de que Kiki postou um
novo episódio do podcast. Sorrio vendo esse último e o coloco para
tocar depois de postar minha selfie favorita dos jardins, deixando a
voz familiar e calma da Kiki me rodear enquanto passo hidratante.
— O que é isso? — uma voz pergunta, e quase me solto da
toalha quando percebo que Jasmine está parada na porta da
pequena suíte. Eu nem percebi que não tinha fechado a porta, e
agora estou aqui parada, meio pelada. Felizmente só nós duas
estamos em casa.
Fecho bem a toalha ao meu redor e passo a mão no rosto para
tirar qualquer mancha visível do hidratante.
— O podcast da minha amiga, Kiki investiga o caso. É divertido,
tipo uma coluna de fofocas em que ela finge ser detetive e posta um
episódio novo toda semana.
— Ah, fofo. — Jasmine entra e senta na minha cama. Pelo jeito,
privacidade é uma palavra não muito praticada no vocabulário dela.
— Sobre o que é esse episódio?
— O fim do namoro da bibliotecária da escola foi meio
dramático, e a Kiki está obcecada com isso — digo com um sorriso,
porque é tão bobo, e é tão Kiki. — Quer dizer, ela não diz que é a
nossa bibliotecária no podcast, mas todos nós sabemos que é,
porque a srta. Adams está sempre falando ao telefone na biblioteca
e nunca segue a própria regra de fazer silêncio. Tinha boatos de
que ela estava saindo com o bibliotecário da escola do ensino
fundamental da nossa cidade, e Kiki está tentando confirmar isso
com a ajuda da irmã mais nova, que está na sexta série.
— Isso é… bizarro.
— Né? — Meu Deus, estou com saudades das minhas amigas.
Elas são tão estranhas. Depois preciso lembrar de mandar uma
mensagem sobre meu trabalho novo e como eu adorei esse
episódio do podcast. Kiki morreria pelo fã-clube dela. — Kiki é
obcecada por mistérios. É uma coisa dela. Ela precisa descobrir se
é ele mesmo pra entender como se conheceram e o que deu errado,
porque é isso que ela faz.
Jasmine ri.
— Você devia levá-la pra Roanoke.
— Roanoke? Isso não é na Virginia?
— Essa é outra Roanoke. Você nunca aprendeu na escola sobre
a colônia perdida? O assentamento que desapareceu?
Ah, é, isso parece vagamente familiar.
— Acho que sim. Talvez.
— Vou chutar que você não é muito boa de história — Jasmine
zoa, e eu confirmo definitivamente essa suposição. — Enfim, a coisa
toda aconteceu no final do século XVI, em uma primeira tentativa de
colônia. Umas pessoas vieram pra cá da Inglaterra, fundaram um
vilarejo e então… desapareceram completamente. Não sobrou nada
a não ser uma única palavra: croatoan. Há todo tipo de teoria sobre
se foram assassinados ou só mudaram pra outro lugar, mas
ninguém soube dizer com certeza o que aconteceu. Tem um teatro
bem ao lado dos jardins que fomos hoje que faz uma apresentação
sobre isso toda noite. Aposto que sua amiga ia adorar.
— Ah, nossa, ia mesmo! — Trazer Kiki pra cá por um fim de
semana parece muito divertido, e não tem chance de um mistério
como esse já não estar na sua lista de prioridades. — Será que seu
pai deixaria eu trazer uma amiga pra cá por alguns dias?
Jasmine dá de ombros.
— Claro, por que não? Se você ainda estiver aqui no dia dezoito
de agosto, é o melhor dia pra ir. É meio bobo, mas eles chamam de
Dia do Desafio da Virginia. Eles até mesmo usam um bebê de
verdade na peça, pra honrar o aniversário da Virginia Dare, que foi a
primeira pessoa que nasceu no solo colonizado. Os ingressos são
mais baratos nesse dia também, se quiser levar ela pra lá.
Eu na verdade não sei quando vamos voltar para Nova York. Era
de se presumir que eu estivesse contando os dias, mas agora,
nesse instante, estou empolgada para aproveitar mais algumas
aventuras por aqui. Ver mais coisas. Aprender mais com essa
garota que é cheia de surpresas.
— Essa é uma ideia legal, obrigada.
Ela assente.
— Claro. Vou deixar você se vestir.

O churrasco naquela noite é bem divertido, assim como a pizza e


nadar na casa de Keisha na seguinte, e então ir a uma competição
de bandas na balada na noite depois dessa, e velejar ao pôr do sol
no barco de Brea na outra. Os dias são legais também, e Jasmine
começa a confiar mais em mim com equipamento pesado e mais
trabalho. Depois de longos dias tirando fotos de faróis, caranguejos
e asa-delta, meus músculos estão doloridos e minha pele está com
o mesmo tom rosado de uma lagosta. Vejo as coisas de turistas de
um ângulo completamente diferente e sempre fico esperando
Jasmine zoar as lojinhas e as pochetes, mas ela nunca faz isso. Em
vez disso, dá uma de guia turístico, acrescenta fatos pouco
conhecidos sobre os primeiros voos dos irmãos Wright enquanto
damos uma volta pelo memorial e conta as histórias dos faróis. Fica
claro que ir para Outer Banks durante todos os verões da vida dela
a deixou com certo orgulho do lugar.
Eu nunca vi alguém achar tanta beleza em todas as coisas.
Só que na sexta-feira, quando combinamos um jogo de pôquer
na casa do Carter, ela parece acabada. Mas não fala disso
enquanto estamos indo para a casa dele. Só fica quieta, da mesma
forma que fica quando saímos pra uma sessão de fotos, um tempo
que percebi que ela usa pra organizar os planos na cabeça. A não
ser que esteja planejando estratégias para o jogo, não é isso que
está rolando.
Eu não pressiono. Algo me diz que isso não funciona com ela.
— Quão sério vai ser esse jogo de pôquer? — pergunto. Eu
puxo o assunto para distraí-la, mas estou um pouco nervosa. —
Vamos, tipo, apostar com M&Ms ou dinheiro de verdade? Porque eu
não tenho muito desse último.
Ela abana a mão.
— Eu sei. Relaxa, eu cubro você.
Ok, agora estou irritada. Já basta estar morando na casa dela,
minha mãe ser a secretária de seu pai e eu agora ser sua
“assistente”. Não quero favores em forma de dinheiro.
— Não quero que você me cubra, quero estar preparada.
— Vai dar tudo certo — é só o que ela diz, e agora fico em
silêncio também, irritada com suas roupas novas, o jipe caro e como
ela provavelmente já foi em todos os shows de todas essas bandas
idiotas que tocam no rádio estúpido dela. Só que então ela
prossegue com um: — Aqui, por que você não escolhe a música?
Coloca o que te ajudar a desestressar.
Não precisa pedir duas vezes para eu colocar Demi Lovato.
No fim das contas, a aposta inicial é de cinquenta dólares, o que
eu não tenho. Então me ofereço pra ajudar Carter na cozinha,
colocando bandejas de enroladinho de salsicha e palitos de
muçarela no forno o mais devagar que posso enquanto decido se
serei sincera sobre não ter o dinheiro ou se farei uma coisa idiota
tipo prometer para Jasmine que pago de volta para não passar
vergonha na frente dos meus novos amigos.
Mas, depois de a comida toda já estar no forno e de eu ter
remexido a limonada por tanto tempo que provavelmente fiz tudo
ficar quente, não consigo enrolar mais.
Quando finalmente entro na sala de jogos (é, tem uma sala de
jogos), Carter diz:
— Ei, a Jasmine está sem dinheiro essa semana, então vamos
fazer a aposta inicial de dez dólares. Tudo bem?
Dou de ombros, me forçando a encontrar os olhos dele para não
precisar olhar nos dela.
— Claro.
Acaba que não sou muito boa em pôquer — nem em blefar, ou
lembrar que um flush é algo importante, ou ler as expressões faciais
dos outros. Enquanto isso, Jasmine está arrasando todo mundo. Eu
deveria saber que ela seria boa nisso. Jasmine tem a melhor poker
face que já vi no mundo. Eu pego algumas caretas ou contorcidas
de nariz que penso serem indicativos de cartas ruins, mas não.
Dentro de uma hora, ela ganha o dinheiro de todos, incluindo o meu,
e, surpreendentemente, ninguém está a fim de jogar mais uma
rodada.
— Eu sabia que deveria ter esquecido de te convidar — Carter
brinca, mas é óbvio que, do jeito que ele olha para ela, são as
outras pessoas que ele queria ter esquecido de convidar.
Fico esperando Jasmine jogar um charme e doze segundos
depois eles subirem para o quarto de Carter, mas tudo que ela diz é:
— Mais sorte da próxima vez, otário. — E os dedos longos e
cheios de anéis continuam a embaralhar as cartas como uma
profissional.
Nós bebemos sidra e jogamos mau-mau até Jack e Derek
desaparecerem para se pegarem e Owen e Brea saírem para uma
festa na praia. Então sobram Jasmine, Keisha, Carter e eu.
O manual de regras de amigas determina que eu e Keisha
devemos vazar, mas ela não parece ter pressa de ir a lugar algum.
Em vez disso, pega o baralho de onde ficou abandonado durante as
despedidas e embaralha como se estivesse em Vegas. Parece que
eu sou a única que não nasceu com um ás na manga e um coringa
em cada bolso.
— Espadas? — ela sugere, fazendo uma bola com o chiclete de
canela, mas, a julgar pelo jeito como Carter e Jasmine
harmoniosamente se separam ao redor da mesa para nos dividir em
dois times — primos versus colegas de casa —, não é bem uma
sugestão.
Isso é confirmado quando vou pegar mais uma sidra e sinto os
anéis da Jasmine apertarem o meu pulso.
— Você vai ter que ficar atenta, Sininho — ela me avisa. —
Esses dois nasceram com um baralho na cabeça.
Eu dou um risinho.
— Acho que dou conta.
Eu não dei conta.
— Vocês são uns trapaceiros! — grito depois de ser
absolutamente destruída pela terceira mão seguida. — É
humanamente impossível.
Keisha sorri aberta e presunçosamente, jogando as tranças com
miçangas por cima do ombro, enquanto Carter inclina a cabeça para
trás e ri.
— A gente vem pra cá desde que éramos bebês — ela diz, o
sotaque do sul aparecendo mais acentuado conforme a noite se
prolonga e o álcool se estabelece. — O irmão do Carter e nosso
primo Richie nos treinaram nessa mesa assim que começamos a
andar.
— Não tem muito o que fazer por aqui quando escurece antes
de conseguir tirar a habilitação — Carter afirma. — Ao menos não
tinha antes de eu descobrir as garotas.
— Você quer dizer antes das garotas descobrirem você —
Keisha diz, fazendo um som de escárnio do fundo da garganta. —
Ser um pateta não estava exatamente ajudando até você chegar
aqui quinze centímetros mais alto e sem aparelho.
— Tomaaaaaa — digo por instinto antes de perceber que
Jasmine é uma dessas garotas, apesar de ela não parecer
incomodada. Na verdade, está rindo também. Eu me viro para
Keisha, lembrando que ela mencionou que era aroace. — E o que
você fazia enquanto garotas estavam “descobrindo” Carter? Acho
que você tinha… preocupações diferentes.
— Um pouco — ela diz, rindo, distribuindo mais cartas. — Eu
sou gamer, então ficava bem feliz em casa jogando The Sims ou
Dragon Age até amanhecer. Mas várias noites todos nós ficávamos
aqui pra jogar, do mesmo jeito que ficávamos esperando pelo Papai
Noel quando éramos crianças.
— Sabe, esse é meu problema — diz Jasmine, puxando o
cordão com a estrela de Davi pendurado no pescoço. — Eu sou
judia demais.
— Ei, eu também! — exclamo, e damos um high five por cima da
mesa enquanto os outros riem.
Minha mãe e eu não somos exatamente praticantes — a única
coisa que fazemos é acender as menorás e comer latkes na
primeira noite do Chanucá, e só para minha mãe se sentir melhor
por não ter me criado mais dentro da religião —, mas parece ser a
primeira coisa que Jasmine e eu temos em comum.
Exceto por como nós duas somos péssimas jogadoras de
espadas.
Mas é divertido, e Jasmine parece muito mais à vontade em um
grupo menor. Fica menos dolorido perder tão feio vendo que ela
está mais tranquila, mais parecida com a pessoa com quem eu
convivo durante os ensaios fotográficos e os percursos de carro.
Quando oficialmente perdemos, meu rosto dói de tanto rir. Ao
menos até Carter pedir que fiquemos mais um pouco, os olhos dele
pairando nos lábios de Jasmine; meu estômago se aperta ao pensar
em terminar nossa noite divertida sendo dispensada.
— Hoje não. Amanhã vamos levantar cedo pra fazer um ensaio
fotográfico do amanhecer — diz Jasmine, se erguendo para ficar de
pé e dando um beijo na bochecha dele.
Essa história do ensaio é nova pra mim, mas eu assinto e aceito
os abraços de boa-noite e promessas de revanche. Keisha e eu
trocamos número de telefone, e eu aprecio que a capinha de celular
dela parece um controle vintage da Nintendo.
— Nós vamos mesmo fazer um ensaio ao amanhecer? —
pergunto enquanto afivelamos os cintos e deixamos a casa dos
Thomas para trás.
— Claro, por que não? — Jasmine dá de ombros. — As pessoas
amam um nascer do sol cafona nos modelos e backgrounds de
mídias sociais. A não ser que você ache que não consegue acordar
cedo.
Eu tenho levantado cedo para correr na praia nos últimos dias,
antes de Jasmine, mamãe e até Declan estarem acordados. É legal
ter um tempo para mim que não envolva estar na casa de Declan,
ajudar Jasmine ou ficar desviando de mamãe. Eu nunca fui uma
pessoa que gosta de acordar cedo, mas correr na areia é mais
relaxante que andar pisando em ovos, me sentindo uma mala sem
alça invasora que minha mãe foi obrigada a trazer.
Porém, não quero compartilhar esse segredo.
— Ah, consigo, sim. A pergunta é se você quer companhia assim
tão cedo. Você não parece gostar muito de falar com outras pessoas
antes do café.
Os dentes dela brilham no interior escuro do carro.
— Você notou.
— Eu sou superobservadora — respondo, jogando o cabelo para
trás.
— Você é. — O tom de voz dela é mais sério do que eu poderia
antecipar, e eu não estava pronta. — Gosto disso em você. Você
sabe quando falar e quando não falar. É uma habilidade rara.
— Vou considerar isso como um elogio. — Então percebo que é
a primeira vez que estamos no carro sem música. — Especialmente
porque você pode ser uma pessoa muito difícil de ler.
Os cantos da boca dela se levantam.
— Não são muitas pessoas que se dão o trabalho de tentar.
Estamos com nossas janelas abaixadas e está relativamente
quieto do lado de fora, o que nos permite ouvir o som do oceano
chegando na areia durante as pausas na conversa. Esse interlúdio
rítmico pacífico faz com que seja menos óbvio que eu demore mais
do que alguns minutos pra responder.
— Não sei, não. Acabamos de ir embora de um lugar em que as
pessoas estavam exaustas de perder pra você no pôquer.
Ela ri.
— Touché. Só que nenhum deles queria ter que se esforçar
tanto.
— Você já considerou não fazer as pessoas terem que se
esforçar para te entender?
— Literalmente nunca.
— Bom, pelo menos você sabe disso.
Meu telefone apita, e eu sei antes de olhar que vai ser a minha
mãe perguntando onde estamos. Digito rapidamente que vamos
chegar em casa em dois minutos, e Jasmine diz:
— Eu não fiz você ter que se esforçar, fiz?
Penso no quão rapidamente ela me convidou para a piscina,
para encontrar os amigos dela e para ir junto aos ensaios. Aperto
para enviar a resposta e digo:
— Não, acho que não. — Apesar de tudo isso ser superficial,
ainda tem muita coisa que eu desconheço. Mas gosto da ideia de
ser diferente. O que posso dizer? Sou vaidosa. — Então eu sou
especial?
Os lábios dela estremecem.
— Parece que sim.
— Eu me sinto especial — digo, séria. É para ser zoeira, mas
também é verdade. Fico grata pelo quanto ela me ajudou a curtir
esse lugar, por quão generosa tem sido com seu tempo, com sua
vida. Fico grata também por ter me escutado essa noite, quando
falei que não tinha dinheiro para o jogo, e por ter dado outro jeito de
fazer tudo dar certo. — A que devo a honra?
— Você quer mesmo saber?
— Óbvio.
Ela entra na garagem e desliga o carro.
— Você sempre vai direto ao ponto. Eu nem consigo expressar o
quanto isso é revigorante.
Eu definitivamente devo isso a minha mãe, que não tem tempo
algum para bobagens, e a Shannon, que me ensinou a não me dar
o trabalho de enrolar, já que ela vai ver tudo estampado na minha
cara de todo jeito. Só que eu não quero dar o crédito para mais
ninguém. Estou gostando de me sentir especial — de um jeito
inquietante. Não vou dizer isso, claro, então desvio do assunto como
vento.
— Aliás, achei que você ia querer ficar mais tempo essa noite.
Ficar um pouco com o Carter. — Eu não falo o resto.
Ela olha para mim, os olhos dourados de sempre de um escuro
impenetrável.
— Posso te contar uma coisa, só porque acho que você vai
entender e não pra você achar que sou extremamente esquisita?
Não faço ideia do que está por vir, mas só há uma resposta
correta para uma pergunta dessas.
— Claro.
A calça jeans que ela está usando tem um rasgo na altura da
coxa e ela o cutuca, concentrando o olhar com a mesma intensidade
que usa para tirar fotos perfeitas de borboletas.
— Não gosto muito dessa coisa de festas. Quer dizer, às vezes
eu gosto. Só que ficar rodeada por pessoas é… demais pra mim. E
não é que eu não goste de ficar com Carter, mas é tipo… quando
não tem um monte de gente reunida, sinto que não preciso disso.
Meu primeiro pensamento é que ela quer dizer que outras
pessoas precisam estar lá para presenciar ela ficando com Carter.
Afinal de contas, quantas vezes sonhei em sentir um milhão de
olhos em mim enquanto fico com Chase sob o holofote da festa de
volta às aulas, ou na festa de formatura? Só que não é essa
sensação que Jasmine me passa. E então eu realmente entendo.
— Ah, você está dizendo que não precisa de uma fuga, nesse
caso?
O sorriso nos lábios dela é vago, mas eu o vejo porque estava
esperando por ele.
— É.
Não é algo que temos em comum. Eu gosto de ficar ocupada, de
estar rodeada de gente, entretida. E por mais que eu ame minha
mãe, suspeito que seja assim porque cresci em uma casa quieta de
duas pessoas. Mas às vezes ter que estar sempre “ligada”, ou ter
que obedecer às “regras” da Shannon, equilibrar o trabalho e a
escola, e até mesmo o meu crush, que exige muitos cuidados, pode
ser exaustivo e frustrante, e só quero ter a sensação de tirar o sutiã
ao final do dia mais do que qualquer outra coisa no mundo.
Mesmo quando parece que não posso admitir isso.
— Então por que você continua saindo?
Ela dá de ombros.
— Eu também não quero ficar sozinha. Não tem muito meio-
termo ali. Ou você sai com todo mundo, ou com ninguém.
— Bom — digo, uma ideia brilhante adentrando meu cérebro —,
talvez isso tenha sido verdade antes, mas agora não é mais. Agora
você tem uma colega de casa! Que tal amanhã à noite ficarmos em
casa só pra curtir? Podemos fazer uma daquelas noites de garota
superclichês e cafonas. Vamos tomar muito sorvete. Os bobs no
cabelo são opcionais.
Jasmine dá uma risada com uma plenitude rara que fico
orgulhosa demais de ter causado.
— Combinado.
Nós apertamos as mãos antes de irmos para dentro de casa.

Penso muito nesse aperto de mão, porque ele me reassegura que


era claramente só uma sugestão amigável.
Eu não fazia ideia de para onde isso iria levar.
Capítulo oito
AGORA
Houve um tempo em que eu sempre aguentava as merdas da
Shannon porque era mais fácil do que brigar, mas no fim isso era
completamente inútil — eu estou irritada com ela a semana toda e
ela sequer notou. Quando solto um grunhido para responder suas
perguntas ou dou bolo no almoço para ficar fazendo um relatório do
laboratório, ela age como se nada fora do normal estivesse
acontecendo e continua tagarelando sobre a excursão que vai fazer
com a mãe para o SoHo para fazer compras e comemorar o
aniversário dela e sobre esse cara que ela pegou na França que fica
mandando fotos fazendo biquinho por estar com saudade.
Eu tento fazer contato visual com Kiki e Gia, mas, como sempre,
Gia está atenta a cada palavra e comentando que o Tommy ou é
mais romântico ou deveria ser mais romântico, e Kiki não poderia se
importar menos, porque um youtuber famoso acabou de falar que
Kiki investiga o caso é a sua nova obsessão. Ela conseguiu um
aumento enorme de seguidores e ouvintes, então agora suas únicas
contribuições para as conversas da semana são coisas como “O
que vocês acham de fazer uma série sobre as teorias de
conspiração de morte, começando pela Marilyn Monroe? Agora eu
preciso agradar um público maior”.
Eu teria adorado ver as coisas variarem um pouco com um novo
rosto em nossa mesa de almoço na sexta-feira se esse rosto não
pertencesse a Jasmine.
— Yes! — Shannon bate uma palma enquanto Jasmine se senta
e apoia na mesa uma bandeja com tiras de frango, batatas e molho
picante extra. — Fico feliz que você finalmente conseguiu vir.
Finalmente? Argh. Se eu já não estivesse tão irritada com
Shannon, saber que ela está convidando Jasmine para almoçar com
a gente todo santo dia certamente teria concretizado a irritação.
Shannon só faz coisas desse tipo quando acha que uma pessoa
tem algo de valor para acrescentar ao nosso grupo. Eu me pergunto
se é a casa linda de Jasmine ou a festa incrível que garantiu isso.
As duas são opções meio esquisitas, já que Shannon também tem
uma casa bem legal e um monte de pessoas ao seu redor que já
dão festas incríveis, mas o que mais pode ser? Não é como se ela
soubesse que Jasmine tem habilidades fotográficas maravilhosas e
um gosto impecável para livros, ou que é a companheira de viagem
mais divertida do mundo porque canta todas as músicas ridículas
bem alto com as janelas do carro abertas e inventa os melhores e
mais sujos passados para estranhos nos carros ao nosso lado. E
estou razoavelmente certa de que ela não sabe que os beijos da
Jasmine são excelentes.
Ou será que sabe?
De repente, minhas próprias batatas parecem bem menos
apetitosas. Pego um pedaço de pepino da minha salada e mordisco.
— Foi uma semana corrida — diz Jasmine, com o maior tom de
desculpa em sua voz que consegue, o que francamente não é
muito. — Não é exatamente o mesmo currículo de Asheville. Tive
que correr atrás de algumas coisas.
— Por que você se mudou pra cá no último ano mesmo? — Kiki
pergunta, e eu consigo praticamente ver uma antena parabólica sair
do seu coque bagunçado.
— Tem a ver com a minha guarda — diz Jasmine como se não
fosse nada, como se ficar alternando entre os pais por capricho não
a incomodasse, mas sei que é mentira. Sem chance de ela não
estar sentindo falta dos jantares extravagantes de Shabat da mãe
dela. Não tem chance alguma de ela estar se sentindo em casa em
um quarto sem qualquer foto na parede.
Mas todo mundo aceita isso com um aceno de cabeça — no
caso da Kiki, de um jeito bem decepcionado —, e ela pega uma tira
de frango e coloca na boca enquanto gesticula “não dá pra falar
mais nesse assunto já que estou de boca cheia”.
— Bom, você escolheu a hora perfeita pra se juntar a nós — diz
Shannon —, porque a nossa pequena Larissa vai a um grande
encontro hoje à noite, e eu quero ouvir tudo sobre isso. — Os lábios
dela se curvam em um pequeno sorriso maldoso. — Posso falar
disso agora, certo?
Filha da puta. Ela sabia mesmo que eu estava brava a semana
toda.
Eu não quero transparecer para Jasmine o quanto fico irritada
com essa amizade aleatória das duas, mas também não vou deixar
Shannon ganhar essa rodada.
— Dã. Umas outras cinquenta pessoas já me perguntaram isso
hoje. — Eu insiro um dar de ombros modesto, como se eu não
soubesse que o fato de eu e Chase sermos o centro das conversas
de Stratford a deixa completamente maluca. — Fico feliz que
decidimos ir ao cinema em vez de algum lugar público. Quem
precisa de todos esses olhos na gente?
— Um filme — Jasmine diz, doce. — Isso parece… romântico.
Será que ela está tentando me fazer lembrar do peso de sua
mão na minha coxa, do jeito como pressionava minha pele no
assento de veludo do cinema? Porque definitivamente não está
funcionando.
— Ah, especialmente no multiplex — diz Gia. — Eles têm
aquelas cadeiras reclináveis tão grandes que cabem duas pessoas.
É muito romântico — ela acrescenta num tom que me faz querer
levar desinfetante para o cinema.
— Então, comece do começo — diz Jasmine, sorrindo como se
isso fosse uma conversa normal de garotas e ela estivesse curtindo
muito, afinal, não estamos todas curtindo muito? — Como ele te
chamou pra sair? O que você vai vestir?
— Você ainda está com aquela minha regata frente única
bonitinha — Shannon destaca, como se a minha blusa azul favorita
não estivesse enterrada em algum lugar nas profundezas do closet
dela. — Ela fica tão fofa com jeans.
— Jeans são muito sem graça! — Gia protesta. — Jasmine, fala
que ela precisa usar um vestido.
— Eu tenho uns vestidos bonitos se você quiser um emprestado.
— A voz de Jasmine é leve, brincalhona, e um calor começa a subir
pela minha pele. Eu tenho familiaridade com os vestidos bonitos
dela. Já peguei alguns que também me serviam emprestados,
apesar de os peitos dela serem maiores. E eu sei exatamente quais
dão um acesso mais fácil dentro de um cinema.
Eu odeio essa conversa. Odeio o fato de ela estar aqui. Odeio
que meu cérebro simplesmente não consiga esquecer esse verão.
E odeio não saber se ela está pensando nas mesmas coisas que
eu, ou se a oferta de emprestar um vestido é mesmo apenas uma
oferta de emprestar um vestido.
— Obrigada, mas acho que a Shannon tem razão sobre a regata
e o jeans — digo, minha voz saindo embargada. — Não quero dar
nenhuma ideia pra ele ainda, certo?
Nem eu sei mais do que estou falando.
— Certo — Gia concorda. — É melhor ele se esforçar. Não
deixei o Tommy nem tocar os meus peitos por três meses.
— Nós sabemos, Gi — diz Kiki com um suspiro cansado,
atualizando algo numa página do celular dela. — Nós sabemos.
— O que vocês vão fazer além do cinema? — Jasmine pergunta,
descansando o queixo na palma da mão. — Vão sair pra jantar? Ou
ficar se pegando no carro dele?
As outras garotas riem, e não consigo determinar se esse foi um
comentário maldoso da parte dela ou se da parte das outras. Eu não
sei como me sentir em relação a nada disso, só sei que quero que
Jasmine pare de me fazer um monte de perguntas idiotas pra
caralho sobre meu encontro com Chase.
A verdade é que não pensei muito no assunto. Apesar de “ir ao
cinema com Chase” ser meu item número 4 na lista de coisas pra
fazer antes de acabar a escola, não estou obcecada, apenas
animada. Eu escolhi uma roupa (sim, já estava planejando usar a
regata frente única e o jeans antes de Shannon abrir a boca) e
avisei minha mãe que ia sair e talvez chegasse um pouco tarde,
mas mandaria mensagem antes do horário.
É um cinema. O que mais tem a ser dito sobre um cinema?
Um monte de coisas, aparentemente.
Bom, se esse é o jogo que Jasmine quer jogar...
— Acho que vai ter muita pegação aonde quer que a gente vá.
Quem tem tempo pra um jantar quando Chase Harding está no
menu? — Abro um sorriso e tomo um gole da Coca Zero enquanto
as outras meninas assobiam e riem. Fico grata quando percebo
Jasmine apertar os lábios só um pouquinho, o suficiente pra eu
saber que ela não perguntará mais nada durante nossa refeição. —
E vocês? Vão fazer o que hoje à noite?

No fim, acabo vestindo uma saia vermelha curta e uma blusa branca
de bolinhas pretas — nenhuma delas sugestão de Shannon,
Jasmine ou Gia — e não me importo com a ideia que Chase vai ter;
vou fazer o que eu quiser. Também passo batom vermelho, mesmo
depois de Shannon já ter me falado um milhão de vezes que isso
inibe caras que querem te beijar, e visto as sandálias de couro preto
que ela me disse uma vez para queimar porque deixavam minhas
pernas curtas. (Fazem minhas pernas ficarem atléticas, isso sim,
muito obrigada.)
A julgar pela expressão no rosto de Chase quando abro a porta,
estou ótima. Melhor que isso. Ou, se eu não tinha tanta certeza
ainda, ele acrescenta:
— Uau, você está linda.
— Obrigada — digo, aceitando o beijo dele na minha bochecha.
Dou um grito para dentro da casa para avisar minha mãe que estou
saindo e espero até ouvir o “divirta-se!” em resposta antes de seguir
Chase até o carro.
Não tem mais cinema em Stratford, mas o multiplex com as
cadeiras incríveis fica a apenas quinze minutos de distância de
carro, então colocamos o cinto e ficamos conversando sobre a
escola, as resenhas do filme, trabalho e o time de futebol. Mais de
uma vez, pego Chase me olhando no sinal vermelho. Quando
finalmente chegamos ao cinema, estou morrendo de vontade de
perguntar para ele a coisa que está me incomodando desde o
primeiro dia de aula.
— Ei, posso te fazer uma pergunta meio estranha?
Ele desliga o motor.
— Estranha como?
— É só que… você já sabe há um tempo que eu gosto de você,
certo? — Eu nem consigo acreditar nas palavras saindo da minha
boca. — Tipo, não é um segredo muito bem guardado em Stratford.
Ele abre um sorriso, e eu queria muito que a luz acima de nós
não tivesse apagado para vê-lo melhor.
— Faz um tempinho, talvez. Mas eu também gosto de você.
— Sim, eu sei disso — falo, e nós dois rimos. — Acho que só
estava me perguntando… por que agora? É mesmo o corte de
cabelo? Eu ter ficado loira? Espero mesmo que não seja o
bronzeado, porque esse logo vai sumir.
— Essas coisas não atrapalham — ele diz, esticando a mão para
puxar de leve um cacho dourado —, mas não, não é que você
esteja mais bonita do que antes. Você só está diferente. Como se
tivesse um… brilho. Quer dizer, você entrou na escola no primeiro
dia praticamente desfilando. — Ele ri, mas agora um pouco mais
tímido. — Meu Deus, isso parece idiota. Mas você sabe o que quero
dizer? Você parece mais feliz, com menos medo, um pouco
menos…
— Menos…?
— Estou tentando falar isso de um jeito não tão horrível.
Meu estômago se aperta.
— Bom, não pode ser pior do que isso.
— Justo. — Ele encontra meu olhar, os olhos dele brilhando com
o reflexo das luzes néon. — Você parece um pouco menos a
sombra da Shannon Salter. Como se você tivesse se encontrado
durante o verão. Se isso não é uma coisa bem idiota e terrível de
dizer.
Balanço a cabeça lentamente.
— Não é nenhuma das duas coisas.
Eu realmente não tinha colocado em palavras, mas acho que
havia sentido algo parecido também.
O único problema é que, claro, eu não passei o verão sob a
sombra da Shannon, mas talvez agora esteja sob a sombra da
Jasmine. Só que ninguém sabe disso.
Jasmine foi quem inspirou meu corte de cabelo, quem me deu
coragem pra fazer o piercing. Jasmine me levou pra cima e pra
baixo em Outer Banks, me mostrou como encontrar a beleza nos
lugares onde eu não via, incluindo até — por mais clichê que seja —
em mim mesma. Jasmine é a pessoa que me mostrou que a
diversão verdadeira não está em seguir uma multidão e que às
vezes as melhores coisas são assustadoras e inesperadas.
Meu Deus, uma parte de mim a odeia demais.
Só que isso me atinge como um raio quando Chase percebe que
eu me amo mais depois desse verão e, por isso, provavelmente vou
ficar devendo essa para ela por todo o sempre.
— Bom — ele diz, e é só depois disso que eu lembro onde estou
e com quem estou. — Vamos pegar pipoca?

ANTES
Nós realmente curtimos sozinhas na noite depois do jogo de pôquer,
só que não tinha sorvete; em vez disso, pegamos um estoque de
biscoitos doces, barras de chocolate e marshmallow e aproveitamos
para fazer uma fogueira nos fundos de casa.
— O que você acha que acontece se deixar um marshmallow
dentro de uma garrafa de Coca-Cola? — Jasmine pergunta,
erguendo uma das muitas garrafas de Coca que compramos para
acompanhar os nossos s’mores, determinadas a testar cada
variedade possível. — Você acha que eles explodem?
— Oh-oh. Você acha que ter as duas coisas no estômago ao
mesmo tempo vai fazer com que explodam?
Jasmine ri e bate no meu braço.
— Cala a boca! Isso é sério. Deveríamos fazer um experimento.
Pela ciência.
— Você quer desperdiçar um ótimo marshmallow derrubando-o
numa Coca sabor cereja pela ciência?
— Você prefere que eu desperdice um marshmallow em uma
garrafa de refri de laranja?
— Não ouse. O de laranja é o meu favorito. — Pego a garrafa de
refrigerante de laranja com toques de baunilha e dou goles longos
enquanto uso a outra mão para jogar um marshmallow que acerta
Jasmine diretamente no nariz.
— Quem está desperdiçando marshmallows agora, Larissa?
A mistura do meu nome inteiro e o tom de falsa irritação me faz
rir, e o tanto de açúcar que já consumi não colabora. É tão nojento e
tão delicioso, e mesmo sem mais ninguém, mesmo que já tenhamos
passado o dia inteiro juntas vendo fotos e analisando quais foram as
melhores, essa é uma das noites mais divertidas que já tive desde
que vim pra cá.
— Você é tão boba — digo, pegando mais ingredientes pra fazer
outro s’more. — Mas fico feliz de estarmos aqui. É bom só ficar de
boas, vestir roupas confortáveis e deixar meu cabelo que nem um
ninho de rato.
Ela ri.
— Seu cabelo não está um ninho de rato! E sim, é legal, né?
Tipo, é divertido estar com outras pessoas, mas no fim sempre é a
mesma merda, e todo mundo só quer se sentir bem no fim da noite.
Você se embebeda pra ficar bem. Você pega alguém pra se sentir
bem. Você rouba o dinheiro de todo mundo numa mesa de pôquer
pra se sentir bem. E isso dá trabalho pra cacete. — O sorriso se
esvai dos lábios dela, seu rosto fica sério sob a luz do fogo, as
faíscas refletindo nos olhos cor de âmbar. — Não deveria ser assim
tão trabalhoso. Tipo, estar sempre vestindo a coisa certa, dizendo a
coisa certa, bebendo a quantidade certa, se preocupando com quem
está vendo você fazer o quê. Às vezes é tão exaustivo se sentir bem
que nem parece tão bom quanto deveria ser. A gente age como se
cerveja e garotos fossem necessários pra aproveitar, pra uma noite
de verdade, e, sinceramente, foda-se isso. Se tudo com o que eu
me importasse fosse pegar alguém…
Eu mal engoli o meu s’more e de repente os lábios de Jasmine
estão nos meus, doces, com um traço de chocolate. Só um instante,
e então a brisa fria da noite vem da água novamente, como se não
tivesse acontecido.
— É só… fazer. Não precisa dar uma festa enorme pra três
horas depois arrastar alguém pro seu quarto pra vocês se pegarem.
É só se pegar. Essa coisa toda de fingir cansa muito. Queria só que
as pessoas admitissem o que querem quando elas querem.
Não sei se pisquei alguma vez durante todo esse discurso. Eu
definitivamente não me mexi desde que os lábios dela encostaram
nos meus. Mas que porra acabou de acontecer?
De repente, o rosto dela desmorona, todos os traços da sua
justa indignação somem.
— Ai, merda, Lara, desculpa. Me empolguei. Eu não devia ter
feito isso. Prometo que…
— Shh.
Ergo a mão, silenciando-a, e penso nos anos que passei
querendo Chase. Anos indo aos jogos de futebol e depois nas
festas. Tá, era legal, mas, no fim das contas, o que eu queria? Eu
queria que ele me notasse. Queria que ele me quisesse, que
quisesse estar comigo. Queria beijá-lo, me divertir e então repetir
tudo isso até que… o quê? Até que eu não quisesse mais? Eu não
sonhava com casamento e bebês. Sonhava com ele me pedindo
para subir as escadas na casa do Ferris para ficarmos nos pegando.
Por causa disso, eu já tinha vestido sapatos desconfortáveis e
jeans apertados demais, passado quilos de maquiagem, queimado
meu cabelo até ficar perfeitamente liso e escutado Shannon me
dizer como eu deveria me portar, qual deveria ser meu cheiro e que
cor de batom escolher.
Tudo isso quando às vezes pode ser tão simples quanto
s’mores, Coca-Cola e se inclinar na cadeira de praia.
Eu olho para Jasmine — olho de verdade —, para os traços de
marshmallow derretido nos lábios dela, para a apreensão nos seus
olhos e para a pinta no seu ombro, e então sou eu que me inclino na
cadeira e começo o beijo, saboreando o gosto de cereja artificial na
língua dela e me sentindo tão bem nesse momento em que não
precisei me esforçar.
É tão bom que não percebo que estamos caindo das nossas
cadeiras até estarmos na areia, as risadas flutuando na noite de
verão entre as chamas crepitantes, e então nossas bocas se
encontram de novo e não há mais risada alguma.

AGORA
— Lara? Oi. — A mão de um cara repousa com gentileza no meu
ombro. — Quer manteiga na pipoca?
Capítulo nove
AGORA
— Acho que agora consegui!
— Você disse isso da última vez — Beth fala de onde está,
fazendo o inventário da seção de thriller/mistério/suspense. —
Parecia no máximo a mão de uma criança.
— Ei, eu sou nova nisso! — Examino o formato da folha que
desenhei na espuma do meu quarto cappuccino da manhã e
definitivamente parece melhor do que as outras três. — Um pouco
de apoio moral seria legal.
— Mais algumas horas assistindo àqueles vídeos no YouTube
seria bom — ela murmura, só que a loja está vazia exceto por nós,
então ouço cada palavra. Estou tentando melhorar o meu trabalho
de barista e assistindo aos vídeos de desenhos na espuma na
esperança de impressionar Beth com corações, folhas e borboletas.
Infelizmente, sou tão boa em desenhar na espuma quanto com tinta,
grafite, giz, lápis ou qualquer outra coisa, o que quer dizer que sou é
bem ruim.
A única coisa que tenho para mostrar do meu treinamento são
mãos tremendo por ter bebido as primeiras duas tentativas rápido
demais. (Beth graciosamente aceitou a terceira, apesar de ser
muitos tons mais claro do que a alma dela). A arte em latte parece
fácil no YouTube, mas tutoriais de maquiagem também, e eu sou
igualmente péssima neles.
Por mais que eu tenha aproveitado o verão, não posso evitar
ficar ressentida por ter sido forçada a desistir da minha posição
como vendedora de livros por uma tarefa na qual sou muito ruim. Eu
conheço livros. Eu amo livros. Eu poderia ter ajudado um monte de
pais a encontrar bons quadrinhos para as filhas, ter indicado os
melhores romances para leitores manteiga derretida que estão em
busca de humor e beijos, ter aprendido muito mais sobre os outros
livros nas estantes — os “mistérios aconchegantes”, cujo nome Beth
me ensinou, ou os zilhões de fantasias para o público jovem adulto
com espadas e coroas nas capas. Trabalhar aqui não é só sobre o
dinheiro — quero aprender como fazer isso, a ser Beth, para um dia
poder me rodear de livros, café e pessoas que amam as duas
coisas enquanto eu trabalho escrevendo o meu próprio romance no
tempo livre. Não sei exatamente o que quero fazer com a minha
vida, mas sei que estou mais próxima de entender quando estou
aqui.
O melhor que posso fazer agora é provar que consigo me
desdobrar e aprender cada tarefa que me for dada, ou ao menos
tentar.
Então nos oito minutos restantes até que a loja abra, eu aceito o
conselho murmurado de Beth e vejo outro tutorial enquanto termino
os arranjos da manhã. Estou tão concentrada assistindo a um par
de mãos desenhar um cisne que o primeiro cliente precisa tossir
para chamar minha atenção. Ofereço minhas desculpas e pergunto
o que ela deseja, torcendo para que seja um latte ou um cappuccino
ou até mesmo um chocolate quente para me dar outra chance de
praticar, mas como a maior parte dos clientes que está se apegando
ao fim do verão, ela pede um café gelado, e a única coisa de que
posso me gabar é fazer um sem estragar tudo. Ela também pede
um scone de frutas vermelhas, o item mais popular do café (e a
receita secreta de ninguém mais, ninguém menos que o sobrinho de
Beth, Winston, que nunca encontrei, mas que mora no porão da tia
e aparentemente tem um dom para misturar farinha, açúcar, ovos e
manteiga). Eu embrulho tudo no papel fino lilás que é a marca da
loja, entrego o café gelado, pego o troco… só para dizer adeus e ver
Jasmine Killary de pé no início da fila.
— Bom dia e bem-vinda à Book & Bean — eu a cumprimento
como se não estivesse nada chocada por sua presença, pelo cabelo
despenteado e o gloss, ou pela camiseta do show das Bathory Bells
que ela usou no dia que fomos no refúgio da vida silvestre em Pea
Island e voltamos cobertas de picadas de inseto. Passamos a noite
na banheira de hidromassagem depois para compensar. — O que
vai querer?
Ela olha para a lousa com o menu acima da minha cabeça.
— O que você recomenda?
— Alguma coisa com espuma. Estou praticando a minha arte.
— Ahh, interessante. — Ela tamborila os dedos no queixo,
mostrando as unhas ameixa com glitter dourado. — Você consegue
desenhar um cachorrinho?
— Provavelmente tão bem quanto consigo desenhar uma folha
ou um coração.
Os lábios dela se curvam em um sorriso.
— Vou ficar com um cappuccino de cachorrinho, por favor, com
uma dose de baunilha.
Fico grata pela oportunidade de dar as costas a ela e focar nas
máquinas. Preciso me concentrar em não me queimar no tubo de
espuma e em aquecer o leite da forma correta, não em tentar sentir
o cheiro do shampoo de madressilva que ela usa.
O espresso preenche o pequeno café com um cheiro amargo
que elimina qualquer tom de mel que provoca meu nariz, e eu
inspiro profundamente. Estou a dois passos de dar o café para
Jasmine e vê-la indo embora quando ela diz:
— Ei, esse folheto é de um evento da Clementine Walker?
Quanto você teve que implorar pra fazer isso acontecer?
Ah, então estamos voltando a admitir que nos conhecemos.
Interessante.
— Uma coincidência feliz — digo, acrescentando o leite
cuidadosamente.
— Bom, estou curiosa pra conhecer essa grande lenda. É uma
pena que ainda vai demorar um mês. Vou precisar colocar no meu
calendário.
Ela está zoando com a minha cara? Ela virá para o evento da
Clementine Walker? Eu não consigo dizer se Jasmine está tentando
arruinar isso pra mim ou se essa é uma tentativa genuína de sermos
amigas. Mas não tenho tempo de determinar porque o pai que amou
minhas recomendações de livros aparece atrás dela.
A julgar pela alegria em seus passos, vou chutar que a última
deu certo.
E Jasmine vai ouvir tudo a não ser que eu consiga fazê-la sair
correndo daqui.
— Ficou cinco e vinte e seis — falo, empurrando a bebida para a
frente.
Ela olha para o topo da xícara com os olhos semicerrados.
— Isso é pra ser um cachorro? Sério?
Droga, esqueci de me esforçar para fazer algo extravagante na
espuma. Mas, mesmo que eu me esforçasse, não ia sair tão
diferente, a julgar pelas minhas tentativas anteriores.
— O quê, você não está vendo? O focinho está logo ali.
Ela ergue uma sobrancelha, mas não diz nada. Me entrega o
cartão de crédito — é claro que ela tem um cartão próprio — e o
nome é Jasmine H. Killary em letras nítidas. O H é de Helene. Odeio
saber disso.
— Você agora desenha cachorros nos cafés? — o pai das
recomendações de livros diz atrás de Jasmine. — Vou querer um
desses também. E mais algumas recomendações de livros se tiver!
Vim pegar o novo Candy Buttons, mas ela está lendo tão rápido que
preciso levar algo mais.
Lá se foi a ideia de tirar Jasmine dali.
Com um olhar indecifrável no rosto, ela diz:
— Vocês têm Candy Buttons? Acho que vou levar o novo
também.
— Eles têm uma seção de quadrinhos ótima desde que essa
aqui começou — ele diz, apontando com a cabeça na minha
direção. Eu de repente fico muito ocupada com absolutamente
qualquer outra coisa que seja não olhar para Jasmine. — Ela me
ajudou a encontrar alguns livros ótimos para a minha filha, e tenho
certeza de que adoraria te ajudar também.
— Vou ver o que eles têm primeiro — ela diz, pegando o cartão
de volta. — Obrigada.
Emito um som estrangulado em resposta enquanto a observo ir
para a seção que fiz Beth estocar com cada um dos seus favoritos,
cada livro que ela me emprestou e pelos quais me apaixonei, cada
livro que eu sabia que encontraria fãs que também o amaria.
Faço a bebida do pai e converso um pouco mais sobre outras
escolhas para a filha dele — Mooncakes, This One Summer e I Am
Alfonso Jones —, recomendações que encontrei em blogs de livros
e que prontamente devorei, enquanto aguardo ansiosamente pela
volta de Jasmine.
Ele vai embora antes de ela voltar, e sua bebida fica fria. Acabo
tomando uns goles e faço uma nova, desenhando na espuma com
dedos trêmulos. É o pior design do dia, sem dúvidas, e, quando ela
volta para o balcão com um sorriso nos lábios, fico com a impressão
de que não se importaria.
— É uma boa seleção que vocês têm. — Ela olha para o café
novo e ri. — E uma boa… aranha?
— Eu sou nova nisso — murmuro.
— Bom, obrigada pelo café. E pelos livros. Vocês têm uns que
ainda não conheço, então vou comprar.
— Ótimo.
— Ótimo mesmo. — Ela pega o copo e faz um brinde leve na
minha direção. — Tchau, Sininho — diz, o que faz com que meus
joelhos estremeçam.
Ou talvez seja só a cafeína.

Depois de passar a manhã inteira na frente do vapor da máquina de


cappuccino, uma tarde na piscina da Kiki era exatamente do que eu
precisava. Meu cabelo está uma bagunça de frizz e, mesmo vestida
de preto, dá para ver um zilhão de lugares onde derrubei café e
espuma em mim hoje. Eu mesma reclamo da minha aparência antes
de as outras fazerem isso e coloco um dos biquínis que deixo na
casa da Kiki, porque não tenho outro lugar onde usar além daqui.
— Graças a Deus ainda está quente o bastante pra ficar na beira
da piscina — diz Gia, sempre dramática enquanto se estica em uma
boia, os dedos passando pela água.
— E por pouco — respondo, esticando as pernas da minha
cadeira no segundo degrau mais alto. — Já estou vendo meu
bronzeado indo embora.
É impossível afastar minha preocupação de que cada pequena
mudança pela qual passei durante o verão contribuiu para a atração
de Chase, e mesmo que isso o torne um tremendo babaca se for
verdade, ainda que tenha dito que não tem a ver com a minha
aparência, não consigo evitar pensar que, se eu deixar para trás
todas as coisas do verão, ele vai perceber que sou a mesma garota
pela qual ele não estava interessado no ano passado, ou no ano
anterior.
— Você sempre pode vir comigo ao salão — Gia cantarola. Ela é
a rainha dos bronzeados artificiais, e está sempre tentando
convencer a gente a ir junto, só que nunca aceito. Eu acabaria
deixando manchas laranja em todas as superfícies brancas da
cidade.
— Sem chance, Gi — diz Shannon, passando mais uma camada
de protetor solar após a simples menção a um bronzeado. — Pintar
a pele é esquisito.
Kiki, que é descendente de japoneses e naturalmente tem a pele
mais escura que a nossa, emite um som de desdém e então dá uma
cambalhota para entrar na piscina.
— Vocês todas vão mudar de ideia quando formos comprar os
vestidos para a festa de volta às aulas — Gia avisa.
— Fale por você — diz Shannon. — Vou usar um batom
vermelho e vai ficar perfeito com a minha palidez, muito obrigada.
— Como vocês já sabem o que vão vestir? Nós nem fomos às
compras ainda — pergunto.
Eu não pensei muito sobre a festa de volta às aulas esse ano,
mas já me imaginei pendurada no braço de Chase o suficiente no
passado. O vestido, porém, é nebuloso — eu gosto de roupas, mas
ter um orçamento apertado significa que ir às compras é sempre um
misto de emoções, por medo de encontrar uma coisa que eu ame
muito e que não posso comprar nem em um milhão de anos.
Era uma faca de dois gumes ir às compras com Jasmine — ela
conhecia os meus limites, mas, como na noite do jogo de pôquer,
nunca os dizia em voz alta; só se certificava de que sempre
fôssemos a lugares que dariam certo pra mim. Era desconfortável
de um outro jeito, mas ao menos não tinha aquela aura de guilhotina
pairando em cima de mim, como quando eu ia às compras com
Shannon, aquele medo de que ela encontrasse algo que achava
que ficaria bom em mim e dissesse “é só me pagar depois” ou “você
está com o cartão da sua mãe, quem se importa se for um pouco
caro?”. E eu nem podia ficar brava, porque ela só estava tentando
ser legal. Não era culpa sua ser mimada e completamente sem
noção. Só que eu não podia ficar com raiva da minha mãe também.
Tudo que me restava era muita frustração, o que geralmente
terminava comigo voltando para casa com dor de cabeça.
Este ano, porém… este ano eu tenho um par. O par. Chase não
me convidou oficialmente, mas nós tivemos um ótimo encontro na
noite passada, e ele me chamou para sair de novo no próximo fim
de semana. Ele não me convidaria para sair uma segunda vez e não
me convidaria para a segunda maior festa do ano, que aconteceria
dali um mês, certo?
Ergo meu rosto para o sol, só por garantia.
— Nem todo mundo segura qualquer cor — diz Gia, fungando,
como se eu devesse de alguma forma me sentir mal por ficar bem
de verde e ela ficar com cara de doente, e branco ficar bom em mim
desde que eu tenha tomado um pouco de sol, de uma forma que
nunca funciona pra Shannon. — Precisamos planejar com
antecedência.
— Falando em planejar com antecedência — diz Shannon —, o
Chase já te convidou? Você foi muito escassa com os detalhes do
encontro de ontem.
Ela está se referindo à nossa conversa no grupo depois que
voltei para casa, que durou uma meia hora, e ela só pode estar de
brincadeira, porque eu contei tudo, desde o quanto do filme
passamos nos beijando em vez de assistindo (ao menos metade),
quais comidas escolhemos (pipoca com manteiga extra e chocolate
com caramelo — ele é um homem de bom gosto), até a frase exata
que ele usou para me convidar para sair no fim de semana seguinte
(“Eu me diverti muito hoje à noite, você quer talvez sair de novo
depois do jogo da próxima sexta?”). Só que ela está certa quanto a
eu não ter dito nada sobre a festa de volta às aulas, porque o
assunto nunca surgiu.
Será que é um assunto para o terceiro encontro?
— Eu nem acredito que você foi num encontro com Chase
Harding e não está falando nisso sem parar. — Kiki lança uma onda
de água na minha direção. — Quem é você? Essa é a única coisa
que você quer há seis anos.
É? Meu Deus, isso é triste. Se perguntar o que eu quero agora,
são tantas coisas — aprender a velejar, mostrar minhas novas
habilidades de pôquer, passar um domingo tirando fotos num jardim
botânico, fazer artes perfeitas em café, conhecer a Clementine
Walker, conseguir meu trabalho como vendedora de livros de volta,
talvez até terminar de escrever aquele romance um dia.
Só que essas garotas não sabem nada disso. Elas sabem que
eu gosto de festas. Elas sabem que podem contar comigo quando
precisam de um ouvido amigo para dramas de relacionamento e
também de uma amiga para ir na montanha-russa, e que eu sempre
consigo descontos incríveis. Elas sabem que gosto das noites em
que vemos filmes com máscaras faciais e jogamos pipoca umas nas
outras, e que consigo recitar todas as frases dos meus filmes
favoritos (e que entre esses favoritos estão desde comédias
românticas mais fofas até os filmes de terror mais nojentos). Elas
sabem que eu sou boa amiga para fazer compras e que podem
pedir minha ajuda quando estão com dificuldade num trabalho de
inglês. Que se eu for para a cidade no final de semana, vou tentar
comer no meu restaurante russo favorito. E tudo isso é verdade. É
quem eu sou. É quem eu sempre fui.
Só que agora eu sei que também sou muitas outras coisas, e
certamente não quero que minha maior característica seja
Obcecada por Chase Harding.
Exceto que eu era obcecada por Chase Harding, e para onde foi
toda essa obsessão, agora que estamos juntos finalmente? Foi só
pela graça da caça (com o perdão da rima), ou tem algo além disso?
Como é que você diz para as suas melhores amigas, quando só
há mais um ano juntas na escola antes de seguirem em direções
diferentes, que elas não te conhecem tão bem quanto pensam?
Como é possível ter essa conversa quando significa que você
mesma não se conhecia tão bem quanto pensava?
Fecho meus olhos e penso em todas as coisas que já disse para
essas meninas no passado — minha primeira menstruação, meu
primeiro beijo, o primeiro choro raivoso que tive no Dia dos Pais,
meu primeiro “ai, meu Deus, eu estou perdidamente apaixonada por
esse menino”.
Contar algo para elas sempre foi tornar aquilo real.
Talvez eu não esteja pronta para isso ainda.
Não, não talvez — eu definitivamente não estou pronta para
isso.
— Teremos mais encontros — digo tanto para mim quanto para
elas, deixando o sol aquecer minha pele. — Não se preocupem,
vocês vão ter que escutar sobre cada um deles.
As outras garotas vaiam e Kiki joga água com menos delicadeza
na minha direção. E eu sorrio.

Na segunda feira, no almoço, porém, os garotos são tudo menos o


tópico de discussão. Em algum ponto durante o fim de semana —
entre o encontro no cinema, ficar na beirada da piscina e outra
manhã de desenhos ruins de folhas em cafés —, a febre da
faculdade passou pela cidade inteira. Pode ser porque as datas
iniciais para tomar decisões estão chegando, ou porque a festa de
volta às aulas é a outra coisa na mente de todo mundo e as pessoas
vão vir para casa, todos ansiosos para nos contar o quanto
aaaaaaamam as suas universidades e perguntar que nem loucos
para qual vamos, mas seja lá o que for, Shannon, Kiki, Gia e eu hoje
chegamos armadas para a nossa mesa, localizada no centro de
tudo.
— Óbvio que vou tentar a Columbia — diz Shannon —, só que
não posso não considerar a Sorbonne, especialmente depois de
passar o verão em Paris. Vou me candidatar pra Brown também,
mas sério, Providence? Sério mesmo?
Kiki revira os olhos enquanto toma uma Coca-Cola. Ela bebe,
tipo, sete latas por dia, mesmo depois do laboratório de ciências,
onde vimos uma lata dar conta de tirar toda a ferrugem de um
prego.
— A Brown é uma ótima faculdade, Shan. Eu também me
candidataria se tivessem um programa de ciências forenses, ou ao
menos um curso de jornalismo.
— Você tem certeza de que vai tomar essa decisão baseada em
uma coisa que nem sabe se vai querer fazer daqui uns anos? E se
mudar de ideia e ficar presa em uma faculdade meia-boca só
porque tem o melhor programa de ciências forenses? — Shannon
diz “forenses” como se significasse que Kiki vai estudar um fungo da
unha do pé.
Kiki suspira.
— Nem toda faculdade que não é da Ivy League ou fica em Paris
é uma faculdade meia-boca, pra sua informação, e sim, eu tenho
certeza. Mas, se eu mudar de ideia, sempre posso pedir
transferência. E assim, como é que você sabe que quer estudar
história da arte? E se você decidir que não quer cuidar de um
museu ou ser dona de uma galeria?
Eu observo, fascinada, Shannon e Kiki discutirem. Elas não têm
nada em comum exceto pelo fato de que sabem exatamente o que
querem fazer desde sempre, então as duas se levam muito mais a
sério do que qualquer outra pessoa possivelmente as levaria. Sei
que tudo isso, mesmo vendo-as brigar, é apenas para serem o
advogado do diabo contra a outra, fazendo cada uma ter certeza de
sua escolha, porque é assim que as coisas funcionam.
Nós somos um grupo estranho e sabemos disso: Shannon, com
seu cabelo perfeito e montanhas de dinheiro, que nunca perde uma
festa e ainda assim é uma amiga muito maternal, que gosta de
coisas sofisticadas como arte e cultura francesa, mas também
sempre toma conta do nosso grupo; Kiki, com sua obsessão por
mistério e sua estética gótica, sem mencionar o completo
desinteresse por ir a encontros (mesmo todas as outras sendo
obcecadas por garotos), que também sempre é a pessoa que se
lembra de cada detalhe e portanto dá os melhores presentes; Gia e
seus interesses restritos a Tommy, a ser líder de torcida e a criar
boas lembranças para o futuro, mas cuja lealdade e foco a fazem
inteiramente indispensável; e eu, sempre pronta para tentar
qualquer coisa e aproveitar a companhia de todas, ficando feliz em
ser a cobaia de tudo, do delineador de glitter da Shannon até a
coreografia nova da Gia.
Se não tivéssemos frequentado a mesma escola durante toda a
vida e selado nossa amizade quando tínhamos tudo em comum
porque nossas vidas inteiras eram só My Little Pony, competições
de boiar na piscina da Kiki e fazer nossos pais nos levarem para
tomar sorvete, talvez hoje não tivéssemos mais nada uma com a
outra. Só que continuamos juntas e fizemos funcionar, e agora
somos uma força incrível e assustadora de apoio moral, e eu amo
isso na gente.
Mesmo nos momentos com os comentários mais maldosos,
ninguém nunca genuinamente quer acabar comigo. Será que isso
continuaria sendo verdade se soubessem sobre Jasmine? Será que
olhariam para mim de forma diferente? Me tratariam de forma
diferente?
E será que Jasmine estava falando sério sobre ir ao evento da
Clementine Walker? Eu não tenho certeza se consigo lidar com ela
estar na mesma sala se Clementine ler uma de suas cenas mais…
quentes. Talvez eu devesse levar Chase, compartilhar um dos meus
interesses com ele, considerando o tanto de jogos de futebol aos
quais já fui. Talvez aquelas cenas funcionem bem com ele também.
Enfim, não é como se Jasmine fosse tocar nos livros dela antes
de eu recomendá-los, e ela acabou lendo quatro. Eles são bons.
Talvez Chase tente ler um. Ele não é o tipo de cara que pensa “eca,
romances são coisas de menininha”. Ao menos, não acho que seja,
apesar de não imaginar como poderia acrescentar ler por prazer a
atividades como trabalhos da escola, futebol e candidaturas da
faculdade. Era diferente com Jasmine. Nós estávamos livres durante
o verão, e ela já estava lendo ao menos um livro por semana, se
não mais.
Era diferente com Jasmine, com certeza.
Capítulo dez
ANTES
— Ok, não que eu esteja bisbilhotando as suas escolhas, mas
tenho quase certeza de que todos os livros que vi você ler nesse
verão que não foram uma das minhas recomendações foram
escritos por essa mulher.
Eu desvio o olhar de Make me a Catch e vejo Jasmine parada ao
lado da minha rede, as longas ondas de seu cabelo amarradas em
um rabo de cavalo. Faz uns três dias que nos beijamos e não
falamos nenhuma vez sobre isso — só levantamos na manhã
seguinte e seguimos para a próxima sessão de fotos como se nada
tivesse acontecido, e então passamos a tarde na praia com Keisha,
Carter e os outros. E eu não a via desde o café desta manhã. Ela
desapareceu no quarto para trabalhar na edição de fotos e eu não
esperava vê-la até a hora do jantar. Jasmine não está me evitando,
ao menos acho que não, e eu não a estou evitando, mas não
estamos nos desdobrando para passarmos tempo juntas. Na
verdade, essa é a primeira vez em dias que nos vemos sem ela
estar com uma câmera na mão e eu com uma bolsa de
equipamentos nas costas.
— Acho que ela não é muito sua praia — digo, envergonhada de
ter sido pega devorando tantos romances. Shannon aparece como
um relâmpago na minha mente com seu mantra de “sentir culpa por
algo que te dá prazer é um conceito idiota”, e eu me aprumo. — Ela
é minha autora de romances favorita. O livro novo dela sai em
setembro, e estou relendo tudo que ela já lançou antes do próximo
sair.
— Posso ver? — Ela gesticula para que eu abra espaço na rede,
e faço isso, consciente de cada milímetro da pele bronzeada
encostando na minha. Entrego o livro, repelindo a vergonha da capa
rosa-choque, e ela o pega com a sombra de um sorriso malicioso.
— Espera, isso é só uma cena chata no escritório. Cadê a parte
boa?
— Você sabe que esses livros têm enredos de verdade, né? —
digo, seca. — Que os personagens fazem coisas reais e têm
cérebros e tal?
— Ah, só estou te zoando. Mas não sobre as partes boas. — Ela
mantém um dedo onde parei de ler e folheia o resto do livro até
encontrar algo de sua satisfação. — Ah, aqui está.
Ela lê em voz alta:
“‘Se é isso que a jardinagem faz com o seu corpo, acho que
preciso sacudir mais algumas folhas da árvore do meu quintal,’
disse Zoe, deslizando uma unha perfeitamente pintada de vermelho
pela linha que repartia os músculos de Drew, seguindo-a com os
seus lábios. ‘Baby’, Drew exalou, ‘fico feliz de sacudir todas as
árvores por você’. Ele a ergueu em seus braços fortes e pressionou
a boca contra a dela, inalando-a como o aroma ardido de madeira
queimando em uma manhã fria de outono. Mas os lábios dele não
ficaram contentes em simplesmente experimentar a sua boca. Ele a
rolou para que ficasse embaixo dele e deixou beijos pelas
bochechas, pelo pescoço, pelos ombros, aquela clavícula magnífica,
e os travesseiros macios que eram seus seios.”
Jasmine me devolve o livro:
— Você gosta mesmo disso?
Percebo que todo meu corpo está tenso, reagindo à leitura dela,
como se eu estivesse tentando me impedir de responder. Deixo
meus ombros relaxarem, pego o livro de volta e dou uma resposta
sincera.
— Gosto mesmo. Sou trouxa. Eu sempre fui uma trouxa. Não
cresci vendo meus pais darem beijos escondidos ou apertando
bundas ou seja lá o que pais que gostam mesmo um do outro
fazem. Acho que às vezes minha mãe também fica triste por não ter
tido isso, nem mesmo por um tempo, como os seus pais. Não é algo
que todo mundo que quer tem, mesmo se forem legais e se
esforçarem. Eu imagino que, se nunca conseguir isso na vida real,
ao menos tenho aqui. — Ergo o livro. — O jeito que ela escreve faz
você se colocar no lugar das personagens principais, porque elas
não são mulheres perfeitas; são complicadas e nem sempre têm a
aparência ideal e não têm trabalhos incríveis. Todas elas enfrentam
um monte de merdas diferentes e mesmo assim encontram o amor.
E é isso que eu quero.
Eu não olho para Jasmine até que as palavras terminem de sair
de mim, e o sorriso brincalhão que eu esperava ver se foi. Ela está
olhando para mim como… Eu não sei, na verdade. Só que ela está
me levando a sério e não está me zoando por abrir meu
coraçãozinho bobo e romântico, e fico feliz com isso.
Os lábios dela se curvam de novo, mas não tem nenhum traço
de zombaria.
— Então você se coloca no lugar da Zoe, é? Será que temos
que achar um Drew pra capinar o seu jardim?
Minha mente pensa em Chase, que definitivamente tem os
mesmos músculos de Drew, mas tenho quase certeza de que ele
também tem um jardineiro particular em casa. Abro a boca para
mencioná-lo, mas o que sai é:
— Nós já estamos sacudindo as folhas dessa árvore. — Aponto
para os troncos que sustentam a nossa rede. — Então...
— Tem razão. O que acontece com a Zoe agora?
Já estou meio fora de mim, a voz rouca de Jasmine lendo o livro
ainda ecoa no meu cérebro e, apesar de não termos falado sobre
isso, não consigo tirar a noite da fogueira da minha cabeça.
— Bom, você leu o que aconteceu. — digo, e percorro minha
unha pintada de verde pela barra da regata dela antes de deixar um
beijo no mesmo lugar.
Passo o segundo mais longo do mundo esperando pela reação
dela, agarrada na rede para caso decida descer tão rápido que eu
me desequilibre, mas, finalmente, ela ri e diz:
— Sim, eu li.
E pressiona a boca contra a minha, me inalando como o aroma
ardido de madeira queimando em uma manhã fria de outono.

AGORA
A lembrança é tão clara na minha mente que eu ainda consigo ouvir
a voz dela, até que percebo um segundo depois, quando uma
bandeja é apoiada ao lado de Shannon, que de fato estou ouvindo a
voz dela.
— Oi. Qual é a da planilha?
Gia pode até ser um pouco distraída, mas é mestre em organizar
coisas. Ela vira o laptop para Jasmine para que ela veja as oito
faculdades listadas.
— Aqui é para onde estou me candidatando — diz —, e aqui
estão os prazos, quais faculdades aceitam a mesma plataforma de
inscrição e… bom, coisas desse tipo.
Ela desvira o computador, mas não antes de Jasmine conseguir
ver a última coluna.
— O que é DDBC?
Nós tentamos muito, muito mesmo não rir enquanto Gia cora.
— É, er, Distância Da Boston College. É pra onde o Tommy vai.
Todo mundo na família dele estudou lá nas últimas três gerações.
Jasmine consegue disfarçar o espanto rapidamente, mas eu
reparo, e acho que Gia também.
— Ah, isso que é, er, um planejamento bem minucioso.
— Tem muitas faculdades boas em Boston — Gia diz
rapidamente, arrastando o garfo na salada. — Não é como se eu
fosse só seguir ele. Eu teria sorte de ir pra Boston College, Boston
University ou Tufts, e a Shannon está se candidatando para Harvard
e Brown, então ela deve ficar por perto.
Claramente, Gia tem praticado suas desculpas para usar com os
pais, que acham absurdo que ela queira ir para Boston quando
poderia muito bem ir para a Purchase College, que só fica a quinze
minutos de distância.
Minha mãe diz que sou livre para ir para onde eu bem quiser,
desde que não acumule dívidas pro resto da vida. E já que meu pai
diz que vai pagar por uma faculdade do estado, eu meio que evitei
pesquisar os outros lugares. Não consigo imaginar para qual
universidade poderia valer a pena pegar empréstimos sendo que eu
não preciso. Enfim, quero fazer letras, e todas as faculdades
oferecem curso de literatura, certo? Então tudo bem.
— Pra onde você vai? — Gia pergunta, e eu sei que vamos ouvir
alguma resposta vaga. Jasmine nunca quis falar sobre a faculdade,
disse que era uma decisão grande demais para sujeitar à opinião de
outras pessoas.
Só que não há hesitação alguma quando ela diz:
— Quero ir pra New York University, especialmente agora que
minha mãe vai se mudar para Jersey. Mas também ando pensando
em sair da costa leste de vez, talvez me candidatar em algum lugar
no Colorado ou na Califórnia. Eu fotografo como hobby, mas estou
definitivamente planejando estudar mais sobre isso na faculdade,
então seria legal ter umas paisagens novas.
Aperto meu maxilar com essa resposta dada tão facilmente, que
revela tantas informações pessoais, informações que precisei quase
cavar até a China para conseguir. É a primeira vez que ouço
Jasmine mencionar a mãe desde que veio pra Stratford, e achei que
elas tinham brigado ou coisa do tipo, mas parece que estão mais
amigas do que nunca.
Por mais irritada que eu esteja, porém, fico aliviada em saber
que as coisas entre elas estão bem e que não vai haver uma
distância física tão grande quanto eu pensava. O fim de semana que
passamos com Sylvia Halabi foi um dos meus favoritos do verão
inteiro, e eu entendo o porquê de as duas serem tão unidas. Ela é
legal e tem um glamour sem esforço, provavelmente uma visão bem
aproximada do que Jasmine vai ser daqui a trinta anos, e uma
cozinheira incrível. É difícil imaginá-la namorando alguém com a
beleza mais áspera do pai bonitão irlandês de Jasmine, mas
pessoas bonitas sempre encontram umas às outras, mesmo que um
bilhão de coisas eventualmente as afastem.
— Legal — diz Kiki. — A NYU é uma ótima faculdade. A Lara vai
se candidatar também, vocês deveriam conversar.
— Estou pensando em me candidatar — corrijo, pegando o meu
hambúrguer de peru. Mas é verdade, estou mesmo. É bem perto de
casa, posso fazer algumas matérias de escrita criativa e há muitas
livrarias onde eu posso trabalhar, o que também ajudaria a pagar a
mensalidade. Pensei em eventualmente trabalhar no mercado
editorial, e estar na cidade seria perfeito. Mas estar na mesma
faculdade que Jasmine, ainda que seja enorme? Não parece assim
tão perfeito. — Também estou vendo algumas outras faculdades do
estado, provavelmente vou pra alguma delas.
— Pra onde o Chase vai? — Gia pergunta.
Dou de ombros.
— Pra alguma faculdade próxima, provavelmente.
Os olhos da Gia se acendem — ela acredita tanto no amor
verdadeiro, é mais trouxa e romântica do que eu —, mas Shannon
olha para mim e ri.
— Espera. Você não vai ficar aqui por causa dele, certo? Você
não seguiria um cara até a faculdade.
Abro a boca para responder que eu sempre pensei em ficar aqui
perto, mas Gia interrompe.
— Só porque ela não vai para a mesma faculdade do cara não
quer dizer que eles não possam ficar juntos. — Ela se vira para mim
no momento em que estou prestes a morder o meu hambúrguer. —
Você acha que vocês vão continuar namorando?
— Faz só uma semana, Gi — respondo, dando uma mordida
para ela não fazer outra pergunta. — E você? — pergunto depois de
engolir, apesar de já saber a resposta. É o melhor jeito de desviar
dessa conversa. — Você acha que você e o Tommy vão continuar
juntos?
— Eu sei que vamos. — A expressão no rosto dela é
simultaneamente sonhadora e confiante, e eu torço para que
Jasmine não revire os olhos; todas nós já aprendemos a não fazer
isso.
— Isso é bem legal — Jasmine diz, me surpreendendo, e olho
para vê-la remexendo sua salada como se o significado da vida
estivesse enterrado em algum lugar mais embaixo.
Encorajada, Gia começa a falar sobre O Plano, o que quer dizer
descrever como ela e Tommy vão ficar nos dormitórios no primeiro
ano para fazerem novos amigos e tal, mas depois vão juntos para
um apartamento que fique entre as duas faculdades, considerando
que ela consiga entrar para alguma universidade a uns quarenta
quilômetros da Boston College. Nós já ouvimos isso muitas e muitas
vezes, mas Jasmine assente e diz “faz sentido” em todos os
momentos certos, permitindo assim que terminemos a comida e
possamos repassar nossos próprios planos.
Eu quase esqueço que Jasmine está ali quando uma voz familiar
diz:
— Esse lugar está ocupado?
Nós todas nos viramos para ver Chase ao lado de Lucas Miller,
as duas bandejas com uma pilha de carne e carboidratos. Só há
espaço para uma bandeja entre mim e Shannon e, antes de eu dizer
uma palavra, ela sorri para Lucas e diz:
— Acho que dá pra você se apertar aqui.
— Ah, cara — Chase protesta quando Lucas coloca a bandeja
entre nós.
— Você precisa ser mais rápido que isso pra sentar na mesa das
gatas — Lucas diz com alegria, pegando uma batata frita do prato
da Kiki apesar de ele mesmo ter muitas. Ela ri fazendo um som de
escárnio, mas empurra a bandeja mais para a frente levemente. Kiki
não é imune a elogios de um cara gato, mesmo que ela não tenha
interesse de sair com nenhum da nossa escola.
— O Tommy não é. — Chase gesticula para onde o seu colega
de time está se aproximando da mesa, dando um beijo na bochecha
da Gia e sentando ao lado dela.
— Não, Tommy não é. Minha garota guarda um lugar porque ela
gosta de mim. — Gia descansa a cabeça no ombro dele enquanto
ele se exibe. — Talvez você devesse trabalhar mais nisso.
Queria arrancar com minhas próprias mãos o sorriso presunçoso
da cara do Tommy enquanto ele olha para mim e Chase. Ele só está
tirando onda, mas ainda não sei lidar com Chase saindo da fantasia
e vindo para a realidade, e o odeio quando isso fica evidente.
— Você pode ficar no meu lugar — Jasmine diz, se levantando e
pegando a bandeja dela. — Eu tenho uma reunião com o orientador
da faculdade mesmo.
— Você tem uma reunião sobre orientação da faculdade e não
mencionou apesar de estarmos até agora falando da faculdade? —
As sobrancelhas meticulosamente pintadas de Kiki se levantam.
— Não sabia que a minha agenda de reuniões era de interesse
geral — Jasmine diz, seca. — Vou manter isso em mente durante o
próximo encontro do Grupo da Faculdade.
É a vez de Shannon fazer um barulho de desdém enquanto
Jasmine vai embora, mas os meus olhos permanecem em Kiki,
enquanto todo mundo se remexe para abrir espaço e o corpo quente
de Chase desliza para ficar ao lado do meu. Kiki é incrivelmente
esperta, mas, mais do que isso, é determinada. Se ela acha que
Jasmine está escondendo alguma coisa, nenhum sarcasmo vai
impedi-la de descobrir.
Rezo para que qualquer investigação que ela inevitavelmente
fará sobre Jasmine a leve a uma direção bem, bem longe de mim.

Essa esperança morre no meu peito quando vejo Kiki esperando


perto do meu armário no fim do dia.
— Sei que Chase tem treino de futebol e Shannon está no clube
de francês hoje à noite, então achei que você precisaria de uma
carona.
— Você não tem estudos independentes? — É como chamam
quando Kiki ajuda a produzir o podcast da escola uma vez por
semana. É o melhor acordo que conseguiram, considerando que
estavam desesperados para que ela entrasse para o jornal, o que
ela se recusava a fazer.
— Mudou pra amanhã à noite. O Alex tem consulta no dentista.
Que conveniente. Valeu, Alex. Espero que você não precise
obturar uma cárie ou algo assim.
— Que sorte a minha — consigo dizer. Normalmente, eu teria
achado mesmo isso. Kiki dirige um Porsche vintage que ela e o pai
reformaram durante dois anos, mas é tão pequeno que só cabe
confortavelmente duas pessoas, então raramente consigo andar
nele. Ela está aprontando alguma coisa. Consigo ver o seu nariz de
detetive remexendo.
De fato, as perguntas começam assim que ela sai da vaga do
estacionamento.
— A gente quase não falou do seu verão na praia — ela diz, os
óculos de sol redondos que são sua marca impedindo minha
habilidade de ler a expressão dela. — Você realmente só ficou se
bronzeando e trabalhou de assistente para alguém na firma do
chefe da sua mãe?
Ok, eu distorci um pouco os fatos.
— É, por aí.
— Só isso. O verão inteiro.
— Bom, você sabe que eu comecei na Book & Bean umas
semanas antes da escola começar, se é isso que você quer dizer. —
Cubro meus olhos com a mão enquanto encaro os jardins bem-
cuidados de Stratford, casas e mais casas e só um prédio, que é
onde eu moro.
Ela suspira.
— Qual é, Lar?
— Qual é o quê? — Eu me viro para encará-la e, admito, não ter
que olhar nos olhos dela ajuda. — Que tipo de missão secreta você
acha que eu estava tendo na porcaria da Carolina do Norte?
— Eu sei lá — Kiki diz, exasperada —, mas você está diferente.
— Ela para no sinal vermelho e se vira para mim. — Sabe, estou
muito feliz que você finalmente esteja com o Chase, mas você está
feliz? Porque achei que, quando esse dia chegasse, eu teria que
implorar pra você parar de mencionar o nome dele a cada três
segundos e que ouviria o tempo todo você perguntando o que
deveria vestir nos encontros e o quão cedo é cedo demais pra ficar
pelada.
Com isso, dou risada.
— Então você está incomodada que eu não estou tão irritante
quanto achou que estaria?
— É mais do que isso. Você foi dar uma bronca em Shannon
sobre compartilhar suas coisas com a Jasmine. E desde o verão
você… bom, está andando com mais pose, alguma coisa assim.
Chase obviamente vê algo diferente em você e, só estou dizendo,
eu também vejo.
Bom, essa definitivamente não era a conversa que eu esperava.
Sempre me perguntei se Kiki estava em algum lugar abaixo do arco-
íris, considerando seu total desinteresse por caras de Stratford, mas
presumi que ela era apenas sofisticada demais para eles. Que ela
era do tipo que, sei lá, transaria com um professor brilhante na
faculdade. Mas talvez…
— Mas, espera, isso fez parecer que estou dando em cima de
você. Eu não estou dando em cima de você — ela esclarece. — Só
fiquei com a impressão de ter perdido algo grande na sua vida, e
isso está me matando. Não porque sou enxerida pra cacete, mas
porque você é uma das minhas melhores amigas.
Por um momento, fico com uma pontada de decepção. Não que
eu quisesse que Kiki desse em cima de mim — já tenho confusão o
suficiente na minha cabeça —, mas porque eu mataria para falar
com uma garota que já beijou outra, alguém que já… esteve com
outra garota. Quero perguntar a ela o que caralho isso significa e
como eu sei se significa alguma coisa.
Só que percebo que Kiki está me dando abertura para mais
alguma coisa. E pode não ser tudo, mas também não é nada.
— Não é grande coisa — digo, me sentindo tímida e boba, e feliz
que o sinal fica verde e ela precisa voltar os olhos para a rua. —
Mas eu meio que amei o trabalho que fiz esse verão. A pessoa que
ajudei? Ela era incrível. Tirava todas essas fotos e fazia essas
coisas de internet. Sinto que aprendi que há mais coisas pra fazer
na vida do que, sei lá, ser médica ou advogada ou contadora ou o
que quer que as outras pessoas aqui vão fazer. Eu não sei, só me
fez me sentir mais… aberta. E otimista. Animada para o futuro e
para tentar novas coisas. Não que eu tenha talento pra fotografia,
mas talvez pra… escrever? — Nem consigo acreditar que falei isso
para Kiki. Nem consigo acreditar que ainda esteja falando. Ou que
vou contar pra ela o meu segundo maior segredo. — Eu estou
escrevendo. Um livro. Um romance, na verdade.
— Lara! Isso é incrível! — O sorriso dela é tão grande e genuíno
que também me faz sorrir. — Nem sabia que você estava
interessada em escrever. Eu nem sabia no que você estava
interessada, na verdade, além do Chase.
O comentário dói, mas também me faz rir.
— Surpresa! E não, não é uma fanfic Lara/Chase, juro.
— Graças a Deus. Isso é muito, muito legal. Eu nem acredito
que não sabia que você gostava de escrever, mas total faz sentido.
— Faz?
— Sim! Você sempre gostou de ler e sempre quis ser a primeira
a tentar aprender algo novo ou fazer alguma coisa diferente, o que
não deixa de ser uma boa pesquisa. Não ache que eu esqueci
quantas vezes você me deixou tirar as suas digitais.
Dou uma risada pra dentro.
— Eu não conseguiria nem se quisesse. Aquela tinta manchou
meus dedos por, tipo, uma semana inteira.
— E eu agradeço muito! — Ela abre um sorriso. — Mas ok, não
que eu queira dar uma de Gia pra cima de você, mas não me fale
que teve zero romance durante o verão. Alguma coisa fez essas
suas calcinhas guardadas pra Chase abaixarem.
Solto um grunhido.
— Por que você precisa falar isso de um modo tão nojento?
— Porque sim.
— Talvez tenham acontecido… alguns beijos — admito. — Mas
é só isso que vou dizer sobre o assunto. E que as calcinhas que
guardei para o Chase continuam firmes. Acabamos?
— Acabamos — ela concorda, chegando finalmente ao meu
prédio. — Mas, Lar, fico muito, muito feliz que você me contou. E se
quiser usar essas novas habilidades de internet que arrumou, não
me importaria em ter ajuda pra fazer uns anúncios bonitos para o
Kiki investiga o caso. Vou pagar, claro.
Tamborilo os dedos no queixo.
— Não acho que você possa pagar o meu preço, mas vamos
conversar. — Por impulso, eu me inclino e dou um beijo no topo da
cabeça dela. — Valeu, Kiks.
Dou um pulo pra fora do carro antes que ela possa gritar comigo
por ter demonstrado emoções.
Só que ela não grita.
— Lar?
Eu me viro de novo.
— Eu?
— Quem quer que você tenha beijado… acho que fez muito bem
pra você.
Mesmo depois que o Porsche vai embora, continuo ponderando
por muito tempo sobre o fato de ela não ter usado nenhum
pronome.
Capítulo onze

O problema de usar o celular como despertador é que fica difícil


não ver as notificações assim que se acorda. No minuto em que
abro os olhos, vejo que um novo episódio de Kiki investiga o caso foi
lançado.
Ah, e o título do episódio é “Relacionamentos secretos na
história”.
É cedo demais para lidar com meu estresse com relação a ela
estar tentando ou não mandar uma mensagem secreta para mim, ou
pior, se alguma coisa aponta para mim dentro do episódio, então
pulo minha rotina de sempre de passar pelos posts e fotos de todo
mundo para acordar e vou direto para o chuveiro.
Tento pensar em qualquer outra coisa enquanto a ducha quente
cai sobre mim, mas tudo, desde a festa de volta às aulas até Chase
e as faculdades, parece pesado. Fui dormir às onze ontem à noite, e
até aquela hora não tinha um episódio do podcast postado; o que
era tão importante que Kiki precisava subir assim que acordasse?
Sem mencionar o tempo que demora para editar um episódio. Será
que ela dormiu essa noite?
Acho que deveria ficar feliz que eu dormi, já que não fazia ideia
do que estava por vir.
Suspirando derrotada, termino meu banho e passo um mousse
nas minhas ondas naturais, em vez de fazer toda a rotina de fitagem
no cabelo que me deixa ainda mais bonita desde que Jasmine me
ensinou a técnica. Não estou com vontade de parecer mais bonita;
quero me mesclar com o papel de parede tão profundamente que
nem mesmo Kiki e seus olhos de águia vão me notar. O vestido que
tinha escolhido para hoje é descartado em favor de uma camiseta
de manga comprida e jeans, e eu não passo nenhuma maquiagem.
Chase provavelmente vai passar por mim sem me notar.
É tudo que quero no dia de hoje.
Como sempre, Shannon chega na hora para me buscar, e Gia
está no banco de trás, mas não há nenhum sinal da Kiki, que
geralmente é a primeira na fila.
— A Kiks está indo de Porsche hoje de novo — Shannon explica
quando me sento no banco do passageiro do seu 4Runner —, mas
não se preocupa. — Ela dá um tapinha no painel. — É quase como
se ela estivesse aqui.
Shannon está ouvindo o novo episódio de Kiki investiga o caso,
é claro.
— Ainda não escutei — digo cautelosamente. — O que eu
perdi?
— Ela está falando sobre os casais secretos da história. Você
sabia que Eleanor Roosevelt era lésbica? Ela tinha uma amante
secreta e tudo.
O café que minha mãe tinha me dado naquela manhã se
embrulha no meu estômago.
— Não me diga.
Preciso avisar a Jasmine hoje sobre conversas que estarão
flutuando ao nosso redor e também sobre a distinta possibilidade de
que Kiki de alguma forma tenha descoberto a verdade sobre nós.
Pensar sobre tudo isso me faz querer morrer.
Por um momento, fico preocupada se falei em voz alta, porque
repentinamente o carro da Shannon está virando na rua da Jasmine.
— O que estamos fazendo aqui? — Gia pergunta, e fico aliviada
por eu não ter que perguntar.
— O carro da Jasmine está no mecânico, então falei que daria
uma carona pra ela.
Shannon sabe que o carro dela está no mecânico e Jasmine
pediu ajuda para Shannon. Isso é como um soco no estômago. Elas
realmente estão ficando amigas, e eu não sei se é a ideia de não
ser mais a número 1 de Shannon ou não ser a número 1 de Jasmine
em Stratford que me incomoda mais. Como é que elas ficaram tão
próximas? Quando? Onde eu estava?
Gia bufa só um pouquinho. Todo mundo sabe que, do nosso
grupo de quatro, Shannon e eu somos as mais próximas; quando
minha mãe ainda estava à procura de emprego e trabalhando horas
a mais do que o serviço tutelar teria achado aceitável, a política da
porta aberta da mansão dos Salter foi o que nos salvou, e desde
então ficamos inseparáveis. Mas isso não significa que vamos
aceitar uma quinta pessoa no grupo tão facilmente.
Shannon finge que não notou.
O som da porta batendo faz com que todas nós ergamos o olhar.
Como se Jasmine soubesse que eu estaria usando um dos meus
looks mais sem sal, ela está usando o que é um dos seus mais
chamativos — uma calça xadrez preta e branca, um suéter rosa-
pink curto que fica lindo em seu tom de pele e argolas de ouro
grandes que aparecem em meio à cortina sedosa e grossa que é
seu cabelo. Ela já é um pouco mais alta do que eu, mas hoje está
usando saltos plataforma que a deixam ainda mais alta.
Parece que ela quer ser notada.
Tento não pensar em quem ela gostaria que a notasse.
Já se passaram algumas semanas do retorno às aulas e eu não
ouvi rumor algum sobre Jasmine estar ficando com alguém ou até
flertando, apesar de já ter visto vários caras demonstrando
interesse. Ela está criando uma reputação de misteriosa e
inatingível — tudo que eu pensei que ela era antes de a conhecer.
Tudo que ela é para mim desde que se mudou para cá.
Durante o verão, Jasmine parecia alguém que eu nasci para
conhecer, e agora parece que não consigo prever mais porra
nenhuma.
O que quer dizer que voltamos a ser como ela prefere.
— Bom dia! — Shannon a cumprimenta animadamente
enquanto ela entra no banco de trás com Gia, e Jasmine solta um
grunhido na linguagem universal do “eu ainda não tomei meu café”.
Shannon ri e diz que claramente precisamos parar no drive-thru do
Starbucks.
Jasmine murmura um agradecimento. Mesmo estando
arrumada, ela nunca foi uma pessoa que gosta de acordar cedo,
apesar de ficar mais afável quando Gia fala que a roupa dela é
bonita.
Já estamos a caminho por pelo menos um minuto quando
Jasmine fala.
— O que vocês estão ouvindo? É a Kiki?
Estremeço enquanto Gia começa uma explicação do episódio e
fico feliz que Jasmine não consiga me ver direito do banco de trás.
— Relacionamentos secretos. Interessante. — Jasmine parece
bem acordada agora. — Bem… tenso. Me pergunto no que ela
estava pensando.
Enterro minhas unhas no assento, não me importando se o
esmalte cor-de-rosa que passei na noite anterior lascar.
— Deve ser horrível ter que manter um relacionamento secreto
— Gia pondera. — Quer dizer, é meio romântico ter alguma coisa só
entre duas pessoas, mas se eu não pudesse segurar a mão do
Tommy no corredor, ou beijar ele no cinema…
— E na lanchonete, e na sala de aula, e nas festas, e no…
— Ah, cala a boca — Gia diz para Shannon, e Jasmine ri de
verdade. Gia gosta de pensar que é discreta no quesito
demonstrações públicas de afeto, mas ela se autoengana. Ela seria
uma espiã terrível.
Gia definitivamente não é uma candidata a ter um
relacionamento secreto.
Tento imaginá-la no meu lugar, só aproveitando o momento com
uma garota embaixo dos cobertores no sofá ou sob as estrelas, e
não consigo. Parecia uma coisa que poderia acontecer com
qualquer um, com amigas mulheres que estavam tão confortáveis
que poderiam só se deixar levar pela boca uma da outra, e estava
tudo bem. Mas isso teria acontecido se eu estivesse com Gia na
praia — Gia, obcecada com os braços masculinos de Tommy, sua
voz grossa e o cheiro terroso de seu perfume? Shannon, talvez, se
ela achasse que isso a deixaria mais descolada. Shannon
provavelmente gritaria aos quatro ventos.
E, então, a ficha cai. Estou aqui mergulhada em reflexões
enquanto Shannon e Jasmine ficam mais próximas. Shannon pode
estar flertando com Lucas, mas eles não têm nada sério, ao menos
ainda não. E Shannon é conhecida por surpreender com suas
escolhas de namoro, especialmente se ela achar que são um
desafio divertido. É isso o que está acontecendo aqui? Jasmine está
arrumada porque Shannon foi buscá-la? Shannon está dando
carona como pessoas que estão namorando fazem umas com as
outras?
Uma onda de dor me atinge tão furiosamente que nem percebo
sua intensidade até que gemo em voz alta, fazendo Shannon parar
abruptamente.
— Jesus, Lara. Você está bem?
Eu não sei, quero responder. Me fala que você não está ficando
com Jasmine e talvez eu fique bem.
Não sei por que é esse pensamento que vem na minha cabeça.
Não sei por que isso dói tanto. Não sei o que eu acho que estou
perdendo porque não sei o que estou perdendo. Tudo que sei é que
a ideia das duas juntas — tipo, juntas mesmo — é como levar uma
facada no peito.
— Estou bem, desculpa — grunho, e Shannon solta um
comentário sobre eu ser a rainha do drama.
O que… é, talvez seja exatamente isso que estou sendo. E,
enfim, eu tenho Chase. Estou saindo com Chase Harding, porra. Eu
não sei o quanto é sério, ou se vai ficar, mas sei o que ele escuta no
carro, quais partes de filmes fazem ele rir, o gosto da boca dele, e
isso já basta. Então por que estou tão chateada?
Há um aperto leve no meu ombro, tão gentil que penso que
imaginei, não fosse pelo calor incandescente que desce pela minha
camiseta larga. E, assim, minha pergunta é respondida: alguém
saber quando preciso ser tocada, quando preciso ser lembrada,
quando preciso de afeto. Aquela bondade silenciosa e intuitiva. É
por isso que estou chateada.
Levanto a mão para apertar a dela de volta, mas já não está
mais lá.
Capítulo doze

Depois de uma semana inteira me sentindo esquisita, consigo me


acalmar a tempo do jogo de Chase na sexta à noite e o nosso
encontro depois. Tudo bem que precisei da Shannon me
encorajando para ir completamente pintada como uma fã, com o
número 14 de Chase ousadamente desenhado no meu rosto e até
um “Vai, Chase” pintado nos meus braços. Só que estou bem fofa
com a roupa e, a julgar pelo jeito como o rosto de Chase se ilumina
quando me vê, ele concorda.
Ao meu lado, Shannon trocou a pintura do rosto por um cartaz
pró-Lucas, com o qual ela fica me acertando na cara, mas eu não
me importo. Chase está fazendo um dos melhores jogos que já vi, e
passamos uma boa parte da noite de pé, gritando enquanto ele
completa passe após passe, os braços encontrando o objetivo com
uma precisão assustadora.
Em qualquer dia ele é bom, mas dessa vez está em outro nível.
Se há um olheiro escondido em algum lugar desse jogo, Chase com
certeza vai conseguir uma bolsa.
— Ele é tão gostoso — uma garota na nossa frente sussurra
para a amiga enquanto Chase aceita um high five de Lucas depois
de passar uma bola pelo meio do campo antes de ser derrubado no
chão, e sinto minhas bochechas aquecerem de orgulho.
A fábrica de fofocas de Stratford definitivamente não falhou em
perceber que há algo acontecendo entre nós, mesmo que só
tenhamos ido a um único encontro. Ele pode não ser meu do
mesmo jeito que Tommy é da Gia, mas é o suficiente para eu sentir
aquela coisa de saber que todas as outras garotas presentes seriam
capazes de matar para estar no meu lugar.
— Larissa Bogdan é uma vadia sortuda — a amiga sussurra de
volta como se pra provar um ponto, e quase quebro minhas
passagens nasais tentando conter uma risada.
Shannon não se preocupa em ser discreta.
— O sortudo é ele, na verdade. — Ela se inclina para a frente e
diz, acrescentando: — E eu sou a única que pode chamá-la de
vadia.
As garotas, que aparentavam ser calouras, parecem que vão
fazer xixi nas calças jeans apertadas quando se viram e veem que
nós estamos ali. Posso ver que a garota que me chamou de vadia
quer pedir desculpas, mas ela está com dificuldade de falar.
Dou uma cotovelada em Shannon e ela ri.
— Eu sou sortuda — digo antes que a menina comece a chorar
ou sei lá. — Ele é ótimo, né?
As duas respondem com acenos automáticos abruptos como
marionetes. Então há um rugido da multidão, e olhamos para ver
que Chase fez outro touchdown.
— Esse é o número 3 para os Saints! — O anúncio nos faz ficar
de pé. — Chase Harding está dando um show!
Chase encontra meu olhar e faz uma reverência, e eu vou
derreter no chão se as meninas na minha frente não me matarem
primeiro. Mas fico calma e jogo um beijinho de volta.
— Você não está feliz que me escutou sobre a pintura? —
Shannon murmura, empurrando um cacho loiro desobediente atrás
da minha orelha. — Olha só como ele ama ter uma líder de torcida
particular.
A descrição me faz hesitar, mas não consigo negar que foi ideia
dela fazer a pintura, e ele parece mesmo gostar.
— Acho que ele gosta mesmo é das minhas pernas nessa roupa
— digo, enfim, e Shannon mostra a língua.
Nós continuamos a nos provocar, e a torcer, e acenar para Gia
durante as apresentações, e mandar atualizações irritantes para
Kiki, que não poderia se importar menos com o jogo e está em casa
grudada em algum documentário de true crime. Fico a maior parte
do tempo observando Chase — a agilidade com que ele passa entre
os jogadores, o jeito que o suor brilha nos seus bíceps, a força de
suas pernas. Passei anos observando cada linha do corpo dele se
mexer nesse campo, mas essa noite é diferente. Essa noite, não
preciso fingir que estou olhando para todos os outros caras da
mesma forma. Não preciso fingir que poderia ser tão feliz assim em
qualquer outro lugar. Posso ficar olhando para ele, uivar o seu
nome, assobiar na direção dele e fazer todas as coisas que sempre
fiz na minha cabeça, dessa vez em voz alta, orgulhosa, com o
número dele pintado no meu rosto.
Então faço isso. Sou a líder número 1 da torcida de Chase. Ao
meu lado, Shannon faz o mesmo por Lucas, apesar de ele só ter se
juntado à nossa mesa uma vez essa semana e não terem planos
para depois. É o suficiente para me fazer perguntar o quão
significativo é o interesse dela por ele, e se isso quer dizer que a
possibilidade de algo estar acontecendo entre Jasmine e ela é coisa
da minha cabeça.
Não que isso importe.
Estou aqui com Chase. Que é uma estrela brilhando no campo e
que tenho quase certeza de que acabou de sorrir de novo pra mim.
Fico inteiramente vidrada no campo para a reta final do jogo, e
até mesmo Shannon desiste de fazer o Lucas acontecer e se junta a
mim e a todo o resto da torcida de Chase, que está muito perto de
quebrar o recorde da escola de mais passadas de jardas em um
único jogo. Não há dúvida de que o time vai ganhar, mas fico roendo
minhas unhas enquanto vejo as estatísticas do jogo subirem. Cada
vez que ele completa um passe, há outro rugido e um anúncio para
o número de passes feitos.
Olhando para ele, é possível pensar que está completamente
tranquilo com isso desde seus high fives entusiasmados até quando
dá de ombros com um ar de “tanto faz”, mas vejo como os ombros
dele tensionam com cada anúncio. Os sorrisos forçados. Eu
conheço Chase. Ficar com Jasmine pode ter feito eu me esquecer
disso por um instante, mas ele está aqui há muito mais tempo do
que sei da existência dela. Eu o conheço, e…
A multidão vai à loucura, e, apesar de os meus olhos estarem no
campo, minha própria cabeça obviamente me fez perder alguma
coisa. É só quando Shannon pega meu pulso e grita “Ele
conseguiu!” que noto que Chase passou o recorde por vinte jardas,
oficialmente acima das quatrocentas e sessenta e três jardas que
precisava cruzar para eliminar o último cara do livro de recordes.
Solto um grito junto com ela, fazendo uma rotina de torcida que
lembro do meu ano de caloura na equipe júnior. Chase arranca o
capacete, olha pra mim e dá uma risada. Eu sopro um beijo para
ele, que o pega e o acerta contra a boca, e de repente os gritos da
torcida viram assobios e risadas, e percebo que temos público. Fico
com calor nas bochechas, mas honestamente estou mais cheia de
orgulho do que com vergonha.
O treinador Robinson chama a atenção do time de volta para
terminarem o jogo, e o restante de nós fica se revirando nos
assentos enquanto o relógio termina de rodar com jogadores
substitutos (apesar de manterem Chase no campo para ver o
quanto mais ele consegue jogar), até podermos comemorar de
verdade.
Finalmente, o apito soa, e as arquibancadas explodem. Eu
abraço Shannon e até mesmo as garotas na minha frente, enquanto
mantenho um olho em Chase, que está aceitando abraços tortos e
high fives de todo mundo no gramado. É difícil ficar bravo com uma
derrota quando um cara literalmente bate um recorde por te vencer,
acho.
Nunca houve na história um aviso menos chocante do que
Chase ser anunciado como o Jogador Mais Valioso, e eu aplaudo
com orgulho quando entregam um troféu que vai de mão em mão a
cada jogo, segundo a tradição de Stratford. Ele faz pose para
algumas fotos, e então pega um microfone para fazer o discurso de
sempre sobre como todo mundo jogou bem, blá blá blá.
— Essa foi uma noite incrível — ele diz, após a abertura padrão
—, e tem uma pessoa aqui que tornou tudo mais especial. — Ele faz
um gesto para a arquibancada, e sinto uma pontada de inveja rápida
antes de eu me tocar de que a mão dele está apontada na minha
direção. — Ver minha garota ali, com o meu número pintado em seu
lindo rosto e o meu nome em seu braço... Como é que um cara não
passaria quatrocentas e noventa e seis jardas quando tem essa
garota ao lado dele?
Não consigo decidir se estou em êxtase ou em pânico, mas ao
menos a névoa na minha cabeça torna mais fácil ignorar a dor das
unhas da Shannon perfurando vales em forma de lua crescente em
cada um dos meus braços. Tenho quase certeza de que estão
tirando sangue.
— Eu ia esperar até mais tarde pra perguntar, mas estou me
sentindo ótimo, então não vou segurar. Larissa Bogdan, quer ir
comigo na festa de volta às aulas?
Os olhos de todo mundo estão em mim, como se estivessem
grudados na tinta do meu rosto. Só que a verdade é que eu não sou
tímida, e sei desde os doze anos a resposta para essa pergunta,
mesmo que ele tenha demorado tanto tempo para fazê-la.
Queria só que as pessoas admitissem o que querem quando
elas querem, ouço a voz de Jasmine sussurrar no meu cérebro e,
sem hesitar, grito em resposta:
— Claro que sim!
Pela milésima vez naquela noite, a multidão entra em erupção.

— Espero não ter te envergonhado — ele diz enquanto caminhamos


até o carro dele, o seu braço em volta da minha cintura. É uma
distância curta, já que ele pegou uma vaga perto da escola, mas
dura o bastante para eu olhar bem para seu sorriso e perceber que
é só meio verdadeiro. Ele gosta da ideia de me fazer corar. Eu me
pergunto se ele preferiria que eu tivesse respondido meio tímida em
vez de gritar a resposta. Mas ele também não parece decepcionado.
Parece que ele… gosta muito, muito de mim.
— Está tudo bem — asseguro, e não estou mentindo. — Estou
feliz de ir na festa com você. Estava com esperança de que me
convidasse hoje à noite.
— Até mesmo antes de jogar o melhor jogo da minha vida?
Dou risada.
— Você acha que precisaria disso pra me convencer a ir com
você?
— Não, mas achei que não prejudicaria — Chase diz com um
sorriso. Chegamos ao carro dele e ele me pressiona contra a porta,
abaixando-se para me beijar, a boca doce com o gosto de Gatorade.
Assobios e vaias soam ao nosso redor enquanto nos pegamos
contra o carro, exatamente como sempre imaginei, e é esquisito,
incrível e confuso ver tudo isso se tornar realidade. Mas até mesmo
a maçaneta da porta pressionada contra as minhas costas já estava
nos meus sonhos, que me prepararam para o desconforto.
Eu quero sentir tudo.
Chase não parece compartilhar desse desejo.
— Foi mal — ele diz, se afastando —, isso está acabando com o
meu pescoço. Você é baixinha em um outro nível.
— Ei, eu tenho mais que um metro e meio, muito obrigada.
— E é um metro e meio muito fofo — ele diz, me puxando para
um abraço e me erguendo no ar para um outro beijo rápido. — Mas
o meu um metro e noventa de altura não é tão fofo assim, e passei a
noite toda praticamente me destruindo. Acho que meu corpo está no
limite de se esticar em direções anormais. — Ele levanta as
sobrancelhas. — Ao menos pelos próximos dez minutos.
— Sutil. Quer que eu dirija?
— Não. Quando você terminar de ajustar o assento pra ficar na
sua altura, a festa já vai ter acabado. — Bato no braço dele, e ele ri.
— Vamos. Quanto mais rápido chegarmos lá, mais rápido vamos
achar um lugar confortável para voltarmos a fazermos o que
estávamos fazendo agora.
Abro a boca para dizer que podemos sempre pular a festa, mas
não podemos, não. Chase é a estrela da noite, e, em certa altura, a
festa de compensação de Hunter Ferris depois de ter sido ludibriado
por Jasmine definitivamente virou uma festa para comemorar
Chase. Ninguém me perdoaria se ele não aparecesse.
Provavelmente vou me acostumar a isso — a todas as coisas que
acompanham ser a namorada de um jogador importante —, mas
enquanto todos esses detalhes pareciam legais na minha cabeça,
agora me fazem sentir… impaciente. Exausta.
Inevitavelmente, minha mente vagueia.

ANTES
Estou rapidamente ficando sem roupas para usar nas festas de
Outer Banks, torcendo para que as pessoas não notem o quão
frequentemente estou usando o mesmo short ou jeans com blusas
diferentes das araras de promoção da Urban Outfitters. Jasmine
veste algo diferente toda noite — vestidos de paetês, capris
coloridas ou calças de couro vegano que vestem tão
confortavelmente como se fossem uma segunda pele. Mesmo
depois de termos nos aproximado, ou talvez por causa disso, não
tive coragem de perguntar se podia pegar algo emprestado.
Tem um vestido que ainda não usei — é de um turquesa lindo
com bordados de pedrinhas que descem da alça única — e que
coloquei na mala caso minha mãe me forçasse a ir com ela a algum
lugar mais chique. Fiquei guardando para uma ocasião especial, só
que não tenho ideia de qual seria esse momento. Quase todos os
lugares a que vamos é cheio de areia, cerveja e cinzas; sempre
saímos de todos eles cheirando a cigarro e maconha, e todas as
vezes preciso jurar para a minha mãe que o cheiro não é resultado
do meu próprio consumo.
De repente, a ideia de fazer tudo isso novamente é exaustiva. É
só mais uma festa na casa de Carter, mas significa fazer chapinha
no meu cabelo, passar maquiagem, ficar conversando amenidades
com os turistas que ele convida na praia mesmo, segurar uma
cerveja que eu nem mesmo gosto, evitar os fumantes e rejeitar
educadamente as coisas que não quero. Eu simplesmente… não
estou a fim. Passo a maior parte das festas ao lado da Jasmine de
toda forma, brincando de misturar bebidas, ou falando de livros, ou
tentando descobrir detalhes da vida dela, como onde tira fotos para
o jornal da escola e se vai para shows de rock depois do jantar de
Shabat com a mãe nas sextas-feiras, e posso fazer isso sem
precisar sair.
A ideia de uma noite preguiçosa no sofá, assistindo a filmes,
compartilhando um cobertor, nossa pele roçando uma na outra…
Sacudo a cabeça para afastar o pensamento. Não é assim que
funciona. Não é isso que está acontecendo. Ela quer ir para a festa
de Carter, porque, na vida real, ela quer Carter. Não sei quantas
vezes eles já se pegaram desde aquela primeira noite, mas não
consigo esquecer o comentário de Keisha — “como coelhinhos” —
mesmo que tente. Eles…
— Alguma chance de você querer pular essa festa hoje à noite e
só ficar por aqui?
Viro nos meus calcanhares e vejo Jasmine parada na porta do
meu quarto, o cabelo arrumado como ela costuma fazer para festas,
mas o rosto sem maquiagem, o corpo vestido com uma regata e
shorts do pijama, as pernas brilhando levemente com algum creme
hidratante com glitter que eu sei que tem cheiro de pêssego.
— Filme? — proponho, torcendo para que ela não perceba como
estou empolgada por estarmos na mesma página.
— Vou fazer pipoca.
Nossos pais estão em um jantar essa noite, algo que fazem com
tanta frequência que eu poderia desconfiar ser algum tipo de
disfarce se não tivesse ouvido minha mãe confirmar as reservas
firmemente enquanto terminava de fazer cachos no cabelo e retocar
o batom, tudo ao mesmo tempo. Quando precisa, ela fica como um
polvo resolvendo um monte de tarefas. É o que a torna tão boa no
trabalho, e também um pouco assustadora. Não passamos tanto
tempo juntas esse verão como imaginei que aconteceria quando ela
me falou dessa mudança de planos, mas prometemos que amanhã
faríamos um brunch de domingo, só nós duas, e estou
estranhamente animada com isso.
Passo um protetor labial com cor e prendo meu cabelo, ainda
molhado do banho, fazendo duas tranças simples. É um alívio
simplesmente colocar uma camiseta e shorts em vez de roupa de
festa, mas preciso afastar o impulso momentâneo de colocar uma
roupa bonita para impressionar Jasmine.
— Seu cabelo fica bonito assim — ela diz quando entro na sala,
onde está deitada no sofá, a barra da regata um pouco levantada.
O calor sobe para minhas bochechas com o elogio.
— Obrigada. Não sei o que mais fazer com ele. Não estava a fim
de secar. — Brinco com as pontas molhadas. — Não ouse me dizer
“eu te disse”, mas estive pensando no que você falou outro dia. De
fazer uma mudança no cabelo. Talvez.
Ela morde o lábio para evitar rir, e eu mostro minha língua.
— Foi só uma sugestão! — ela fala por cima do ombro enquanto
o micro-ondas apita e ela dá um pulo para pegar o saco inchado
com a pipoca. — Mas sou totalmente a favor de um corte na altura
dos ombros. Não muito curto nem nada, mas para os cachos
ficarem aqui. — Ela indica o próprio pescoço, um pouco abaixo do
queixo. — Seu cabelo é naturalmente ondulado, certo? Daria muito
menos trabalho.
— Parece… que ficaria bom, na verdade — digo, mas o que
estou pensando é se Shannon concordaria que esse corte ficaria
bem em mim e se Chase prefere cabelo longo. O seu histórico de
namoradas sugere que sim. — Estava pensando em talvez clarear o
tom. Tipo, loiro de verdade. Não essa coisa entre o loiro e o
castanho.
Jasmine inclina a cabeça de uma maneira que aquece todo o
meu corpo e assente.
— Você ficaria ótima loira, aposto. — Ela coloca a pipoca no
balcão e se aproxima de mim, levantando uma das tranças com
delicadeza. — É, consigo ver isso.
Eu esqueço como respirar até que a trança caia de novo sobre o
meu ombro.
— Você acha?
— Com certeza. Tem uma loja legal de perucas que eu estava
querendo conhecer só por diversão e para tirar algumas fotos.
Poderíamos ir experimentar, ver o que você acha. Se gostar,
conheço um lugar não muito longe com uma cabeleireira chamada
Valentina que é uma gênia. Ela costumava fazer o cabelo da minha
mãe quando vínhamos pra cá antes do divórcio dos meus pais, e,
confia em mim, minha mãe não deixaria ninguém sem uma medalha
olímpica de cortes de cabelo tocar nas suas madeixas preciosas.
Parece assustador e divertido, e não tenho certeza de qual
emoção está ganhando. Eu não mudo meu estilo há… bom, nunca
mudei, na verdade. O estilo que tenho agora sempre funcionou bem
— aprovado por minhas amigas, amado pela minha mãe e, apesar
de não ter conquistado O Garoto, certamente foi bom o suficiente
para outros garotos com quem fiquei por diversão aqui e ali.
O que todos pensariam se eu voltasse com uma mudança
drástica dessas?
Não, espera aí, foda-se isso — o que eu pensaria?
— Vamos nessa — digo antes que eu deixe a voz de outra
pessoa duvidar de mim mesma. — É só temporário, certo? Não
preciso me comprometer até eu ver se eu gosto.
— Exatamente. Sem corte ou tinta até ver como fica em você.
Mas aposto que vai ficar incrível. Tenho um olho bom pra essas
coisas.
Considerando o quão bonita Jasmine sempre está diariamente,
não duvido. Mas não falo isso em voz alta. Em vez disso, pergunto:
— O que você quer assistir?
— Alguma coisa divertida e glamourosa. — Ela pega uns M&Ms
de amendoim do lugar de sempre no armário da cozinha e os junta
à pipoca, e então vai com a tigela até o sofá e dá um tapinha no
lugar ao lado dela, me chamando para sentar. — Podemos sempre
ver Oito Mulheres e Um Segredo ou Podres de Ricos ou outro
desses pela zilionésima vez, ou podemos tentar algo diferente,
dependendo da sua vontade.
Essas palavras não têm intenção de serem sugestivas, mas
minha pele se arrepia mesmo assim. A regata dela é cavada e o
cabelo parece tão macio que, apesar de não termos estabelecido
qualquer tipo de regra, sinto que quebraria uma se dissesse para ela
que estou, de fato, com muita vontade de algo diferente.
— O que você quiser — falo com a voz rouca quando me junto a
ela, tomando cuidado para que minha pele não roce na dela.
Ela dá de ombros e coloca Podres de Ricos, que já viu ao menos
duas vezes nesse verão. É mesmo um filme divertido, mas não é
particularmente sexy, e espero que assistir tudo com bastante
atenção tire esses pensamentos ridículos do meu cérebro. Só que
então ela estica o cobertor dourado de chenile sobre o meu colo, e
consigo sentir o cheiro do hidratante de pêssego. Nem mesmo
Henry Golding é capaz de me tirar dessa loucura.
Jasmine, é claro, não nota nada. Os olhos estão grudados na
tela, e ela está comentando como ama as roupas e as joias de todos
os personagens, alheia ao quanto eu quero me inclinar e beijar o
ombro dela que está a poucos centímetros de distância. Minha
cabeça está cheia demais para considerar o quão esquisito é eu
querer fazer isso. As vezes que ficamos fizeram tudo parecer a
coisa mais óbvia e simples do mundo, mas, na realidade, é muito
mais complicado.
Mas o que quero agora não é complicado. O que quero é muito,
muito simples.
Queria só que as pessoas admitissem o que querem quando
elas querem.
Antes de entender o que estou fazendo, recosto meu queixo em
seu ombro. Deixo um beijo bem leve na pele dela. Dou uma olhada
para ver sua reação.
As pálpebras dela se fecham.
Ok, então.
Beijo seu ombro liso muito deliberadamente dessa vez. E mais
uma vez, com um pouco da língua. De novo, com uma mordidinha.
Ela puxa o ar profundamente, para de pegar a pipoca e de falar
sobre as joias e os vestidos de alta-costura. Empurro o cabelo dela
para o lado e deixo uma trilha de beijos até chegar na nuca, me
apoiando na sua coxa nua. E então a mão dela cobre a minha e a
desliza pela sua pele, sem dúvidas deixando vestígios do perfume
de pêssego na minha mão. É tanta coisa. Tudo tem um cheiro, um
gosto e uma sensação boa, e está me deixando atordoada.
Chego mais perto, meus peitos encostando nas costas dela, e
caímos de lado no sofá, eu ainda beijando seu ombro, e também o
pescoço, enquanto ela desliza minha mão por cima do short de
algodão até a sua barriga reta e macia. Meus dedos estão com
acesso muito fácil ao cós, e ela não está segurando minha mão com
força, seu desejo menos claro e decidido, e não sei quão longe devo
ir ou quão longe quero ir. Eu me contento com passar a ponta dos
dedos por cima do short. Ela deve estar tão eletrizada quanto eu,
porque parece que isso é o suficiente.
Está ficando quente demais embaixo do cobertor, mas uma regra
que nenhuma das duas diz em voz alta é que ele não pode sair.
Desde que haja um cobertor, desde que não aconteça nada a céu
aberto, é fácil imaginar que não há nada entre nós. E precisamos
imaginar que não há nada, porque se houver alguma coisa — se o
fato de eu querer desesperadamente deslizar minhas mãos por
baixo do short dela for real —, então o que nós somos?
O que eu sou?
É só um verão.
Não dá para se tornar uma pessoa diferente durante um verão.
Capítulo treze
ANTES
Talvez não dê pra se tornar uma pessoa diferente em um verão,
mas, definitivamente, dá para parecer uma. Não consigo parar de
me olhar no espelho vestindo essa peruca.
— Minha nossa.
— Eu sabia que era essa. — Jasmine chega atrás de mim,
momentaneamente tirando minha atenção do meu reflexo com sua
franja reta azul incandescente. — Essa cor é perfeita.
É mesmo. É estranho porque não é a cor do meu cabelo, mas
poderia muito bem ser. Mesmo com essa peruca curta e cacheada,
estou com uma aparência com a qual poderia me acostumar, uma
aparência que eu amaria continuar vendo no espelho. Só que é uma
mudança grande, e minhas mãos ficam coçando para mandar uma
selfie para minhas amigas para saber se elas aprovariam.
Em vez disso, mudo de assunto.
— Você já pintou seu cabelo?
— Não, não de verdade. — Ela tira a peruca e substitui por uma
lilás desgrenhada. — Minha amiga Laila, a única outra descendente
de sírios na minha escola, amava passar giz colorido no nosso
cabelo antes de apresentações, mas nossas mães teriam nos
matado se fizéssemos mais que isso. — Ela faz um sotaque
melodioso e mais acentuado que é ainda mais baixo do que o dela.
— “Y’haram, Jasmine! O que você fez com o seu lindo cabelo?!
Steta estaria se revirando no túmulo!”
— Achei que sua mãe adorava coisas da moda.
— Ela gosta, mas cabelos em tons pastel não é bem a ideia dela
de moda. Minha mãe gosta de Gucci e Chanel, não de Manic Panic.
Pra ela, ficar descontraída é usar óculos escuros com lentes azuis.
Ela é bem clássica. Tons terrosos, esse tipo de coisa.
— Humm, consigo ver isso com o seu pai.
Jasmine solta um grunhido.
— Ela se veste de um jeito clássico, mas é o ser humano que
fala mais alto que você vai conhecer. Meu pai costumava usar
tampões de ouvido, literalmente, quando a família dela vinha visitar.
Sinceramente, nem consigo acreditar que eles duraram seis anos.
— Você não ficou muito chocada com o divórcio, né? — Puxo os
cachos da peruca para ver como ficariam um pouco mais
compridos, mas isso acaba arruinando o efeito.
— Não mesmo. Eles brigavam por tuuuuuuuuudo. E os pais da
minha mãe odiavam o fato de ela ter se casado com um gentio,
enquanto os pais do meu pai odiavam que ele tivesse se casado
com uma judia, então não era nada bom. Minha mãe ficou com a
casa, meu pai mudou os negócios pra cidade, comprou aquela
casona enorme em Stratford e manteve essa aqui para o verão, e
quando chegou a hora do meu bat mitzvah, eu nem tinha nada o
que pedir porque já era mimada demais.
— Isso explica tanta coisa.
Ela abre um sorriso.
— Né? E você? Qual é a história da sua mãe?
— Não tem muita história — digo, dando de ombros. — Minha
mãe trabalhava de garçonete pra conseguir pagar a faculdade. Meu
pai deu em cima dela. Alguns encontros depois, eu aconteci. Minha
mãe queria ficar comigo, meu pai não, e então chegaram a um
acordo em que ele pagaria uma pensão e desapareceria de vista.
Tcha-ram! E agora você tem essa linda e bem-ajustada adolescente
que está vendo na sua frente agora.
— Você é bem-ajustada pra alguém que sabe que o pai não
queria nem que existisse.
Sorrio para o espelho, fazendo minhas covinhas aparecerem no
reflexo. Eu aprendi há muito tempo que o azar é todo dele, e minha
mãe é legal o bastante para valer por três pais.
— Bom, é, acho que sou.
— Eu jamais conseguiria.
— Por favor. Você estava rindo enquanto contava do divórcio. —
Eu me viro para Jasmine, que tirou a peruca da cabeça e encostou
na parede, deixando as mechas lilás balançarem. — Ei, você está
bem?
— Estou. — Um sorriso um pouco forçado aparece no rosto
dela, rápido como a brisa do oceano. — Mas você está? De
verdade? Porque tá, talvez eu esteja de boas com o divórcio, mas
não tanto com meu pai se mudando pra Nova York e só me vendo
no Natal e no verão.
A loja está vazia exceto por nós, e a mulher atrás do balcão está
sentada com os pés para cima olhando para uma pequena TV
ligada passando novela, então imagino que ela não vá se importar
se ficarmos à vontade. Eu me sento no chão ao lado da Jasmine e
tiro a peruca de suas mãos antes que ela estrague todo o cabelo
artificial com os seus dedos ansiosos.
— Estou — respondo, e falo sério. — Minha mãe precisou ser
uma mãe em dobro, mas ela é incrível, e eu não podia pedir mais. É
por isso que você nunca fala de casa ou dos seus amigos de
escola? Nunca tinha ouvido falar da Laila antes disso.
Ela dá de ombros e desliza pela parede até sentar no
porcelanato comigo.
— Acho que sim. É que parecem dois mundos diferentes, aqui e
lá. É como se nem fossem parte da mesma vida.
Por um segundo, meu cérebro volta para a noite que ficamos
nos tocando sob o olhar atento de Constance Wu e Gemma Chan, e
sei exatamente o que ela quer dizer.
— O que a Laila e seus outros amigos estão fazendo durante o
verão? Fico surpresa que você não tenha outros amigos de escola
por aqui.
— Asheville é bem legal durante o verão, então a maioria das
pessoas fica em casa, fazendo caminhadas e indo a festivais ou sei
lá. Laila e Kendall, nossa outra amiga, trabalham num acampamento
juntas. Toda vez que volto pra casa no fim do verão, fico escutando
dois meses de piadas internas antes das coisas voltarem ao normal.
Tiro meus cachos loiros e jogo a peruca pra ela.
— Não dá pra ganhar sempre, né?
Ela vira a peruca no dedo e suspira, dando uma risada
autodepreciativa.
— Deus, eu pareço uma pirralha. Aaah, tadinha de mim, passei
o verão numa casa de praia linda e cara, com uma piscina e
banheira de hidromassagem.
— Você pode ficar triste se estiver se sentindo sozinha, Jas —
digo, baixinho, porque percebo que é exatamente isso o que sente.
As amizades dela onde mora não parecem tão consolidadas, os
amigos daqui são como entretenimento raso, ela não está com a
mãe, que Jasmine sabe que quer passar tempo junto dela, mas está
com o pai, que ela acha que não dá a mínima.
Jasmine se sente solitária e magoada, e sente isso há muito
tempo.
Uma lágrima se forma em seus olhos, e ela a enxuga tão
rapidamente que quase acho que imaginei.
— Hashtag problemas de filha única. Mas, olha — ela diz,
jogando a peruca pra mim —, não estou sozinha nesse verão, né?
Dou um sorriso.
— Claro que não.
— Então, você vai fazer? — Ela gesticula na direção do cabelo.
— Ficou bom pra caramba.
Jasmine achar que eu fico bonita pra caramba não deveria ter
nenhum efeito em mim, mas o calor que sobe pela minha pele
sugere que tem, sim. Ainda assim, eu me forço a esquecer isso e
pensar no que eu quero.
Também acho que fiquei bonita pra caramba.
Eu nunca faço isso. Sou o oposto de solitária; quase todas as
decisões na minha vida envolvem consultar minha mãe, ou
Shannon, ou as duas. Essa decisão é minha, e somente minha,
estou fazendo uma escolha, e ao lado de alguém que não vai estar
lá no primeiro dia de aula quando as pessoas virem essa escolha
pela primeira vez.
Só eu.
— Sim — digo, me levantando e esticando uma das mãos para
Jasmine. — Vou fazer isso.
Ela pega minha mão e abre um sorriso enquanto eu a puxo para
cima.
— Ótimo. Porque eu já marquei o horário, e é daqui a quinze
minutos.
— Jasmine!
— É difícil conseguir um horário lá! — ela responde, erguendo as
mãos no gesto universal para inocência. — Eu não ia te obrigar a ir
se não quisesse.
— Humpf. — Eu me viro de volta para o espelho e coloco a
peruca pela última vez, só pra ter certeza.
Eu realmente estou bonita pra caramba.
— Tá — digo, tirando e colocando a peruca de volta no
manequim, enquanto Jasmine devolve todas as perucas que estava
experimentando. — Vamos lá mudar minha vida, ou sei lá o quê.
Capítulo catorze
AGORA
Demora um tempão para atravessar a multidão de pessoas
cumprimentando o Chase quando chegamos na casa de Ferris.
Todo mundo quer um pouco de Chase — uma foto, um autógrafo,
um abraço, um beijo na bochecha… não consigo imaginar o que
mais pediriam se ele estivesse solteiro, mas Chase deixou bem
claro no jogo que não está, e eu ando pela multidão como se
estivesse usando uma auréola de corpo inteiro.
— Desculpa por esse circo — ele murmura para mim quando
mais um cara se aproxima e põe a mão grande no ombro dele.
Parece que todos os atletas de Stratford apareceram para essa
ocasião, sejam do futebol ou não. As notícias voam. Deixei meu
celular no modo silencioso porque estava acendendo com um
milhão de notificações de cada aplicativo de mídia social. As
pessoas não estavam só comemorando a vitória do time ou o
recorde de Chase; estavam compartilhando vídeos dele me pedindo
para ser sua acompanhante na festa e a minha resposta, e também
emojis de coração e o sonho de encontrar um cara como ele.
Não é como se eu não estivesse acostumada a receber certa
atenção, mas isso é outro nível. Nem mesmo o aniversário de
dezesseis anos da Shannon, completamente de outro mundo, fez
uma tempestade nas mídias sociais desse jeito, e olha que ela tinha
contratado o Cirque du Soleil.
Não consigo ver Shannon, mas ouço a voz dela do outro lado do
cômodo, rindo, flertando e, pelo tom de sua voz, aproveitando o
estoque de álcool de Ferris. Me pergunto se ela está com Gia e
Tommy, ou com Lucas, ou ainda com outra pessoa. Estou tão feliz
que ela esteja aqui. Isso quer dizer que não está emburrada por não
ser a estrela da noite, como no ano passado, quando o convite para
a festa de formatura de Tommy para Gia acabou estragando o
pedido dela, ou quando Taylor, namorade da minha parceira de
laboratório, Jamie, pintou o cabelo para ficar combinando com a
bandeira não binária no mesmo dia em que Shannon apareceu com
luzes.
— Bom, se não são o rei e a rainha da noite! — Linus Doyle se
precipita para a frente com uma reverência exagerada, o próprio
Hunter Ferris logo atrás dele.
— Já vos reservei um quarto — diz Ferris com uma voz
suntuosa —, mas vos aviso, vossas majestades, não deveis merda
nenhuma quebrar, porque é o quarto dos meus pais.
— Cara, por que você deixaria a gente usar o quarto dos seus
pais? — Chase pergunta, e eu gosto ainda mais dele por isso.
Ferris dá de ombros.
— Eles foram viajar e a empregada vem amanhã — ele fala,
voltando a sua voz normal. — Só não sejam nojentos e não
experimentem as gravatas do meu pai.
— Por que alguém…
— Eu sei, você pode achar que eu não teria que pedir isso para
as pessoas — diz Ferris, me interrompendo e olhando diretamente
para Linus —, mas, ainda assim…
Chase entrelaça os dedos com os meus e puxa de leve minha
mão.
— Quer ir?
Penso em como hoje eu o observei no campo, os sorrisos e as
piscadelas que ele jogou para mim, o agradecimento orgulhoso no
fim. Penso em todas as vezes que admirei o corpo dele usando o
uniforme do time ou nas festas na piscina ou só atravessando o
corredor vestindo jeans. Penso na última vez que tirei minha roupa
com alguém, na última noite em Outer Banks, uma única noite que
pareceu muito real na hora, mas que não parece mais ser assim
desde o primeiro dia de aula.
E então digo:
— Aham. Quero.

Ferris não estava brincando quando disse que reservou um quarto:


tem uma placa com uma coroa e o número 14 na porta e uma
pequena vasilha do lado da cama com mais camisinhas do que
qualquer pessoa poderia usar em uma única festa. Meu estômago
se revira ao ver aquilo. Já fiquei de pegação com bastante gente,
mas nunca precisei mesmo de um desses pacotinhos coloridos.
Não que eu seja contra, e especialmente não com Chase; ele
sempre foi o cara com quem imaginei minha primeira vez por anos.
Mas talvez não na cama dos pais de algum cara durante uma festa,
antes mesmo de termos tido um segundo encontro de verdade.
Chase ri quando vê aquilo.
— Vejo que algumas pessoas estão sendo um pouco otimistas.
— Ele fecha a porta atrás de nós e se abaixa pra dar um beijo na
minha bochecha. — Não se preocupa. Tenho zero expectativas de
usar isso essa noite.
— Ótimo — digo sem pensar, e, antes de eu considerar se isso
foi um erro, Chase me ergue nos braços e me beija.
— Achei que seus músculos estavam doendo — murmuro contra
os lábios dele.
— Ah, é verdade — ele diz, e me joga na cama com um sorriso
malicioso.
— Ei!
Só que não há tempo de protestar nem por brincadeira, já que
ele se arrasta para a cama e pega meu rosto entre as mãos — que
se danem as manchas da tinta corporal —, e então estamos nos
beijando como se todo o resto da casa, e do mundo, tivesse
desaparecido.
— Espero que essa tinta saia na lavagem — murmuro enquanto
Chase beija meu pescoço e meus braços, que estão manchando os
lençóis.
— Espero que não — ele diz, afastando a manga da minha
camiseta para beijar a pele que estava escondida. — Deve haver
evidências do novo recordista de Stratford conseguindo ainda mais
pontos na mesma noite.
— Que horror.
— Só estou brincando. — Os dedos dele sobem pela minha
camiseta, passando pelo piercing no umbigo, esperando para ver se
serão impedidos no caminho até o meu sutiã de renda para
ocasiões especial.
Não serão.
Consigo ver o momento exato em que ele entende isso.
— Oi — digo, e ele ri contra o meu pescoço.
Eu o ajudo a tirar minha camiseta, e então não tem mais
conversa, não tem mais provocação, não tem mais risadas. Os
beijos são rápidos e furiosos, as mãos percorrendo tudo, e a
camiseta dele logo se junta à minha, jogada casualmente no chão.
Estamos pele contra renda, e pele contra pele, e tudo vai bem até
que começamos a ouvir assobios do outro lado da porta.
— Vai, Harding!
— Vai que vai!
Ai, meu Deus. Eu quero morrer, mas Chase tira a boca da minha
por tempo o suficiente para gritar “Vão se foder, otários” antes de
voltar. Ouvimos mais risadas do lado de fora, e uma voz que é
definitivamente a de Linus grita:
— Espero que você esteja servindo o nosso campeão
adequadamente!
Contudo, a voz é um pouco mais distante do que estava antes, e
ouvimos passos na escada e o som de outra pessoa gritando —
Keith, ou talvez Lucas.
— Saiam daqui, seus pervertidos.
Eu me deixo cair ao lado de Chase.
— Bom, que belo jeito de acabar com o clima.
— É mesmo? — Ele me beija, claramente não se importando
nem um pouco.
A verdade é que eu não sei. Não gostei do jeito como eles
falaram, ficou parecendo que sou só uma tiete. Mas não é isso que
sou? O que sempre fui? Sentei nas arquibancadas por anos,
observei, torci, fui fã incondicional desse cara que quase não me
falava um oizinho sequer nos corredores até esse ano. Tive minhas
próprias fantasias tarde da noite no meu quarto, dentro da banheira,
de “servir o campeão”.
Isso não é exatamente o que eu queria?
— Talvez não — digo, torcendo para que pareça uma
confirmação sincera. Eu não quero que acabe o clima. Quero que
nós dois estejamos na mesma página. Quero que isso seja verdade.
Passei tanto tempo fantasiando, e agora posso tornar tudo realidade
se eu quiser.
É poder demais.
Só queria que fosse um poder que eu ainda quisesse.
Em um segundo, penso em Gia, em como ela faz os sonhos dela
acontecerem — sejam quais forem. Como ela faz uma coisa e torce
para que as emoções sigam, e normalmente acontece. Eu posso
fazer isso. Posso fazer essa coisa. Posso fazer essa coisa e sentir o
que eu quiser sentir, sentir o que provavelmente estou
autoconsciente demais para sentir.
— Não sei se estou “servindo o campeão” apropriadamente —
digo, tamborilando meus dedos no lábio inferior.
— Só pra repetir, não era algo que eu estava esperando que
acontecesse essa noite.
— Eu sei. — E sei mesmo. — Mas vamos dizer que eu queira.
A sobrancelha dele levanta um centímetro.
— Você quer?
Eu sempre quis, penso, só que essa é uma resposta esquisita, e
também não é uma resposta, então começo a percorrer o peito dele
com uma trilha de beijos em vez de falar, e isso vai dizer tudo o que
quero.
Ele segura a respiração quando chego no cós do jeans e
lentamente desabotoo, e está quieto o bastante para eu ouvir que
ainda chegam alguns gritos na nossa direção, mas devem ser todos
do andar de baixo. Queria que tivéssemos colocado música ou algo
assim, mas estava tão barulhento antes que não pareceu ser
necessário.
Agora tudo que ouço é meu próprio batimento cardíaco e a
respiração do Chase, rasa e aumentando rapidamente conforme
chegamos a uma “pontuação mais alta”. Por mais que ele não ligue
para se as outras pessoas estão ouvindo ou não, prefere morder um
travesseiro em vez de gritar em voz alta, e isso desfaz qualquer
dúvida que posso ter tido sobre se valia a pena correr esse risco.
— Puta que pariu — ele suspira quando acabamos.
Então não foi tão ruim para minha primeira vez em um cara.
Aparentemente toda a leitura que fiz para me preparar pra esse
momento funcionou. Que bom.
— Agora eu fico com o seu troféu de Jogadora Mais Valiosa? —
pergunto.
Ele ri, ainda fraco enquanto relaxa contra os travesseiros.
— Por enquanto. Só que você vai ter que me dar uma chance de
ganhá-lo de volta.
O olhar dele mira a minha saia curta, e demora um segundo para
eu entender o que ele está dizendo.
Uma das regras da Shannon é nunca pagar um boquete para um
cara porque isso dá todo o poder para eles e eles nunca retribuem,
o que Gia relutantemente confirmou ser verdade, apesar de ela
fazer isso o tempo todo de qualquer jeito. Kiki só tinha dado uma
risadinha desdenhosa, e eu fingi que estava prestando atenção,
como sempre, apesar de estar pensando “Ótimo — não ia querer
que ele fizesse isso mesmo. Caras demais falam como é nojento, e
eu não quero que Chase me veja assim”.
Shannon está se provando equivocada: retribuir claramente não
é um problema para Chase, não do jeito que ele está me olhando. E
também fica claro que ele não vai achar o ato — ou me achar —
nojento. Mas… ainda assim não quero que ele faça isso. Nunca foi
parte das minhas fantasias com Chase.
E, ok, talvez eu não esteja pronta para substituir a lembrança da
única vez em que alguém de fato me chupou, especialmente agora
que está claro que nunca vai acontecer com Jasmine de novo.
Talvez.
— Nós teremos tempo o bastante pra isso no futuro — falo,
dando nele um beijo rápido. — Que tal voltarmos para a festa antes
que os caras voltem pra nos importunar? Além disso, você deveria
curtir um pouco sua própria festa.
Ele parece desapontado por um momento, mas só isso.
— Verdade. Sempre teremos a festa de volta às aulas. Posso
reservar um quarto, se quiser.
De zero expectativas para um quarto no dia da festa de volta às
aulas depois de apenas um boquete. Anotado.
Meus pensamentos devem transparecer no meu rosto, porque
ele acrescenta rapidamente:
— Sem pressão.
— Vou pensar no caso — prometo enquanto ele recupera
nossas roupas do chão e joga a minha camiseta. E tenho certeza de
que vou mesmo pensar no assunto, sem parar.
— Legal.
Nós nos vestimos e nos arrumamos, e ele faz um pequeno som
desapontado de provocação quando esfrego a última parte da tinta
do rosto no enorme banheiro da suíte da casa dos Ferris.
— Está pronto? — pergunto assim que passo meu gloss, uma
tentativa infrutífera de parecer arrumada apesar de as minhas
roupas terem a aparência amassada de alguém que acabou de ficar
rolando na cama com seu novo namorado.
— Estou. — Ele me estende uma mão e eu a pego, deslumbrada
com a rapidez e facilidade com que nós nos adaptamos a esses
papéis, e então ele abre a porta.
A foto da coroa com o número 14 gigante ainda está ali, mas
mais ninguém está; todos estão lá embaixo na sala, ouvindo uma
serenata do que eu imediatamente reconheço ser Gia no karaokê.
Ela sempre canta Taylor Swift. Além de ser uma enorme fã, ela não
tem problema algum em acertar as notas, mas a performance
sempre fica um pouco rasa porque ela não tem nenhuma angústia
romântica; a letra raramente funciona se você está sorrindo alegre
para o seu namorado enquanto canta. No momento, ela está
cantando “Blank Space” para um Tommy sonhador, como se fosse
um romance digno de um casamento, e não sobre uma história
épica de loucura fadada ao fracasso.
Os colegas de Chase imediatamente nos veem e se juntam a
nós para zoar, mas ele fala para cuidarem de suas próprias vidas e
acharem suas próprias garotas para pararem de encher o saco
sobre o que ele está fazendo com a garota dele. E então ergue um
punho e solta um assovio para Gia, e eu o aperto ao redor da
cintura, enquanto vejo as bochechas dela corarem de prazer.
Ele é mesmo um cara legal. Gato para cacete, e eu me sinto
segura com ele. Gosto dele genuinamente, muito.
É isso que importa, certo? Não que eu não queria ir além essa
noite?
Meu Deus, eu queria poder falar com Shannon. Eu sei que ela
está aqui, mas duvido que o cérebro dela esteja aqui desde que
passou pela porta. Ela é tão boa em ser sincera com os conselhos,
é exatamente disso que preciso — não a fé cega e efusiva da Gia
de que o amor é sempre a resposta, ou o consolo da Kiki que
consiste em resumir qualquer forma de romance no colégio como
bobagem temporária. Eu quero alguém para conversar, no estilo
Shannon Salter, mesmo que isso signifique ficar ouvindo um sermão
sobre quebrar uma das regras dela, junto com um “eu te disse”,
mesmo que não tenha me falado nada.
E, de repente, ela está lá, no “palco”, pegando o microfone da
Gia conforme “Blank Space” acaba e todo mundo aplaude. Fico
chocada em ver Shannon ao lado do karaokê. Ela nunca participa
do karaokê, ou nada que a faça parecer boba. Até mesmo Kiki
participa mais dos karokês que Shannon, desde que ela possa
cantar rock dos anos 1990 de garotas putas da vida. Mas talvez
Shannon tenha praticado, ou algo assim. Sei mais do que ninguém
o quanto ela se esforça para parecer que tudo que faz é sem
esforço algum. E ela certamente parece uma pop star com sua
minissaia de paetês, uma compra da qual não me lembro.
Uma compra que significa que ela foi ao shopping sem mim.
Não tenho tempo de ficar pensando na nossa amizade
escapando por entre meus dedos antes que Shannon me atinja com
o próximo golpe.
— E agora — ela diz, no seu tom mais irresistível de “eu sou a
primeira a saber de tudo” —, pela primeira vez na história de
Stratford, por favor, deem boas-vindas ao vocal de… Jasmine
Killary!
Ela está brincando. Precisa estar. Quando foi que Jasmine
chegou aqui? Só que claro, ali está ela, dando um passo para pegar
o microfone e rindo com Shannon enquanto todo mundo aplaude. O
cabelo dela está preso em um rabo de cavalo alto e brilhante que
cai ao redor de seus ombros — ombros expostos por recortes no
seu vestido da cor da pele que brilha com uma camada de ouro. Eu
sou baixinha demais para ver qualquer outra coisa, mas ela está da
mesma altura da Shannon, então deve estar usando no mínimo um
salto de sete centímetros.
Jasmine está vestida para capturar cada olhar na sala, e está
funcionando.
Não conseguiria tirar os olhos dela nem se tentasse.
A música começa — Shannon deve ter ligado a máquina — e
meu cérebro é um redemoinho tão grande que demora uns
segundos para perceber qual ela escolheu. Mas há muitos assobios
dos membros com mais tesão do time de futebol que a reconhecem
imediatamente.
E, com as primeiras palavras, eu entendo.
“Cool for the Summer”, de Demi Lovato, o hino das garotas que
estão explorando o corpo de outras garotas.
A voz baixa e sexy da Jasmine não consegue atingir as notas
mais altas de Demi, mas ela está cantando sobre ficar se pegando
com uma garota, então ninguém dá a mínima para as suas
habilidades vocais. Atrás de mim, até mesmo Chase está
assobiando, as mãos no meu ombro, ironicamente a única coisa me
mantendo firme enquanto meu corpo só quer tremer, incontrolável.
Cada parte da letra me corta como uma lâmina, e fico esperando ela
fazer contato visual, dizer na minha cara que está reduzindo nosso
verão a só um pouco de curiosidade, mas isso não acontece.
Em vez disso, ela vai com tudo, flertando com o que parece ser
literalmente todo mundo no público. Graças à proximidade da
Shannon, as pessoas estão sussurrando, interpretando do seu
próprio jeito, mesmo com Jasmine praticamente sentando no colo
de Paulie Wolaman. Tudo nessa cena é horrível, só que não.
Assisti-la cantar é incrível, e, quando fecho meus olhos, a sua voz
me acaricia do mesmo jeito que seus dedos costumavam fazer. Eu
sou uma pessoa horrível, de pé ao lado do meu namorado,
completamente derretida pela voz de uma garota só com a
lembrança do toque dela. Para deixar tudo pior, suspeito que —
apesar de que nunca dá para saber com Jasmine — ela escolheu
essa música pra me dizer pra eu ir me foder e desistir de tentar ter
qualquer tipo de conexão com ela, que qualquer significado mais
profundo do nosso verão estava inteiramente na minha cabeça.
— Ela é boa, né? — Chase murmura no meu ouvido, colocando
os cotovelos nos meus ombros, a mão roçando de leve contra o
meu peito como se ele soubesse que ver Jasmine está me revirando
por dentro, me fazendo querer ser tocada.
Que está me fazendo querer o que não quis com ele lá em cima.
Que sinto mais atração por Jasmine, essa garota que parece me
odiar, do que sinto pelo meu namorado incrível.
De uma só vez, tudo parece desabar.
Capítulo quinze
ANTES
Foi ideia de Declan fazer um cozido à moda Frogmore para
persuadir minha mãe a finalmente experimentar um pouco da
culinária local. Minha mãe cresceu com uma dieta russa — pelmeni,
pirozhki, borscht e todos os tipos de coisas feitas com batatas,
repolho e/ou creme azedo. Ela comeria ovas de peixe antes de
comer um camarão que ainda está com a cabeça. Então foi um
pouco difícil passar o verão em uma área dominada por frutos do
mar e churrasco. (Apesar disso, ela ama que Outer Banks de
alguma forma tenha virado um lugar onde estudantes do leste
europeu trabalham durante o verão. Falar russo com alguém que
não sou eu ou os pais dela foi um dos pontos altos de seu verão,
acho.) Naturalmente, Declan viu ali um desafio.
Minha mãe não ficou contente.
E porque ele não pode pedir para minha mãe planejar um evento
social que ela preferiria morrer a frequentar, a tarefa cabe a mim e a
Jasmine (e, ok, o pessoal que foi contratado).
— Queria que você pudesse ver seu cabelo agora! — Jasmine ri
enquanto lutamos contra a brisa que vem do Atlântico para manter
as toalhas xadrez no lugar.
— Você que encorajou esse cabelo! — Ergo a mão para tocar
meus novos cachos loiros. Ainda estou me acostumando com o jeito
como eles dançam na brisa, muito mais leves do que os centímetros
de castanho-claro dourado que deixei no chão do salão Seaside. A
maneira como meu cabelo agora enquadra meu rosto e o bronzeado
profundo que estou estabelecendo com ajuda do sol da Carolina do
Norte deixaram meus olhos de um azul-esverdeado ainda mais
intenso. Pareço saudável, feliz e diferente.
Jasmine fez uma sessão de fotos comigo imediatamente depois,
mas me seguro um pouco antes de postar qualquer imagem. Não
quero a opinião de ninguém ainda. Gosto que seja algo estritamente
da Larissa de Outer Banks — a Sininho, se preferir. Alguma coisa
separada de Stratford. Shannon me mataria se soubesse, mas ela
está em Paris, postando selfies embaixo do Arco do Triunfo e nos
pequenos cafés que pontuam a cidade. Ela está tendo a própria
versão de um verão maravilhoso, e, em algum momento, percebi
que eu também. Pode ser que não esteja me esbaldando em
croissants de chocolate na Champs-Elysées ou sei lá, mas não
estou com inveja. Estou prestes a comer o equivalente a meu peso
em camarão, siri, ostra, lagosta e milho, e estou contente com isso.
— Não estou zoando o seu cabelo em circunstâncias normais —
Jasmine esclarece, ajeitando as duas tranças perfeitas. — É só que
está meio… bagunçado agora. Tenho certeza de que vai ficar lindo
pra festa.
— Tenho certeza de que a sua cara vai ficar linda pra festa —
resmungo de volta, me sentindo infantil enquanto chuto a areia na
minha frente, me certificando de que não vá cair em cima das
cadeiras brancas de plástico dobráveis.
— Isso é pra ser uma ofensa? — Jasmine termina de colocar as
conchas nos cantos da mesa, e então faz uma estrelinha na areia,
as unhas dos pés pintadas de verde-menta elegantemente
apontando para o sol. — Patético, Sininho.
— Você é patética.
Eu deixo de lado o restante das minhas conchas em um
amontoado bagunçado e faço minha própria exibição — um rodante,
uma ponte completa e então um salto mortal para trás. Ter sido uma
líder de torcida tem seus méritos.
— Puta merda. — O queixo da Jasmine cai. — O que você
acabou de fazer?
— Ah, não mencionei que costumava ser da equipe de líderes
de torcida? — Assopro minha unha.
— Você está brincando. Faz de novo.
Eu faço, mesmo ficando um pouco tonta. Vale a pena pelo jeito
como ela assobia quando eu termino e grita:
— Gostosa!
Na verdade, tem muito tempo que não pratico, e Gia teria me
dado um sermão sobre isso, mas amo que Jasmine me ache incrível
exatamente do jeito que sou.
— Não consigo acreditar que não sabia que você consegue
fazer isso — ela diz, limpando o suor que levemente se acumula na
testa dela.
Dou de ombros como se não fosse grande coisa.
— Tem muitas coisas que você não sabe sobre mim.
— Ah, não sei se isso é verdade. — Um pequeno sorriso
aparece em seus lábios enquanto se abaixa para desenhar o próprio
nome na areia. — Vamos ver… Eu sei que sua cor favorita é
turquesa. Sei que sua autora favorita é a Clementine Walker. E sei
que você pede o café gelado com calda de caramelo e açúcar
demais.
— Qualquer um que me segue no Snapchat sabe dessas coisas.
— Vamos ver então. — Ela fica de pé e limpa as mãos, cruzando
os braços na frente do peito. — Eu sei que você costumava passar
os verões na casa da amiga da sua mãe em Finger Lakes, e foi lá
que deu seu primeiro beijo. Sei que as únicas duas coisas que
sempre te fazem chorar são cachorros morrendo em filmes e o
cheiro de salame com ovo, o segundo porque é a única coisa que o
desgraçado do seu pai fazia de certo. E sei que está escrevendo um
romance naquele caderno que você esconde embaixo do seu
travesseiro, apesar de não deixar mais ninguém ler. Que tal?
— Nada mal — admito, dando uma apertada no meu esterno
com a palma da mão para tentar quebrar a pressão que está se
acumulando embaixo. — Só que eu também conheço você. Eu sei
que você já tentou fazer a receita de quibe da sua avó Steta
exatamente seis vezes, e é o que você escolheria como sua última
refeição se estivesse prestes a morrer. Sei que o seu nome foi uma
das maiores brigas dos seus pais, porque sua mãe queria te dar o
nome da avó que já mencionei e o seu pai absolutamente se
recusou. Sei que você ainda dorme com aquele panda de pelúcia
que você chamou muito inteligentemente de Panda. E sei que você
tem medo de andar de esqui aquático, mas não quer que ninguém
saiba disso porque não quer que ninguém descubra que você tem
medo de alguma coisa.
Os olhos dela se arregalam.
— Eu não…
— Tem, sim.
Ela suspira.
— Ok, tenho medo, sim. Como você sabe disso?
Eu fico te olhando. Eu não consigo parar de te olhar. Quer saber
mais coisas que eu sei? Você tem pintas que fazem o formato de
raio na parte de trás da sua coxa esquerda. Nada é tão gostoso
quanto a sidra espumante na sua língua enquanto estamos na
banheira de hidromassagem. E cada vez que escuto você ler algo
em francês em voz alta para praticar para sua prova, preciso tomar
um banho frio.
— Eu sou só muito inteligente — digo, dando de ombros.
Ela faz um barulho de escárnio.
— É o que parece. Vamos lá debulhar o milho.
Fico feliz com a chance de limpar minha cabeça dos
pensamentos que eu definitivamente não deveria estar tendo e a
sigo até a cozinha, onde os montes verdes nos aguardam no balcão
de concreto da ilha central. Nós imediatamente começamos, tirando
as folhas e os fios sedosos, quebrando-os na base. Em pouco
tempo já temos uma pilha enorme de lixo acumulada na nossa
frente no balcão, mas o cheiro é doce e delicioso, e eu quero pular
em cima dele.
— Você parece que quer atacar isso aí — Jasmine diz enquanto
arrumamos a bagunça. — É melhor lembrar que ainda está cru.
— Eu sei, mas estou morrendo de fome — reclamo.
— Vamos fazer o guacamole. — Ela abre a geladeira e tira um
monte de ervas enquanto pego os abacates. — Prometo não te
dedurar se você comer um abacate, ou uns doze.
— Essa é a oferta mais generosa que você já me fez.
— Deve ser.
Juntas, nós descascamos e tiramos os caroços até nossos
dedos mancharem de verde. Estou prestes a sugerir fazer uma
pausa quando algo gelado e gosmento é apertado contra meu rosto.
— O que você está fazendo? — Eu me viro nos calcanhares
para ver um sorriso brincalhão no rosto de Jasmine, um pedaço
amassado de abacate na mão dela. — Ah, mas não mesmo.
Pego uma metade de abacate e dou um pulo em sua direção,
mas ela é meio passo mais rápida do que eu, e acabamos travando
uma batalha.
— Você tem que ser mais rápida que isso, Sininho! — ela grita,
exultante, e, no segundo que fica se gabando, eu passo meu braço
pela cintura dela e amasso o abacate em sua cabeça.
— Meu cabelo! — ela grita, apesar de nós duas precisarmos
tomar um banho antes da festa.
Ela se desvencilha do meu aperto e eu alegremente ergo minhas
mãos verdes e digo:
— Óleo de abacate é supersaudável! De nada, princesa!
— Você vai ver só quem é uma princesa. — Ela vem na minha
direção e me derruba no chão, nós duas tentando passar gosma de
abacate na cara uma da outra.
— Isso não é o que eu pensei que você queria dizer quando
falou que eu podia comer um abacate. — Solto um grunhido.
— Ah, me desculpa. — Ela se senta e ergue as mãos no ar, mas
ainda me prendendo no chão, os joelhos segurando minha cintura.
Mesmo coberta de gosma verde e com a camiseta curta manchada
e suada, ela ainda consegue ser sexy. — Então pode se servir.
— Bom, o convite é seu. — Pego uma de suas mãos e a trago
para os lábios, lambendo os vestígios de abacate da palma dela. Ela
ri, mas as risadinhas param quando chupo um dedo de cada vez.
Quando finalmente termino de sentir o gosto de cada um, a
intensidade nos olhos dourados de Jasmine seria capaz de derreter
os milhos das espigas. Estou prestes a me mexer quando a voz de
Declan ecoa pela cozinha.
— Meninas? Vocês terminaram o guacamole?
Jasmine rola de cima de mim rápida como um relâmpago, e eu
dou um pulo, ficando de pé assim que Declan entra na cozinha.
Apesar de não termos sido pegas flertando, nós certamente fomos
pegas fazendo uma bagunça enorme na cozinha impecável. Eu
observo enquanto ele toma conhecimento do prejuízo, nós duas
cobertas de abacate que deveria ter sido amassado em uma das
tigelas de pedra cuidadosamente escolhidas, e a boca dele se
estremece em um sorriso.
— Vejo que ainda não terminaram.
— Ah, não, senhor.
Jasmine ri para dentro. Eu não tinha chamado Declan de
“senhor” nenhuma vez nesse verão. Na verdade, tomei um cuidado
especial de não me dirigir a ele, exceto para agradecer por me
aceitar aqui. E quando eu o chamei de sr. Killary, ele imediatamente
me disse para chamá-lo de Declan.
Eu não fiz isso.
— Ainda tem tempo — ele diz com uma piscadela, e sai da
cozinha.
— “Ah, não, senhor” — Jasmine me zoa, e dou uma cotovelada
nela. Ela solta uma gargalhada, e eu também, e voltamos ao
trabalho.

Depois de vinte minutos trabalhando lado a lado, sem ficar de


brincadeiras, terminamos de fazer tudo e limpamos a cozinha o
suficiente para não deixar uma bagunça nojenta para o pessoal
contratado que vai cuidar de todo o restante nesta noite. Quando
finalmente conseguimos ir para os respectivos banhos, estou
indubitavelmente fedida.
Enquanto esfrego o cheiro de cebola, alho e pimentão da minha
pele, não consigo não imaginar que é engraçado como Jasmine
sempre parece ser a garota de dezessete anos mais intimidadora e
sofisticada do planeta, mas, quando somos só nós duas, ela é
completamente outra pessoa. Ela é amigável e carinhosa e tem a
paciência de uma santa quando está me ensinando sobre métricas
de luz e exposição e como pegar os melhores ângulos para selfies.
Ela é como o pai dela na sua empolgação por me fazer
experimentar coisas novas, e como a mãe na alegria que tem com
moda, maquiagem e estilo. Ontem ela finalmente me levou ao closet
e exigiu que eu a deixasse me presentear com algumas coisas que
ela nunca usa, que jurou serem pequenas demais para ela, e, antes
que eu pudesse perceber, estava vestindo uma roupa inteiramente
nova, dos brincos à tornozeleira (ela ter pés minúsculos como os
meus, infelizmente, era esperar demais).
E tarde da noite, especialmente nas que mamãe e Declan estão
em eventos, ou viajando a negócios, ou até mesmo nas que mamãe
vai dormir mais cedo e Declan se tranca na sua suíte, longe de
nós… nessas noites ela me mostra outra coisa completamente
diferente.
Inevitavelmente acabamos na cama dela, entrelaçadas uma na
outra, brincando com os dedos ou fazendo a outra se arrepiar até
uma de nós encontrar uma desculpa para dar um beijo. É uma
agonia ficar esperando até o momento que entendo que tenho
passe livre, ou ficar esperando ela se mexer, esperando, esperando,
esperando, até que nenhuma de nós possa usar desculpas como
estar bêbada ou com sono, ou só esperando que a outra sinta e
experimente o quão bom é o gloss novo.
Comecei a pensar nesses momentos com antecedência, a
planejar uma desculpa para depositar um beijo naquele lugar no
pescoço dela que sempre provoca um pequeno murmúrio que faz os
dedos dos meus pés se curvarem. Não é bem um gemido nem bem
um grunhido, e, sempre que ouço esse ruído, perco completamente
a cabeça pelo restante da noite.
Talvez essa noite possamos partir de onde paramos. Se eu
conseguir passar um pouco de guacamole no pescoço dela, poderei
observá-la fechando os olhos enquanto eu lambo. Ouvir o gemido
que ela faz quando eu der outra lambida, só para garantir. E de
novo. Talvez chupar o pescoço dela com gentileza, como fiz na
outra noite. A julgar pelo jeito como ela pressionou o corpo contra o
meu, a pressão das pontas dos dedos contra a minha cintura, uma
pressão que ainda sinto no meu corpo, e como eu mal conseguia
ouvi-la implorando para eu fazer de novo…
As imagens daquele momento voltam à minha cabeça: Jasmine
tirando a camiseta para dar um acesso mais fácil àquele lugar. Eu
tirando a minha roupa porque fazia sentido. Quem quer ter algodão
áspero roçando quando a pele da outra pessoa traz uma sensação
muito melhor? E a pele dela é tão macia, sempre cheirando a
pêssego, e…
Eu nem percebo o que estava fazendo até que minhas unhas
batem contra o azulejo do banheiro tentando achar algo para me
segurar enquanto meu corpo estremece ao toque dos meus dedos.
Seguro o nicho da saboneteira e prometo para mim mesma que vou
pensar no quanto isso tudo é confuso depois, depois que eu parar
de me sentir tão, tão bem.
Sempre fiel à minha palavra, fico me sentindo bem confusa quando
me seco depois do banho. Não sei como eu poderia descrever
porque não me sinto nojenta — não é como se eu achasse que tem
algo de errado em se masturbar (ou como se essa fosse minha
primeira vez, fala sério), ou que é errado sentir atração por uma
garota. Eu só me sinto confusa. E culpada. Esse é o jeito que me
sinto em relação à Chase; não é para eu me sentir assim sobre
Jasmine. Não é como ela quer que eu pense nela. Meu Deus, se ela
soubesse o que aconteceu, provavelmente nunca mais tocaria em
mim de novo.
Eu queria não me importar com isso.
Eu deveria não me importar com isso.
É algo que fazemos por diversão, não algo em que penso
enquanto estou tomando banho ou sinto muito profundamente. Não
é algo que fazemos com intenção de fazer.
Mas não era isso que você estava fazendo, pensando em como
fazer as coisas acontecerem?, meu cérebro me atormenta. Você
estava tentando planejar como seria, apesar de ser apenas um
lance ocasional entre as duas.
Exceto que não é bem ocasional.
Quando é que parou de ser ocasional?
É demais. Está perturbando minha cabeça. Eu já tenho a minha
rotina de banho definida, e ela envolve um jogador de futebol,
camisa 14. Não há espaço para esse tipo de pensamento. Chase
funcionou bem por todos esses anos.
Enfim, nada vai acontecer essa noite. Todos nossos amigos vêm
para a festa, assim como os amigos de Declan, e, conhecendo
minha mãe, ela provavelmente convidou algum novo amigo russo. A
casa e a praia estarão cheias, e talvez apareça algum cara para eu
poder me entreter — alguém que faça sentido para ser um perfeito
substituto até eu estar de volta na órbita de Chase.
Eu me mantenho firme nesse plano enquanto me visto como
uma boa garota do campo, amarrando uma blusa sem mangas
xadrez (obrigada, Jasmine) abaixo dos seios, fazendo par com um
short curto. Vou precisar me agasalhar quando a noite cair, mas, por
enquanto, estou bonitinha e pronta para o verão e para aproveitar
muito. Arrumo meus cachos exatamente como me ensinaram no
Seaside e passo só um pouco de maquiagem, já que ainda não
consegui achar um rímel barato que cumpra a promessa de ser “à
prova d’água” quando se trata de festas na praia.
Estou colocando as argolas douradas que minha mãe me deu de
presente de aniversário de dezesseis anos quando ela entra.
— Ah, Larotchka. Você está tão bonita. Está tentando
impressionar alguém essa noite?
— Espero que sim — digo com um sorriso. — Você ainda está
com as roupas de trabalho! As pessoas vão chegar daqui a pouco.
— Eu sei, eu sei. — Ela deixa a bolsa na cama e se abana. —
Não posso nem pensar no que vestir até tomar um banho. Dizem
que os verões em Nova York são ruins, mas esse calor é
insuportável.
— Está com saudades dos seus lindos invernos a menos trinta
graus? — provoco.
— Ha, ha — ela diz, pronunciando o H como a pronúncia mais
forte do kh russo. — Claramente você tem o senso de humor do seu
pai.
Ela sempre faz isso, só o traz à tona estritamente para ofender.
Já me acostumei, então mal noto. Só que essa noite minha cabeça
está mergulhada em confusão sobre romance e relacionamentos, e
tenho mil perguntas sobre ele e os dois que sei que ela nunca vai
responder.
Mas meu pai era um “ele”, então como é que ia adiantar?
Antes de eu fazer uma pergunta coerente, ela entra no banheiro
para o banho de que tanto precisa, me deixando para que eu possa
me jogar na cama com um gemido de pena de mim mesma.
Nós só estamos nos divertindo. Eu sei disso. Sou eternamente
obcecada por Chase Harding, e presumo que Jasmine ainda esteja
ficando com Carter, naqueles momentos raros em que eu a perco
em alguma festa na praia. Não que eu ache que tem mais coisa
acontecendo, é só que…
Só que o quê?
Esse é o seu problema, Shannon diria. Você não é capaz de
aceitar um “só”. Você acha que pode, mas sempre precisa saber o
que está por trás das coisas e, às vezes, não tem nada.
Talvez falar com Shannon seja exatamente do que preciso. Pode
ser que ela dê conselhos demais, e às vezes eles sejam
genuinamente ruins, mas nem sempre. Às vezes é exatamente o
que eu preciso ouvir, tão suficiente que a ouço mesmo ela estando a
milhares de quilômetros de distância. Pego meu celular para conferir
a hora e faço um cálculo rápido para ver se é tarde demais para
ligar.
É mais ou menos uma da manhã em Paris, o que é mais ou
menos no limite do aceitável, mas o que eu diria? Oi, Shan — olha,
estou ficando com essa garota e estou confusa sobre o que isso
significa? Como é que ela entenderia, sem conhecer Jasmine?
Talvez o conselho da Shannon imaginária esteja certo. Às vezes,
“só” é só isso. Jasmine e eu estamos só nos divertindo. Não é como
se as coisas estivessem acontecendo intencionalmente; elas só
acontecem quando estamos fazendo outras coisas. O que seria
mais “só” do que isso?
Satisfeita, dou um último retoque na maquiagem, tiro uma selfie
e pego o novo livro da Clementine Walker. Quem é que precisa de
um amor complicado quando dá para escapar para a fofura pura?

Meia hora depois, a festa está de vento em popa, e os convidados


rodeiam as mesas cobertas de toalhas xadrez nas quais estão
servidas travessas cheias de camarão-rosa, lagostim, salsicha, siri e
milho. O ar tem um cheiro salgado, picante e doce, e minha boca
está salivando, mesmo que eu esteja secretamente com medo do
lagostim e daquelas cabeças estranhas.
— Você vem ou não? — Jasmine chama da mesa que divide
com Keisha, Brea, Derek e Owen, garrafas de vidro e coolers
coloridos esparramados pelo tecido na frente deles. — Onde você
estava?
Eu tinha ficado envolvida demais com meu livro, o que é
vergonhoso dizer pois já o tinha lido uma vez nessas férias. E só
tirei os olhos dele porque Gia fez uma chamada de vídeo do
acampamento de torcida, coisa que ela faz toda semana para me
mostrar o que estou perdendo desde que larguei a equipe. Quando
finalmente desligamos, todo mundo já tinha chegado e a comida já
estava nos pratos, fora das panelas.
— Uma amiga ligou — é tudo o que digo enquanto pego um
prato e sento a minha bunda em uma das cadeiras de plástico
branco, meus olhos examinando famintos a seleção na minha
frente.
Salsicha é seguro, não dá para crescer sendo a neta de Tolya
Bogdan sem se encher de kolbasa em qualquer ocasião. Olho para
minha mãe e vejo que ela pensou a mesma coisa. Declan está
sentado ao lado dela e rindo enquanto aponta para as outras
comidas.
— Você está perdendo esse lagostim bom pra caramba — diz
Keisha, pegando um da pilha e o abrindo tão rapidamente que nem
consigo ver como ela faz. — Não fazem lagostim assim lá em DC. É
a melhor parte de vir pra cá no verão.
— E isso vindo de alguém que nem sabe comer isso direito —
diz Derek, pegando uma das patas em vermelho-vivo, torcendo e…
ah, meu Deus, ele está chupando algo da casca.
— Beber o suco é nojento. — Brea franze o nariz. — A Keisha
come do jeito normal.
— O suco é a melhor parte! — Jasmine protesta, e é atordoante
ficar observando todos atacarem a pilha de lagostins, cada um com
métodos diferentes. Eles retorcem, puxam, quebram, bebem,
mordem e saboreiam em voz alta, mas não consigo acompanhar;
em vez disso, pego uma ostra.
Claramente, não sou muito sutil.
— Você não vai nem experimentar? — Jasmine pergunta,
olhando meu prato como se não tivesse nada além de arroz branco
puro.
— Eu estou bem — digo. Não vou admitir que não sei como
comer aquelas comidas.
— Não me diga que você tem medo igual a sua mãe.
— Ei, deixa minha mãe fora disso. — Faço um gesto de repúdio
com a mão. — As ostras e as salsichas estão deliciosas.
Brea suspira.
— Docinho, você é de Nova York. Não é crime ser uma ianque
que não sabe comer um lagostim. É só admitir.
Meu rosto cora, mas os outros riem e comem mais um cada,
aumentando a pilha de cascas vazias na tigela na nossa frente.
Jasmine ri.
— Vou te mostrar como faz. Pegue um.
Observo seus dedos enquanto ela cuidadosamente abre a
casca, o esmalte menta brilhando. Pego um lagostim e tento
reproduzir os movimentos dela, mas acabo o apertando na minha
mão e dou um gritinho de surpresa.
Todo mundo solta uma gargalhada, mas Jasmine sorri e diz:
— Bom, vamos ao menos deixar você experimentar um pouco.
— Ela inclina a casca que tem o suco na minha boca, e fico
determinada a não me enojar. Na verdade, é bom, especialmente
quando acompanhado da carne que ela consegue liberar da casca e
segura entre os dedos para que eu coma de sua mão.
— Tá bom, é gostoso — admito —, mas eu claramente não vou
ficar abrindo isso sozinha.
— Deixa comigo.
Jasmine abre mais um e me alimenta da mesma forma, e nós
duas rimos quando acabo derrubando o suco em mim. Depois de
um tempo, conseguimos entrar em um ritmo bagunçado, e não
consigo nem contar quantos lagostins nós cinco comemos enquanto
o sol se põe abaixo do horizonte.
Quando a festa finalmente acaba e a arrumação começa, sinto
como se estivesse para explodir, mas valeu a pena. Acho que foi a
maior diversão que tive no verão todo. Sinto saudades das minhas
amigas, mas os amigos que fiz aqui são tão incríveis que é
impossível desejar que eu tivesse escolhido ir ao acampamento com
Gia, ou ficar com inveja da viagem da Shannon para Paris ou da Kiki
para o Japão, e eu certamente não estou mais desejando espanar o
pó das prateleiras na Book & Bean.
Keisha e Owen até ficam mais tempo nos ajudando a limpar.
Keisha e eu estamos pegando copos e garrafas da mesa quando
ela diz:
— Vocês duas são fofas juntas.
Eu inclino minha cabeça.
— Quem?
As sobrancelhas dela se levantam até o couro cabeludo.
— Sério?
Um bilhão de lagostins se movimentam no meu estômago,
nadando na sidra sabor maçã. Não sei a razão, mas quero ouvi-la
dizer em voz alta, talvez para assim parar de me sentir delirante. Só
que já me fingi de sonsa, e agora afirmar que eu sei de quem ela
está falando é reconhecer que eu também vejo alguma coisa. O que
não é uma opção. Dou de ombros em vez disso.
Keisha revira os olhos, mas não fala mais nada. Ela certamente
já teve a própria experiência irritante com pessoas tentando juntá-la
com alguém.
— Você acha que vai voltar no próximo verão? Ou isso é uma
coisa de uma vez só pra você e sua mãe?
Não tinha me ocorrido que talvez nunca mais façamos isso de
novo. Mas até aí, eu também não tinha pensado muito em como
isso ia acabar, a vida voltando ao status quo. É difícil demais
imaginar acordar em uma casa que não é preenchida com o som da
Jasmine cantarolando fora do tom as músicas indie rock de que ela
mais gosta, ou indo a festas onde ninguém vai apostar quantas
bebidas demorará até que Owen resolva desafiar alguém para uma
competição de dança. (Ele sempre perde. É um dançarino horrível,
enquanto Jack foi treinado classicamente no balé, Brea é tão flexível
que o corpo dela se mexe como líquido e o principal objetivo de
Keisha depois de entrar para ciência da computação é entrar para o
grupo de step dance em Georgetown.)
Será que eu poderia mesmo fazer parte desse grupo? Acho que
eu gostaria de fazer. Amo minhas amigas — o quanto nos
divertimos, o quanto sempre estimulamos umas às outras e como
sempre nos apoiamos —, mas aqui parece… Eu posso ser e fazer
outras coisas. Não preciso saber exatamente quem sou e o que
quero. Sou uma garota do verão, vivendo em um vídeo de melhores
momentos. Talvez eu não queira nada mais real do que isso.
Só que assim como não tive escolha esse verão, tampouco terei
no próximo.
— Depende do trabalho da minha mãe — respondo, já com
medo de me apegar demais a essa ideia. — Eu adoraria. Gosto de
ficar com vocês.
Ela abre um sorriso leve, de alguém que sabe de alguma coisa,
e diz:
— É, eu sei com quem você gosta de ficar.
E mesmo que seja absurdo e terrível, mais uma vez eu quero
que ela force a barra, em voz alta, para me dizer que nós
parecemos alguma coisa apesar de eu nem saber se quero que nós
pareçamos algo. Só que Keisha não é esse tipo de pessoa, então
terminamos de limpar a mesa em silêncio.

AGORA
Dou uma desculpa para sair da festa e pego meu celular enquanto
vou para o quintal. Só falei com Keisha algumas vezes desde o
verão — comentando nas selfies uma da outra, numa mensagem do
grupo em que ela contou que conseguiu entrar na equipe de step e
para a qual respondemos com todos os emojis de comemoração
que existem —, mas ligo para ela sem hesitar. Não quero ter essa
conversa sem ouvir o tom de sua voz.
— E aí, garota — ela diz, e instantaneamente me transporta de
volta para o deque da casa de seus pais, para as tardes jogando
espadas e tomando chá adocicado e para a bagunça no closet dela
com Brea e Jasmine enquanto ela ficava jogando Fortnite com uns
amigos da escola. — O que houve?
A pergunta que está na ponta da minha língua morre.
— Você anda meio sumida — digo, apesar de essa ser uma das
frases que eu mais odeio. — Estou numa festa e fiquei pensando
em você. Pensei em te dar um oi.
Não é uma completa mentira, ao menos.
— Aaaah, a mesma festa em que a Jasmine está? Parece
divertido!
Eu pisco, lentamente.
— Como você sabe que a Jasmine está aqui?
— Eu a ajudei a escolher uma roupa pelo FaceTime e acabei de
ver a performance dela no karaokê numa live do Instagram. Foi
tudo.
Você não faz ideia. Assim como eu não tinha noção de que elas
se falavam tanto sem ser no verão. Bom, lá se vai a ideia de abrir
meu coração para a Keisha.
— Você sabia que ela estava se transferindo pra cá?
— Bom, foi uma decisão de última hora, então eu só fiquei
sabendo na noite antes da mudança. Tudo o que ela me disse é que
a mãe estava vendendo a casa e se mudando pra mais perto da
família, então elas acharam que seria melhor se ela ficasse na
mesma escola durante o ano todo. Foi um pouco esquisito a mãe
dela não poder esperar até a formatura, mas a Jas parecia tranquila
com isso. Bom, você deve saber mais do que eu.
Era de se esperar. Tantos segredos. Tantas perguntas.
Eu desvio dessa questão. Não quero que ela saiba que eu não
sei, que minha proximidade com Jasmine nesse último verão foi
uma coisa meio temporária, atrelada às marés ou sei lá.
— Bom, presumo que, já que nós duas estamos aqui, isso
significa que podemos fazer você vir nos visitar.
Keisha ri.
— Você sabe que eu acabei de ter essa conversa com a
Jasmine duas horas atrás, certo? Vocês duas estão coordenando
essa coerção ou o quê?
— Você sabe que sim — minto, porque não sei explicar como
nós não poderíamos fazer isso. — Isso significa que você está
pensando nisso?
— Estou. Estou resolvendo algumas coisas, mas aviso vocês.
Fico surpresa ao descobrir que a ideia de Keisha vir visitar tira
algo do meu peito e fica mais fácil de respirar. Ver Keisha de novo
seria como ter de volta um pedaço do meu verão, conectar essa
parte de mim com a minha pessoa de agora, já que ver Jasmine fez
essas partes se afastarem mais.
Percebo que faz tempo desde a última vez que me senti como
eu mesma. Talvez ver Keisha traga essa sensação de volta.
Talvez também faça Jasmine e eu voltarmos ao normal.
Seja lá o que isso signifique.
Capítulo dezesseis

É uma manhã estranhamente lenta na Book & Bean, e não


consigo tomar mais nenhum café das minhas artes fracassadas,
então faço algo que estou tão animada quanto temerosa por fazer.
Pego o livro que comecei a escrever durante esse verão.
Eu tinha tentado escrever no laptop na casa da praia, mas ficar
digitando num computador fazia a tentativa parecer real demais,
então acabei comprando um caderno espiral com estampa de
flamingos em uma loja brega de turista, sentei a bunda em uma
espreguiçadeira na beira da piscina e escrevi. Só que não cheguei
muito longe. Era uma história boba e incoerente sobre um cara
chamado Oliver e uma garota chamada Jillian que se conheciam na
praia em — onde mais poderia ser — Outer Banks e se davam bem
logo de cara, só para descobrir que ficariam morando na mesma
casa durante o verão. Infelizmente, depois desse momento de “oh,
não!” inicial, acabei ficando sem enredo, então deixei o caderno de
lado e esqueci o livro por completo.
Mas, depois de falar com Keisha ontem à noite, tenho uma ideia
— Oliver e Jillian não estão sozinhos na casa. Tem mais gente lá.
Ao menos mais duas pessoas. Assim que essa ideia surge, esses
personagens começam a viver no meu cérebro, e apresento
Andrew, o salva-vidas que pode escolher qualquer mulher, e Nadia,
porque é claro que eu tenho que ter uma garota russa como
personagem. Nadia está trabalhando como garçonete e tem um
cheiro perpétuo de camarão frito, tanto que Jillian precisa olhar duas
vezes para perceber que, com suas pernas impossivelmente longas
e seu cabelo loiro platinado, Nadia é espetacular.
Minha caneta paira sobre a página. Por que importa Nadia ser
linda se Oliver é o interesse romântico de Jillian? Hum, talvez Jillian
esteja com ciúmes, preocupada se Oliver vai se interessar por ela?
Não, não consigo ver Jillian como alguém insegura e definitivamente
não quero montar uma dessas tramas de ódio gratuito entre
mulheres… Eu me certifico de escrever que é um encontro amigável
e sorrio enquanto descrevo Nadia xingando em russo quando
derruba sua caneca de café.
“— É melhor você praticar um pouco mais essas habilidades
antes de começar no trabalho novo — Jillian a avisa, a voz cheia de
provocação amigável. — Geralmente não é assim que a clientela
gosta de ganhar uma segunda dose grátis.”
Meu celular toca, e eu me afasto do caderno para olhar a tela.
Falei com a Keisha ontem à noite. Ela disse que falou com você
sobre vir pra cá.
É a primeira vez que recebo uma mensagem da Jasmine desde
que ela respondeu com um emoji de coração a mensagem de tchau
que mandei do aeroporto em Norfolk. Ainda está visível na
conversa. Eu poderia rolar para cima e ver páginas e páginas de
provas de que nós já fomos mais do que somos agora.
Só que não faço isso.
Meu corpo inteiro fica gelado quando vejo o nome dela, o
coração vermelho provocante. Que porra foi aquela com a música
ontem à noite? Sou eu que tenho um namorado. Eu claramente já
segui em frente. Por que ela acha que precisa cantar para mim em
uma sala com todos os meus amigos — meus amigos, não importa
qual tipo de elo está sendo criado entre ela e Shannon — que o que
aconteceu foi só mais um joguinho de verão? Eu sei. Eu tenho um
namorado.
E nem ela nem o meu namorado precisam saber como me senti
quando ouvi aquela música, ou como me senti enquanto a
observava no palco, ou como corri para ligar para Keisha porque
queria escutar a voz de alguém que um dia achou que nós
parecíamos duas pessoas que gostavam uma da outra. Eu
literalmente paguei um boquete para Chase ontem à noite. Estou
fazendo tudo certinho. Estou fazendo todas as coisas que deveria
estar fazendo.
Então por que quero ficar aqui e chorar na frente das garrafas de
calda caramelizada?
Aham, respondo, piscando para esconder as lágrimas que
alfinetam minhas pálpebras. Ela disse que você tinha falado sobre
isso também. Grandes mentes, acho.
Nem um minuto depois, a resposta chega. É, tá, a gente te avisa
quando achar uma data.
É só isso que Jasmine tem para me falar um dia depois daquele
show? Ela queria me avisar que eu não fazia parte daquela
conversa? Meu Deus, nem sei por que essa palhaçada me
surpreende. Se ela quisesse conversar, poderia ter vindo até aqui;
ela sabe exatamente onde estou às dez da manhã de sábado. Todo
mundo sabe. E se ela não quisesse falar, bom, acho que é assim
que ela me avisa.
Valeu, acho, penso.
Vlw, é o que respondo de verdade.
Deixo meu celular de lado e volto para o meu caderno, feliz por
passar um tempo com pessoas que não podem me mandar
mensagens escrotas. É mais fácil do que eu imagino voltar para
onde parei. Nadia está respondendo Jillian com uma provocação.
Jillian replica imitando o sotaque russo de Nadia de brincadeira e
então pede a Nadia para ensinar alguns palavrões a ela. Em algum
ponto no meio da escrita, percebo que esqueci Oliver no churrasco,
e apressadamente acrescento que Jillian está conversando com
Nadia enquanto espera O Cara aparecer de novo.
Estou num ritmo bom quando sou repentinamente interrompida
por dedos passando pela página. Olho para cima, piscando na
direção da luz e lembrando que ainda estou no trabalho, e dou um
sobressalto quando vejo Chase, os olhos cor de mel brilhando
quando ri.
— O que está te ocupando tanto? Te chamei umas três vezes.
Você está atrasada em algum trabalho?
Bom, acho que O Cara chegou.
— Só algo que estou fazendo por diversão. — Fecho o caderno
com relutância e o guardo atrás do balcão. — O que te traz à Book
& Bean? Você ficou sabendo da arte incrível que estão fazendo nos
cafés?
— Hum, eu me lembro de uma linda garota com quem eu estava
numa festa ontem à noite mencionar algo assim. Achei que devia
ver por mim mesmo e descobrir se a barista não faz uma promoção
para incluir um beijo no café.
Um beijo parece a forma perfeita de esquecer todo esse drama
idiota, então fico na ponta dos pés e puxo Chase pelo colarinho,
diminuindo a diferença das nossas alturas enquanto pressiono meus
lábios nos dele. Eu o beijo com toda a força da minha raiva e
confusão entre Jasmine e o desejo que tenho por ele há tanto
tempo.
Quando nos afastamos, ele parece um pouco com um
personagem de desenho que acabou de ser atingido por uma
marreta, estrelas e passarinhos voando ao redor da cabeça.
Ele está como eu queria estar me sentindo. Mas tudo o que sinto
é que mal posso esperar para terminar a cena entre Jillian e Nadia.

Na segunda de manhã, sinto que vou explodir se não conversar com


alguém sobre o que está acontecendo na minha cabeça. Faço a
lista de prós e contras em falar com a minha mãe, com Shannon,
Kiki e Gia, mas não consigo me imaginar tendo essa conversa com
nenhuma delas. Eu não sei o que minha mãe acha de
relacionamentos com pessoas do mesmo gênero, mas sei que não
é exatamente bem-visto na Rússia. Eu conto a ela praticamente
tudo, mas, considerando que envolve a filha do chefe dela, preciso
ter um pouco mais de certeza antes de jogar essa bomba em
particular.
E quanto às outras… mesmo sendo tranquilas com relação a
isso — e eu tenho bastante confiança de que ao menos Shannon e
Kiki seriam, e estou em dúvida sobre Gia porque ela vem de uma
família supertradicional —, nenhuma delas levaria numa boa eu ter
mentido por todo um semestre. E talvez Kiki já saiba de alguma
coisa ou talvez não, mas o podcast dela está mais popular do que
nunca, e eu não sei se posso confiar nela para manter segredo.
Quando entro na aula de laboratório, encaro a resposta mais
óbvia do mundo.
— Oi, parceira — digo, enquanto me sento ao lado de Jamie. —
Como foi seu fim de semana?
— Ótimo! — O rosto dela se ilumina. — Levei Taylor para a
cidade na sexta e fomos ver a banda favorita delu, consegui uns
ingressos como presente de aniversário. Foi incrível. E você?
Presumo que tenha ido na festa do Ferris.
— Fui. Foi divertido — digo automaticamente, sabendo que não
tem qualquer chance de a expressão no meu rosto ser equivalente
ao brilho dela quando fala sobre seu fim de semana com Taylor. Só
que ela me deu uma abertura, e preciso aproveitar antes que o sinal
toque. — Nada de mais. Não exatamente o encontro mais incrível
do mundo. — Eu meneio minhas sobrancelhas, e ela dá risada.
— É, encontros são mais a nossa praia do que festas. Quanto
menos gente que conhecemos, melhor.
— Entendo — digo, apesar de geralmente ser o oposto da minha
filosofia. — Vocês já sabiam que concordavam nisso quando
começaram a namorar? E, aliás, como começaram a namorar?
Não é a transição mais fluida, mas não é muito difícil fazer Jamie
falar sobre Taylor. Eu pergunto sobre o fim de semana dela quase
todas as segundas de manhã e, nos últimos seis meses, Taylor
sempre esteve presente em suas respostas.
— Elu entrou no lugar de outra pessoa na nossa sessão
semanal de Dungeons & Dragons e, depois de umas semanas
tendo um crush enorme, eu só… dei a elu um conjunto de dados
nas cores da bandeira não binária que vi on-line, e foi só isso.
Provavelmente a coisa mais corajosa que já fiz, honestamente.
É sim, mas não é nessa parte que estou focando.
— Só que não tinha nenhuma… dúvida de se você… — Paro de
falar, sem ter certeza como dizer o resto.
— Eu já tinha saído do armário como bi, e elu já tinha me falado
que era pan e não binárie, se é o que está perguntando. Não que
isso significasse que elu sentiria alguma atração por mim, mas eu
sabia que não estava fora da questão.
— É, era isso — digo, grata que ela entendeu o que eu queria
dizer, mesmo que a resposta faça minhas bochechas esquentarem.
— Então, faz muito tempo que você saiu do armário?
Ela é assumida desde que eu a conheço, mas só se mudou de
Connecticut para Stratford há dois anos.
— Ah, sim. Tipo, desde a quinta série. E mesmo naquele tempo
não era como se eu precisasse me assumir. Meu quarto era um altar
dedicado à Mulher Maravilha, e eu nem leio quadrinhos. — Ela abre
um sorriso. — Não foi difícil pra minha mãe e meu padrasto
sacarem.
— E Taylor?
— Mais ou menos a mesma coisa. Elu se apresentou com os
pronomes corretos no instante em que nos conhecemos, então
nunca vi elu se identificar de outra forma.
Bom, isso é ótimo para Jamie e Taylor, mas não me ajuda de
forma alguma.
Ou talvez ajude. Talvez deixe claro que estou fazendo uma
tempestade em copo d’água. Se ser bi significa saber isso desde
sempre, bom, eu não sou. As únicas garotas nas paredes do meu
quarto são minhas amigas, e eu certamente não gosto de nenhuma
delas desse jeito.
Isso liquida o assunto. Eu sou hétero. Como sempre pensei.
Espero a sensação de um peso sair dos meus ombros, só que
nunca acontece.
Capítulo dezessete
AGORA
— Quem está com o iluminador?
Passo a maquiagem para Gia e volto a focar nas minhas
sobrancelhas, que, apesar de eu ter tirado com cera ontem,
parecem que ainda precisam de um ajuste, ou uns doze. Ou talvez
eu tenha tirado fios demais. Não consigo acompanhar a moda de
sobrancelhas.
— O líquido, não o pó — diz Gia impaciente, e dou de ombros.
A festa de volta às aulas chegou rápido demais, e, apesar de eu
ter um ótimo vestido com uma linda saia de tule bem volumosa e
lantejoulas o suficiente no corpete para envergonhar um céu
estrelado, está sendo impossível ficar empolgada com a parte da
noite que envolve me arrumar.
— Aqui, aqui. — Kiki entrega o bastão e me empurra gentilmente
para fora do caminho para que ela possa examinar as opções de
brinco no espelho. — De qual dos dois vocês gostam mais?
Examino suas orelhas. Kiki quase nunca troca os brincos de
pérola que seus pais deram para ela de presente de dezessete
anos, então demora um segundo para me acostumar com a ideia
das orelhas brilhantes.
— Os pendentes são bem interessantes, mas os solitários de
diamante são mais elegantes.
— Ok, então quero ser interessante ou elegante? — ela
pergunta, virando o rosto de um lado para o outro.
— Você é sempre interessante — diz Shannon docemente. —
Talvez devesse tentar ser elegante uma vez na vida.
O restante de nós cai na gargalhada com o comentário, até
mesmo Kiki.
— É melhor não sair do que já está funcionando pra mim — ela
diz, tirando o solitário e devolvendo-o para Shannon. — Elegante é
entediante.
Shannon coloca os brincos de volta no porta-joias, uma caixa de
antiquário enorme que os pais compraram para ela quando
gabaritou a prova de história estadunidense. Metade do quarto dela
é cheio desses pequenos troféus — uma bolsa Kate Spade pelo
primeiro boletim só com notas dez, um quadro sofisticado de uma
bailarina por ter conseguido o papel principal no recital na quinta
série, um par de Loubotins quando o time dela ficou em primeiro
lugar no modelo diplomático. Para fazer um testemunho sincero
sobre o seu caráter, Shannon sempre compartilha tudo — os
solitários de diamante, a maquiagem cara e até mesmo os pentes
primorosos que estou usando para segurar meus cachos longe do
rosto.
— Aposto que o seu par vai estar elegante — Shannon diz,
tirando uma bolota minúscula de rímel dos seus cílios perfeitos.
Eu engasgo.
— Por par você quer dizer o aplicativo de podcast?
As outras três garotas trocam olhares.
— Acho que Shannon quis dizer o par de verdade — diz Gia,
cuidadosamente esfregando o iluminador líquido na maçã do rosto.
— Espera, o quê? — Cruzo os braços por cima do peito, as
lantejoulas cor-de-rosa que cobrem o corpete tomara que caia
cutucando a minha pele. — E desde quando você, Akiko Takayama,
tem um par? E como é que eu estou ouvindo isso cinco segundos
antes de entrarmos na limusine?
— Não é grande coisa, rainha do drama — ela diz, grunhindo em
desdém. — Eu vou com a Jasmine.
Hum, achei que eu estava ouvindo bem, mas está claro que algo
está disfuncional, porque não tem nenhum jeito de eu ter sido
informada na noite do baile que Jasmine Killary está indo na minha
limo como o par de uma das minhas melhores amigas.
— Perdão, você está indo com quem?
Shannon e Gia inspiram ao mesmo tempo, prendendo a
respiração.
— Uau, Lar — diz Gia, tirando poeira imaginária do seu vestido
prateado —, é o século vinte e um. Não é grande coisa.
Demora alguns segundos para perceber que ninguém menos
que Gia Peretti está querendo me dar um sermão sobre homofobia,
e isso é tão errado e ridículo que eu poderia morrer. Ao lado dela,
Shannon está sacudindo a cabeça em uma incredulidade
semelhante, e preciso me controlar com tudo para não gritar.
Como é que essa é minha vida?
Solto a respiração abruptamente e junto minhas mãos.
— Ok, vamos tentar isso de novo. Kiki! Estou muito feliz que
você tenha um par! E é ótimo que seja uma garota! Eu só não
entendo como o fato de você ter um par, de qualquer gênero, não
entrou em uma conversa até agora. Comigo, ao menos.
Ela dá de ombros.
— Foi meio de última hora, mas ela não estava indo com
ninguém, e eu ia ficar de vela para vocês todas de qualquer modo,
então...
— Ótimo — digo, entredentes.
Felizmente, a campainha atravessa a tensão que preenche o ar
e Gia solta um gritinho, acabando efetivamente com qualquer
conversa. Cada uma de nós se olha uma última vez — e faz uma
aplicação final de gloss — antes de descermos as escadas para
deixar que nossos pares apreciem por inteiro nossa descida
glamorosa.
— Nós vamos como amigas — Kiki murmura alto o suficiente
para que eu possa ouvir, e percebo o sorrisinho meio de lado que
ela dá quando passa por mim para que seja a primeira a descer.
As palavras dela cortam afiadas e quentes nas minhas
entranhas enquanto as camadas dessa declaração me atingem.
Primeira camada: Kiki evidentemente sabe dos meus
sentimentos por Jasmine, e talvez até mesmo da nossa história.
Segunda camada: Kiki se assumiu queer para testar as águas, e
queria que eu visse que Shannon e Gia passaram no teste com
louvor.
Só que Kiki não sabe sobre a festa, a música, como Jasmine
basicamente me disse para eu ir para a puta que pariu na frente de
todo mundo. Ela não sabe o quão mais fundo eu fui com Chase. Ela
é claramente mais romântica do que eu pensava, ou ao menos uma
amiga melhor do que eu, mas até mesmo a maior detetive de
Stratford está sem algumas peças importantes do quebra-cabeça
desse caso, e agora não há mais um jeito de preenchê-lo.
Especialmente quando chego no topo das escadas e vejo
Jasmine lá embaixo.
Ela está… radiante. Não tem outra palavra. Ela está vestindo um
conjunto de duas peças: dourado brilhante na parte de cima e uma
saia sedosa embaixo, curta o suficiente para mostrar as longas
pernas que cintilam com um pouco daquele hidratante que eu amo.
Ela usa um conjunto de braceletes dourados mais elegantes que os
de sempre e que combinam com os brincos que ocupam os lóbulos
da orelha. Até mesmo os olhos dela parecem de ouro líquido,
delineados por preto-kajal. Parece que alguém enfiou a mão no meu
peito e apertou meu coração com tudo. Preciso parar de encará-la,
mas não consigo.
Não até ouvir o “aí está minha garota!” na voz carinhosa de
Chase, e é como se alguém tivesse jogado um balde de Gatorade
frio em cima de mim e desenhado arte em café com meus órgãos
internos.
Isso faz algum sentido? Sei lá. Nada mais faz sentido.
Eu me forço a descer as escadas nas minhas plataformas
prateadas e pego a mão que ele estica na minha direção, aceitando
o beijo que deposita delicadamente na minha bochecha para não
bagunçar minha maquiagem. A cada movimento dá para ver que ele
já fez isso antes — ser o cara bonito que busca seu lindo par, que
disse para não bagunçar nada antes de tirar fotos. Só que esse
conhecimento não me afeta, e não sei se é porque eu sei quem ele
namorou no passado, ou porque estou me sentindo estranhamente
anestesiada enquanto tudo se movimenta ao meu redor.
Nós posamos para as fotos — em um grupo de oito, em grupo
de quatro, em duplas. Eu me certifico de não olhar para Jasmine e
Kiki tirando as fotos delas, mas, quando olho de soslaio, fica claro
que Kiki estava falando a verdade. Jasmine não coloca os braços ao
redor de Kiki do jeito que Chase faz comigo e não tiram as fotos
clássicas de uma olhando nos olhos da outra, mas talvez seja
porque as duas são da mesma altura.
Não sei se Jasmine diz para Kiki que ela está linda do jeito que
Chase fala que eu estou, apesar de a Kiki definitivamente estar linda
em seu vestido gótico com um corpete de espartilho, e fico com
ciúmes mesmo sendo uma coisa idiota. Há mil fotos minhas e da
Jasmine juntas do verão passado — selfies na praia, cliques tirados
por Keisha em festas e retratos forçados por mamãe ou Declan
antes dos eventos em que a nossa presença era requisitada. Parece
que deveríamos tirar uma foto juntas por eles, ao menos. Exceto, é
claro, que ninguém sabe o quão próximos nossos pais são.
— Está tudo bem? — Chase murmura, a mão quente
atravessando o tecido fino do meu vestido, e afirmo que sim, está,
sem nem pensar no assunto.
É a festa de volta às aulas. Eu sou o par de Chase Harding.
Como é que não estaria tudo bem?
Todo mundo se aglomera na limusine, e Chase imediatamente
me puxa para mais perto. Uma parte de mim fica feliz em fazer isso,
e outra quer afastar tudo com minhas garras e terminar essa noite
antes mesmo de ela começar. Odeio me sentir assim numa noite
que deveria ser uma das melhores da minha vida, em especial
agora que estranhamente tenho uma chance boa de ganhar o título
de rainha, mas odeio tantos aspectos dos meus sentimentos
ultimamente. Esse é só mais uma na fila.
— Hora de abrir o champanhe! — Lucas grita, e de repente há
espuma esparramada por todo lugar e todo mundo está rindo e uma
garrafa está sendo passada de mão em mão. Eu não quero nada,
mas isso não me impede de beber quando chega na minha mão, e é
tão bom ter uma coisa me ocupando que tomo outro gole. E então
outro. E então mais um.
— Guarde um pouco para o resto de nós, senhora Harding! —
Shannon berra, e todo mundo cai na risada, até mesmo Chase. Eu
tento sorrir, mas esse nome me faz querer rasgar minha pele. Até
mesmo Jasmine está rindo. Como é que Jasmine está rindo?
Passo a garrafa adiante e agora não tenho mais o que fazer com
as minhas mãos, então pego a de Chase e entrelaço meus dedos
com os dele. Sei no meu coração que ele é quente e seguro, mas o
calor e a segurança não estão sendo transferidos para mim, não
importa o quanto eu aperte. Nem mesmo quando ele beija o topo da
minha cabeça.
— Está animada pra ver seu namorado ganhar o título de rei? —
Jasmine pergunta, e todo mundo aplaude enquanto Chase abaixa a
cabeça modestamente.
— Está brincando? — Aparentemente, Gia também tomou
champanhe. — Isso é literalmente o sonho da Lara se tornando
realidade. Tipo, literalmente.
Lanço um olhar irritado para ela, mas Gia está completamente
alheia, assim como todos os outros.
— Quem diria que tantos anos sendo uma fã de arquibancada
renderia alguns frutos? — Shannon diz inocentemente, e então dá
uma risadinha como se tivesse bebido demais, apesar de a garrafa
não ter chegado nela ainda.
Gia e Jasmine se juntam a ela, apesar de eu saber — eu sei —
que nunca falei com Jasmine sobre isso, o que quer dizer que
Shannon deve ter contado tudo. Quanto tempo elas passaram rindo
de mim pelas minhas costas? Que tipo de amiga faz isso?
Chase aperta minha mão e diz para todo mundo calar a boca e
passar a champanhe. Ele está tentando ser gentil, mas eu não
quero isso. Não quero nada disso. Só quero sair pelo teto solar e
correr de volta para a casa e para a minha mãe, largando esses
saltos na estrada.
Cada vez que olho para Jasmine, sinto um aperto no coração e
parece a pior traição, pior ainda que a de Shannon, porque ela me
conhece de um jeito que Shan nunca conheceu, e, por mais que eu
ame tudo em Shannon, nunca espero nada dela além disso. Ela
está lá quando eu preciso, quando dá merda. Não que isso não seja
nada, mas não é o que tinha com Jasmine. Ela não abre meus olhos
para enxergar as coisas de um jeito diferente. Ela não me faz ser a
melhor versão de mim mesma. Ela não faz eu me sentir como se eu
fosse capaz de fazer qualquer coisa, que não só sou importante,
mas que sou significante.
Como é que essa garota que já foi a minha maior torcida virou…
isso?
Capítulo dezoito
ANTES
A festa na praia fez tanto sucesso que Brea decidiu fazer uma
versão menor para o aniversário dela algumas semanas depois.
Estou prestes a responder a mensagem no grupo com um “mal
posso esperar” quando entra a resposta de Jasmine: Mil desculpas,
Brea — vou pra minha mãe nesse fds.
Imediatamente, o grupo é inundado por mensagens com vaias e
vamos sentir sua falta!, mas meus dedos ficam imóveis. Eu nunca
me encontrei com a turma toda sem Jasmine junto. Não que eu
esteja com medo de não conseguir — eu definitivamente fiquei
amiga de todos da minha própria maneira —, mas… tudo parece um
pouco menos divertido sem ela.
Abro nossa conversa particular, que é cheia de chego em 5 e
você está com o meu esmalte azul? e começo a digitar uma
mensagem, mas o que eu vou falar? Vou sentir sua falta parece
bobo; dá para falar isso no grupo com todos os outros. Não sabia
que você ia ficar fora esse final de semana parece grudento demais.
Enquanto estou pensando, uma mensagem aparece. Por um
segundo, entro em pânico pensando que enviei algo sem pensar
direito, mas não, a mensagem de Jasmine é inteiramente
espontânea.
Jasmine: Ei, sei que isso é aleatório, mas se vc quiser eu
adoraria a companhia de uma amiga quando for ver minha mãe
esse final de semana.
Uma segunda mensagem: sem pressão, seguida de uma série
de emojis sem sentido.
Um ímpeto de certeza me percorre; quero mesmo ir com
Jasmine ver a mãe dela, e é como tomar um gole de frappuccino
que congela o cérebro. Claro, parece divertido, digito de volta.
Jasmine: só pra avisar
Jasmine: ela é muito dedicada aos jantares de Shabat
Jasmine: espero que vc goste de sopa de lentilha e tamarindo
em tudo
Lara: Eu nem sei o que é tamarindo, mas se for igual a lagostim,
eu aguento. Acrescento um emoji do braço forte flexionado.
Ela manda de volta um emoji morrendo de rir. Não é. Mas vc
aguenta.

Eu provavelmente aguento tamarindo, mas conhecer Sylvia Halabi


é… muita coisa de uma vez. Da melhor forma possível.
— Entrem, entrem. — Ela nos conduz para dentro, a voz tão
baixa e melodiosa quanto a imitação que Jasmine faz. Ela dá um
beijo grande e dramático em cada bochecha de Jasmine e se vira
para fazer o mesmo comigo. — É tão bom conhecer a famosa
Larissa!
Famosa, hein? A ideia de Jasmine falar de mim para a mãe dela
— mais de uma vez — me faz perder o ar, apesar de saber que ela
obviamente precisou falar de mim para me trazer aqui. Só que
talvez a sensação seja só pelo perfume Chanel que envolve a sra.
Halabi como uma brisa de verão, suavizado apenas pelo fato de que
meu rosto foi amassado contra sua blusa de seda forte demais para
conseguir sentir ainda mais o cheiro.
— É bom conhecer a famosa mãe da Jasmine — consigo dizer,
e ela ri, uma risada profunda e rouca como a da filha.
— Você é tão bonita — ela diz carinhosamente, brincando com
um dos meus cachos.
Olha quem fala. A mãe de Jasmine é estonteante, com o mesmo
cabelo preto grosso e lustroso e olhos de um dourado líquido como
os da filha, que são ainda mais marcantes contra a sua pele mais
escura. Ela está meticulosamente maquiada, e fico preocupada se
nós a interrompemos quando ela estava prestes a sair para algum
lugar.
— Não — Jasmine diz, lendo a minha mente. — Ela fica assim o
tempo todo. — Sylvia parece confusa, e Jasmine diz: — Ela não
está acostumada com alguém que usa tanta maquiagem só pra
jantar com a filha.
— Você está ótima — murmuro, com vergonha, e ela ri.
Ela é muito mais fácil de fazer rir do que a filha, mas é difícil não
ficar ansiosa diante de sua perfeição cara e elegante. A casa é toda
mármore, dourado e vidro; deslumbrante e extravagante de um jeito
muito diferente da casa de Declan. Consigo entender o porquê de
acharem que eram um par antes de perceberem que na verdade
eram polos opostos.
— Vamos para a cozinha — ela convida, um braço ao redor de
cada uma, e adentramos um palácio de mármore branco que cheira
tão bem que preciso limpar minha boca para não ficar babando.
Uma mulher com uma trança pintada de vermelho chegando até a
cintura está parada ao lado do fogão, mexendo uma panela. — Essa
é a Camella. Eu precisava de uma ajudante enquanto minha filha
estava ocupada demais nadando e se bronzeando pra me ajudar a
rechear as berinjelas.
O tom da voz é de brincadeira, e ela beija Jasmine na bochecha.
Jasmine diz oi, eu me apresento, e Camella nos dá um sorriso
rápido antes de voltar sua atenção para o fogão.
Sylvia nos guia de volta para fora.
— Jasmine, por que não conduzimos Larissa por um tour pela
casa?
Ela nem pausa antes de me levar por cada cômodo, explicando
cada fotografia, contando cada história de cada peça de arte e
descrevendo o propósito de cada peça judaica. Fico orgulhosa de
chegar já conhecendo algumas coisas, como a mezuzá e a menorá
— minha mãe e eu tecnicamente também somos judias, apesar de
não sermos nem remotamente praticantes —, e Sylvia parece
igualmente satisfeita.
Acabamos no quarto de Jasmine, e Sylvia declara que ela vai
checar a comida, nos deixando ali. Existem alguns itens pessoais no
quarto de Jasmine na casa da praia, mas fica claro que aqui é onde
ela vive. Entro no quarto para examinar cada centímetro.
— Essa penteadeira é incrível — afirmo, indo diretamente para a
mesa de vidro e espelhos. Está coberta de maquiagem e lindos
frascos de perfume, nenhum que já tenha visto Jasmine usar. Em
Outer Banks ela sempre cheira a protetor solar, hidratante de
pêssego, shampoo de madressilva, cloro e água salgada. Em
Asheville, aparentemente ela cheira a Dolce & Gabbana. — Desde
quando você usa perfume?
— Desde nunca. — Ela abre um sorriso e se joga na cama
enorme e fofa. — Minha mãe acha que uma roupa não está
completa sem Chanel, então ela vive comprando perfumes para
mim na esperança que eu ache um equivalente, mas sei lá. Fico me
sentindo uma velha.
— Sua mãe parece ter trinta anos.
— Não é à toa que ela gosta de você.
Continuo bisbilhotando, olhando as fotos de Jasmine com as
amigas — é fácil saber qual é a Laila — e a sua família, passando
os dedos pela enorme coleção de quadrinhos, fuçando o guarda-
roupa.
— Eu não acredito que você ainda deixou tudo isso aqui,
considerando o tanto de roupas que levou pra praia.
— Como posso me defender? As mulheres Halabi gostam de
fazer compras! Mas também doamos bastante coisa pra caridade —
ela diz, cruzando os braços, na defensiva.
— Não duvido. — Se tem uma coisa que tanto Sylvia quanto
Jasmine irradiam, é um coração caloroso. — Só que, uau… Isso é
impressionante.
— Os judeus da Síria não brincam em serviço. Espera só você
ver o jantar.
Ela não estava brincando. Sylvia nos chama alguns minutos
depois, e meus olhos se arregalam quando vejo toda a comida.
— Por acaso a sua mãe achou que todos os seus amigos
estavam vindo? — sussurro para Jasmine.
— Ah, não. Ela pegou leve só pra nós três.
Jasmine só pode estar zoando. Depois de tomarmos vinho e
comermos chalá redondo e dourado, repleto de sementes, um
banquete surge da cozinha com comida suficiente para deixar o
cozido da praia no chinelo. Como prometido, tem uma sopa de
lentilha incrível, e, depois dela, já estou meio cheia. Só que a
comida continua vindo, e descubro que não consigo recusar — não
consigo dizer não para o quibe em formato de bola de futebol
americano recheado com carne e pinoles, nem para algo chamado
lamahjun, que parece uma minipizza e cujo gosto levemente azedo
é devido ao tamarindo, segundo explicação de Jasmine, nem para o
frango cozido com canela.
— Aprecio uma garota com um bom apetite — Sylvia diz com um
sorriso, e fico corada.
Eu quase nunca como tanto assim, mas a comida é muito boa, e
Jasmine fica me encorajando a só “experimentar” as cebolas
recheadas e “dar só uma mordida” no bastel. Eu achei que a comida
fosse apimentada, mas não é, ao menos não no sentido ardente. É
saborosa — mais do que qualquer outra coisa que já comi na vida.
Minha mãe ia odiar.
— Eu te disse que ela era uma cozinheira excelente — Jasmine
diz, sem esconder o orgulho.
— Disse mesmo. — Tomo um gole de água e noto que Sylvia
quase não comeu. Jasmine mencionou isso também, que a mãe
ama cozinhar muito mais do que comer. Eu torço, de modo egoísta,
que isso signifique que levaremos as sobras para casa.
Sylvia dá um tapinha afetuoso na mão de Jasmine, e uma onda
de saudades da minha mãe se abate sobre mim. Mas é rapidamente
substituída quando percebo que isso tudo é o normal de Jasmine.
Estou olhando para a vida a que ela vai voltar depois do verão — a
comida, os jantares de sexta à noite, a penteadeira coberta de
frascos de perfume. Ela não vai voltar para Nova York com o pai
dela, e nenhuma de nós ficará na praia.
De repente, não sinto mais fome.
— Então, você sabe que gosto de cozinhar — Sylvia diz pra
mim. — Me conta, Larissa. O que você gosta de fazer por diversão?
— Ela é escritora — Jasmine responde antes de eu conseguir
falar, definitivamente sabendo que eu não usaria essa palavra se ela
não tivesse feito isso. — Ela está escrevendo um livro nesse verão.
Meu rubor anterior não é nada comparado com os níveis de
calor nas minhas bochechas agora.
— Não é nada. É só por diversão.
— E não é por diversão que tudo começa? — Sylvia diz, dando
de ombros. — Sabe, minha irmã Rachel é escritora. Jornalista. Mas
pediram para ela considerar transformar o trabalho em um livro. Se
quiser conversar com alguém sobre publicação, tenho certeza de
que ela ficaria feliz em falar com você.
É a primeira vez que deixo a palavra “escritora” ser atrelada ao
meu nome; a sensação me faz pinicar, e não parece tão ruim
quando alguém me leva a sério. Não consigo me imaginar
conversando com um profissional sobre isso, mas ainda assim
respondo com a boca cheia de arroz:
— Talvez, obrigada.
— A Rachel é bem legal — Jasmine me fala. — Ela faz um
monte de reportagens sobre o Oriente Médio, e já foi pra todos os
cantos. Ela ganha prêmios e tal.
— Onde ela está agora? — pergunto.
— Oficialmente ela mora em Washington, mas quase nunca está
lá. Provavelmente está viajando pra algum lugar tipo Marrocos ou
Jordânia. — Jasmine diz isso em tom sonhador, e fica óbvio que ela
idolatra a tia.
Deve ficar óbvio pra Sylvia também, já que ela diz:
— É interessante você achar tão legal Rachel viajar tanto,
considerando que, quando você era pequena, tinha um colapso
cada vez que seu pai viajava. Eu tinha que implorar pra ele não ir
porque eu não poderia aguentar mais uma viagem, mas é claro que
isso nunca o impediu.
Imediatamente, Jasmine endurece. Nós já conversamos sobre
como nossas mães fazem essa coisa de encontrar um jeito de
mencionar nossos pais só para criticá-los. Apesar de eu não ligar —
eu sei que meu pai é um babaca e não tenho nada a ver com ele —,
Declan ainda é muito presente na vida de Jasmine.
Não sei se Sylvia percebe que deixou a filha brava, ou sente que
o comentário foi longe demais na presença de outra pessoa, mas
ela dá uma tosse envergonhada, toma um gole de água e pergunta
o que meu pai faz.
Eu me sinto mal pelas duas — por todas nós, na verdade.
— Ele paga a pensão em dia — respondo, e Sylvia fica em
silêncio por um instante, surpresa, antes de cair na gargalhada. Até
mesmo Jasmine começa a rir.
— O que mais dá pra se esperar deles, né? — Sylvia diz,
sarcástica, e todas nós rimos de novo.
É uma noite esquisita.
Do melhor jeito.
Ficamos conversando até que as velas grandes e brancas que
Sylvia acendeu no Shabat já derreteram e só ficam traços de mel e
migalhas de pistache na bandeja de sobremesas. Então
bebericamos chá com folhas de hortelã de verdade enquanto Sylvia
me mostra fotos antigas de Jasmine, e fico rindo da longa fase de
princesa pela qual ela passou até brotarem lágrimas nos meus
olhos. Quando finalmente vamos para a cama é quase meia-noite, e
sinto que estou brilhando de dentro para fora com afeto.
Tem um quarto de visitas, mas não há nenhuma menção sobre
eu dormir lá; Jasmine tem uma cama tão grande aqui quanto em
Outer Banks. Nós colocamos nossos pijamas, escovamos os dentes
e entramos debaixo das cobertas juntas, como se eu pertencesse a
esse lugar tanto quanto ela.
Fico imaginando que os lençóis vão ter o meu cheiro quando ela
voltar, apesar de saber que não vão.
— Obrigada — digo baixinho, me aprumando na montanha de
travesseiros do meu lado da cama.
— Pelo quê? — A voz dela é mais densa por causa do sono, os
olhos já fechados.
— Por me trazer aqui pra conhecer sua mãe. Pelo jantar de
Shabat. — Inspiro o cheiro doce do shampoo que ela usa e o
vestígio de perfume que ficou na pele dela depois dos inúmeros
toques de Sylvia durante toda a noite. — Por não rir de mim sobre a
coisa toda de ser escritora?
— Por que eu riria de você? — ela murmura, já quase na beira
dos sonhos. Sinto os dedos dela acariciarem os meus e então
entrelaçarem nossas mãos, segurando firme. — Você vai fazer
coisas incríveis, Sininho.
Alguns minutos depois, o ronco leve de Jasmine preenche o ar, e
deixo que isso embale meu sono, a mão dela quente junto à minha.
Capítulo dezenove
AGORA
A festa não é muito melhor do que o tempo que passamos na
limusine, mas ao menos é mais fácil me perder na multidão e ter um
pouco de espaço longe das outras garotas. Chase está se divertindo
muito — isso é óbvio — e é um pouco contagioso. Faço meu melhor
para deixar os incômodos e a dor de cabeça da champanhe de lado
e aproveitar a noite como se deve. Quando Chase me beija, eu o
beijo de volta. Quando ele me aperta na pista de dança, eu o aperto
de volta, sentindo o quanto ele me quer. Sorrio para as fotos, sorrio
quando as pessoas me dizem o quão adorável foi o jeito como ele
me convidou para a festa, sorrio quando os recém-graduados se
aproximam para dizer um alô e parabenizá-lo pelo início da
temporada, sorrio quando Dee Harker, que estava na equipe de
torcida júnior quando eu era caloura e ela era veterana, diz “Acho
que é verdade que paciência é uma virtude!” e gesticula na direção
de Chase.
Nem mesmo as pessoas que já se formaram conseguem me ver
como algo além da Garota Que Sempre Amou Chase Harding.
No palco, alguém dá um tapinha no microfone e um chiado soa
do aparelho. Meu estômago revira. Chegou a hora de anunciar o rei
e a rainha do baile de volta às aulas. Mesmo com todos os meus
sonhos de estar ao lado de Chase com nossas coroas, eu nunca
acreditei que o título de rainha fosse algo que eu podia ganhar —
não enquanto Shannon estivesse por perto. E tudo bem, é só uma
coroa de plástico barata. Mas é um sonho bom… ou era, até eu
perceber que podia ser algo além disso. A julgar pelo tanto de
atenção que estamos recebendo essa noite, acredito que tem uma
chance grande de eu ganhar.
Acho que nunca alguém quis tanto não ganhar uma coroa.
Eles anunciam a corte para os caras, e nós aplaudimos
enquanto Lucas, Chase e alguns outros dão uma corridinha até o
palco. Imediatamente, a multidão começa a cantar “Harding!
Harding! Harding!” e o vice-diretor Kanner dá um sorrisinho bem-
humorado e diz:
— Bom, acho que não é surpresa quem recebeu o título de rei.
Chase Harding!
Eu não sei assobiar, mas tento mesmo assim e bato palmas com
todo mundo quando meu namorado se curva e aceita sua coroa.
Fica perfeita nele, como se fosse designada para ficar apoiada em
sua cabeça e evidenciar o brilho de seu olhar.
Como é que eu ficaria usando a coroa que combina com esta?
Será que pareceria que foi feita pra mim também?
Não preciso esperar muito tempo para descobrir se vou me
juntar a ele. A parte mais entediante de coroar os outros caras
usando ternos quase iguais acaba, e então chega a hora das
rainhas. Eles anunciam Shantay Reynolds, Christina Morse e então,
bum, lá vai:
— Larissa Bogdan!
E mais baixinho, porém ainda audível, ouço o sussurro de
Shannon e Jasmine de “a namorada de Chase!” e as risadas que
me seguem enquanto vou para o palco.
Fico consumida pela raiva enquanto os outros nomes são
chamados, incluindo o de Shannon, e fico observando enquanto ela
se curva docemente como se não tivesse acabado de zoar a melhor
amiga como uma usurpadora dez segundos antes. Pela primeira vez
em nossas vidas, eu quero ganhar dela, quero lhe arrancar esse
sonho que ela age como se não tivesse, puxar o tapete debaixo dos
sapatos caros.
E, então, é o que faço.
— E a rainha é… Larissa Bogdan!
O salão irrompe em aplausos quando o meu nome é anunciado
como a vencedora e, claro, talvez seja porque eu sou a namorada
do Chase, mas não me importo. Sorrio tão alegremente ao ouvir o
meu nome que tenho certeza de que Jasmine vê de onde está, e
Shannon não pode evitar observar do seu lugar vantajoso no palco.
Não quero que elas percam um segundo do momento em que a
coroa é colocada na minha cabeça, e certamente não quero que
elas deixem de ver quando Chase me pega no colo em um
movimento dramático e me beija enquanto o resto do salão parece
explodir.
— Parabéns, minha rainha — ele murmura com um sorriso. —
Como se houvesse alguma dúvida.
— Acredito que é hora da nossa dança, meu rei.
Nós vamos na direção da pista, e a sensação é de que eu
deveria estar usando algo mais dramático e que se arrastasse no
chão em vez de um vestido coquetel com uma saia volumosa e
brilhante que mal passa dos meus joelhos, mas o jeito como Chase
olha para mim quando o holofote nos encontra no ginásio
abarrotado deixa claro que ele acha que estou majestosa. Tento
focar minha atenção nele, mas, enquanto obtenho sucesso
ignorando as pessoas tirando fotos de nós e postando com emojis
de coroa, não consigo evitar procurar por Jasmine na multidão.
Quero que ela veja isso, o quão real é isso, quão real nós
somos.
Só que, quando eu a vejo, ela está fazendo um gesto de vomitar
ao lado da Kiki, que felizmente se recusa a rir.
Como ela ousa, porra? Qual é a necessidade que ela tem de
fazer eu me sentir miserável o tempo todo? Ela escolheu se afastar
de mim e me devolver para minha vida sem sequer um bilhete
avisando que ops, ela estaria se mudando para cá e eu teria que
esbarrar com ela todo santo dia, caralho. O que eu faço com relação
a isso? O que eu faço com isso?
No minuto que a dança termina, falo para Chase que volto logo.
Eu nunca o apreciei tanto quanto nesse momento por ser o tipo que
não faz perguntas. Ele me dá um beijo rápido e volta para os
amigos, e eu puxo Jasmine pelo pulso, levando-a para o corredor
sem nem me importar com quem está observando.
— Mas que porra, Lar…
— Não — eu a interrompo. — Não é essa a sua pergunta. Essa
é a minha pergunta. Que merda aconteceu com você e por que me
odeia?
— Meu Deus, Larissa, dá pra você ser mais dramática?
— Pare com essa merda, Jasmine. Você passou o mês todo
agindo como se eu mal existisse, como se o verão passado nunca
tivesse acontecido. Aconteceu. Nós passamos todos os dias juntas.
Todas as noites juntas. Significou mesmo tão pouco pra você?
Fico esperando uma resposta sarcástica, mas ela endireita a
postura até ficar reta, mais alta do que eu com seus sapatos
brilhantes. Ela está tremendo, a raiva irradiando da sua pele.
— Você não pode estar me perguntando isso. — A voz dela é
cheia de veneno. — Você não pode me dizer que sou eu que estou
cagando pra tudo quando é você que está praticamente casada com
outra pessoa.
— Meu Deus, eu não…
Ela ergue os braços, as pulseiras tilintando.
— Você está, sim, e tudo bem. Você tem a sua vida, eu tenho a
minha, e nenhuma das duas precisa se explicar ou pedir desculpas.
— Eu não estou pedindo uma explicação ou desculpas! Eu
quero você de volta! Pra onde você foi?
— Eu estou. Bem. Aqui. Porra — ela dispara. — Como é que
você não entendeu isso? Eu estou aqui. No meu último ano. Longe
dos meus amigos, da minha vida, da minha mãe. Por que você acha
que isso aconteceu, Larissa?
— Como é que vou saber se você não me conta nada? Se você
nem me falou sobre seus pais mudarem a sua guarda? Você sabia
que estava vindo pra minha escola e não me disse nada!
Ela parece querer arrancar cada mecha meticulosamente
penteada do cabelo sedoso e preto da cabeça.
— Meus pais não mudaram a minha guarda, eu mudei. E eu te
disse o porquê. Eu cantei o motivo na frente de todo mundo, cacete.
Na frente da Shannon. Na frente do seu namorado. Eu fiquei igual a
uma idiota, exatamente como fico a cada momento só por estar
aqui, e ainda assim eu tenho que ficar vendo você com ele essa
noite, e você ainda tem a coragem de me perguntar…
— Você cantou? — Nenhuma das outras palavras que ela diz se
encaixam, e tenho que fechar meus olhos para afastar tudo. Volto
para a noite em que a crueldade dela quase acabou comigo. —
Você veio até aqui pra me lembrar de que devíamos ter deixado
nosso verão em segredo? Você não precisava ter se preocupado
com isso, Jasmine. Eu recebi o recado. Eu não contei pra ninguém,
e você deixou bem claro que não significou nada pra você.
Ela pisca, devagar.
— Você só pode estar me zoando.
— Nada disso é zoeira pra mim — interrompo. — Mas, pra você,
parece que é. Bom, parabéns por fazer eu me sentir uma merda
naquela noite, do mesmo jeito que está fazendo desde que chegou
aqui.
Ela esconde o rosto nas mãos, e eu ouço um “porra” abafado
saindo por entre seus dedos.
Pela primeira vez desde antes de entrarmos na limusine, sinto
minha raiva esvair por um instante, minha guarda baixando.
Gentilmente, tiro as mãos dela do rosto.
— O que eu não entendi, Jas?
— Tudo — ela diz, dando uma risada curta. — Meu Deus,
Larissa. Tudo.
— Então você pode, por favor, me explicar? Porque você está
me confundindo. Como sempre. Me desculpe por não saber como
interpretar as coisas. — Coço a parte de cima do meu vestido, que
de repente parece apertado e incômodo demais.
— Bom, pelo jeito, preciso esclarecer a merda toda. — Ela solta
o ar, brusca, e então dobra os braços por cima do peito, o que
penso ser um modo de defesa até perceber que ela está se
abraçando. — A letra, Sininho. Ou melhor, o verso. Você não ouviu.
O verso.
Eu estava tão focada na música que ela escolheu, em bloquear
o que achei que ela estava tentando dizer, que nem prestei atenção
na letra. Em um lampejo, eu sei exatamente a qual verso ela se
refere.
Porque fui eu que a apresentei para a mágica de Demi Lovato
quando ela finalmente me deixou escolher a música no jipe dela.
Fui eu que ensinei essa letra para ela.
Consigo ver tudo como se tivesse acontecido há dez minutos, o
vento fazendo nossos cabelos grudentos com sal chicotearem pelas
janelas abertas do carro quando saímos da balsa, “Cool for the
Summer” tocando no alto-falante.
ANTES
— Demi mudou a letra da música durante o show que estava
fazendo em 2018, no mês do orgulho LGBT, pra “vá contar pra sua
mãe”. — Conto esse fato aleatório que aprendi com os fãs de Demi
Lovato no Instagram.
— Hum — diz Jasmine, tamborilando um dedo no volante. —
Isso é… definitivamente diferente.
— É mesmo — concordo. — Só uma palavra. Em vez de “não
conte pra sua mãe”, mudou pra “vá contar”, e fez os fãs ficarem
muito felizes. Eu vi fotos de verdadeiros altares com as cores do
arco-íris quando Demi fez isso.
— Bom, faz sentido. Quer dizer, mês do orgulho e tal. “Vá contar
pra sua mãe” é certamente mais orgulhoso do que “esconda essa
vergonha secreta, garota”.
Dou uma risada de deboche.
— “Vergonha secreta” parece o nome de um filme pornô bem
ruim.
— Você parece um pornô bem ruim — Jasmine responde.
E, assim, a conversa acaba.
E na noite seguinte, na frente da fogueira, tudo muda.

AGORA
Olho para o rosto de Jasmine, e é como se ela fosse somente um
coração partido; eu sei exatamente qual versão ela cantou.
— Eu não cantei pra você porque queria que você esquecesse o
verão — ela diz baixinho, confirmando. — Eu cantei pra você porque
queria que lembrasse como foi bom. Sei que foi a noite mais idiota
pra fazer isso, mas parecia como se fosse minha última chance
antes de te perder de verdade. Quando finalmente tive coragem de
olhar pra você, estava claro que eu tinha te perdido antes mesmo de
vir pra cá.
O olhar dela encontra o meu, e parece que precisa de todo o
esforço do mundo para fazer isso. O mínimo que posso fazer é
sustentar esse olhar.
— Eu me mudei pra ficar com meu pai porque não conseguia
tirar você da cabeça. Pensei em voltar pra escola e fingir que nosso
lance tinha sido só uma coisa de verão, mas não consegui. Achei
que talvez, se viesse pra cá, a gente teria uma chance de ter algo
real, mas eu não sabia como te falar que estava vindo. E antes
mesmo de eu conseguir te ver, você estava com um namorado, e
agora estou presa aqui. Vendo você viver essa vida perfeita que já
estava completa sem mim. Tentei fazer algo pra mim mesma e tentei
salvar o que restou da minha dignidade e do meu último ano, mas
tenho certeza de que estou apaixonada por você e só quero voltar
rastejando pra minha mãe. Meu coração não vai aguentar você
destruindo ele mais uma vez.
Ela abaixa o olhar, mas não se afasta.
— Desculpa por ter sido uma babaca a noite toda. Por mais
tempo até do que essa noite, acho. Eu realmente não lidei muito
bem com a ideia de que vir pra Stratford não tenha sido o que eu
esperava que fosse.
— Porque você esperava que… — Meu Deus, eu me sinto tão
lerda. E, ainda assim, meu batimento está acelerado. — Jasmine,
por que você não disse nada? Você teve um bilhão de chances!
— Tive? — ela pergunta, e talvez eu esteja partindo o coração
dela, mas a tristeza em sua voz racha o meu ao meio. — Parece
que nunca tive chance alguma.
Ela se vira para ir embora, e eu não sei o que dizer, só sei que
não quero que ela vá.
Então Jasmine se vira de novo.
— Olha, eu deveria ter te falado. Sou bi. Eu estava em dúvida
por um tempo, mas, quando você chegou nesse verão, eu
finalmente senti que sabia de verdade. E talvez pra você tenha sido
um experimento de sentir o gosto do meu batom de cereja ou sei lá.
Mas apesar disso tudo doer pra cacete e, de verdade, ser uma
merda, é bom saber de verdade quem eu sou. Então, obrigada,
acho.
Ela parece tão segura. Ela estava segura, enquanto eu só estive
oscilando por aí, achando que nós duas estávamos nesse território
estranho e inominável que foi o verão.
Eu não sei o que dizer.
Eu não sei o que pensar.
Eu não sei o que eu sou.
E nada disso importa, porque ela se foi.
Capítulo vinte

Não volto para a festa. Eu não consigo ver Chase agora, não
consigo ficar saltitando com a minha coroa e definitivamente não
consigo ver Jasmine. Por sorte, quando alguém aparece para me
encontrar no corredor, não é nenhum dos dois — é Kiki.
— Você sabe — digo.
— Eu sei.
— Sempre soube, né? Como?
Kiki dá uma batida no nariz.
— Tenho uns poderes excelentes de dedução. Além disso, vocês
duas ficam olhando uma pra outra o tempo todo quando acham que
ninguém mais está vendo. Tipo, o tempo todo mesmo. E algumas
coisas que vocês disseram sobre onde passaram o verão se
alinham, e a Jasmine tem uma foto no Instagram muito parecida
com aquela da fogueira que você mandou pra gente. Por fim, fui
atrás de saber quem era o pai dela. Não foi difícil a partir daí.
— Kiki investiga o caso.
Ela sorri, orgulhosa.
— Sempre. — Então o rosto dela fica sério. — Olha, eu sei que o
Chase é o seu sonho desde sempre, mas… como você está? A não
ser que não queira falar disso.
Eu quero falar disso?
Como eu me sinto?

ANTES
A festa de despedida das férias de Carter é muito parecida com a
festa de início, o que não faz ninguém reclamar. Na praia, rindo,
bebendo, dançando e encarando a fogueira com todo mundo, eu sei
que esse é um verão no qual vou pensar daqui a um bilhão de anos.
Não consigo acreditar que vou embora amanhã. Não acredito que
não vou morar mais a só alguns passos do oceano. Não acredito
que não vou mais cair dos jet skis de Derek ou ser massacrada por
Keisha e Carter em um jogo de espadas, ou ter noites de spa
completas com as máscaras de Brea.
Não consigo acreditar que acabou para mim e Jasmine.
Por mais que eu vá sentir falta de todo mundo, está me matando
o fato de estarmos passando nossa última noite com um bilhão de
outras pessoas. Fico tentando fazer contato visual com ela, mas,
cada vez que consigo, ela é levada para outro lugar, ou alguém a
chama para tomar um shot, ou sou arrastada para uma selfie por
Owen ou Brea. Fico querendo puxá-la para mais perto, marcar a
sensação da pele dela contra a minha, mas eu não tenho pretextos.
Meu cérebro não consegue encontrar uma única justificativa de por
que preciso pegar a mão dela naquele instante, ou por que preciso
levá-la para longe para andarmos na beira da praia, só nós duas.
Nós sempre temos alguma desculpa, uma situação que faça
nossas bocas e mãos acabarem se encontrando. É o que acontece
quando estamos só nós duas, ou vendo um filme, ou nadando, ou
deitadas juntas na rede, ou jogadas na grama para ver as estrelas,
ou tirando fotos do pôr do sol, ou num momento preguiçoso em uma
canoa.
É o que acontece com a gente de novo e de novo e de novo, e é
tão bom que não consigo parar de pensar nisso, querendo beijar a
pinta no pescoço dela, querendo tocar a pele incrivelmente macia
das suas clavículas, querendo sentir as mãos dela traçando um
caminho no meu quadril e me fazendo ver estrelas.
Como é que eu não tenho um pretexto que seja para a nossa
última noite?
Vê-la flertar com Carter certamente não ajuda, então decido me
dar um pouco de espaço e ir andar sozinha na praia. Tenho meu
celular para me fazer companhia, e passo as fotos na esperança de
que ver Gia sorrindo no topo de uma pirâmide humana no
acampamento ou Shannon com mais um cara gato parisiense me
faça ficar empolgada o bastante para que eu esqueça a tristeza pelo
que estou deixando para trás.
Mas é o último post da Kiki que me ajuda. Ela está trabalhando
em sua caligrafia, escrevendo frases cafonas em fontes divertidas e
postando no Instagram. O seu último post é “aproveite o dia” escrito
em uma letra rosa-pink gótica e cheia de redemoinhos, e é uma
frase tão oposta a Kiki que me faz cair na gargalhada.
Ainda estou rindo com o conselho completamente clichê quando
refaço meus passos de volta para a festa até Jasmine e sussurro no
ouvido dela:
— Olha, não sei um jeito bom de dizer isso, mas é minha última
noite aqui, então vou deixar as besteiras de lado. A única coisa que
quero fazer essa noite é voltar pra sua casa e tirar nossas roupas.
Posso falar isso?
Pelo minuto mais longo do mundo, eu me preparo para receber
um tapa na cara — literal ou metafórico — ou algo pior. As palavras
saem com facilidade, só que meu corpo inteiro está tremendo. Então
ela aperta minha mão e, como num passe de mágica, tudo para por
tempo o bastante para eu dar uma volta para me despedir,
abraçando e beijando todo mundo, quando Jasmine anuncia que
nós duas estamos indo embora. Prometo mandar mensagens e
notícias, mas eu mal sei o que estou falando porque acabei de dizer
na cara dura para uma garota que eu queria transar com ela e nós
estamos indo fazer isso; sinto como se eu estivesse prestes a
explodir em chamas.
Não falamos nada no caminho de volta. Não falamos nada
quando colidimos uma com a outra no segundo que entramos em
casa, nos beijando tão furiosamente que fico esperando que uma de
nós comece a sangrar. Não falamos nada quando tiramos a roupa
uma da outra e caímos na cama dela, fechando e trancando a porta
atrás de nós.
Não há palavras, mas também não há silêncio. Pela primeira
vez, não gasto energia preciosa tentando esconder cada som
desesperado que sai da minha garganta quando as unhas dela
arranham minha pele. Não faço esforço para ficar imóvel com o jeito
como os dentes dela me fazem estremecer nos lençóis. Isso é o
mais presente no momento que já estive e, a cada arfada, fico grata
pela migalha de honestidade que nos trouxe até aqui.
Além disso, não estou pensando em nada.
A respiração dela fica rápida e baixa quando beijo e toco o seu
corpo até os quadris, e olho para cima esperando um ok para
continuar, mesmo que eu não esteja 100% segura de que eu estou
ok. Ela assente rápida e furiosamente, mas é a visão das mãos dela
se agarrando nos lençóis, torcendo os punhos e os nós nos dedos
em antecipação ao que virá que acabam com qualquer hesitação
que eu poderia ter antes de me aventurar em novo território.
Não é silencioso, não quando ela grita alguns minutos depois, e
não quando nossos corpos encontram novos jeitos de se encaixar e
dançar juntos, e não quando nos apertamos com tanta força que
deixamos marcas de unha na pele uma da outra. Cada vez que
penso que não tem como chegar mais perto, descubro que estou
nos subestimando. Passamos muitas horas suadas e entrelaçadas
explorando o corpo uma da outra, e não tenho nem certeza de em
que momento eu finalmente apago.

Quando acordo, preciso de alguns segundos para a noite passada


voltar à memória, para eu lembrar por que estou completamente nua
na cama da Jasmine, abraçando o lençol ao meu redor. Eu passei a
noite toda transando — transando muito e incrivelmente — com uma
garota. Uma garota que deixarei para trás quando minha mãe e eu
voltarmos para Nova York hoje.
Uma garota que talvez eu nunca mais veja.
Uma garota que talvez tenha me deixado primeiro.
Então eu ouço o bater de panelas na cozinha e sou preenchida
por um monte de emoções confusas quando penso em encontrar
com Jasmine depois da noite passada. Mas só tenho mais algumas
horas, e ainda preciso fazer as malas, então prefiro ficar
desconfortável se isso quer dizer que não vou perder minha chance
de me despedir.
Vasculho o chão em busca de meu sutiã e calcinha e pego um
short e uma camiseta das gavetas de Jasmine — eu certamente
passei boa parte do verão mexendo em suas roupas. Ainda assim,
penso “puta merda” quando saio do quarto e vejo que ela não está
sozinha na cozinha — Declan está com ela, bebericando uma xícara
de café.
— Larissa! Achei que estaria fazendo as malas.
Eu nem sei o que dizer. Jasmine e eu dormimos bastante no
quarto uma da outra durante o verão, mas, por alguma razão, fico
convencida de que ele sabe que dormi com a filha dele na noite
passada de um jeito bem, bem diferente. Forço minha língua a se
descolar do céu da boca, mas não consigo dizer uma única palavra.
— A gente queria ficar mais tempo juntas depois da festa, e a
Larissa pegou no sono. Eu não consegui dormir, então a deixei ficar
na cama e apaguei vendo um filme no sofá — Jasmine explica
enquanto prepara ovos mexidos em uma frigideira. — Já estão
quase prontos, pai.
Não sou convidada para o café da manhã e eu realmente
preciso arrumar as malas, então me despeço e solto um “obrigada”
morno para Jasmine por me deixar ficar.
Ficamos em silêncio enquanto damos um abraço de despedida.
Dessa vez, é de fato silencioso.
Depois, já no aeroporto, recebo dela um único emoji de coração.
Mando outro de volta.
Foi a última vez que nos falamos antes de ela aparecer em
Stratford High.

AGORA
Eu quero falar sobre isso?
Sobre como eu me sinto?
— Ela acha que está apaixonada por mim.
Kiki sorri sem qualquer traço de sarcasmo. É esquisito, e acho
que nunca vi isso no rosto da Kiki. Não sei bem como lidar com
tudo.
— E como ouvir isso fez você se sentir?
A primeira palavra que vem é confusa. Não achei que amor
estava na equação. Não achei que sentimentos sequer fossem uma
opção. Eu não sei o que estar apaixonada significa para ela, e eu
definitivamente não sei o que significa para mim. Por muitos anos,
achei que estava apaixonada por Chase, mas o que sinto agora não
é igual. Estar apaixonada por Chase fez com que eu me sentisse
febril e ridícula e como se eu quisesse segui-lo por todo o canto,
fazer todas as coisas com ele. Só que agora eu já fiz várias dessas
coisas e parece que tudo o que estou fazendo é só para riscar itens
de uma lista.
Com Jasmine, eu não tenho uma lista. E não quero segui-la para
todo canto; quero ir para todo canto com ela. Quero fazer coisas
com ela. Quero que nós façamos uma lista de coisas para fazer
juntas.
Meus sentimentos por ela são tão diferentes do que eu pensava
que era o amor, mas será que isso significa que não é amor? Ou
será que significa que é amor?
— Meu Deus, eu sei lá.
Kiki puxa um dos meus cachos.
— Pode ser que eu não tenha nenhuma experiência em
relacionamentos, mas acho que está tudo bem. Ao menos por essa
noite. Olha, você foi coroada rainha, e dar um fora no Chase agora
seria meio público e humilhante. E não acho que você esteja
ansiosa pra fazer isso.
— Definitivamente não — digo rapidamente, meu estômago se
revirando só de pensar. — O Chase tem sido incrível, e ele está se
divertindo tanto.
— Bom, você também merece se divertir. A Jasmine já foi
embora, ela chamou um Uber. Então o que eu acho é o seguinte:
vamos terminar a noite. Vamos nos divertir. Sem grandes decisões,
sem definir um futuro romântico, sem estresse. Só dançar e beber e
ter uma ótima noite. Amanhã você lida com isso. O que você acha?
Eu acho… que parece que finalmente estou respirando.
— Eu topo.
— Bom, isso é excelente — diz Kiki, entrelaçando o braço dela
no meu —, porque no momento estou sem par, e eu adoraria ter
companhia.
Capítulo vinte e um

“Lidar” começa mais cedo do que eu esperava, porque, quando


minha mãe me acorda com um prato de picles — a cura certeira
para ressaca, segundo ela —, eu sei que estou em apuros.
— Chega de dormir. Coma, dochka — ela diz, segurando o prato
perto o suficiente do meu nariz para me deixar enjoada.
— Mama…
— Não venha com “mama” pra cima de mim… são duas da tarde
e você ainda está aí desmaiada depois de uma noite em uma festa
que não deveria ter bebidas. Coma.
Odeio admitir, mas funciona.
— Você achou mesmo que ninguém ia beber na festa? Além
disso, ninguém estava dirigindo. A limusine nos trouxe de volta.
— Que horas?
— Às três — murmuro o mais baixinho que consigo, mas ela
ouve mesmo assim.
— Três? Bozhe moi, Lara. Tem uma razão pra você ter um
horário limite para voltar pra casa, e ainda acho que sou bem
generosa…
— Se você queria que eu voltasse pra casa na limusine e segura
com meus amigos, eu não podia sair até todo mundo sair também
— respondo. Na verdade, eu não lembro muito bem o que ficamos
fazendo até tarde, mas, a julgar pelo gosto nojento e difuso da
minha boca, envolveu bastante vodca. — Enfim, estou em casa.
Segura. E comendo picles.
Pego mais um, como se estivesse fazendo um ponto ao meu
favor.
Ela ergue uma das sobrancelhas.
— Então presumo que se divertiu.
Eu me diverti? Sei que fiz todas as coisas que supostamente são
para serem divertidas. Dancei e joguei jogos com bebidas com os
meus amigos e tirei mil fotos com a minha coroa.
Sei que também evitei ficar de pegação com Chase o máximo
que consegui e passei a maior parte da noite pensando em Jasmine
até beber o suficiente para parar de pensar em qualquer coisa.
— Eu ganhei o título de rainha — digo em vez de responder a
pergunta.
— E isso foi divertido? — ela pergunta, porque minha mãe é
muito esperta.
Eu me envolvo com meus cobertores. Quero falar a verdade
para a minha mãe. Quero falar sobre Jasmine e quão confusa estou.
Quero que ela faça cafuné no meu cabelo, me chame de Larotchka
e me fale que tudo vai ficar bem, para eu escutar o meu coração.
Eu quero, mas estou com medo pra cacete.
— Claro — minto.
Minha mãe sempre sabe quando qualquer coisa que não é cem
por cento verdade sai dos meus lábios, e é por isso que sempre
tenho que mandar mensagem se estou sendo um pouco desonesta
sobre onde vou estar. Meu rosto mostra tudo. E eu me pergunto que
cara estou fazendo agora que está induzindo minha mãe a dar
aquele olhar de “ah, meu amor”.
Só que ela não diz nada. Só pega minha mão.
E é aí que eu desabo.
Minha mãe me segura enquanto eu choro no ombro dela, sem
se mexer mesmo quando encharco a sua blusa com ranho. O
cafuné que eu estava esperando funciona como um relógio, e sei
que estou correndo o risco de sentir isso pela última vez.
Não consigo aguentar.
Minha mãe é literalmente tudo pra mim. É por isso que quase
não reclamei de ir para a Carolina do Norte no verão. É por isso que
não briguei com meu pai por ter que ir para uma faculdade aqui no
estado. É por isso que nunca a contestei por ficar com a minha
guarda.
É por isso que tenho que contar a verdade para ela, mesmo que
apenas essa ideia me faça começar a chorar de novo.
— Larotchka, o que aconteceu? Ele te machucou?
Isso basta para que eu consiga erguer a cabeça e limpar meu
nariz.
— Não. Meu Deus, não. Chase foi ótimo. Chase é sempre ótimo.
Sou eu. Eu sou uma bagunça.
— Você não é uma bagunça, você é minha filha linda que não
vai escapar assim fácil de receber um castigo por chegar tarde em
casa, mas isso não entra em questão agora. — Ela gentilmente
limpa uma lágrima da minha bochecha com uma unha pintada. — O
que está acontecendo?
Eu respiro fundo, e então respiro de novo, até eu conseguir falar
sem começar a soluçar.
— Preciso te falar uma coisa, mas eu não quero que você me
odeie.
Ela reage como se eu tivesse dado um tapa na cara dela, o que
faz eu me sentir pior.
— Você é minha filha. Você é meu coração inteiro, Larotchka. Eu
jamais te odiaria. — Ela aperta minha mão com tanta força que é
como se estivesse tentando implantar essa declaração por debaixo
da minha pele.
— Eu… tem uma pessoa. Não o Chase. Não… um garoto. —
Suspiro lentamente. — Eu conheci uma garota. Não é minha
namorada nem nada, mas acho… acho que quero que ela seja. E
acho que ela quer isso também. E sei que a gente nunca conversou
sobre nada desse tipo, mas eu não…
O abraço feroz dela me interrompe e eu começo a chorar
novamente.
— Larotchka — ela sussurra, bagunçando meus cachos
caóticos. — Bozhe moi, eu fiquei tão preocupada. Essa felicidade é
uma coisa boa. Alguém que te ama é o que eu quero para a minha
filha.
Pensei que não dava para abraçar minha mãe mais forte, mas
tenho quase certeza de que estou deixando marcas de unha nas
costas dela.
— Você sempre me falou sobre o quanto baba Mila e deda Tolya
são tradicionais, como eles ficaram bravos quando você me teve
sem se casar com meu pai. Eu não sabia o quanto de tradição ainda
estava em você também.
— Eu lá pareço tradicional, dochka?
— Bom, tem um prato de picles na minha cama, então sim?
Ela ri gentilmente, me solta e empurra um dos meus cachos
bagunçados para trás da minha orelha.
— Algumas coisas da Rússia, essas ficam. As leis sobre
pessoas gays não. Só tenho que admitir que estou surpresa depois
de tantos anos ouvindo sobre o lendário Chase Harding.
A mera menção a Chase, a noção de que tenho que conversar
com ele, me faz ficar com vontade de vomitar de novo, mas de um
jeito que nem o melhor remédio da minha mãe pode curar.
— Não era mentira — garanto. — E eu não sou gay. Eu não sei
bem o que sou. Só sei que essa garota me faz sentir… tudo. O resto
eu vou ter que descobrir depois.
— Vai ter bastante tempo pra isso. — Ela me beija no topo da
cabeça. — Que tal fazermos um dia só nosso? Vou comprar sorvete
e podemos ficar vendo filmes e usar aquelas máscaras faciais
ridículas.
Meu Deus, isso parece ótimo.
— Sim. Por favor. Só tenho que fazer uma coisa primeiro. — Não
tem razão para procrastinar minha conversa com Chase. Seja lá o
que acontecer com Jasmine, ele merece aproveitar o último ano da
escola e suas conquistas com uma garota que goste dele. Não sou
mais essa garota. — Volto logo depois, tá?
Ela assente, sabendo exatamente aonde vou.
— Estou orgulhosa de você, Lara.
— Eu também estou orgulhosa de mim — digo com sinceridade
—, mesmo que isso pareça meio horrível.
Eu me viro para levantar e me aprontar, mas então percebo uma
coisa.
Ela não me perguntou sobre a garota.
Ela não disse que assistiríamos a filmes enquanto eu conto para
ela tudo sobre a pessoa que roubou meu coração. Ela não pergunta
quem possivelmente poderia ter me feito esquecer Chase Harding.
Será que esse é o seu jeito de me dar um pouco de privacidade? Ou
de manter isso — a verdade sobre quem eu sou — distante?
Quero dizer algo, mas não consigo. Eu não sei se Jasmine
contou para os pais dela a razão verdadeira que a fez querer passar
o ano com Declan. E se ela não falou? Não posso colocar minha
mãe numa posição de ter de guardar esse segredo, e nem fodendo
que serei eu a pessoa que vai tirar Jasmine do armário. E se…
— Ele sente o mesmo que eu, caso você esteja se perguntando
— mamãe diz atrás de mim baixinho. — Tanto ele quanto a Sylvia.
Eu me viro lentamente para olhá-la.
— Você sabia.
Ela sacode a cabeça.
— Não exatamente. Eu sabia que tinha algo especial entre
vocês. Eu vi o jeito que ficavam quando estavam juntas. Vi você se
transformar em uma pessoa mais feliz e confiante ao lado dela.
Vocês duas demonstram o amor que sentem uma pela outra tão
claramente quanto a luz do sol. Eu só não sabia que tipo de amor.
Agora eu sei.
— E você falou sobre isso com o Declan. E ele falou com a
Sylvia.
— Sylvia foi a primeira que percebeu, na verdade, depois
daquele fim de semana que você passou na casa dela. Ela disse
que nunca tinha visto Jasmine tão feliz e radiante. E quando
Jasmine perguntou se podia passar o ano por aqui… tem uma razão
pela qual eles aceitaram tão facilmente. Achei que talvez fosse
apenas do lado dela, especialmente depois de todos aqueles anos
da sua paixonite por Chase, mas vejo o mesmo brilho em você. —
Ela sorri. — É lindo. Vocês são sortudas de terem uma à outra.
— Ainda não temos — falo. — Mas acho que vamos ter. Espero.
Não sei o que vai acontecer. Vamos dar um jeito.
— Sim, vocês vão. Respire fundo, Larotchka. Você vai conseguir
passar por isso.
Dou um beijo na bochecha dela, e então saio de uma conversa
assustadora para a próxima.

Não me ocorre até eu estar tocando a campainha de Chase que eu


deveria ter dado algum tipo de aviso. Não importa — ele mesmo
abre a porta, e está injustamente gostoso em uma camiseta
apertada e short. Por um segundo, considero não ir até o fim com
isso. Seria tão fácil continuar na alegria do estrelato pendurada no
braço de Chase, passando meu tempo com esse menino lindo e
charmoso que genuinamente gosta de mim. Não é como se Jasmine
fosse contar para alguém; ela pode desaparecer de volta para
Asheville e eu posso terminar esse ano perfeito que estou tendo.
Posso usar minha coroa de rainha, torcer nos jogos de Chase,
segurar a mão dele no cinema e posar para fotos com ele na
formatura. Não preciso acabar com isso tudo.
Exceto que preciso. Porque quando penso naquelas noites de
sexta-feira assistindo a filmes com Jasmine, ou nos quadris de
Jasmine sob meus dedos quando dançamos, quando penso nos
encontros para tomar sorvete, nas viagens, nos planos para a
faculdade e em ficarmos nos pegando no banco de trás do carro… é
com ela que quero fazer tudo isso.
Ela é a minha número 1 na lista de acompanhantes para levar na
formatura da escola.
É simples assim, mesmo não sendo tão simples.
— Ei! Eu estava pensando em você agora mesmo. — Ele me
beija a bochecha e dá um passo para o lado para me deixar entrar.
— Eu me diverti muito ontem à noite.
Bom, e assim as coisas vão se tornando mais difíceis.
— Fico feliz, porque eu realmente preciso falar com você.
— Ooooook. — Ele fecha a porta atrás de mim e me leva para a
sala. — Quer beber algo?
— Não, obrigada. A gente pode só sentar?
— Isso parece sério. — Ele franze o cenho. — Tipo, sério como
um fora. Você está terminando comigo?
Eu hesito, porque não é bem assim que quero começar essa
conversa, e a raiva brilha nos olhos dele.
— Você estava ficando comigo só pra ganhar o título de rainha e
então me dar o fora? Isso é zoado pra caralho.
— Não — asseguro firmemente. — Meu Deus, não, Chase. Não
é isso.
— Então o que é? — ele pergunta, a voz ácida.
Respire fundo. Ele está magoado. Ele tem direito de ficar
magoado.
— Não é sobre a festa. Você, assim como todo mundo, sabe que
gosto de você desde sempre. É só que… tem outra pessoa, e eu
não tinha percebido isso de verdade até ontem à noite.
— Espera aí. Você me traiu?
— Não! — Meu Deus, eu deveria ter me preparado melhor.
Esfrego minha cara com as mãos e solto um grunhido. — Desculpa,
estou fazendo tudo errado. Deixa eu começar de novo. — Respiro
fundo novamente. — Tinha alguém antes de você, e eu não
entendia meus sentimentos, e aí você veio e… Você é o Chase. Eu
tenho um crush em você desde os tempos dos jogos de beisebol
infantil com a Kira, quando eu te via torcendo por ela nas
arquibancadas. Quando você ficou interessado em mim, meio que
tapou todo o resto. Me ajudou a parar de pensar nessa coisa na
qual eu não queria pensar. Mas ainda assim eu não conseguia parar
de pensar nela.
Ele coça a parte de trás da cabeça.
— Lara, sinceramente, eu não faço ideia do que você está
falando.
Eeeee agora fiquei oficialmente sem nenhum outro jeito de falar
isso. Respire fundo.
— É uma garota, Chase. Eu gosto de uma garota. Fiquei com
uma garota no verão passado.
— Er… uau. — Pela primeira vez desde que ele percebeu que
eu estava terminando nosso relacionamento, ele não parece bravo.
Ele parece atordoado. Tão atordoado quanto eu me sinto com as
palavras que acabaram de sair da minha boca.
— É exatamente assim que me senti. Fiquei tão confusa, e você
estava a fim de mim, e eu gostei de você por tanto tempo. Achei
que, se estivesse com você, poderia deixar ela pra trás. Eu queria
deixar ela pra trás e ficar com você. Só que não funcionou.
— Quer dizer, isso é uma coisa de bissexual, né? — ele
pergunta, e sua voz não parece gentil. — Não conseguir escolher?
Eu recuo como se Chase tivesse me dado um tapa, o que é
meio que a sensação.
— Se por “coisa” você quer dizer “estereótipo”, então é, sim. Só
que não é isso. Eu queria você, Chase. Por anos, porra. Eu queria
você. Você sabe disso. Todo mundo em Stratford sabe disso. Você
teve anos pra ver algo em mim. Só que você não viu, outra pessoa
fez isso. E eu não sabia que… — Eu me interrompo. Não sei como
dizer isso sem soar idiota, sem me sentir idiota, sem falar coisas
demais para Chase.
— Você não sabia o quê? — ele pergunta, e eu não sei mais
como devo interpretar sua voz. Ele não está com raiva, cansado ou
triste, mas sinto tudo isso apenas com essas poucas palavras. —
Que é bi?
E por não ser isso — porque isso é apenas um pedacinho e eu
ainda não tive tempo de decidir se é o meu pedacinho —, digo o que
preciso dizer.
— Eu não sabia que podia gostar dela desse jeito — eu termino,
baixinho. — Eu não sabia que isso podia acontecer. Eu não sabia
que dava pra ser mais do que “garotas de casinho” ou “garotas se
divertindo”. Eu gostei de você, gostei muito de você. Por tanto
tempo que eu sabia que eu não era gay. Eu sabia que gostava de
garotos. E eu sabia que ela gostava de garotos. E às vezes, quando
você gosta do gênero do qual você “supostamente” deve gostar, não
fica muito claro como se sente em relação aos outros.
Ele franze as sobrancelhas, confuso.
— Mas não é como se você não soubesse o que é
bissexualidade. Você tem amigos bi.
— É, e o fato de as coisas não serem do mesmo jeito pra elas
como era pra mim deixou tudo ainda mais confuso. Jamie? É
assumida desde sempre. Kenny Cho? Anunciou que Evan Sanders
era o namorado dele quando nós literalmente estávamos brincando
na caixa de areia, e aí na semana seguinte ele o trocou por Julie
Morrow. Eu nunca tive sentimentos assim por nenhuma garota antes
desse verão. E as minhas melhores amigas são, tipo, as meninas
mais gatas da escola, então sabe… Eu já teria descoberto.
Ao menos isso faz Chase soltar uma risadinha, mas então o
rosto dele fica sério de novo.
— Então, você gosta mesmo dela?
— Gosto.
— Só que você também gostava de mim.
— Gostava mesmo — digo, colocando a mão no braço dele.
Espero que ele consiga entender o quanto isso é verdade. — Se eu
soubesse que o que aconteceu entre mim e ela não era só uma
aventura, teria feito escolhas diferentes. Isso eu juro. Eu não estava
tentando te dar corda, Chase. Namorar você foi como todos os
meus sonhos se tornando realidade. Só que eu não tinha percebido
que meus sonhos tinham mudado.
Ele solta a respiração.
— Eu quero muito, muito ficar com raiva de você.
— Você pode ficar — garanto a ele. — O fato de eu estar sendo
sincera não significa que não é uma merda. E não é como se eu não
estivesse me sentindo mal com isso. Eu adoraria que ninguém
tivesse se machucado nessa história.
— Eu sei — ele diz baixinho. — Você é uma boa pessoa, Lara. É
por isso que gosto muito, muito mesmo de você, pra cacete.
Ele está falando com o verbo no presente. E acho que, de
alguma forma, também é no presente para mim também. Mas eu
gosto dele de outro jeito, não do jeito como me sinto em relação a
Jasmine. É como a cauda de um cometa romântico que está prestes
a chiar e se tornar algo que não é tão estonteante, mas ainda é
permanente, ainda é espetacular.
— Eu gostaria muito, muito mesmo que a gente continuasse
amigos — respondo. — Quando você estiver pronto.
Ele assente.
— Ainda não. Mas talvez um dia. Talvez você possa ir a um dos
meus jogos na faculdade.
— Eu gostaria disso — digo, e é sincero. — Só preciso passar
um pouco mais de tempo treinando pintura de rosto.
Ele me dá um pequeno vestígio de um sorriso, e eu o guardo
para me lembrar de nós, porque não faço ideia de como vai ser vê-
lo na escola na segunda-feira. As coisas não vão ser assim tão
fáceis com os amigos dele, os meus amigos, ainda mais quando
todo mundo descobrir que não só a rainha coroada terminou com o
rei depois da festa, mas fez tudo isso por causa de uma garota.
Provavelmente vou encarar um dia de inferno após o outro.
E, de alguma forma, saber disso faz eu me sentir melhor do que
quando pensei que meus dias seriam como um céu eterno, mas que
não me trariam sensação alguma.
Nós trocamos despedidas silenciosas, e meu primeiro
pensamento é que eu deveria ir direto para a casa de Jasmine, mas
a verdade é que não estou pronta. A realidade com Chase Harding
pode não ter sido como eu queria, mas ainda assim é o fim de um
sonho. Preciso ter meu tempo de luto.
E a única pessoa com quem quero compartilhar isso está
esperando por mim em casa com um pote de sorvete, máscaras
faciais verdes ridículas e todas as comédias românticas que a
Netflix tem para oferecer.

Quatro horas, dois filmes, mil calorias e peles brilhantes depois,


minha mãe faz uma sugestão que suponho que fosse inevitável.
— Por que você não convida suas amigas pra virem pra cá e
assistirem ao próximo? Vou pedir algo do Bamboo House e acho
que ainda temos algumas dessas máscaras faciais jogadas por aí.
— Ela dá um aperto na minha mão. — Acho que você vai ficar feliz
de conversar com elas em vez de só com sua velha mãe.
O problema? Eu quero mesmo fazer isso.
O problema? Eu estou com medo de fazer isso.
O problema? Eu acho que preciso fazer isso. E se minha mãe
está oferecendo pedir algo da Bamboo House, ela também sabe
que eu preciso, porque esse é um lugar que, para nós, é só para
ocasiões especiais. Acho que, de certa forma, essa é uma delas.
— Ok — respondo, minha voz como um sussurro covarde
enquanto pego o celular e abro o nosso grupo de conversas infinitas
para digitar uma mensagem que contém um convite com
exatamente zero informações além do fato de que vamos ver um
filme e pedir comida chinesa.
Fico esperando ao menos uma delas responder que está com
muita ressaca para sair, mas, ao que tudo indica, o frango lo mein é
exatamente o que todas precisam para se recuperar, porque meia
hora depois as três estão paradas na minha porta.
Assim que vejo o rosto delas, eu desabo.
— O Chase e eu terminamos.
Silêncio.
E então, finalmente, Kiki diz:
— Puta merda.
Gia imediatamente me puxa para um abraço, e eu sei que ela
acha que ele me deu o fora, mas eu a deixo fazer isso mesmo
assim, deixo que elas me levem para dentro e de volta para o sofá.
Minha mãe saiu para buscar a comida, e a atenção delas está
voltada para mim, esperando eu abrir meu coração. Demora um
tempo para eu conseguir falar, e Gia aproveita a oportunidade para
perguntar:
— A gente odeia ele?
Dou risada e aperto a mão dela.
— Não, a gente não odeia ele. Ele é ótimo. É só que… eu não
sou mais tão fã dele assim.
As sobrancelhas de Shannon sobem até o céu.
— Espera. Você terminou com ele?
É difícil não trocar olhares com Kiki, mas eu sei que, se fizer
isso, Shan vai perceber e imediatamente querer saber toda a
verdade. E embora eu me sinta segura para falar tudo com elas, não
sei o que dizer até ter resolvido as coisas com Jasmine e decidido o
que vamos fazer depois.
— Eu terminei. Eu… percebi que estou procurando por outra
coisa.
— Uau. — Shannon olha para mim, olha para mim de verdade, e
o canto da boca dela se curva em um sorriso minúsculo. — Você
realmente mudou durante o verão.
Minha mãe entra em casa nesse instante, e o som da porta me
salva de ter que responder. Levanto do sofá e pego as sacolas da
mão dela, dando um beijo em sua bochecha e me apressando até a
cozinha. Estou tirando as embalagens da sacola quando ouço
passos e vejo que Shannon me seguiu.
— Tô voltando em um segundo — falo para ela, procurando
pratos descartáveis nos armários.
— Eu sei. — Ela olha para a sala, onde minha mãe está batendo
papo com Kiki e Gia, e se vira para mim. — Olha… Me desculpa por
ter sido meio merda e contado tudo pra Jasmine. Isso não foi legal.
Graças a Deus que minhas mãos só estão segurando os
talheres descartáveis, porque, com o som de Shannon Salter
dizendo a palavra “desculpa”, os garfos e colheres caem no balcão.
— Você acabou de pedir desculpas?
— Acontece ocasionalmente.
— Não acontece, não. Nós somos amigas há mais de dez anos
e acho que isso nunca aconteceu.
— Bom, então cala a boca, porque vai ser um ótimo pedido de
desculpas.
Eu calo a boca. Como é que não faria isso?
— Eu achei… achei que você ia desaparecer da minha vida, tá?
— Por causa do Chase?
Ela cruza os braços.
— É claro que por causa do Chase. Você finalmente tinha
conseguido o cara, Lara. Você não ia precisar mais dos meus
conselhos de moda ou dicas de maquiagem, nem mesmo das
minhas caronas. Não sei o que aconteceu entre vocês dois, mas ele
estava apaixonado pra caralho. Qualquer idiota conseguia ver isso.
E, bom, todos os idiotas sabiam que você era apaixonada por ele.
Eu nem consigo acreditar no que estou ouvindo. Nunca na
minha vida eu teria imaginado Shannon Marie Salter tendo um pingo
de insegurança no seu corpo perfeito.
— Você achou mesmo que eu ia te trocar por um cara? Depois
de tudo?
— Chase não é um cara, Lar. Ele é o cara.
— Ok, mas você é a Shannon — respondo, passando a mão
pelos meus cachos loiros e curtos. — Eu mal saio de casa sem
você. Eu sempre vou precisar de você, e não digo isso por causa
das roupas ou da maquiagem.
Ela pega os talheres, abre o armário em que eu estava mexendo
e tira os pratos descartáveis.
— Isso já foi verdade, mas as coisas mudam. Parecia que você
não precisava mais de mim, então eu conheci a Jasmine na aula de
francês e parecia que ela precisava de mim, e foi isso.
— Shan, você sempre vai ter a maior importância na minha vida.
Você é a pessoa que me ajudou a superar a vergonha de comprar
absorventes em público. Você me leva pra escola no horário desde
o dia que tirou carta. Quando eu tive aquela espinha horrorosa na
véspera do dia de fotos na escola no primeiro ano você passou uma
hora inteira se certificando de que eu não fosse parecer uma pizza
humana. Mas ser amiga é muito mais do que ser necessária. Você
não precisa, tipo, oferecer um serviço. Bom, fora passar delineador
em mim. Desse serviço eu dependo bastante.
— Combinado — ela diz, os lábios se curvando nos cantos.
Eu pego a garrafa de Coca Zero da geladeira e fecho a porta
com o meu quadril.
— Você estava tentando me substituir na cara dura, hein?
— Parece tão horrível quando você fala desse jeito.
— É, porque foi horrível, Shan. É por isso que você está pedindo
desculpas, lembra?
Ela suspira, pesado.
— Tá. Sim. Foi horrível. Eu fui horrível. Mas só pra constar,
Jasmine é legal. Acho que você gostaria bastante dela.
É só… demais. Preciso colocar o refrigerante no balcão. Preciso
colocar tudo no balcão porque eu comecei a ter um acesso de riso
que parece que nunca vai parar. É tão alto que Gia e Kiki correm
para ver o que elas perderam.
— O que foi? — Kiki olha de mim, que estou rindo sem parar,
para Shannon, que está me encarando como se eu tivesse perdido
a sanidade.
Quando finalmente consigo me recuperar, olho Kiki diretamente
nos olhos e digo:
— A Shannon acha que eu ia gostar da Jasmine se desse uma
chance pra ela.
— Ah. — Kiki morde o lábio tão forte para não rir que acho que
vai começar a sangrar e perco a compostura de novo.
— Mas o que está acontecendo aqui? — Gia pergunta para a
Shannon, que só sacode a cabeça.
Tendo meio que saído do armário duas vezes só hoje, eu sei
que, quando uma oportunidade aparece, é preciso aproveitá-la.
Paro de rir e, dessa vez, realmente olho para Kiki. Ela me dá um
olhar encorajador.
Respiro fundo.
— Eu gosto da Jasmine. Até demais. É meio que, er, a razão
pela qual eu dei o fora no Chase.
Pela segunda vez em um minuto, ouço o barulho familiar do
plástico descartável caindo quando Shannon derruba todos os
pratos no chão.
E então só silêncio.
Eu me viro para Kiki.
— Er, foi meio assim que aconteceu quando você contou pra
elas que ia na festa com a Jasmine?
— Não, mas aparentemente as duas já achavam que eu era gay.
— E você não é? — Gia pergunta, o rosto contorcido na
confusão.
Kiki ri. O que absolutamente não quer dizer que ela não seja. Ou
que ela seja.
— Ok, espera, vamos voltar pra Bogdan — Shannon exige. —
Então, a obsessão por Chase acabou.
— Sim.
— Mas… Jasmine? Quando? Eu nunca vi vocês duas passarem
tempo juntas.
Fixo meu olhar em um dos recipientes da comida e fico abrindo e
fechando um dos lados repetidamente.
— É, hum, complicado?
— Não é tão complicado — Kiki diz, fazendo um barulho de
escárnio. — O pai da Jasmine é o chefe da Anya. Jasmine é a
garota com quem Lara passou o verão. Meu Deus, vocês escutam o
meu podcast? Vocês seriam detetives tão melhores se fizessem
isso.
— Parabéns, Kiki — minha mãe diz da sala, de onde ela
aparentemente estava ouvindo essa conversa toda.
— Ora, muito obrigada — Kiki responde.
Escondo o rosto na mão.
— Então vocês eram um casal esse tempo todo? — Shannon
pergunta.
— Claro que não. Não. Eu estava com o Chase até algumas
horas atrás. E não estou com Jasmine — acrescento rapidamente,
por um lado porque não estou e por outro porque não sei se ir de
braços dados com Kiki para a festa conta como se assumir, e eu
certamente não vou fazer isso por Jasmine. — Eu só tenho…
sentimentos. Dos tipos confusos e complicados. E acho que não
devo namorar outra pessoa enquanto estou me sentindo assim.
Gia assente.
— Entendi. Acho.
Eu me viro para Shannon.
— E você? Ainda está brava? Menos brava? Mais brava?
Ela pisca e parece demorar uma eternidade, tempo o bastante
para eu achar que ela vai sair da minha casa e nos deixar com uma
porção extra de bolinhos. Especialmente quando ela franze a boca.
— Bom, acho que estou ficando pra trás no ranking de ser legal
por não gostar de garotas agora. Isso pode ter sido uma
oportunidade muito desperdiçada em Paris. Ainda tenho tempo de
me recuperar na faculdade, né? — Ela olha de mim para Kiki, como
se fôssemos algum tipo de guias na Arte de Ser Gay. — Sabe,
garotas da arte são todas bem livres e gostam de se expressar e
essa coisa toda, né? A Frida Kahlo não era bi?
Eu a encaro.
— Quê? — ela pergunta inocentemente, pegando os pratos e os
talheres do chão.
— Como é que isso se transformou em algo sobre você?
— E tudo não é?
— Isso não — eu a corto. — Jesus, Shannon! Sexualidade não é
uma coisa que você compra numa butique parisiense e veste
durante uma temporada. É uma coisa meio grande pra mim.
Ela pisca. Assente.
— Estou sendo uma cuzona de novo.
— Sim — Kiki, eu e até mesmo Gia dizemos em uníssono.
— Pontos por perceber e pedir desculpas muito mais rápido
dessa vez? — ela pergunta, cabisbaixa.
Eu coloco um braço ao redor do ombro dela e beijo o topo da
sua cabeça.
— Fico feliz em ter você de volta, Shan — murmuro.
— Meu Deus, você é tão cafona.
Mas, antes de todas nos sentarmos na sala, rodeadas por
recipientes de comida e refrigerante, ela me aperta rapidamente.
Capítulo vinte e dois

Parece quase cruel que a manhã seguinte do meu próprio


romance terminar seja a manhã em que finalmente vou encontrar
Clementine Walker cara a cara.
— Sou uma grande fã — digo para ela quando Beth a traz para o
balcão do café, esfregando minha mão no avental antes de
cumprimentá-la. — Já li todos os seus livros. Mais de uma vez.
— Bom, essa é sempre uma coisa boa de ouvir! — Ela tem um
sorriso largo, dentes brilhantes e um cabelo loiro que foi obviamente
produzido por tinta, mas de um jeito que fica legal com as raízes
escuras. De alguma forma, fico mais nervosa por ela ser muito legal,
e tudo mais que pensei em dizer simplesmente foge da minha
cabeça.
Peço licença para preparar um café para ela, e ela até mesmo
elogia o coração deformado que desenho na espuma.
— Parece mais complexo dessa forma — ela garante. — Como
um coração que já passou por poucas e boas.
— Você não faz ideia — murmuro, agradecida quando Beth me
chama para pegar um carrinho cheio de livros para os autógrafos.
As pessoas começam a chegar uns dez minutos antes do
evento. Acho que romance é um gênero mais popular na área de
Stratford do que eu imaginava, porque logo todos os assentos na
livraria estão ocupados, e Beth pede para eu buscar mais cadeiras
dobráveis. Eu mal consigo voltar a tempo para meu lugar atrás do
balcão de café antes de Beth fazer a apresentação e todo mundo
aplaudir Clementine.
— Obrigada por virem — Clementine diz, e ela soa tão
profissional que me faz querer ouvi-la ainda mais.
Ela é bonita, confiante, talentosa, e a enorme pedra no anel na
mão esquerda sugere que ela já arrumou toda a bagunça da sua
vida romântica. Sei pelos posts que faz nas redes sociais que ela
tem um marido gato e dois filhos fofíssimos, e aposto que ela nunca
teve o coração retorcido por uma garota de quem ela tem medo
demais para ligar.
Já se passaram trinta e seis horas e eu ainda não falei com
Jasmine. Eu não consigo. Volto a sentir como se tudo fosse coisa da
minha cabeça, como se eu tivesse me adiantado e me assumido
para as minhas amigas por nada. E se ela mudou de ideia depois da
festa? E se estiver brava por eu não ter ido atrás dela? E se achar
que eu ainda estou com Chase?
Parte de mim fica tão brava por não termos tido essa conversa
quando ainda estávamos trocando emojis de coração, deixando que
uma pequena figurinha em um fio de mensagens escondesse tudo
que precisávamos dizer uma para a outra, tudo que sentíamos. Eu
não precisaria ter machucado Chase; eu não precisaria ter guardado
segredos de ninguém…
Mas, se tudo isso não tivesse acontecido, será que eu teria
chegado até aqui?
E, de qualquer forma, onde exatamente é aqui?
Eu só quero vê-la. Quando ela mencionou que vinha para esse
evento, eu tinha ficado horrorizada com a ideia de ela aparecer,
mas… Eu não consigo evitar desejar que ela apareça. Esses livros
são algo que eu compartilhei com ela, algo que ela sabia que
importava muito para mim. Droga, esses livros são diretamente
responsáveis por fazer com que a noite ao lado da fogueira não
tenha sido a única.
Eu quero compartilhar isso com ela.
Mais aplausos, e percebo que Clementine terminou de fazer a
sua leitura. Rapidamente aplaudo também. Depois, Beth media as
perguntas, e eu me forço a ficar com a cabeça no lugar e escutar,
sabendo que me arrependeria se perdesse qualquer sabedoria
vinda dela.
— De onde vem a inspiração para o seu trabalho? — pergunta
uma mulher de suéter verde, torcendo um colar de pérolas entre os
dedos.
— De todos os lugares — Clementine responde com um sorriso.
— Essa história em particular foi inspirada por algo semelhante que
aconteceu durante uma das minhas férias. Uma mulher pegou
minha mala por acidente e isso me fez pensar em como seria
tropeçar na vida de outra pessoa quando mais precisamos de uma
mudança. Tudo seguiu a partir dessa premissa.
A mulher do suéter verde parece satisfeita, e Beth toma o
microfone de volta e o entrega para uma mulher com uma camisa
jeans sem mangas, cujos anéis grossos brilham na luz.
— Como seu marido se sente sobre você escrever romance,
especificamente as cenas de sexo explícito? Não que eu esteja
reclamando.
— Bom, ele também não reclama — Clementine diz com uma
piscadela, e todo mundo ri e bate palmas.
É aí que eu ouço — o tilintar familiar de braceletes. Viro meu
pescoço e pronto, lá está Jasmine, casual e linda com um suéter
rosa-claro e jeans, as ondas escuras cascateando por cima dos
ombros.
Ela está aqui.
Ela está aqui mesmo sem saber como eu me sinto. Ela está aqui
mesmo sem saber se eu ainda estou com Chase. Ela está aqui
mesmo sem saber se eu quero ser sua amiga ou namorada ou se
quero chutá-la para sempre da minha vida. Ela está aqui e está
linda, e ela é corajosa pra cacete, mais corajosa do que eu jamais
fui.
Minha mão se ergue no ar.
— Sim! A do balcão! — Clementine Walker diz. — Você tem uma
pergunta?
— Tenho. — Minha voz está tremendo tanto, e é horrível e
vergonhoso, mas eu me forço a respirar fundo quando todos na
livraria viram os olhos para mim enquanto Beth se aproxima com o
microfone. — Você já… Quer dizer, você já… — Respiro fundo mais
uma vez e encontro o olhar questionador de Jasmine, vejo o jeito
como os dentes dela gentilmente repuxam o lábio inferior, e fico
firme. — Já aconteceu de o interesse romântico ser diferente
daquele que você planejou originalmente? Porque estou escrevendo
um livro, e eu tinha esse casal ótimo todo planejado, mas não
consigo fazer com que a minha protagonista se interesse pelo cara
o tanto que ela se interessa pela colega de quarto.
Clementine sorri, sábia.
— Isso é um problema com os personagens. Você acha que tem
o controle, mas, mesmo que sejam pessoas fictícias, eles tendem a
ter mentes próprias. Eu acredito que é uma das maiores bênçãos
quando um dos meus personagens diz o que quer, mesmo que
envolva muito mais edições do que eu tinha planejado! Você sabia
que em The One That I Haunt o irmão de Zach, Tate, era para ser o
interesse romântico? Só que assim que percebi que o elo entre
Zach e Angie seria inquebrável por causa dos seus gatos, acabei
mudando o caminho, mesmo estando com o trabalho adiantado e só
faltando duas semanas para terminar o meu prazo.
Arfadas de surpresa ecoam, e eu sei que todas elas são de
escritores empáticos.
— Eu sei! — diz Clementine, e ela está rindo enquanto passa um
dedo na testa fingindo limpar suor de cima da sobrancelha. — Nem
eu consigo acreditar que fiz isso. Mas só porque você está contando
uma boa história não quer dizer que está contando a história certa.
E eu acho que é muito importante contar a história certa. — Ela olha
diretamente para mim e responde tão animada que fica claro que
não consegue perceber que meu mundo está virando de cabeça
para baixo nesse instante. — Pra mim, parece que a colega de
quarto é um relacionamento que vale explorar.
— É — digo lentamente, encontrando Jasmine em meio à
plateia. — Eu tenho quase certeza de que a colega de quarto é a
minha história.
Eu sorrio para ela.
Ela sorri para mim.
E então nós esperamos.
O evento que eu estava antecipando há semanas de repente
parece interminável, e, quando acaba, Jasmine demora para vir até
mim, parecendo quase com medo do que vai encontrar quando
finalmente chegar ao balcão.
— Você está escrevendo de novo — ela diz como forma de me
cumprimentar.
— Estou. Fiquei inspirada, acho.
O sorriso dela é rápido, e então ela está brincando com os dedos
de uma forma que eu nunca a vi fazer antes.
— Olha, Lara. Desculpa por jogar tudo aquilo em cima de você
na festa. Não era o jeito certo de falar sobre… nada disso. Não
posso te culpar por não falar comigo depois.
— Eu não podia — falo.
Ela olha para baixo.
— Eu sei.
— Eu estava ocupada.
Ela assente.
— Eu precisava falar pra minha mãe que perdi a cabeça por
causa de uma garota. Precisava terminar com o Chase. Precisava
contar para as minhas amigas. Foi um fim de semana atarefado, pra
dizer o mínimo.
As mãos dela congelam, e ela olha para cima.
— Você está me zoando?
— Acho que você deveria dizer alguma coisa mais romântica pra
mim nesse momento — digo, pegando uma de suas mãos para
entrelaçar nossos dedos. — Você não estava me dizendo algo sobre
estar apaixonada por mim? Algo tipo isso.
— Eu estou — ela diz, baixinho. — Apaixonada pra caralho.
— É, eu conheço a sensação.
Fico na ponta dos pés e pressiono meus lábios contra os dela e,
bozhe moi, é como voltar para casa. É como a nossa última noite
juntas de novo. Estou livre e aberta para mostrar para ela
exatamente como eu me sinto, e não acredito que demorou tanto
tempo para conseguirmos voltar para esse estágio. Só que agora
estamos aqui, e estamos nos beijando, e…
Uma tosse alta ecoa no meu ouvido, e dou um passo para trás
para ver Beth me lançando um olhar.
— Sem querer interromper seu momento — ela diz, seca —,
mas tem uma fila enorme de pessoas querendo um autógrafo nos
livros que compraram. Tenho certeza de que todos estão muito
contentes por essa demonstração de Felizes Para Sempre, mas
você implorou para trabalhar nesse evento, e a parte que as
pessoas gastam o dinheiro delas ainda não acabou. — Ela me
oferece um bloquinho de post-its e uma caneta permanente, e eu
pego tudo, encabulada. Estou prestes a pedir desculpas quando ela
se vira para Jasmine e estende a mão. — Eu sou a Beth. Imagino
que vou te ver bastante por aqui.
Jasmine cora de verdade. Ela é tão fofa, droga.
— Espero que sim — ela diz, desviando o olhar para mim.
Dou uma piscadinha e me forço a ir para a fila.
Quando termino de pegar os nomes de todo mundo e colar os
post-its nos livros, volto a encontrar Jasmine ao lado do balcão e a
puxo para o lado para termos um pouco mais de privacidade.
— Então, só pra deixar claro, nós vamos fazer isso. Certo?
Ela dá um sorrisinho.
— Sim, Sininho. Nós vamos fazer isso.
— Você sabe que seus pais sabem.
— Ah, eu sei.
— Será que eu vou ser convidada pra dormir na sua casa de
novo?
— Se você acha que eu vou perguntar isso pra um deles, você
perdeu sua sanidade.
— Eu perdi mesmo minha sanidade — digo, remexendo nos
braceletes dela. — Acabei de dar o fora no cara mais popular da
escola e amanhã todo mundo vai saber que é porque eu… Eu não
sei o que eu sou. — Olho para ela. — Tudo bem isso? Não saber? É
só que nunca teve nenhuma outra garota, nunca. Eu não sei se sou
bi, ou se é só você, ou se isso faz diferença, mas não quero
escolher um rótulo até eu ter certeza.
— Nenhum rótulo? — ela pergunta, erguendo uma das suas
sobrancelhas grossas e perfeitas. — Que tal “namorada”?
Namorada. Parece tão diferente na voz de Jasmine do que na de
Chase, e a sensação ondula até meus dedos dos pés.
— Acho que consigo lidar com “namorada”.
— Ótimo. — Ela segura meu rosto entre as mãos e me beija. —
Agora me leve pra sessão de quadrinhos que você arrumou tão
cuidadosamente e me conte mais sobre essa personagem da
colega de quarto gata.
— Você tem certeza de que quer que eu estrague o final? —
pergunto enquanto a levo para um canto mais particular para, er,
definitivamente olhar para uns livros e nada mais.
A mão dela está maravilhosamente quente quando aperta a
minha.
— Acho que nós duas já esperamos tempo o suficiente pra virar
a página nessa história, não acha?
Agradecimentos

Todos os livros são um desafio à sua própria maneira, mas,


sendo sincera, esse foi o que chegou mais perto de ser uma jornada
tranquila, e isso sem dúvidas aconteceu por causa de todas as
pessoas que estavam comigo durante esse percurso.
Para a minha editora, Vicki Lame, obrigada por seu olhar
editorial aguçado e cada minuto acompanhando o nascimento deste
livro. Obrigada também a Jennie Conway por seu trabalho incrível,
sua generosidade e entusiasmo; a Angelica Chong, por toda a
assistência que prestou e que foi muito apreciada; à minha
publicitária dos sonhos, Meghan Harrington; à designer Kerri
Resnick e à ilustradora Claire Allison, por uma capa bicônica
absolutamente incrível; aos produtores profissionais Lauren Hougen,
Cathy Turiano e Anna Gorovoy, por deixarem este livro na sua
melhor forma; ao time de marketing maravilhoso que é Alexis
Neuville, DJ DeSmyther, Brant Janeway e todo mundo de alguma
forma envolvido nas vendas, serviços criativos e atendimento a
escolas e bibliotecas, por toda a mágica que fazem ao espalharem
palavras. Não é uma tarefa pequena fazer tudo isso durante uma
pandemia, e eu não poderia ter pedido por um lugar melhor para
realizar esse feito.
Para DongWon Song, obrigada por amar este livro do jeito que
ele era e ainda assim me encorajar a aprimorá-lo das melhores
formas antes de encontrar a casa perfeita.
Para minha agente, Patricia Nelson, obrigada por segurar minha
mão durante todo o caminho.
Para as escritoras e amigas brilhantes que eu tenho sorte de ter
como minhas primeiras leitoras, desde o primeiro livro até o nono,
Marieke Nijkamp e Maggie Hall — eu não sei como seria capaz de
viver nesse mundo sem vocês. Vocês são tão brilhantes e
talentosas e melhoram tudo o que faço. Amo vocês enormemente. E
a Katherine Locke, obrigada por caminhar comigo durante cada
passo dramático da minha jornada e carreira; se você ao menos
pudesse organizar suas estantes em ordem alfabética, tudo seria
perfeito.
Obrigada a Anna-Marie McLemore por sua primeira leitura e por
sua amizade no geral — nós sempre teremos Kalinda.
Agradecimentos imensuráveis também para todas as pessoas que
fizeram sugestões sobre como tornar esse livro a melhor versão
dele mesmo, incluindo Katelyn Detweiler, Allie Levick e
especialmente Sari Fallas Linder, que deixou essa autora
asquenaze que vos fala cutucar bastante seu lindo cérebro sírio.
Sou grata a Jenn Marie Thorne, AK Furukawa e Cam
Montgomery por me deixarem jogar meu manuscrito para cima
deles antes mesmo que eu estivesse pronta para jogar este livro
para o mundo. Obrigada a Becky Albertalli por todo seu apoio,
sempre, e pelas mensagens que ajudaram a manter minha
sanidade. Sou grata a ela, Aminah Mae Safi, Jennifer Dugan e Jen
Wilde pelas palavras generosas sobre este livro em particular e, no
geral, por deixarem minhas estantes mais brilhantes.
Muito amor a todos os meus amigos que oferecem seu apoio até
ficarem enjoados, seja por causa da publicação, competências
parentais ou a vida no geral, incluindo, mas não limitando a, Emery
Lord, Rick Lipman, Becca Podos, Eric Smith, Patrice Caldwell, Lev
Rosen, Sona Charaipotra, Tess Sharpe, Jess Capelle, Sharon Morse
e os melhores parceiros da quarentena digital que eu poderia pedir,
“Kind of a Big Deal [emoji de berinjela]” e os “BFFs” Barrie, Liz e
Sasha.
Muito amor a todos os meus companheiros blogueiros de livros e
mídias sociais espalhados por aí, especialmente Danika Leigh Ellis,
YA Pride, the Lesbrary e Tirzah Price, que fazem todo o trabalho de
ajudar leitores queers a encontrar os livros que acabaram
escapando por entre as rachaduras. Um agradecimento especial ao
time de YA do Buzzfeed — Zoraida Córdova, Rachel Strolle e nossa
líder, Farrah Penn — e todas as pessoas que me ajudaram a manter
o LGBTQReads atualizado nesse último ano, incluindo Rachel, Mark
O’Brien, Shauna Morgan e todos os patrocinadores e benfeitores
generosos.
Uma gratidão profunda a vários outros que contribuíram para a
escrita deste livro, especialmente os criadores do Evernote, o Foo
Fighters por “The Sky is a Neighborhood”, o Hilton Garden Inn Outer
Banks/Kitty Hawk, Cheez-Its (principalmente quem inventou a ideia
do sabor bacon kosher) e, é claro, Demi Lovato, cuja força e
honestidade constantemente me inspiram.
Acima de tudo, meu amor e agradecimento às famílias Adler e
Fisch. Eu sou a esposa, mãe, filha, irmã e tia mais sortuda do
mundo, e sou muito grata por tudo que vocês tornam possível.
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leituras e novidades nas nossas redes:
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Copyright © 2020 by Dahlia Adler
Copyright da tradução © 2021 by Editora Globo S.A.

Translation rights arranged by Taryn Fagerness Agency and Sandra Bruna Agencia
Literaria, SL. All rights reserved.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou
reproduzida — em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia,
gravação etc. — nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados sem a
expressa autorização da editora.

Título original: Cool for the Summer

Editora responsável Paula Drummond


Assistente editorial Agatha Machado
Preparação de texto Fernanda Marão
Diagramação e adaptação de capa Renata Zucchini
Projeto gráfico original Laboratório Secreto
Revisão Vanessa Sawada e Clara Alves
Editora de livros digitais Cindy Leopoldo
Produção do e-book Ranna Studio

Texto fixado conforme as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa


(Decreto Legislativo nº 54, de 1995).

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

A185c
Adler, Dahlia
Cool for the summer : um verão inesquecível / Dahlia Adler ; tradução Laura Pohl. -
1. ed. - Rio de Janeiro : Globo Alt, 2021.
272 p.

Tradução de: Cool for the summer


ISBN 978-65-88131-38-1

1. Romance americano. I. Pohl, Laura. II. Título.

21-72844 CDD: 813


CDU: 82-31(73)

Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439

1ª edição, 2021

Direitos de edição em língua portuguesa para o Brasil adquiridos por Editora Globo S.A.
Rua Marquês de Pombal, 25
20.230-240 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
www.globolivros.com.br

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