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Laura Pohl
Dahli Adler trabalha na área da matemática durante o dia, é
a rainha das leituras LGBTQIA+ durante a noite e escreve romances
YA em todos os seus momentos livres. Ela mora em Nova York com
a família e uma quantidade obscena de livros.
Sumário
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Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo catorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capítulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Capítulo vinte e dois
Agradecimentos
Créditos
Para Tamar.
Este pode não ser um livro de “irmãs”,
mas que ficção faria jus à realidade, de qualquer forma?
Capítulo um
AGORA
Apesar de tudo, o ensino médio me fez muito bem. Tá certo que,
se reclamo de alguma coisa, minha mãe começa a comparar os
meus infortúnios de não ter o meu próprio carro com os infortúnios
dela de não ter tido sapatos quando era mais nova e morava na
Rússia, mas, mesmo quando estou sendo uma pirralha mimada, sei
que ter bons amigos, notas decentes, sempre ser convidada para as
festas e ter uma pele eternamente lisa faz de mim uma das pessoas
mais sortudas do planeta.
Claro, meu pai é um babaca ausente e eu não ganhei um pônei
no meu aniversário de nove anos, mas, no geral, eu diria que a vida
tem sido muito boa.
Então por quê, quando entro em Stratford High no primeiro dia
de aula do meu último ano de escola, sou imediatamente lembrada
do que não tenho? Por que Chase Harding, o amor não
correspondido da minha vida, com todo o seu um metro e noventa
de altura, precisa ser a primeira coisa que vejo? Por que ele precisa
estar bem no corredor de entrada da escola, rindo com os caras do
time de futebol, com suas pernas enormes, exibindo para todo
mundo que é um grande gostoso?
Como ousa, universo? Como ousa?!
— Cuidado com a baba, Rissy. Alguém pode escorregar.
— Estava torcendo pra esse alguém ser você — respondo sem
desviar um centímetro sequer do meu olhar. Não preciso ver para
saber que é Shannon Salter. Ela é a única pessoa que ousaria me
chamar de Rissy. A única pessoa que pode me chamar assim sem
levar uma unha de gel no olho, na verdade.
Ainda assim, depois de um instante, eu me viro. Até eu sei que
sou patética.
— Senti saudade, vadia — diz Shannon, dando um beijo na
minha bochecha. — Odeio esse seu bronzeado.
— Você adoraria estar com meu bronzeado.
— É claro que sim. — Shannon pega um dos cachos cor de
manteiga que caem na altura dos meus ombros, enrola em seu
dedo indicador e dá um puxão. — E olha só esse corte de cabelo! É
tão fofo e loiro! Como você ousa passar o verão na praia sem mim?
— Você estava em Paris, Shan.
— Ah, é. Estava mesmo. — Ela dá um sorriso largo o suficiente
para fazer as covinhas aparecerem nas bochechas de pêssego e
pele de creme. — Merda, eu sou demais mesmo.
Ela é, infelizmente. Mesmo durante essa conversa breve,
algumas pessoas aleatórias nos cumprimentam com um “Oi, gente”,
mas a maioria diz “Oi, Shannon!”, com um aceno ou um sorriso,
tomando cuidado para não atrapalhar nossa reunião pós-férias de
verão, mas loucos para começar o ano com o pé direito, se
aproximando da garota mais popular de Stratford.
Como se Shannon estivesse desesperada por novos amigos.
Foi esquisito passar o verão todo separadas. Não fazíamos isso
há anos, principalmente depois que entramos no ensino médio. Mas
também nunca tinham pedido para minha mãe acompanhar o chefe
dela a Outer Banks, na Carolina do Norte, durante o verão. E ela
nunca tinha arrastado a filha junto, em vez de deixá-la ficar sozinha
em casa, em Stratford.
Foi um verão de primeiras vezes.
— Bota demais nisso — confirmo, dando um beijo na bochecha
dela e deixando uma marca coral. — E agora estamos juntas, então
isso é...
— Olá, garotas.
O cumprimento não é tão tímido quanto os outros e veio
acompanhado de uma sombra. Uma sombra de um metro e
noventa. Não sou do tipo que grita, mas, se fosse, estaria rompendo
alguns tímpanos.
— Oi, Harding. — Será que parece que estou flertando demais?
É bem possível que pareça. Só que o jeito como ele está apoiado no
meu armário é definitivamente provocante, então, tipo, sério, eu não
estou sendo estranha. — Você ficou mais alto durante o verão?
Ok, agora estou sendo estranha.
— Fiquei, obrigado por notar. — Ele semicerra os olhos, como se
estivesse examinando meu rosto. — Você também está diferente,
Bogdan.
— De um jeito bom?
Ele me oferece um sorriso, mostrando os dentes tortos que só o
fazem ficar mais fofo.
— De um jeito ótimo.
— Era isso que eu estava falando — diz Shannon, esticando um
braço por cima dos meus ombros. — Olha só pra essa puta gostosa.
— Estou olhando, estou olhando — diz Chase com um sorriso,
mas eu mal consigo ouvi-lo.
Um fantasma está atravessando a porta da escola. Um fantasma
com pele marrom macia, lábios cheios, cabelo de ondas escuras
exuberantes e olhos cor de âmbar que sei, por experiência própria,
que podem te convencer a fazer coisas que você nunca nem
sonharia. Coisas de que você gostou. Coisas que você amou.
Coisas nas quais pensou todas as noites desde que aconteceram.
Por que tem um fantasma na forma de Jasmine Killary
assombrando Stratford?
Me assombrando?
— Ei, Bogdan. — Unhas meticulosamente pintadas estalam na
frente do meu rosto. — Pra onde você foi?
Eu pisco, esperando minha visão clarear, mas Jasmine ainda
está ali, em carne e osso, um ser cujo rosto está parcialmente
escondido por um celular, mas cuja existência real é tão inegável
quanto o batimento tempestuoso dentro do meu peito ao vê-la.
Pra onde você foi?
Como é que conto para minha melhor amiga que não sei nem
por onde começar a responder essa pergunta?
ANTES
O ar é diferente em Outer Banks, mas, para falar a verdade, tudo é
diferente. As casas ficam em plataformas de madeira elevadas para
evitar inundações. Nada tem mais que dois ou três andares, no
máximo. A estrada principal que sai do lado sul do nível do mar é
larga, reta e solitária. É muito diferente dos subúrbios de Nova York,
onde eu passaria o verão vendendo livros, comendo o equivalente
ao meu peso em frozen yogurt, sendo babá dos trigêmeos Sullivan e
encarando o Instagram com inveja das selfies da Shannon na Torre
Eiffel.
Não era um plano de férias incrível, mas era o meu plano,
destruído no instante em que minha mãe entrou no nosso
apartamento e anunciou que eu tinha uma semana para arrumar as
malas para um verão inteiro. Não fiquei feliz com aquilo — com
nada daquilo —, mas ainda não tenho dezoito anos e também não
poderia aparecer na casa do meu pai pela primeira vez depois de
anos implorando para ele tomar conta de mim. Em vez disso, fiquei
a semana choramingando na frente da TV enquanto via séries ruins,
disse adeus para os meus amigos, arrumei a mala com roupas que
serviriam para ficar choramingando ainda mais, e então partimos.
É um pouco humilhante ficar na ala de hóspedes da enorme
casa de praia do chefe da minha mãe, mas ao menos tem um
pequeno quarto separado para mim com uma vista incrível para o
Atlântico. Declan Killary, o CEO das Indústrias Decker, ou fez
alguma coisa muito correta na vida passada, ou fez um monte de
merdas terríveis nessa aqui.
Mal chegamos e nos instalamos, e meia hora depois somos
chamadas para a cozinha — ou, ao menos, minha mãe é. Eu vou
junto, já que não tenho mais nada para fazer.
Além disso, estou com fome.
Felizmente, o sr. Killary é generoso com o conteúdo da
geladeira, basicamente me dizendo para eu me divertir antes de se
virar para minha mãe para conversar sobre o itinerário da noite. Era
de se pensar que seria tudo tranquilo, já que ele está na sua casa
de praia, mas, quando decido deixar de prestar atenção na conversa
para focar em aipo e manteiga de amendoim, ele já foi avisado que
tem três audioconferências naquele dia, recebeu os planos de
reforma do escritório em Dallas e foi informado de que tem um
encontro às dez em um bar de vinho em Kill Devil Hills. Finjo que
não ouço a última parte. Deve ser um pouco constrangedor ter uma
jovem de dezessete anos ouvindo que quem organiza seus planos
românticos é a sua secretária, mas, se ele notou que eu ainda estou
no cômodo, não deixou transparecer.
Coloco toda a minha concentração em pegar o máximo de
manteiga de amendoim que consigo.
Os dois estão repassando a agenda da manhã do dia seguinte
quando um furacão entra na cozinha em um borrão de longos
cachos pretos e pernas bronzeadas ainda mais longas. O furacão
passa por mim, abre a geladeira, quase me acerta com a porta
enquanto pega a água de coco e então geme alto o suficiente para
sacudir as paredes da casa depois de tomar um longo gole da
bebida.
Achei que ela não tinha notado que havia mais pessoas no
cômodo, mas a garota reclama:
— Tá quente pra caralho lá fora. Preciso pular na piscina. — E
então olha diretamente para mim com os olhos da cor mais próxima
do dourado que já vi. — Quem é você?
— Cadê a educação, Jasmine? — diz o sr. Killary. — Lembra da
minha assistente, Anya? — Ele aponta para a minha mãe, que
parece completamente inabalada. — Essa é a filha dela, Larissa.
Elas vão ficar aqui conosco durante o verão. Sua mãe não falou
nada?
Ela dá de ombros.
— Acho que não prestei atenção. — Ao menos ela é sincera. —
Você tem biquíni?
Eu tenho, apesar da sensação de que ele custa uns quinhentos
dólares a menos do que qualquer um que Jasmine coloque.
— Tenho.
— Ótimo. Vamos. — Ela sai da cozinha levando a água de coco
e não me dá escolha a não ser segui-la.
Eu meio que a odeio logo de cara. Ela é o tipo de garota que
sempre consegue o que quer. E ela faz com que eu também me
odeie um pouco, porque já sei que vou ser tão obediente quanto
qualquer outra pessoa que quer fazê-la feliz. Não dá para passar
três anos como o braço direito de Shannon Salter sem aprender a
identificar essas personalidades mais rápido do que encontrar o
jeans perfeito na Nordstrom, e nunca fica menos irritante encontrá-
las.
Eu amo a Shannon, mas já basta ser o segundo lugar durante o
ano letivo. Não quero passar meu verão fazendo a mesma coisa.
Só que uma piscina é uma piscina, e, se é para ficar presa aqui
durante o verão todo, então, pelo menos, vou garantir um bom
bronzeado.
Demoro mais tempo do que deveria para escolher entre meu
biquíni xadrez e um cor-de-rosa mais sensual, porém mais sem
graça — quero mostrar que sou fashion ou que tenho uma cintura
invejável? —, e acabo escolhendo o primeiro. É claro que Jasmine
está vestindo uma coisa de um padrão metálico que é infinitamente
mais legal que o meu e exibindo um corpo cheio de curvas e
músculos, porque é isso que gente como ela faz. Eu suspiro e
mergulho.
Em sua defesa, Jasmine não fica tentando puxar papo comigo.
Não passamos por uma sessão em que ela avalia o cérebro da
invasora e qual o nível da ameaça. Então talvez não seja
exatamente outra Shannon. Ela até tira um livro da bolsa, coisa que
Shannon nunca faria.
Não sei como me sentir sobre isso.
Antes de pensar duas vezes, sou eu que puxo a conversa.
— Está lendo para a escola?
Os olhos dela permanecem na página, mas Jasmine ergue o
livro alto o suficiente para eu ver que ela definitivamente não está
fazendo uma leitura para a escola, a não ser que frequente uma
extremamente moderna que indica graphic novels em vez de algum
clássico escrito por um homem branco que morreu há muitos anos
como recomendação de leitura de férias. O que não é improvável, já
que ela é mais sofisticada do que eu em todas as circunstâncias.
— Legal. Também gosto de ler por prazer. — Eu falei isso
mesmo? Por favor, diga que não. Daqui a pouco estarei me abrindo
sobre minhas quinhentas tentativas frustradas de escrever um
romance. — Nem sabia que seu pai tinha filhos — continuo, me
odiando por ficar tagarelando enquanto Jasmine deixa claro que não
está interessada na conversa.
— Filha. — Ela ergue o rosto para o sol, o reflexo brilhando nos
óculos escuros de marca. — Só eu. Moro com minha mãe em
Asheville. Você sabe que ele é divorciado, né? Ou você achava que
sua mãe estava transando com um homem casado?
Eita, ela é um Tipo. Mas estou acostumada com Tipos. Sei lidar
com Tipos.
— Sabia, sim, e eles não estão transando. Então se você quer
uma comparsa pra um verão estilo Operação Cupido, não está com
sorte.
Os dentes brancos perfeitos brilham em um sorriso.
— Deus, não consigo imaginar coisa pior. — Ela se senta e acho
que está olhando para mim, mas é impossível ver através das lentes
espelhadas dos óculos estilo aviador. — Mas aceito uma motorista
pra festa de hoje à noite. Vai ser uma festa boa. Prometo.
Me convidar para a piscina e para uma festa na primeira hora em
que nos conhecemos? Ou Jasmine é bem mais amigável do que
parece, ou muito solitária. Não importa. Não conheço ninguém aqui
e não tenho outra escolha a não ser aceitar o convite.
Só que aí está a coisa que aprendi sobre Jasmine naquele dia:
as promessas dela são sempre, sempre para valer.
Capítulo dois
AGORA
Mais cedo, fugi da conversa com Shannon e Chase murmurando
uma desculpa, mas, quando deslizo na carteira atrás dele na
segunda aula, de cálculo, depois de passar a aula de história
buscando sem sucesso em cada canto das redes sociais por pistas
do que diabos Jasmine está fazendo aqui, decido empurrá-la para
longe dos meus pensamentos e ativar o modo flerte descarado.
Aparentemente, Chase também.
— Ei, você vai no jogo sexta à noite? — O rosto dele está
inclinado o suficiente para eu saber que está falando comigo, a
covinha do lado direito exibida em sua glória máxima. Meu sonho é
fazer coisas estranhas com aquelas covinhas.
— Vou ver e te aviso. — Como regra, costumo colocar um limite
a quantos jogos de futebol eu vou em cada temporada. É um pouco
triste passar todo o meu tempo babando por Chase e seus ombros
mágicos. (Ou observando-o enxugar o rosto na camisa, revelando
um tanquinho digno de lambidas. Ou compondo odes à sua bunda.)
E eu certamente não preciso dizer a ele o quão feliz eu ficaria de
desistir de qualquer plano em qualquer noite para vê-lo jogar.
Shannon colocou um limite rigoroso de dois jogos por mês, e acho
que é uma boa regra. — Talvez a gente vá para a casa da Kiki.
Temos que aproveitar pra nadar à noite enquanto o tempo ainda
está bom.
Tradução: não estou tão interessada em você e prefiro ficar com
as mesmas garotas com quem passo o dia todo, todos os dias, e, só
para acrescentar, eu estarei de biquíni.
— Então você vai estar de biquíni.
Dou um sorriso meigo.
— É bem provável.
— Agora nem eu quero ir para o meu jogo. — A covinha aparece
de novo, e ele se vira para a frente quando o sr. Howard chama a
atenção de todo mundo.
Beleza, que porra está acontecendo aqui? Eu passei três anos
de ensino médio tentando chamar a atenção do Chase, e isso
depois de sei lá quantos anos de ensino fundamental, quando ainda
nem estava tentando. E agora ele está simplesmente... oferecendo.
Eu realmente deveria dar uma gorjeta para a cabeleireira.
Enquanto o sr. Howard se apresenta para os alunos que não o
conhecem (ele foi meu professor de álgebra no primeiro ano),
deslizo meu celular para baixo da carteira e abro o grupo de
conversa que tenho com Shannon, Kiki Takayama e Gia Peretti.
Piscina na Kiki sexta à noite? Só a gente?
Shannon responde quase imediatamente.
Vc tá mesmo fingindo que não quer ir no jogo do Chase na
sexta?
E então:
Boa garota.
Eu tenho que ir no jogo, Gia lembra, seguido por um emoji de
megafone, o que é justo, já que ela é a capitã das líderes de torcida.
Quando todas nós estávamos no time júnior no primeiro ano,
levávamos bronca se faltássemos aos jogos, a não ser que fosse
uma emergência. (Eeeee é por isso que só uma de nós continuou
na equipe.) Não que Gia teria aceitado faltar; ela só faria isso se
estivesse inteiramente engessada. A única coisa que essa garota
ama mais do que ser líder de torcida é ser namorada de alguém.
E a festa do Hunter?
Perder a Primeira Festa Anual de Hunter Ferris parece mesmo
um sacrilégio em Stratford, mas, pensando bem, eu não ouvi uma
palavra sequer sobre o assunto o dia todo. Os posts idiotas sobre os
armários cheios de bebida e a magnitude da sua banheira de
hidromassagem geralmente ocupam todo o meu feed.
Ele não vai dar a festa esse ano, responde Shannon, e consigo
sentir através da tela do celular sua arrogância por saber da fofoca.
É claro que ela não me contou. Claro. E então ela solta a outra
bomba.
Mas uma garota nova vai.
Jasmine. Eu sei que é ela, sinto isso no fundo do meu ser. É
uma coisa tão Ela de se fazer, entrar e ferrar com tudo só porque
pode. Jasmine quer dar a impressão de que nada é capaz de
intimidá-la. E ok, realmente pouca coisa consegue, que eu saiba. O
que também é irritantemente atraente.
Quase tão irritantemente atraente quanto ver o que realmente
quebra as barreiras dela.
Pare com isso, ordeno ao meu batimento cardíaco acelerado
enquanto Gia responde com um emoji chocado.
Eu odeio mentir para minhas amigas, especialmente depois de
todos os anos em que elas aguentaram minha obsessão por Chase,
mas de jeito nenhum vou falar com elas sobre Jasmine. O que eu
iria dizer? Como é que se conta para as pessoas que escutaram
você tagarelar sobre um cara por mil anos que ops, você passou o
verão de caso com uma garota? Especialmente se você não tem
ideia do que isso significa para nenhuma das duas? Especialmente
se já está tão superado para ela que foi parar na sua escola sem
nem avisar?
A única coisa que posso fazer é fingir completa ignorância e
tentar mantê-la o mais longe possível das minhas amigas.
Ai, a gente não vai pra casa de uma desconhecida, né?, eu
digito, sabendo que não há nenhuma chance de ganhar com esse
argumento.
Vc tá me zoando? Missão de reconhecimento básica.
Não há nada que Kiki ame mais do que espionagem
adolescente. Ela quer ser detetive particular ou jornalista
investigativa, dependendo do dia.
A gente vai.
Mesmo sabendo o que estava por vir, meu coração acelera
quando penso em nós quatro chegando juntas nessa festa.
Imediatamente tento imaginar o que minhas amigas acharão de
Jasmine.
Sempre brincando de detetive, Kiki vai tentar se aprofundar nas
razões que podem ter levado Jasmine ali para cursar o último ano, e
eu não posso culpá-la — estou morrendo de vontade de saber.
Passamos o verão inteiro juntas e ela nunca comentou nada, a não
ser sobre voltar para a casa da mãe, em Asheville. Como ela não
me contou que estava mudando para a casa do pai? Como não
falou que a última vez que nos despedimos nem mesmo era uma
despedida? Como poderia aparecer aqui sem me deixar
completamente obcecada com o que isso significaria?
Não seria o fim do mundo se Kiki conseguisse algumas
respostas.
Quanto à Shannon, ela não vai gostar da Jasmine. Fora o nosso
grupinho, Shannon não gosta de ninguém. Tem dias que eu não sei
nem se ela gosta de mim. Só que Jasmine é bonita e rica o
suficiente para entrar no radar de “importância” da Shannon, então
ao menos ela vai fingir ser amigável e acolhedora até sacar o
quanto Jasmine é uma ameaça para sua popularidade ou para suas
chances de entrar na faculdade, ou os dois. Basicamente, qualquer
fofoca que Kiki não conseguir, Shannon conseguirá. Preciso pensar
em um plano para mantê-las longe uma da outra até o dia da
formatura.
Gia vai passar a noite inteira tentando decidir se Jasmine é mais
bonita do que ela. Ela é, mas Gia vai fingir que não chega a essa
conclusão enquanto chega exatamente a essa conclusão. Eu amo
que ela sempre tenta fazer com que suas verdades se tornem
realidade. Não que esteja mentindo, é que ela realmente acredita
que, se mentalizar alguma coisa o bastante, deixa de ser sonho. Ela
aprendeu a ser assim com o ex-namorado, e acho que ela pensa
que ele inventou a frase, não que é uma citação famosa que deve
ter roubado de algum álbum de fotos da escola. Enfim, é uma
estratégia de vida. Claro, ela conseguiu se tornar capitã do time de
torcida, tem um namorado fofo que é completamente dedicado a ela
e obviamente tem as amigas mais incríveis em Stratford, então
talvez essa estratégia valha de alguma coisa.
Eu nunca diria isso para ela, mas seu sucesso me inspirou a
tentar o mesmo com o Chase. Passei noites mentalizando que ele
me ofereceria uma carona para casa ou me convidaria para dançar
em uma festa. Agora, considerando o flerte comigo esta manhã, me
pergunto se finalmente está dando certo, só que com atraso. (Ah,
esse timing.)
Ele vai estar na festa; os jogadores de futebol sempre vão,
independentemente do resultado do jogo. Quer eu esteja lá ou não,
Jasmine e ele vão estar no mesmo lugar, como mundos colidindo.
Me pergunto se ele vai achá-la bonita. (Como não?) Me pergunto se
ela vai achá-lo um gato. (Como não?) Será que eu falei dele para
ela? Não consigo me lembrar de nenhuma conversa sobre Chase,
apesar de não acreditar que tenha passado o verão inteiro sem falar
disso. Mas a verdade é que ele quase não era importante quando
eu estava perto de Jasmine. Só que agora ele definitivamente é.
O problema é que ela também.
Argh, que bagunça.
Ouço uma tosse alta e vejo que o sr. Howard está tentando
chamar minha atenção. Sinceramente, o timing é perfeito, então
coloco o celular de volta na mochila e me concentro na palavra
“cálculo”, que me encara em letras vermelhas do quadro branco.
Em questão de minutos, meu foco se esvai. Jasmine não está
nessa aula e também não estava na aula de história. Que aulas ela
está fazendo? Será que está em cálculo avançado, igual à Kiki? Ou
será que está na outra turma de cálculo, com Shan e Gia? Ela não
estava no laboratório, não está comigo agora e não estará na minha
aula de espanhol porque é fluente em francês.
Quem. Se. Importa. Porra. Eu não sou a guardiã de Jasmine
Killary. Eu não sou nem mesmo amiga de Jasmine Killary. Se fosse,
saberia que ela estava vindo para cá. Saberia que agora ia morar
com o pai e quando chegaria, e teríamos ido para a escola juntas,
assim como fomos a todos os lugares no verão.
Em vez disso, tudo que sei é que não conversamos desde que
fui embora de Outer Banks, e talvez seja melhor assim.
Grudo meu olhar na parte de trás da cabeça de Chase,
pensando no seu flerte de hoje. É nisso que devo focar.
Um bilhetinho cai na minha mesa alguns minutos depois,
amassado e com manchas de tinta. “Você deveria repensar sobre
sexta à noite”, está escrito. “Me ajudaria muito ter uma líder de
torcida particular.”
Observo a caligrafia que eu queria não conhecer tão bem,
considerando que esse é o primeiro bilhete que Chase me manda
que não é pedindo uma ajuda no dever de casa. O que isso
significa? Será que ele lembra que eu já fui líder de torcida e ficava
ao lado do gramado com uma microblusa e uma saia ainda mais
minúscula? Ou acha que estou tão na dele que vou torcer para ele
independente do que acontecer? Ou isso é só um flerte?
Argh, acho que gostava mais de quando ele me tratava como
uma irmãzinha. Estratégias românticas não são a minha
especialidade. Por que seria, se o meu coração está parado no
mesmo lugar não correspondido de sempre? Não que eu nunca
tenha tido encontros ou beijado uns caras ou algo do gênero — e o
verão passado foi completamente diferente de qualquer outra coisa
—, mas era tudo por diversão, paquerar e ter companhia para sair
com Gia e Tommy e Shannon e o “funcionário do mês”. Chase
sempre foi real, real demais, e, portanto, não era real de forma
alguma.
Considero não escrever uma resposta, mas quem estou
querendo enganar? “Vou pensar no caso.”
Mesmo com meus olhos fixos no quadro, consigo ver
perfeitamente o sorriso satisfeito dele quando desdobra o bilhete.
Eu não odeio o sorriso.
Como esperado, Jasmine não é minha colega de classe em
nenhuma aula naquela manhã, e também não a encontro no
almoço, já que Shannon prontamente me leva com Gia e Kiki até o
carro para aproveitarmos as vantagens de sermos veteranas e
almoçar fora da escola. No entanto, ouço muito sobre ela, já que
todas a encontraram e têm um montão de opiniões.
— Ela veio de Asheville, na Carolina do Norte — diz Kiki, a mão
abanando como ela sempre faz quando está empolgada com
alguma informação que descobriu, as unhas pintadas de preto
refletindo sob a luz do Lily’s Café. — A mãe dela continua lá, mas
Jasmine agora mora com o pai. Aparentemente ele é um CEO
desses grandes e a casa dele é incrível.
— Quem diria que tem Balenciaga no interior? — Shannon
apunhala uma folha de alface metodicamente. Ela sempre come
como se estivesse dissecando um rato de laboratório.
— E por que vai ser ela que vai dar a festa? — pergunta Gia.
— Boatos de que Hunter tentou fazer charme com um convite
para a festa e ela olhou bem nos olhos dele e disse que estaria
ocupada demais com a própria festa de boas-vindas, e que ele
estava convidado. Na aula seguinte, Hunter já estava dizendo pra
todo mundo que tinha mudado a data da festa dele.
Kiki é uma fonte de informações, mal parando de falar para
engolir a pizza. Mas nada do que ela diz são as informações de que
preciso saber — por que Jasmine está morando com o pai e por que
ela não me falou que mudaria para cá —, mas estou sedenta por
qualquer migalha, então vou ficar satisfeita com o que conseguir.
Escuto em silêncio enquanto minhas três melhores amigas
analisam tudo a respeito de Jasmine, começando pelo guarda-roupa
(caro), o cabelo (Gia acha que é longo demais, e eu enfio três
batatas fritas na boca de uma vez só para não dizer uma palavra
sobre como ela não acharia isso se estivesse com o tal cabelo
enrolado em seus dedos) e até mesmo o francês impecável (do qual
sou testemunha que é de deixar a calcinha molhada).
Jasmine era para ser o meu segredo e, naquela manhã, virou a
notícia principal.
Eu realmente preciso mudar de assunto.
— Ainda não acredito que estamos falando dessa garota quando
Chase Harding deu em cima de mim a manhã toda. — Dou um
suspiro magoado e, apesar de estar falando isso como forma de
mudar de assunto, também estou um pouco desapontada. Fiz com
que essas meninas aguentassem horas e horas da minha obsessão
por Chase e, na manhã que ele retribui um pouquinho do meu
interesse, não tem nenhum carnaval sendo feito em minha
homenagem? Mas que porra, galera? Como eu processo tudo isso
sozinha?
— Achei que você estivesse tentando não parecer interessada
demais — diz Shannon, sorrindo como se tivesse acabado de me
encurralar. — Então não é verdade.
— O que isso significa?
— Ele falou para o Alex que você está se fazendo de difícil —
responde Kiki, pegando um pouco das minhas batatas. — Disse que
você mandou um belo “talvez” quando ele perguntou se você vai no
jogo de sexta à noite.
— Mas vocês vão, né? — Gia pergunta, seguindo o movimento
de Kiki até as minhas batatas antes de tirar a mão rapidamente,
provavelmente ao lembrar que estamos na temporada de jogos. —
Vocês prometeram que iriam me ver.
Prometemos? Merda. Lá se vai o jogo de se fazer de difícil.
— É claro que a gente vai — diz Shannon antes que eu possa
pronunciar uma só palavra. — A Riss só está fazendo o Chase suar
um pouco.
— Estaremos lá — prometo, e Kiki assente.
— E depois vamos para a festa da Garota Nova — acrescenta
Kiki.
E, assim, a conversa volta a ser sobre Jasmine, e eu pondero se
é possível alguém conseguir, literalmente, se afogar em ketchup.
Vou para o meu quarto, mas não começo a fazer a lição de casa.
Em vez disso, entro no closet e apoio os pés na prateleira mais
baixa para alcançar o álbum que fica escondido na mais alta.
Shannon morreria de rir se soubesse que fiz algo tão sentimental.
Bom, Jasmine também. Mas estou tão aliviada em ter aquilo, em ter
provas de que o verão foi real e não uma completa ilusão.
E ali estão as provas: ingressos para o cinema de Kill Devil Hills,
entradas para o Elizabethan Gardens, os tíquetes do show The Lost
Colony e os comprovantes da balsa que pegamos para ir à Knotts
Island. Fotos que tiramos abraçadas em faróis e fingindo voar na
frente do memorial aos irmãos Wright. Papéis de embrulho de
sorvete, conchas achatadas que peguei na praia, um coringa de um
baralho já gasto e até mesmo a haste de uma cereja na qual
Jasmine tinha feito um nó usando só a língua em uma festa. Não há
escassez de lembranças nessas páginas.
A verdade é que não preciso de fotos ou embalagens ou
ingressos para lembrar desse verão, apesar de uma parte dele ser
nebuloso mesmo enquanto estava acontecendo. Caramba, ainda
me lembro de cada minuto até pelo menos o terceiro shot que tomei
naquela primeira festa a que fui e fiquei extremamente bêbada.
Foi naquele momento que eu soube que o verão não seria ruim.
ANTES
Não sei o que vestir para a festa do amigo da Jasmine. Não porque
eu não saiba como me vestir, mas porque achei que minhas noites
de verão seriam baseadas em me transformar em uma lesma no
sofá e ficar maratonando Netflix com a minha mãe. Eu trouxe alguns
biquínis, shorts e blusinhas, mas, para a noite, tudo o que tenho são
alguns jeans e umas calças de moletom confortáveis para o caso de
eu querer sentar perto da água quando estivesse mais frio. Roupas
de festa não tinham entrado na equação.
Um jeans sem graça e uma regata de bolinhas vão ter que servir.
Shannon ia morrer se me visse usando chinelos para ir a uma festa,
mas ela está em Paris usando saltos e lenços no pescoço, então
tanto faz.
Sem mais nada para fazer, fico pronta vergonhosamente rápido
e, com medo de parecer ansiosa demais, eu me tranco no quarto e
passo o tempo mandando mensagens para Kiki e assistindo a
vídeos idiotas no YouTube. Finalmente, ouço movimento do lado de
fora, seguido de um grito de “Sininho, cadê você?” que poderia ter
vindo de uma fada.
Pego minha bolsa e pulo da cama para encontrar Jasmine, que
parece cem vezes mais estilosa com sua regata branca, calça capri
rosa e uma fileira de pulseiras tilintando nos braços. Branco é uma
cor que eu evito até estarmos ao menos duas semanas verão
adentro, mas ressalta a pele naturalmente marrom de Jasmine e
seu cabelo escuro e sedoso.
Aguardo um comentário sobre minha aparência, parte de um
ritual pré-festa com Shannon, Gia e Kiki, mas tudo o que Jasmine
diz é:
— Está pronta?
Assinto. Só depois de entrarmos no carro dela que pergunto:
— Sininho?
— Pequenininha, loira, provavelmente caberia no meu bolso. E
eu ainda não consegui aperfeiçoar o “Larotchka” da sua mãe.
Caio em uma gargalhada com a tentativa dela de fazer o som de
A mais aberto e o R enrolado do russo. No geral, o sotaque da
minha mãe aparece apenas de leve; ela mora nos Estados Unidos
desde a faculdade. Só que, quando ela diz meu apelido, o sotaque
ressurge, bem forte, e é um dos meus sons favoritos no mundo. É
estranho ver alguém notar isso tão adequadamente logo no primeiro
dia. É óbvio que Jasmine tem bons poderes de observação.
Ela sorri, e nós abrimos as janelas do jipe ao máximo e ligamos
o som no volume mais alto. Está tocando uma banda que nunca
escutei antes, com vocais raivosos e sussurros de garotinha que se
transformam em gritos, me dando a sensação de escrever meu
nome no céu com um batom vermelho. O ar salgado e as casas
sobre estacas são tão diferentes de Nova York... Não é nada
parecido com a experiência que estava pronta para viver no verão.
Apesar de nada disso ser minha escolha e tudo me deixar brava,
essa noite tem um pouco de liberdade.
Eu não olho o Instagram da Shannon nem uma vez. Nem
mesmo o do Chase.
A casa onde a festa está acontecendo não é tão impressionante
quanto a dos Killary, mas foi decorada por alguém que sabe mesmo
dar uma festa. Nós damos a volta pela praia, onde as chamas de
uma fogueira lambem o céu e a música preenche o ar. Na grama,
coolers com gelo, refrigerante e cerveja estão à disposição. Há uma
mesa cheia de pratos pequenos com coquetel de camarão e
biscoitos salgados com queijo salpicado e, apesar de parecer que
todas as espreguiçadeiras e cadeiras de praia de Outer Banks estão
nesse único quintal, tem uma bunda preenchendo cada uma delas
— em algumas, tem até duas bundas, de casais abraçados.
— De quem é essa casa? — pergunto enquanto nos
encaminhamos para os coolers com bebidas e eu obedientemente
pego uma lata de refrigerante diet, fiel à minha promessa de ser a
motorista da rodada.
— Do Carter Thomas — diz Jasmine, tirando a lata da minha
mão e substituindo-a por uma garrafa de Corona. — Pensei um
pouco sobre o assunto e cheguei à conclusão de que fazer você ser
a MDR na sua primeira festa em Outer Banks é crueldade demais,
então, só dessa vez, vou cuidar disso.
Ela abre a lata de refrigerante e toma um grande gole desafiador,
como se isso encerrasse o assunto. E suponho que encerra,
porque, antes mesmo de pensar no assunto, estou bebericando a
cerveja e Jasmine está me apresentando para o pessoal.
Demora um pouco para encontrar Carter, mas, enquanto isso,
sou apresentada a Owen, um garoto branco com a cara vermelha e
cabelo da cor de cenoura com um sorriso tranquilo e dentes
afastados; Keisha, a prima de Carter, cuja pele escura brilha com
glitter corporal e aroma de coco, um cheiro agradável que percebo
quando ela joga os braços ao meu redor em um abraço caloroso e
me envolve na camiseta de Minecraft que está usando; Brea, que
talvez seja branca ou talvez latina ou talvez as duas coisas, está de
tranças loiras que chicoteiam o vento e tem o tipo de risada que
ocasionalmente soa como um porco roncando, ou seja, o melhor
tipo de risada; e Derek, que é do leste asiático, muito gato e
definitivamente o tipo interessante com quem eu passaria o verão se
ele não tivesse imediatamente se juntado a Jack, um sósia de Dax
Shepard, que entrelaça os dedos dos dois e não solta durante a
noite toda.
A coisa engraçada de estar em Outer Banks só durante o verão
é que todos estão em Outer Banks só durante o verão. No resto do
ano, estão espalhados pelo sul e pelo Médio Atlântico do país, mas
vêm para cá sempre, desde que usavam fraldas à prova d’água. É
óbvio que essa é uma festa tradicional de reencontro, na qual
Keisha conta a todos sobre o primeiro ano dela em Georgetown,
Brea compartilha as últimas da mãe hippie e Jack e Derek (Jerek?)
mostram fotos da festa de formatura para todos. Por um lado, eu
sou obviamente a forasteira. Por outro, é uma oportunidade perfeita
de me enturmar — e fica muito mais fácil quando Owen nos traz
uma bandeja de shots de gelatina.
— Então, de onde você é, nova musa do verão? — ele pergunta
enquanto eu me sirvo de um shot sabor cereja.
— Nova York. Moro num subúrbio fora da cidade.
Ele vira um shot de gelatina verde-clara.
— E está ficando na casa da Jas? Como vocês se conheceram?
Uma pergunta inevitável, mas argh. Parece triste demais dizer
“estamos ficando lá como servas porque minha mãe é secretária do
pai dela”. Não tenho vergonha do trabalho da minha mãe ou do fato
de que não temos muito dinheiro, mas não preciso que as pessoas
aqui me tratem como se eu estivesse à disposição deles, ou sei lá.
Por sorte, Jasmine é muito mais rápida do que eu, respondendo
enquanto viro o meu shot de gelatina.
— Nossos pais trabalham juntos — ela responde, e fico grata
pela resposta, que não é exatamente mentira. — Agora, onde
diabos o Carter está?
— Alguém disse meu nome? — Olho para cima e vejo um cara
negro alto e musculoso com cabelo curto e olhos escuros brilhantes
vindo na nossa direção. Ele está com um sorriso lindo no rosto,
perfeito demais para ser real. Parece que Carter tem muuuuuito
mais do que só a casa a seu favor. Uau. — Ei, gata.
Ele passa um braço ao redor de Jasmine e beija o topo de sua
cabeça de um jeito nada paternal.
É claro que ela tem um cara por aqui. Lá se vão os planos de ter
alguém com quem sair durante o verão. Só que isso provavelmente
é uma coisa boa. Eu devia estar ganhando dinheiro para guardar
para a faculdade, mas precisei desistir do meu trabalho para vir para
cá. Devia passar um tempo procurando por outro.
Me pergunto se algum desses garotos já trabalhou algum dia na
vida.
— Carter, essa é a Larissa — Jasmine nos apresenta. —
Larissa, Carter. Agora, o que tenho que fazer pra ganhar uns
s’mores por aqui?
Caminhamos na direção da fogueira, e as garotas que a rodeiam
— que não parecem mais velhas do que calouras — se espalham
assim que nos aproximamos. Carter providencia os suprimentos
enquanto Owen e Derek vão atrás de mais bebidas. Preciso de um
pouco mais de álcool no sistema, mas logo já estou relaxando e
aproveitando a vista, os sons da festa e todo o restante. Danço com
Owen, Jack e Derek, Keisha e Brea, com o grupo todo. Quando
finalmente noto que Jasmine e Carter desapareceram, já estou
agradavelmente bêbada e conversando com esse pessoal que
acabei de conhecer, então imediatamente pergunto qual é a deles.
— Ah, eles só ficam de bobeira — diz Keisha, passando areia
nas pernas. — Não é nada sério, mas, nos últimos verões, ficaram
tipo coelhinhos.
— Exceto naquelas duas semanas, uns dois verões atrás,
quando Carter achou que tinha encontrado A Escolhida. Lembra
daquela garçonete do Sally’s Shack? — Derek pergunta. — Qual
era o nome dela mesmo?
— Marly! — os outros berram, e então caem na gargalhada.
Vê-los tão unidos e confortáveis me faz sentir muita falta de
Shannon, Kiki e Gia. Só que nenhuma de nós ficou em casa para o
verão. Shannon está em Paris, Gia está no acampamento de líderes
de torcida e Kiki está no Japão com os avós. Estamos vivendo vidas
separadas, enquanto aqui todos se reúnem para ficar juntos.
Tiro uma foto do fogo que sobe ao céu, as garrafas pontuando a
areia ao redor, e mando uma mensagem para as três dizendo:
Queria que vocês estivessem aqui.
— Então, Larissa, qual a sua história? Está solteira? — pergunta
Derek.
— Extremamente — respondo com um suspiro que faz todos
eles rirem.
— Bom, isso não é legal — diz Jack. — Do que você gosta?
Garotos? Garotas? As duas coisas? — Keisha o cutuca com um
cotovelo, e ele simultaneamente tosse e ri. — Desculpa, ninguém
também é uma opção. Nesta casa, nós respeitamos arromânticos e
assexuais.
— Obrigada — diz ela majestosamente, voltando a enterrar as
próprias pernas na areia.
— Não sou nada disso — respondo, acrescentando
rapidamente: —, mas na minha casa também respeitamos todas as
orientações. Eu sou do time “garotos”. Bom, garoto, no singular. Não
acho que sirva pra ter mais de um por vez. — Na verdade, só tem
um garoto há muuuuuito tempo. — Mas eu não sou... Quer dizer,
meio que tem esse cara.
Jack imediatamente coloca a mão no queixo, inclinando-se para
a frente.
— Fale mais sobre isso, por favor.
Não consigo deixar de rir. Minhas amigas em Stratford estão tão
cansadas da minha paixonite por Chase que eu tento não reforçar
muito, especialmente porque me sinto patética. Só que aqui posso
contar a história do jeito que quiser, apesar de suspeitar que essas
pessoas ainda achariam que está tudo bem se eu revelar que tenho
um crush não correspondido por esse cara há anos.
Passar o verão em um lugar onde não dá para escolher os
amigos tem suas vantagens, acho.
— Ele é jogador de futebol americano, quarterback, é muito
talentoso e fica tão lindo de uniforme — começo, e ouço a minha
voz adquirir um aspecto sonhador. Fico me sentindo boba, mas
todos estão olhando para mim com uma curiosidade ávida, e eu
amo tanto essa noite. Recebo outro shot de gelatina e eu viro sem
pensar duas vezes. — Ele está no meu ano e é tão bonzinho. Tipo,
ele é gato e popular e poderia ser um babaca, mas é bonzinho com
todo mundo. Eu amo o fato de ele ser bonzinho com todo mundo. —
Estou tagarelando, sendo verborrágica, mas desisti de qualquer
esperança de chamar a atenção dele nesse verão depois que vim
para cá, então sinto que mereço esse momento. — E ele dá muito
duro. Eu o vejo na academia o tempo todo. Ser bom no que faz
significa muito pra ele.
Todo mundo assente como se eu não estivesse sendo
incrivelmente entediante, e eu os amo por isso. Por fim, alguém
pede para tirar fotos e eu ofereço meu celular, me sentindo só um
pouco estranha quando Jasmine e Carter se juntam a nós de novo e
perguntam o que estamos fazendo.
Eu murmuro um “nada” para o ar do verão, mas os outros se
apressam para responder antes de mim, o que me faz amá-los um
pouco menos. Fico só esperando esse casal que estava se pegando
em algum outro lugar da festa começar com as provocações,
zoando o meu crush em um cara que nem sequer beijou minha
bochecha, mas não acontece. Em vez disso, a conversa recai em
crushes antigos. Todo mundo conta sua história, Brea rindo sobre o
amor não correspondido pela instrutora de ioga da mãe, Keisha
confessando que sempre usava a desculpa “meu namorado mora
no Canadá” antes de se assumir como aroace, e é o mais
confortável que me sinto em eras.
Esse conforto me encoraja a perguntar para Jasmine sobre
Carter quando ela está nos levando de volta para a sua — nossa —
casa. Se quisesse abertura para confessar sentimentos mais
profundos, ela definitivamente teria uma. Ele parece ser um cara
fofo, é ridiculamente gato e também é muito legal, então fico
esperando para ver algum sinal, mesmo com ela agindo como se
não fosse nada. Anos sendo amiga da Kiki me ensinaram o que
devo procurar, de pupilas dilatadas a bochechas coradas e alguma
outra coisa na linguagem corporal.
Só que tudo que ela diz é:
— É bom me distrair um pouco.
E, apesar de eu não saber se é o resultado que ela esperava,
fico em silêncio pelo resto do caminho.
Capítulo quatro
AGORA
Durante o restante da primeira semana, as coisas continuam
iguais — me divirto com minhas amigas, flerto com Chase e evito
totalmente Jasmine ao mesmo tempo em que fico obcecada por ela.
Então chega sexta à noite, o que significa que tenho o jogo de
futebol de Chase e depois a festa da Jasmine, o que quer dizer que
todas as coisas que pairam na minha cabeça vão ter que se resolver
de alguma forma.
Me vestir para esta noite se revela um problema. Todas as
minhas coisas mais arrumadas e novas são roupas lindas e caras
que Jasmine jogou nos meus braços dizendo “pode ficar, vai vestir
melhor em você”. Nem ferrando que vou usar as suas roupas de
segunda mão para ir à festa, o que significa evitar vários looks
absolutamente perfeitos e ter que vestir algo que já usei um bilhão
de vezes. Ao menos tem algumas coisas que parecem estar
funcionando para mim, começando pelo bronzeado glorioso que vai
desbotar logo, logo.
Tenho algumas blusas novas bonitinhas que servem para o
combo jogo-festa, então vasculho minhas gavetas até encontrar
uma perfeita. É branca e tem a gola redonda — meu colo não é
exatamente digno de uma nota especial —, mas é aberta nas
costas. Jeans parece simples demais para a festa da Jasmine,
especialmente com algo que é basicamente uma camiseta, então...
Ahá! Sabia que estava em algum lugar. Quando Shannon me
convenceu a comprar um short de couro ano passado, nunca achei
que teria coragem de usá-los. Mas a pessoa que fui no último ano
só precisava esperar um pouco para que fossem perfeitos.
É oficial: estou muito gata. Não tem jeito algum da Jasmine —
quer dizer, do Chase — não notar.
Meu celular apita enquanto estou terminando de jogar algumas
coisas dentro da bolsa, e eu sei sem precisar olhar que é uma
mensagem do tipo “Kd vc vadia” da Shannon. Eu sempre recebo
uma dessas, esteja atrasada ou não, mas então coloco minhas
sandálias e saio porta afora gritando um “tchau” para minha mãe.
— Eu disse que esse short era uma ótima compra — Shannon
diz no instante que abro a porta do carro, e deixo o alívio da
validação me banhar como uma cachoeira. — Agora senta a bunda
aí porque meu rímel novo é um presente divino e você vai me amar
mais ainda.
O rímel é mesmo milagroso, e com um pouco de delineador
marrom, um toque de iluminador e um gloss de leve, eu pareço
natural e sem exageros. Para falar a verdade, eu provavelmente me
comeria. Shannon é uma mestra da maquiagem e, mais importante
ainda, ela é generosa tanto com suas habilidades quanto com sua
coleção do tamanho da Sephora. Estou ocupada demais me
achando para me irritar com o “Está bonitinha, Rissy” dela.
— O Chase vai morrer — Kiki confirma. Essa ideia de morte
súbita é o maior elogio que ela pode fazer, e eu alargo meu sorriso.
As arquibancadas estão cheias quando nós três chegamos, mas
a vantagem da combinação ideal entre ser amada e temida é que
assentos sempre aparecem quando precisamos deles. Nós nos
apertamos em uma fileira na frente da parte central, e meus olhos
imediatamente encontram Chase, alto e esguio em seu uniforme
branco e azul-marinho, com bíceps esculpidos tão lindamente que
quero lambê-los.
Eu sempre amei ver Chase jogar — o jeito como os músculos
ondulam quando ele puxa o braço para trás para lançar a bola, o
jeito como os pés se posicionam como em uma dança… Eu sei que
sou bitolada, mas ele é genuinamente bom, bom o suficiente para
jogar na faculdade, que é o plano dele. (Ele também quer se formar
em sociologia, apesar do interesse em cursar medicina esportiva se
fosse melhor em ciências. Sim, eu sei muito sobre os sonhos de
Chase Harding.)
O treinador Montgomery pede uma pausa e aproveito a
oportunidade para avaliar a multidão e ver quem mais apareceu no
jogo. Ganho um sorriso e um aceno da minha parceira de
laboratório, Jamie Nguyen, que está sentada ao lado de —
namorade é a palavra neutra certa? — Taylor, uma pessoa novata
com o cabelo cacheado cor de lavanda, e reconheço mais alguns
colegas aleatórios. Eu não vejo Jasmine.
Isso não é uma surpresa. Ela deve estar em casa organizando a
festa — que pode ter dez ou mil pessoas, já que não sei de nada.
Ela nunca nem confirmou se estou na lista de convidados. Mas
estarei lá, e meu estômago borbulha só de pensar nisso, me
perguntando se o quarto dela agora também esconde memórias
parecidas com as que eu guardo no meu álbum. Será que tem fotos
nossas no espelho? Ou tudo ficou no passado, como pareceu
quando conversamos perto de seu carro?
Sou arrancada dos meus pensamentos quando a multidão
eclode, e pulo no lugar com todo mundo, me perguntando se Chase
finalmente conseguiu um touchdown.
Em que momento tirei os olhos dele, afinal?
— Harding está detonando hoje — um cara na minha frente diz
para outro, e meu coração se enche de um orgulho completamente
deslocado.
Pelo resto do jogo, fico com o olhar grudado em cada passe,
cada chute, cada movimentação. Harding de fato está detonando
esta noite, e, quando o apito soa para o intervalo, meu coração está
batendo daquele jeito familiar.
— Dá pra sentir o cheiro de hormônios exalando de você — diz
Shannon enquanto pega a bolsa e tira um pacote de chiclete. Ela
puxa um e passa para o restante da fileira. — Meu Deus, você quer
mesmo esse cara.
Não há sentido algum em negar qualquer coisa para Shannon,
então não faço isso. O chiclete é a desculpa perfeita para minha
boca estar ocupada demais para responder, então Gia e as líderes
de torcida entram no gramado e nós aplaudimos, assobiamos e
batemos os pés enquanto ela agita os pompons. Tiro algumas fotos
dela e mais algumas selfies com Kiki e Shannon, e estou ocupada
colocando filtro e postando quando Shannon tosse alto e me dá um
cutucão na costela com seu cotovelo ossudo.
Tiro o olho do celular e lá está a estrela em pessoa, sem o
capacete, o cabelo encharcado de suor, o sorriso levemente torto
iluminando o gramado todo.
— Você veio — ele diz, e preciso de toda minha concentração
para não olhar ao redor para confirmar que Chase está falando
comigo.
Dou de ombros, apesar de sentir que meu sorriso enorme está
me traindo.
— Ouvi dizer que a mira do Kosinski melhorou bastante durante
as férias. Vim conferir.
— E?
Meu Deus, tem tantas pessoas olhando na nossa direção.
— Eu diria que o jogo de vocês está lindo — admito, e, se isso é
possível, o brilho do sorriso de Chase aumenta ainda mais.
— As coisas também estão lindas por aqui — diz ele, e, apesar
de minhas pernas à mostra dificilmente estarem visíveis daquele
ângulo, me sinto nua sob o olhar dele.
Conheço esse efeito. Ele causa isso em mim desde sempre. Só
que desde quando eu tenho esse efeito sobre ele?
Chase olha para trás, em direção ao campo, e fica claro que
precisa voltar. Então se vira para mim de novo.
— Vai na festa hoje?
A festa. É isso que é para ele. Não a festa da Jasmine. Só a
festa. Ela não entra como fator na equação. Não é uma coisa ruim
para eu me lembrar.
— Esse é o plano.
— Bom. Acho que te vejo lá.
— Ou você pode levá-la — sugere Shannon. — Acho que ela
gostaria de uma carona. — A insinuação fica clara para mim, e eu
me viro para encará-la. — Que foi? — diz ela, inocente. — Gia vai
entulhar o carro com as coisas de torcida. Não tenho espaço pra
todo mundo.
Shannon dirige a porra de um tanque, mas tudo bem. Aposto
que Chase sabe disso também, mas ele diz:
— Se você não se importar em me esperar tomar banho, fico
feliz em te levar.
Eu não sei se devo beijar ou matar Shannon, mas Kiki declara
que elas podem me fazer companhia até ele estar pronto, já que
precisamos esperar por Gia de toda forma. E então, antes de me
dar conta, estou observando Chase correr de volta para o jogo com
a clareza de que mais ou menos cem pessoas acabaram de
presenciar o que aconteceu e que a noite acabou de começar.
Vou precisar de mais chiclete.
Faz sentido que Jasmine Killary seja a primeira pessoa que vejo na
escola na segunda de manhã. Ela está bem perto do meu armário, e
eu poderia pensar que está esperando por mim se ela não tivesse
sido tão absurdamente clara que esperar por mim é uma coisa que
jamais faria de novo.
— Ouvi dizer que a coisa com o Chase Harding está oficialmente
ficando séria.
Eu gelo na hora. Só há uma pessoa que poderia ter contado
para Jasmine, uma única pessoa que ficou comigo no telefone por
uma hora inteira ontem à noite até espremer cada detalhe de
informação.
— Aparentemente, você e a Shannon também.
— Eu sabia que ele ia te dar a maior bola assim que te visse —
ela diz, passando por cima da minha resposta. — Falei que esse
cabelo ficaria ótimo em você.
O fato de ela estar se dando crédito por Chase e eu estarmos
juntos quando ela é a pessoa que está me impedindo de aproveitar
isso por completo me irrita, e é claro que ela consegue cutucar
exatamente a coisa com a qual estive mais preocupada.
— Não acho que um corte e uma tintura possam levar crédito
por todo um relacionamento, Jasmine.
Espero que não, na verdade.
— Não, acho que não — ela considera. — Só que agora você
está com toda essa… aura de confiança que cresceu bastante
desde que te conheci. Ele já encontrou o seu piercing?
O piercing. Nós estávamos tão entediadas um dia que um jogo
de verdade ou desafio foi longe demais e acabou comigo tendo que
colocar uma argola no meu umbigo graças à irmã mais velha de
Carter. Clichê, talvez, mas ainda assim fiquei gata. Qualquer um
pode vê-lo, basta estar em uma piscina ou na praia comigo, ou em
qualquer lugar se eu estiver usando uma blusa cropped, mas, do
jeito que ela fala, parece que é em um lugar que até mesmo o
menor dos biquínis ainda cobriria.
— Ainda não.
Ela dá um sorrisinho de lado, mas não parece ciumento. Nem
amargurado. E é isso que faz com que seja cruel.
— Então é só uma questão de tempo.
— Acho que sim. — Ainda não consigo acreditar que Shannon
correu para fofocar tudo para a Jasmine depois que falou comigo.
No fim das contas, ela tinha mesmo o número de celular dela. —
Então agora você está falando comigo?
— Eu não estava não falando com você, Sininho. A gente
conversou na minha festa.
Sininho. A volta do meu apelido poderia me preencher com um
calor aconchegante se ela não estivesse com essa atitude. Percebo
que eu estava certa — Jasmine realmente precisava saber que eu
não estava tentando reviver nosso verão. Ela precisava que eu
tivesse um namorado para que fôssemos amigas, para ter certeza
de que eu não iria persegui-la. Eu tinha ficado feliz quando pensei
que talvez assim pudéssemos voltar ao normal, mas agora isso me
dá náusea.
— Ok, tanto faz. Acho que não importa, já que você não está
tendo problemas pra fazer amizades aqui. — Tento manter minha
voz leve, mas eu me lembro do quão grata eu fiquei pelos amigos
que ela me apresentou há alguns meses, mesmo que tenhamos nos
afastado. Mas meus sentimentos por ela estar se aproximando da
Shannon transparecem a cada palavra, e não ajuda que estou
chateada com o resto das coisas.
O problema é que eu quero que sejamos amigas e quero sair
com Chase, e parece que vou conseguir tudo isso, então eu deveria
estar feliz. No mínimo, eu deveria ser legal.
— Acho que isso significa que você vai se juntar a nós pro
almoço?
— A Shannon mencionou algo do tipo, sim.
— Ótimo! — Forço um sorriso no rosto. — Te vejo lá.
Saio de perto antes que ela possa sair primeiro.
Tenho que aguentar duas aulas antes de ter a primeira matéria com
Shannon, mas, assim que a vejo, vou até ela como uma tempestade
e exijo saber:
— Mas que porra, Shannon?
— O que aconteceu? — ela pergunta, na voz inocente mais falsa
do mundo.
Eu a arrasto para o corredor, porque já estamos chamando
atenção.
— Eu te contei sobre meu encontro em segredo. Você sabe que
não tem nada de oficial entre mim e o Chase ainda. Por que você
saiu correndo pra contar isso pra uma garota que mal conhece?
— Meu Deus, Lara, desculpa. Parecia bem oficial pra mim, e eu
fiquei feliz por você. Achei que você queria contar pra Gia e pra Kiki,
então quando a Jasmine me ligou… — Ela dá de ombros. — Eu
precisava falar da minha empolgação pra alguém!
Ela é tão mentirosa. Eu sei que está mentindo. Primeiro que não
tem chance alguma de a Jasmine ter ligado para ela. Jasmine não é
o tipo de pessoa que gosta de falar no telefone, e certamente não
para ficar de conversinha. Só que eu também tenho a minha própria
mentira que me impede de falar isso pra ela. Eu não deveria saber
disso, ou qualquer outra coisa sobre Jasmine.
Além disso, conheço essa jogada da Shannon. Jasmine está no
radar de popularidade e Shannon está tentando ir a fundo porque da
próxima vez que alguém perguntar os detalhes da vida amorosa da
Jasmine ou o porquê de ela ter uma casa tão enorme, Shannon será
A Pessoa Que Sabe Todas As Fofocas. “Conhecimento é poder” é
uma das frases favoritas de Shannon Salter, e é difícil argumentar
contra, porque ela realmente tem muito desse último.
Infelizmente, também sei que não tem nada que eu possa fazer.
Shannon sempre dá um jeito de fazer as coisas serem do jeito dela,
para tecer a história como se ela estivesse sendo uma ótima amiga;
ela devia ser medalhista olímpica, ouro absoluto em gaslighting. E a
mera menção ao nome da Jasmine já parece um campo minado.
Não tem por que ficar brigando. Shannon vai fazer o que bem
entender, assim como Jasmine. Então foda-se, vou fazer o que
quero também.
— Tá bom. — Reviro meus olhos enquanto a sra. Spier vira o
corredor, volto para a sala de aula e deslizo na cadeira antes que
ela fale que estou atrasada.
Jasmine quer que eu fique com Chase. Shannon aparentemente
está muito empolgada que eu esteja com Chase. Então por que
estou brigando?
Talvez eu e Chase não sejamos algo oficial ainda, mas, no fim
do nosso próximo encontro, vamos com certeza ser.
E meu verão com Jasmine será só uma lembrança distante.
Capítulo sete
ANTES
Depois de três dias de bronzeamento valiosos e uma caça a
emprego infrutífera, alguém finalmente bloqueia o meu sol. Olho
para cima e vejo Jasmine na minha frente, uma bolsa enorme para
câmera jogada no ombro.
— Olha — ela diz sem rodeios. — Meu pai está se sentindo
muito mal de te deixar sem um emprego, e me ajudaria ter uma
assistente no verão, então o que acha de me ajudar alguns dias por
semana, todos os custos pagos pelo meu pai?
Eu me remexo até ficar sentada, tentando absorver a
informação. Jasmine e eu mal nos falamos desde a noite da festa.
Na verdade, eu mal a vi. Foi só pela gentileza de Keisha, Brea e
Derek que tive com quem sair.
Além disso... uma assistente? Pra quê? Se ela faz qualquer
outra coisa que não seja ler, se bronzear e ficar de pegação com
Carter, é novidade pra mim. Se Jasmine acha que vou ficar
segurando a bolsa dela como se ela fosse algum tipo de
subcelebridade…
— Eu sou fotógrafa — diz, abrindo um sorriso pequeno que
deixa claro que minha confusão era evidente. — Bom, sou web
designer, mas estou tentando desenvolver um portfólio de fotos
como parte disso. Já fiz todas as fotos de praia e biquíni que posso
aguentar em uma semana, então estava pensando em ir pra
Elizabethan Gardens tirar umas fotos de flores. Você quer ir ou não?
Preciso sair na próxima meia hora pra conseguir a luz boa.
Do nada, tem muita informação no ar, mas estou entediada pra
caramba e acho que tanto o dinheiro quanto a companhia me fariam
bem. Além disso, Elizabethan Gardens parece ser um lugar bonito,
e não fiz nada de turismo desde que cheguei, a não ser frequentar o
um bilhão de lojinhas cafonas que vendem ímãs em formato de
chinelos e sinos dos ventos no formato de pranchas de surfe. Tomo
um banho rápido, coloco shortinhos e regata, e então pegamos a
estrada para Manteo.
Jasmine não é uma garota de muitas palavras, e estou tentando
não ser irritante apesar de ter um zilhão de perguntas sobre o
trabalho dela. Assim, tudo o que descubro no percurso de vinte
minutos são suas músicas favoritas — ou ao menos o que ela
escuta no carro. São todas de bandas que nunca ouvi falar: Chronic
Apathy, Pepperpots, Glory Alabama, The Brightsiders e um grupo
cujo nome eu não consegui ver, mas que está definitivamente
cantando sobre querer ser a cicatriz no braço de Padma Lakshmi.
Uma vez que estamos entre as flores, porém, é como se ela se
transformasse em uma pessoa diferente. Conforme arruma os
ângulos, vai explicando para mim que pode usar algumas das fotos
como fundo para os modelos de sites e como outras podem ser
editadas para capas de livros. Ela faz enquadramentos macros de
flores coloridas e fotos incríveis de borboletas voando. Fico tão
fascinada vendo-a trabalhar e notando como parece saber o nome
de cada flor e criatura que não ouço da primeira vez que ela diz:
— Vamos tirar uma foto sua.
Na segunda vez que fala, eu imediatamente respondo:
— Não, tudo bem. Não quero atrapalhar o trabalho. — Mas, na
verdade, eu quero, sim, porque a paisagem é linda e, vamos ser
sinceros, eu não sou uma pessoa que recusa uma boa foto para
usar de perfil.
Felizmente, ela não se convence e, antes que eu consiga
protestar de novo, me leva até um banquinho rodeado por canteiros
de lírios e faz eu me sentar.
— Sabe — ela diz, franzindo o cenho, concentrada, enquanto
arruma a bagunça cor de noz-moscada que é meu cabelo. — Eu
estou com inveja. Seu cabelo tem tantas possibilidades. Você podia
cortar na altura do queixo que ia ficar incrível, especialmente com
alguns cachos.
— Isso é um pouco demais, eu nunca consegui deixar ele tão
curto — digo, apesar de já conseguir imaginar e não odiar a
imagem.
— O verão mal começou — ela diz com um sorriso, dando um
passo para trás e me entregando um gloss labial rosa-claro que
pegou em sua bolsa. — É uma boa hora pra ser corajosa e fazer
algumas mudanças divertidas.
Passo o gloss e o entrego de volta, ignorando por completo o
arrepio de excitação com a ideia de voltar para Stratford com um
look diferente — um que não foi assessorado, avaliado e analisado
pelas minhas amigas primeiro. Então eu sorrio, faço um biquinho e
fico tentando poses para a sessão de fotos, com Jasmine gritando
ordens em tom de brincadeira cada vez que mexo meus braços.
— Biquinho de pato! — ela exige, tirando fotos e mais fotos
minhas colocando os lábios para fora até tomarem a maior parte do
meu rosto. — Mais! Bem pato! Eu disse mais pato!
Por fim, precisamos parar porque estou rindo demais, e Jasmine
volta a tirar suas fotos oficiais enquanto eu remexo nos filtros de luz
e rearrumo as flores.
Depois de algumas horas debaixo do sol quente, estou suando
como um porco e mentalmente implorando para Jasmine querer
parar, mas ela não parece notar a temperatura. Não há suor
acumulando em sua pele, acima do top faixa que está usando, e a
saia fluida balança enquanto ela se movimenta, fazendo parecer
que ela tem uma brisa particular aonde quer que vá. Até mesmo o
cabelo escuro com luzes cor de mel preso em um coque no topo da
cabeça não está grudando no rosto dela.
— É o sangue do Oriente Médio — diz, dando de ombros, e eu
amaldiçoo meu DNA russo por me deixar despreparada. Ao lado
dela, eu pareço um cachorro ofegante.
Quando ela finalmente declara que está na hora de parar, fico
muito aliviada. Já posso até sentir o ar-condicionado do jipe. Mas
são só quatro horas da tarde, ainda temos algumas horas de luz
natural pela frente, e não tenho ideia do que fazer. Quero perguntar
“e agora?”, mas já ficamos quase o dia inteiro juntas, então imagino
que ela queira um pouco de espaço.
Como presumi, não há qualquer menção de planos para a noite
enquanto voltamos, apenas vinte minutos de rock indie seguidos por
um “obrigada pela ajuda” quando chegamos na casa. Estou quase
indo para o quarto quando ela diz:
— O Owen vai reunir umas pessoas pra um churrasco hoje à
noite, se você quiser ir.
Antes de eu responder, a porta do banheiro principal se fecha.
Alguns segundos depois, ouço que o chuveiro foi ligado e percebo
que ela já contava com meu “sim”.
Meu Deus, eu devo estar irradiando solidão.
Tomo um banho no banheiro menor, que divido com a minha
mãe, e então checo o celular que mal olhei durante o dia. Há
algumas fotos da Shannon no grupo — uma selfie com um croissant
entre os dentes e uma foto dela de braços dados com um cara
bonitinho enquanto bebe champanhe —, um vídeo da Gia caindo de
bunda enquanto treina e uma notificação de que Kiki postou um
novo episódio do podcast. Sorrio vendo esse último e o coloco para
tocar depois de postar minha selfie favorita dos jardins, deixando a
voz familiar e calma da Kiki me rodear enquanto passo hidratante.
— O que é isso? — uma voz pergunta, e quase me solto da
toalha quando percebo que Jasmine está parada na porta da
pequena suíte. Eu nem percebi que não tinha fechado a porta, e
agora estou aqui parada, meio pelada. Felizmente só nós duas
estamos em casa.
Fecho bem a toalha ao meu redor e passo a mão no rosto para
tirar qualquer mancha visível do hidratante.
— O podcast da minha amiga, Kiki investiga o caso. É divertido,
tipo uma coluna de fofocas em que ela finge ser detetive e posta um
episódio novo toda semana.
— Ah, fofo. — Jasmine entra e senta na minha cama. Pelo jeito,
privacidade é uma palavra não muito praticada no vocabulário dela.
— Sobre o que é esse episódio?
— O fim do namoro da bibliotecária da escola foi meio
dramático, e a Kiki está obcecada com isso — digo com um sorriso,
porque é tão bobo, e é tão Kiki. — Quer dizer, ela não diz que é a
nossa bibliotecária no podcast, mas todos nós sabemos que é,
porque a srta. Adams está sempre falando ao telefone na biblioteca
e nunca segue a própria regra de fazer silêncio. Tinha boatos de
que ela estava saindo com o bibliotecário da escola do ensino
fundamental da nossa cidade, e Kiki está tentando confirmar isso
com a ajuda da irmã mais nova, que está na sexta série.
— Isso é… bizarro.
— Né? — Meu Deus, estou com saudades das minhas amigas.
Elas são tão estranhas. Depois preciso lembrar de mandar uma
mensagem sobre meu trabalho novo e como eu adorei esse
episódio do podcast. Kiki morreria pelo fã-clube dela. — Kiki é
obcecada por mistérios. É uma coisa dela. Ela precisa descobrir se
é ele mesmo pra entender como se conheceram e o que deu errado,
porque é isso que ela faz.
Jasmine ri.
— Você devia levá-la pra Roanoke.
— Roanoke? Isso não é na Virginia?
— Essa é outra Roanoke. Você nunca aprendeu na escola sobre
a colônia perdida? O assentamento que desapareceu?
Ah, é, isso parece vagamente familiar.
— Acho que sim. Talvez.
— Vou chutar que você não é muito boa de história — Jasmine
zoa, e eu confirmo definitivamente essa suposição. — Enfim, a coisa
toda aconteceu no final do século XVI, em uma primeira tentativa de
colônia. Umas pessoas vieram pra cá da Inglaterra, fundaram um
vilarejo e então… desapareceram completamente. Não sobrou nada
a não ser uma única palavra: croatoan. Há todo tipo de teoria sobre
se foram assassinados ou só mudaram pra outro lugar, mas
ninguém soube dizer com certeza o que aconteceu. Tem um teatro
bem ao lado dos jardins que fomos hoje que faz uma apresentação
sobre isso toda noite. Aposto que sua amiga ia adorar.
— Ah, nossa, ia mesmo! — Trazer Kiki pra cá por um fim de
semana parece muito divertido, e não tem chance de um mistério
como esse já não estar na sua lista de prioridades. — Será que seu
pai deixaria eu trazer uma amiga pra cá por alguns dias?
Jasmine dá de ombros.
— Claro, por que não? Se você ainda estiver aqui no dia dezoito
de agosto, é o melhor dia pra ir. É meio bobo, mas eles chamam de
Dia do Desafio da Virginia. Eles até mesmo usam um bebê de
verdade na peça, pra honrar o aniversário da Virginia Dare, que foi a
primeira pessoa que nasceu no solo colonizado. Os ingressos são
mais baratos nesse dia também, se quiser levar ela pra lá.
Eu na verdade não sei quando vamos voltar para Nova York. Era
de se presumir que eu estivesse contando os dias, mas agora,
nesse instante, estou empolgada para aproveitar mais algumas
aventuras por aqui. Ver mais coisas. Aprender mais com essa
garota que é cheia de surpresas.
— Essa é uma ideia legal, obrigada.
Ela assente.
— Claro. Vou deixar você se vestir.
No fim, acabo vestindo uma saia vermelha curta e uma blusa branca
de bolinhas pretas — nenhuma delas sugestão de Shannon,
Jasmine ou Gia — e não me importo com a ideia que Chase vai ter;
vou fazer o que eu quiser. Também passo batom vermelho, mesmo
depois de Shannon já ter me falado um milhão de vezes que isso
inibe caras que querem te beijar, e visto as sandálias de couro preto
que ela me disse uma vez para queimar porque deixavam minhas
pernas curtas. (Fazem minhas pernas ficarem atléticas, isso sim,
muito obrigada.)
A julgar pela expressão no rosto de Chase quando abro a porta,
estou ótima. Melhor que isso. Ou, se eu não tinha tanta certeza
ainda, ele acrescenta:
— Uau, você está linda.
— Obrigada — digo, aceitando o beijo dele na minha bochecha.
Dou um grito para dentro da casa para avisar minha mãe que estou
saindo e espero até ouvir o “divirta-se!” em resposta antes de seguir
Chase até o carro.
Não tem mais cinema em Stratford, mas o multiplex com as
cadeiras incríveis fica a apenas quinze minutos de distância de
carro, então colocamos o cinto e ficamos conversando sobre a
escola, as resenhas do filme, trabalho e o time de futebol. Mais de
uma vez, pego Chase me olhando no sinal vermelho. Quando
finalmente chegamos ao cinema, estou morrendo de vontade de
perguntar para ele a coisa que está me incomodando desde o
primeiro dia de aula.
— Ei, posso te fazer uma pergunta meio estranha?
Ele desliga o motor.
— Estranha como?
— É só que… você já sabe há um tempo que eu gosto de você,
certo? — Eu nem consigo acreditar nas palavras saindo da minha
boca. — Tipo, não é um segredo muito bem guardado em Stratford.
Ele abre um sorriso, e eu queria muito que a luz acima de nós
não tivesse apagado para vê-lo melhor.
— Faz um tempinho, talvez. Mas eu também gosto de você.
— Sim, eu sei disso — falo, e nós dois rimos. — Acho que só
estava me perguntando… por que agora? É mesmo o corte de
cabelo? Eu ter ficado loira? Espero mesmo que não seja o
bronzeado, porque esse logo vai sumir.
— Essas coisas não atrapalham — ele diz, esticando a mão para
puxar de leve um cacho dourado —, mas não, não é que você
esteja mais bonita do que antes. Você só está diferente. Como se
tivesse um… brilho. Quer dizer, você entrou na escola no primeiro
dia praticamente desfilando. — Ele ri, mas agora um pouco mais
tímido. — Meu Deus, isso parece idiota. Mas você sabe o que quero
dizer? Você parece mais feliz, com menos medo, um pouco
menos…
— Menos…?
— Estou tentando falar isso de um jeito não tão horrível.
Meu estômago se aperta.
— Bom, não pode ser pior do que isso.
— Justo. — Ele encontra meu olhar, os olhos dele brilhando com
o reflexo das luzes néon. — Você parece um pouco menos a
sombra da Shannon Salter. Como se você tivesse se encontrado
durante o verão. Se isso não é uma coisa bem idiota e terrível de
dizer.
Balanço a cabeça lentamente.
— Não é nenhuma das duas coisas.
Eu realmente não tinha colocado em palavras, mas acho que
havia sentido algo parecido também.
O único problema é que, claro, eu não passei o verão sob a
sombra da Shannon, mas talvez agora esteja sob a sombra da
Jasmine. Só que ninguém sabe disso.
Jasmine foi quem inspirou meu corte de cabelo, quem me deu
coragem pra fazer o piercing. Jasmine me levou pra cima e pra
baixo em Outer Banks, me mostrou como encontrar a beleza nos
lugares onde eu não via, incluindo até — por mais clichê que seja —
em mim mesma. Jasmine é a pessoa que me mostrou que a
diversão verdadeira não está em seguir uma multidão e que às
vezes as melhores coisas são assustadoras e inesperadas.
Meu Deus, uma parte de mim a odeia demais.
Só que isso me atinge como um raio quando Chase percebe que
eu me amo mais depois desse verão e, por isso, provavelmente vou
ficar devendo essa para ela por todo o sempre.
— Bom — ele diz, e é só depois disso que eu lembro onde estou
e com quem estou. — Vamos pegar pipoca?
ANTES
Nós realmente curtimos sozinhas na noite depois do jogo de pôquer,
só que não tinha sorvete; em vez disso, pegamos um estoque de
biscoitos doces, barras de chocolate e marshmallow e aproveitamos
para fazer uma fogueira nos fundos de casa.
— O que você acha que acontece se deixar um marshmallow
dentro de uma garrafa de Coca-Cola? — Jasmine pergunta,
erguendo uma das muitas garrafas de Coca que compramos para
acompanhar os nossos s’mores, determinadas a testar cada
variedade possível. — Você acha que eles explodem?
— Oh-oh. Você acha que ter as duas coisas no estômago ao
mesmo tempo vai fazer com que explodam?
Jasmine ri e bate no meu braço.
— Cala a boca! Isso é sério. Deveríamos fazer um experimento.
Pela ciência.
— Você quer desperdiçar um ótimo marshmallow derrubando-o
numa Coca sabor cereja pela ciência?
— Você prefere que eu desperdice um marshmallow em uma
garrafa de refri de laranja?
— Não ouse. O de laranja é o meu favorito. — Pego a garrafa de
refrigerante de laranja com toques de baunilha e dou goles longos
enquanto uso a outra mão para jogar um marshmallow que acerta
Jasmine diretamente no nariz.
— Quem está desperdiçando marshmallows agora, Larissa?
A mistura do meu nome inteiro e o tom de falsa irritação me faz
rir, e o tanto de açúcar que já consumi não colabora. É tão nojento e
tão delicioso, e mesmo sem mais ninguém, mesmo que já tenhamos
passado o dia inteiro juntas vendo fotos e analisando quais foram as
melhores, essa é uma das noites mais divertidas que já tive desde
que vim pra cá.
— Você é tão boba — digo, pegando mais ingredientes pra fazer
outro s’more. — Mas fico feliz de estarmos aqui. É bom só ficar de
boas, vestir roupas confortáveis e deixar meu cabelo que nem um
ninho de rato.
Ela ri.
— Seu cabelo não está um ninho de rato! E sim, é legal, né?
Tipo, é divertido estar com outras pessoas, mas no fim sempre é a
mesma merda, e todo mundo só quer se sentir bem no fim da noite.
Você se embebeda pra ficar bem. Você pega alguém pra se sentir
bem. Você rouba o dinheiro de todo mundo numa mesa de pôquer
pra se sentir bem. E isso dá trabalho pra cacete. — O sorriso se
esvai dos lábios dela, seu rosto fica sério sob a luz do fogo, as
faíscas refletindo nos olhos cor de âmbar. — Não deveria ser assim
tão trabalhoso. Tipo, estar sempre vestindo a coisa certa, dizendo a
coisa certa, bebendo a quantidade certa, se preocupando com quem
está vendo você fazer o quê. Às vezes é tão exaustivo se sentir bem
que nem parece tão bom quanto deveria ser. A gente age como se
cerveja e garotos fossem necessários pra aproveitar, pra uma noite
de verdade, e, sinceramente, foda-se isso. Se tudo com o que eu
me importasse fosse pegar alguém…
Eu mal engoli o meu s’more e de repente os lábios de Jasmine
estão nos meus, doces, com um traço de chocolate. Só um instante,
e então a brisa fria da noite vem da água novamente, como se não
tivesse acontecido.
— É só… fazer. Não precisa dar uma festa enorme pra três
horas depois arrastar alguém pro seu quarto pra vocês se pegarem.
É só se pegar. Essa coisa toda de fingir cansa muito. Queria só que
as pessoas admitissem o que querem quando elas querem.
Não sei se pisquei alguma vez durante todo esse discurso. Eu
definitivamente não me mexi desde que os lábios dela encostaram
nos meus. Mas que porra acabou de acontecer?
De repente, o rosto dela desmorona, todos os traços da sua
justa indignação somem.
— Ai, merda, Lara, desculpa. Me empolguei. Eu não devia ter
feito isso. Prometo que…
— Shh.
Ergo a mão, silenciando-a, e penso nos anos que passei
querendo Chase. Anos indo aos jogos de futebol e depois nas
festas. Tá, era legal, mas, no fim das contas, o que eu queria? Eu
queria que ele me notasse. Queria que ele me quisesse, que
quisesse estar comigo. Queria beijá-lo, me divertir e então repetir
tudo isso até que… o quê? Até que eu não quisesse mais? Eu não
sonhava com casamento e bebês. Sonhava com ele me pedindo
para subir as escadas na casa do Ferris para ficarmos nos pegando.
Por causa disso, eu já tinha vestido sapatos desconfortáveis e
jeans apertados demais, passado quilos de maquiagem, queimado
meu cabelo até ficar perfeitamente liso e escutado Shannon me
dizer como eu deveria me portar, qual deveria ser meu cheiro e que
cor de batom escolher.
Tudo isso quando às vezes pode ser tão simples quanto
s’mores, Coca-Cola e se inclinar na cadeira de praia.
Eu olho para Jasmine — olho de verdade —, para os traços de
marshmallow derretido nos lábios dela, para a apreensão nos seus
olhos e para a pinta no seu ombro, e então sou eu que me inclino na
cadeira e começo o beijo, saboreando o gosto de cereja artificial na
língua dela e me sentindo tão bem nesse momento em que não
precisei me esforçar.
É tão bom que não percebo que estamos caindo das nossas
cadeiras até estarmos na areia, as risadas flutuando na noite de
verão entre as chamas crepitantes, e então nossas bocas se
encontram de novo e não há mais risada alguma.
AGORA
— Lara? Oi. — A mão de um cara repousa com gentileza no meu
ombro. — Quer manteiga na pipoca?
Capítulo nove
AGORA
— Acho que agora consegui!
— Você disse isso da última vez — Beth fala de onde está,
fazendo o inventário da seção de thriller/mistério/suspense. —
Parecia no máximo a mão de uma criança.
— Ei, eu sou nova nisso! — Examino o formato da folha que
desenhei na espuma do meu quarto cappuccino da manhã e
definitivamente parece melhor do que as outras três. — Um pouco
de apoio moral seria legal.
— Mais algumas horas assistindo àqueles vídeos no YouTube
seria bom — ela murmura, só que a loja está vazia exceto por nós,
então ouço cada palavra. Estou tentando melhorar o meu trabalho
de barista e assistindo aos vídeos de desenhos na espuma na
esperança de impressionar Beth com corações, folhas e borboletas.
Infelizmente, sou tão boa em desenhar na espuma quanto com tinta,
grafite, giz, lápis ou qualquer outra coisa, o que quer dizer que sou é
bem ruim.
A única coisa que tenho para mostrar do meu treinamento são
mãos tremendo por ter bebido as primeiras duas tentativas rápido
demais. (Beth graciosamente aceitou a terceira, apesar de ser
muitos tons mais claro do que a alma dela). A arte em latte parece
fácil no YouTube, mas tutoriais de maquiagem também, e eu sou
igualmente péssima neles.
Por mais que eu tenha aproveitado o verão, não posso evitar
ficar ressentida por ter sido forçada a desistir da minha posição
como vendedora de livros por uma tarefa na qual sou muito ruim. Eu
conheço livros. Eu amo livros. Eu poderia ter ajudado um monte de
pais a encontrar bons quadrinhos para as filhas, ter indicado os
melhores romances para leitores manteiga derretida que estão em
busca de humor e beijos, ter aprendido muito mais sobre os outros
livros nas estantes — os “mistérios aconchegantes”, cujo nome Beth
me ensinou, ou os zilhões de fantasias para o público jovem adulto
com espadas e coroas nas capas. Trabalhar aqui não é só sobre o
dinheiro — quero aprender como fazer isso, a ser Beth, para um dia
poder me rodear de livros, café e pessoas que amam as duas
coisas enquanto eu trabalho escrevendo o meu próprio romance no
tempo livre. Não sei exatamente o que quero fazer com a minha
vida, mas sei que estou mais próxima de entender quando estou
aqui.
O melhor que posso fazer agora é provar que consigo me
desdobrar e aprender cada tarefa que me for dada, ou ao menos
tentar.
Então nos oito minutos restantes até que a loja abra, eu aceito o
conselho murmurado de Beth e vejo outro tutorial enquanto termino
os arranjos da manhã. Estou tão concentrada assistindo a um par
de mãos desenhar um cisne que o primeiro cliente precisa tossir
para chamar minha atenção. Ofereço minhas desculpas e pergunto
o que ela deseja, torcendo para que seja um latte ou um cappuccino
ou até mesmo um chocolate quente para me dar outra chance de
praticar, mas como a maior parte dos clientes que está se apegando
ao fim do verão, ela pede um café gelado, e a única coisa de que
posso me gabar é fazer um sem estragar tudo. Ela também pede
um scone de frutas vermelhas, o item mais popular do café (e a
receita secreta de ninguém mais, ninguém menos que o sobrinho de
Beth, Winston, que nunca encontrei, mas que mora no porão da tia
e aparentemente tem um dom para misturar farinha, açúcar, ovos e
manteiga). Eu embrulho tudo no papel fino lilás que é a marca da
loja, entrego o café gelado, pego o troco… só para dizer adeus e ver
Jasmine Killary de pé no início da fila.
— Bom dia e bem-vinda à Book & Bean — eu a cumprimento
como se não estivesse nada chocada por sua presença, pelo cabelo
despenteado e o gloss, ou pela camiseta do show das Bathory Bells
que ela usou no dia que fomos no refúgio da vida silvestre em Pea
Island e voltamos cobertas de picadas de inseto. Passamos a noite
na banheira de hidromassagem depois para compensar. — O que
vai querer?
Ela olha para a lousa com o menu acima da minha cabeça.
— O que você recomenda?
— Alguma coisa com espuma. Estou praticando a minha arte.
— Ahh, interessante. — Ela tamborila os dedos no queixo,
mostrando as unhas ameixa com glitter dourado. — Você consegue
desenhar um cachorrinho?
— Provavelmente tão bem quanto consigo desenhar uma folha
ou um coração.
Os lábios dela se curvam em um sorriso.
— Vou ficar com um cappuccino de cachorrinho, por favor, com
uma dose de baunilha.
Fico grata pela oportunidade de dar as costas a ela e focar nas
máquinas. Preciso me concentrar em não me queimar no tubo de
espuma e em aquecer o leite da forma correta, não em tentar sentir
o cheiro do shampoo de madressilva que ela usa.
O espresso preenche o pequeno café com um cheiro amargo
que elimina qualquer tom de mel que provoca meu nariz, e eu
inspiro profundamente. Estou a dois passos de dar o café para
Jasmine e vê-la indo embora quando ela diz:
— Ei, esse folheto é de um evento da Clementine Walker?
Quanto você teve que implorar pra fazer isso acontecer?
Ah, então estamos voltando a admitir que nos conhecemos.
Interessante.
— Uma coincidência feliz — digo, acrescentando o leite
cuidadosamente.
— Bom, estou curiosa pra conhecer essa grande lenda. É uma
pena que ainda vai demorar um mês. Vou precisar colocar no meu
calendário.
Ela está zoando com a minha cara? Ela virá para o evento da
Clementine Walker? Eu não consigo dizer se Jasmine está tentando
arruinar isso pra mim ou se essa é uma tentativa genuína de sermos
amigas. Mas não tenho tempo de determinar porque o pai que amou
minhas recomendações de livros aparece atrás dela.
A julgar pela alegria em seus passos, vou chutar que a última
deu certo.
E Jasmine vai ouvir tudo a não ser que eu consiga fazê-la sair
correndo daqui.
— Ficou cinco e vinte e seis — falo, empurrando a bebida para a
frente.
Ela olha para o topo da xícara com os olhos semicerrados.
— Isso é pra ser um cachorro? Sério?
Droga, esqueci de me esforçar para fazer algo extravagante na
espuma. Mas, mesmo que eu me esforçasse, não ia sair tão
diferente, a julgar pelas minhas tentativas anteriores.
— O quê, você não está vendo? O focinho está logo ali.
Ela ergue uma sobrancelha, mas não diz nada. Me entrega o
cartão de crédito — é claro que ela tem um cartão próprio — e o
nome é Jasmine H. Killary em letras nítidas. O H é de Helene. Odeio
saber disso.
— Você agora desenha cachorros nos cafés? — o pai das
recomendações de livros diz atrás de Jasmine. — Vou querer um
desses também. E mais algumas recomendações de livros se tiver!
Vim pegar o novo Candy Buttons, mas ela está lendo tão rápido que
preciso levar algo mais.
Lá se foi a ideia de tirar Jasmine dali.
Com um olhar indecifrável no rosto, ela diz:
— Vocês têm Candy Buttons? Acho que vou levar o novo
também.
— Eles têm uma seção de quadrinhos ótima desde que essa
aqui começou — ele diz, apontando com a cabeça na minha
direção. Eu de repente fico muito ocupada com absolutamente
qualquer outra coisa que seja não olhar para Jasmine. — Ela me
ajudou a encontrar alguns livros ótimos para a minha filha, e tenho
certeza de que adoraria te ajudar também.
— Vou ver o que eles têm primeiro — ela diz, pegando o cartão
de volta. — Obrigada.
Emito um som estrangulado em resposta enquanto a observo ir
para a seção que fiz Beth estocar com cada um dos seus favoritos,
cada livro que ela me emprestou e pelos quais me apaixonei, cada
livro que eu sabia que encontraria fãs que também o amaria.
Faço a bebida do pai e converso um pouco mais sobre outras
escolhas para a filha dele — Mooncakes, This One Summer e I Am
Alfonso Jones —, recomendações que encontrei em blogs de livros
e que prontamente devorei, enquanto aguardo ansiosamente pela
volta de Jasmine.
Ele vai embora antes de ela voltar, e sua bebida fica fria. Acabo
tomando uns goles e faço uma nova, desenhando na espuma com
dedos trêmulos. É o pior design do dia, sem dúvidas, e, quando ela
volta para o balcão com um sorriso nos lábios, fico com a impressão
de que não se importaria.
— É uma boa seleção que vocês têm. — Ela olha para o café
novo e ri. — E uma boa… aranha?
— Eu sou nova nisso — murmuro.
— Bom, obrigada pelo café. E pelos livros. Vocês têm uns que
ainda não conheço, então vou comprar.
— Ótimo.
— Ótimo mesmo. — Ela pega o copo e faz um brinde leve na
minha direção. — Tchau, Sininho — diz, o que faz com que meus
joelhos estremeçam.
Ou talvez seja só a cafeína.
AGORA
A lembrança é tão clara na minha mente que eu ainda consigo ouvir
a voz dela, até que percebo um segundo depois, quando uma
bandeja é apoiada ao lado de Shannon, que de fato estou ouvindo a
voz dela.
— Oi. Qual é a da planilha?
Gia pode até ser um pouco distraída, mas é mestre em organizar
coisas. Ela vira o laptop para Jasmine para que ela veja as oito
faculdades listadas.
— Aqui é para onde estou me candidatando — diz —, e aqui
estão os prazos, quais faculdades aceitam a mesma plataforma de
inscrição e… bom, coisas desse tipo.
Ela desvira o computador, mas não antes de Jasmine conseguir
ver a última coluna.
— O que é DDBC?
Nós tentamos muito, muito mesmo não rir enquanto Gia cora.
— É, er, Distância Da Boston College. É pra onde o Tommy vai.
Todo mundo na família dele estudou lá nas últimas três gerações.
Jasmine consegue disfarçar o espanto rapidamente, mas eu
reparo, e acho que Gia também.
— Ah, isso que é, er, um planejamento bem minucioso.
— Tem muitas faculdades boas em Boston — Gia diz
rapidamente, arrastando o garfo na salada. — Não é como se eu
fosse só seguir ele. Eu teria sorte de ir pra Boston College, Boston
University ou Tufts, e a Shannon está se candidatando para Harvard
e Brown, então ela deve ficar por perto.
Claramente, Gia tem praticado suas desculpas para usar com os
pais, que acham absurdo que ela queira ir para Boston quando
poderia muito bem ir para a Purchase College, que só fica a quinze
minutos de distância.
Minha mãe diz que sou livre para ir para onde eu bem quiser,
desde que não acumule dívidas pro resto da vida. E já que meu pai
diz que vai pagar por uma faculdade do estado, eu meio que evitei
pesquisar os outros lugares. Não consigo imaginar para qual
universidade poderia valer a pena pegar empréstimos sendo que eu
não preciso. Enfim, quero fazer letras, e todas as faculdades
oferecem curso de literatura, certo? Então tudo bem.
— Pra onde você vai? — Gia pergunta, e eu sei que vamos ouvir
alguma resposta vaga. Jasmine nunca quis falar sobre a faculdade,
disse que era uma decisão grande demais para sujeitar à opinião de
outras pessoas.
Só que não há hesitação alguma quando ela diz:
— Quero ir pra New York University, especialmente agora que
minha mãe vai se mudar para Jersey. Mas também ando pensando
em sair da costa leste de vez, talvez me candidatar em algum lugar
no Colorado ou na Califórnia. Eu fotografo como hobby, mas estou
definitivamente planejando estudar mais sobre isso na faculdade,
então seria legal ter umas paisagens novas.
Aperto meu maxilar com essa resposta dada tão facilmente, que
revela tantas informações pessoais, informações que precisei quase
cavar até a China para conseguir. É a primeira vez que ouço
Jasmine mencionar a mãe desde que veio pra Stratford, e achei que
elas tinham brigado ou coisa do tipo, mas parece que estão mais
amigas do que nunca.
Por mais irritada que eu esteja, porém, fico aliviada em saber
que as coisas entre elas estão bem e que não vai haver uma
distância física tão grande quanto eu pensava. O fim de semana que
passamos com Sylvia Halabi foi um dos meus favoritos do verão
inteiro, e eu entendo o porquê de as duas serem tão unidas. Ela é
legal e tem um glamour sem esforço, provavelmente uma visão bem
aproximada do que Jasmine vai ser daqui a trinta anos, e uma
cozinheira incrível. É difícil imaginá-la namorando alguém com a
beleza mais áspera do pai bonitão irlandês de Jasmine, mas
pessoas bonitas sempre encontram umas às outras, mesmo que um
bilhão de coisas eventualmente as afastem.
— Legal — diz Kiki. — A NYU é uma ótima faculdade. A Lara vai
se candidatar também, vocês deveriam conversar.
— Estou pensando em me candidatar — corrijo, pegando o meu
hambúrguer de peru. Mas é verdade, estou mesmo. É bem perto de
casa, posso fazer algumas matérias de escrita criativa e há muitas
livrarias onde eu posso trabalhar, o que também ajudaria a pagar a
mensalidade. Pensei em eventualmente trabalhar no mercado
editorial, e estar na cidade seria perfeito. Mas estar na mesma
faculdade que Jasmine, ainda que seja enorme? Não parece assim
tão perfeito. — Também estou vendo algumas outras faculdades do
estado, provavelmente vou pra alguma delas.
— Pra onde o Chase vai? — Gia pergunta.
Dou de ombros.
— Pra alguma faculdade próxima, provavelmente.
Os olhos da Gia se acendem — ela acredita tanto no amor
verdadeiro, é mais trouxa e romântica do que eu —, mas Shannon
olha para mim e ri.
— Espera. Você não vai ficar aqui por causa dele, certo? Você
não seguiria um cara até a faculdade.
Abro a boca para responder que eu sempre pensei em ficar aqui
perto, mas Gia interrompe.
— Só porque ela não vai para a mesma faculdade do cara não
quer dizer que eles não possam ficar juntos. — Ela se vira para mim
no momento em que estou prestes a morder o meu hambúrguer. —
Você acha que vocês vão continuar namorando?
— Faz só uma semana, Gi — respondo, dando uma mordida
para ela não fazer outra pergunta. — E você? — pergunto depois de
engolir, apesar de já saber a resposta. É o melhor jeito de desviar
dessa conversa. — Você acha que você e o Tommy vão continuar
juntos?
— Eu sei que vamos. — A expressão no rosto dela é
simultaneamente sonhadora e confiante, e eu torço para que
Jasmine não revire os olhos; todas nós já aprendemos a não fazer
isso.
— Isso é bem legal — Jasmine diz, me surpreendendo, e olho
para vê-la remexendo sua salada como se o significado da vida
estivesse enterrado em algum lugar mais embaixo.
Encorajada, Gia começa a falar sobre O Plano, o que quer dizer
descrever como ela e Tommy vão ficar nos dormitórios no primeiro
ano para fazerem novos amigos e tal, mas depois vão juntos para
um apartamento que fique entre as duas faculdades, considerando
que ela consiga entrar para alguma universidade a uns quarenta
quilômetros da Boston College. Nós já ouvimos isso muitas e muitas
vezes, mas Jasmine assente e diz “faz sentido” em todos os
momentos certos, permitindo assim que terminemos a comida e
possamos repassar nossos próprios planos.
Eu quase esqueço que Jasmine está ali quando uma voz familiar
diz:
— Esse lugar está ocupado?
Nós todas nos viramos para ver Chase ao lado de Lucas Miller,
as duas bandejas com uma pilha de carne e carboidratos. Só há
espaço para uma bandeja entre mim e Shannon e, antes de eu dizer
uma palavra, ela sorri para Lucas e diz:
— Acho que dá pra você se apertar aqui.
— Ah, cara — Chase protesta quando Lucas coloca a bandeja
entre nós.
— Você precisa ser mais rápido que isso pra sentar na mesa das
gatas — Lucas diz com alegria, pegando uma batata frita do prato
da Kiki apesar de ele mesmo ter muitas. Ela ri fazendo um som de
escárnio, mas empurra a bandeja mais para a frente levemente. Kiki
não é imune a elogios de um cara gato, mesmo que ela não tenha
interesse de sair com nenhum da nossa escola.
— O Tommy não é. — Chase gesticula para onde o seu colega
de time está se aproximando da mesa, dando um beijo na bochecha
da Gia e sentando ao lado dela.
— Não, Tommy não é. Minha garota guarda um lugar porque ela
gosta de mim. — Gia descansa a cabeça no ombro dele enquanto
ele se exibe. — Talvez você devesse trabalhar mais nisso.
Queria arrancar com minhas próprias mãos o sorriso presunçoso
da cara do Tommy enquanto ele olha para mim e Chase. Ele só está
tirando onda, mas ainda não sei lidar com Chase saindo da fantasia
e vindo para a realidade, e o odeio quando isso fica evidente.
— Você pode ficar no meu lugar — Jasmine diz, se levantando e
pegando a bandeja dela. — Eu tenho uma reunião com o orientador
da faculdade mesmo.
— Você tem uma reunião sobre orientação da faculdade e não
mencionou apesar de estarmos até agora falando da faculdade? —
As sobrancelhas meticulosamente pintadas de Kiki se levantam.
— Não sabia que a minha agenda de reuniões era de interesse
geral — Jasmine diz, seca. — Vou manter isso em mente durante o
próximo encontro do Grupo da Faculdade.
É a vez de Shannon fazer um barulho de desdém enquanto
Jasmine vai embora, mas os meus olhos permanecem em Kiki,
enquanto todo mundo se remexe para abrir espaço e o corpo quente
de Chase desliza para ficar ao lado do meu. Kiki é incrivelmente
esperta, mas, mais do que isso, é determinada. Se ela acha que
Jasmine está escondendo alguma coisa, nenhum sarcasmo vai
impedi-la de descobrir.
Rezo para que qualquer investigação que ela inevitavelmente
fará sobre Jasmine a leve a uma direção bem, bem longe de mim.
ANTES
Estou rapidamente ficando sem roupas para usar nas festas de
Outer Banks, torcendo para que as pessoas não notem o quão
frequentemente estou usando o mesmo short ou jeans com blusas
diferentes das araras de promoção da Urban Outfitters. Jasmine
veste algo diferente toda noite — vestidos de paetês, capris
coloridas ou calças de couro vegano que vestem tão
confortavelmente como se fossem uma segunda pele. Mesmo
depois de termos nos aproximado, ou talvez por causa disso, não
tive coragem de perguntar se podia pegar algo emprestado.
Tem um vestido que ainda não usei — é de um turquesa lindo
com bordados de pedrinhas que descem da alça única — e que
coloquei na mala caso minha mãe me forçasse a ir com ela a algum
lugar mais chique. Fiquei guardando para uma ocasião especial, só
que não tenho ideia de qual seria esse momento. Quase todos os
lugares a que vamos é cheio de areia, cerveja e cinzas; sempre
saímos de todos eles cheirando a cigarro e maconha, e todas as
vezes preciso jurar para a minha mãe que o cheiro não é resultado
do meu próprio consumo.
De repente, a ideia de fazer tudo isso novamente é exaustiva. É
só mais uma festa na casa de Carter, mas significa fazer chapinha
no meu cabelo, passar maquiagem, ficar conversando amenidades
com os turistas que ele convida na praia mesmo, segurar uma
cerveja que eu nem mesmo gosto, evitar os fumantes e rejeitar
educadamente as coisas que não quero. Eu simplesmente… não
estou a fim. Passo a maior parte das festas ao lado da Jasmine de
toda forma, brincando de misturar bebidas, ou falando de livros, ou
tentando descobrir detalhes da vida dela, como onde tira fotos para
o jornal da escola e se vai para shows de rock depois do jantar de
Shabat com a mãe nas sextas-feiras, e posso fazer isso sem
precisar sair.
A ideia de uma noite preguiçosa no sofá, assistindo a filmes,
compartilhando um cobertor, nossa pele roçando uma na outra…
Sacudo a cabeça para afastar o pensamento. Não é assim que
funciona. Não é isso que está acontecendo. Ela quer ir para a festa
de Carter, porque, na vida real, ela quer Carter. Não sei quantas
vezes eles já se pegaram desde aquela primeira noite, mas não
consigo esquecer o comentário de Keisha — “como coelhinhos” —
mesmo que tente. Eles…
— Alguma chance de você querer pular essa festa hoje à noite e
só ficar por aqui?
Viro nos meus calcanhares e vejo Jasmine parada na porta do
meu quarto, o cabelo arrumado como ela costuma fazer para festas,
mas o rosto sem maquiagem, o corpo vestido com uma regata e
shorts do pijama, as pernas brilhando levemente com algum creme
hidratante com glitter que eu sei que tem cheiro de pêssego.
— Filme? — proponho, torcendo para que ela não perceba como
estou empolgada por estarmos na mesma página.
— Vou fazer pipoca.
Nossos pais estão em um jantar essa noite, algo que fazem com
tanta frequência que eu poderia desconfiar ser algum tipo de
disfarce se não tivesse ouvido minha mãe confirmar as reservas
firmemente enquanto terminava de fazer cachos no cabelo e retocar
o batom, tudo ao mesmo tempo. Quando precisa, ela fica como um
polvo resolvendo um monte de tarefas. É o que a torna tão boa no
trabalho, e também um pouco assustadora. Não passamos tanto
tempo juntas esse verão como imaginei que aconteceria quando ela
me falou dessa mudança de planos, mas prometemos que amanhã
faríamos um brunch de domingo, só nós duas, e estou
estranhamente animada com isso.
Passo um protetor labial com cor e prendo meu cabelo, ainda
molhado do banho, fazendo duas tranças simples. É um alívio
simplesmente colocar uma camiseta e shorts em vez de roupa de
festa, mas preciso afastar o impulso momentâneo de colocar uma
roupa bonita para impressionar Jasmine.
— Seu cabelo fica bonito assim — ela diz quando entro na sala,
onde está deitada no sofá, a barra da regata um pouco levantada.
O calor sobe para minhas bochechas com o elogio.
— Obrigada. Não sei o que mais fazer com ele. Não estava a fim
de secar. — Brinco com as pontas molhadas. — Não ouse me dizer
“eu te disse”, mas estive pensando no que você falou outro dia. De
fazer uma mudança no cabelo. Talvez.
Ela morde o lábio para evitar rir, e eu mostro minha língua.
— Foi só uma sugestão! — ela fala por cima do ombro enquanto
o micro-ondas apita e ela dá um pulo para pegar o saco inchado
com a pipoca. — Mas sou totalmente a favor de um corte na altura
dos ombros. Não muito curto nem nada, mas para os cachos
ficarem aqui. — Ela indica o próprio pescoço, um pouco abaixo do
queixo. — Seu cabelo é naturalmente ondulado, certo? Daria muito
menos trabalho.
— Parece… que ficaria bom, na verdade — digo, mas o que
estou pensando é se Shannon concordaria que esse corte ficaria
bem em mim e se Chase prefere cabelo longo. O seu histórico de
namoradas sugere que sim. — Estava pensando em talvez clarear o
tom. Tipo, loiro de verdade. Não essa coisa entre o loiro e o
castanho.
Jasmine inclina a cabeça de uma maneira que aquece todo o
meu corpo e assente.
— Você ficaria ótima loira, aposto. — Ela coloca a pipoca no
balcão e se aproxima de mim, levantando uma das tranças com
delicadeza. — É, consigo ver isso.
Eu esqueço como respirar até que a trança caia de novo sobre o
meu ombro.
— Você acha?
— Com certeza. Tem uma loja legal de perucas que eu estava
querendo conhecer só por diversão e para tirar algumas fotos.
Poderíamos ir experimentar, ver o que você acha. Se gostar,
conheço um lugar não muito longe com uma cabeleireira chamada
Valentina que é uma gênia. Ela costumava fazer o cabelo da minha
mãe quando vínhamos pra cá antes do divórcio dos meus pais, e,
confia em mim, minha mãe não deixaria ninguém sem uma medalha
olímpica de cortes de cabelo tocar nas suas madeixas preciosas.
Parece assustador e divertido, e não tenho certeza de qual
emoção está ganhando. Eu não mudo meu estilo há… bom, nunca
mudei, na verdade. O estilo que tenho agora sempre funcionou bem
— aprovado por minhas amigas, amado pela minha mãe e, apesar
de não ter conquistado O Garoto, certamente foi bom o suficiente
para outros garotos com quem fiquei por diversão aqui e ali.
O que todos pensariam se eu voltasse com uma mudança
drástica dessas?
Não, espera aí, foda-se isso — o que eu pensaria?
— Vamos nessa — digo antes que eu deixe a voz de outra
pessoa duvidar de mim mesma. — É só temporário, certo? Não
preciso me comprometer até eu ver se eu gosto.
— Exatamente. Sem corte ou tinta até ver como fica em você.
Mas aposto que vai ficar incrível. Tenho um olho bom pra essas
coisas.
Considerando o quão bonita Jasmine sempre está diariamente,
não duvido. Mas não falo isso em voz alta. Em vez disso, pergunto:
— O que você quer assistir?
— Alguma coisa divertida e glamourosa. — Ela pega uns M&Ms
de amendoim do lugar de sempre no armário da cozinha e os junta
à pipoca, e então vai com a tigela até o sofá e dá um tapinha no
lugar ao lado dela, me chamando para sentar. — Podemos sempre
ver Oito Mulheres e Um Segredo ou Podres de Ricos ou outro
desses pela zilionésima vez, ou podemos tentar algo diferente,
dependendo da sua vontade.
Essas palavras não têm intenção de serem sugestivas, mas
minha pele se arrepia mesmo assim. A regata dela é cavada e o
cabelo parece tão macio que, apesar de não termos estabelecido
qualquer tipo de regra, sinto que quebraria uma se dissesse para ela
que estou, de fato, com muita vontade de algo diferente.
— O que você quiser — falo com a voz rouca quando me junto a
ela, tomando cuidado para que minha pele não roce na dela.
Ela dá de ombros e coloca Podres de Ricos, que já viu ao menos
duas vezes nesse verão. É mesmo um filme divertido, mas não é
particularmente sexy, e espero que assistir tudo com bastante
atenção tire esses pensamentos ridículos do meu cérebro. Só que
então ela estica o cobertor dourado de chenile sobre o meu colo, e
consigo sentir o cheiro do hidratante de pêssego. Nem mesmo
Henry Golding é capaz de me tirar dessa loucura.
Jasmine, é claro, não nota nada. Os olhos estão grudados na
tela, e ela está comentando como ama as roupas e as joias de todos
os personagens, alheia ao quanto eu quero me inclinar e beijar o
ombro dela que está a poucos centímetros de distância. Minha
cabeça está cheia demais para considerar o quão esquisito é eu
querer fazer isso. As vezes que ficamos fizeram tudo parecer a
coisa mais óbvia e simples do mundo, mas, na realidade, é muito
mais complicado.
Mas o que quero agora não é complicado. O que quero é muito,
muito simples.
Queria só que as pessoas admitissem o que querem quando
elas querem.
Antes de entender o que estou fazendo, recosto meu queixo em
seu ombro. Deixo um beijo bem leve na pele dela. Dou uma olhada
para ver sua reação.
As pálpebras dela se fecham.
Ok, então.
Beijo seu ombro liso muito deliberadamente dessa vez. E mais
uma vez, com um pouco da língua. De novo, com uma mordidinha.
Ela puxa o ar profundamente, para de pegar a pipoca e de falar
sobre as joias e os vestidos de alta-costura. Empurro o cabelo dela
para o lado e deixo uma trilha de beijos até chegar na nuca, me
apoiando na sua coxa nua. E então a mão dela cobre a minha e a
desliza pela sua pele, sem dúvidas deixando vestígios do perfume
de pêssego na minha mão. É tanta coisa. Tudo tem um cheiro, um
gosto e uma sensação boa, e está me deixando atordoada.
Chego mais perto, meus peitos encostando nas costas dela, e
caímos de lado no sofá, eu ainda beijando seu ombro, e também o
pescoço, enquanto ela desliza minha mão por cima do short de
algodão até a sua barriga reta e macia. Meus dedos estão com
acesso muito fácil ao cós, e ela não está segurando minha mão com
força, seu desejo menos claro e decidido, e não sei quão longe devo
ir ou quão longe quero ir. Eu me contento com passar a ponta dos
dedos por cima do short. Ela deve estar tão eletrizada quanto eu,
porque parece que isso é o suficiente.
Está ficando quente demais embaixo do cobertor, mas uma regra
que nenhuma das duas diz em voz alta é que ele não pode sair.
Desde que haja um cobertor, desde que não aconteça nada a céu
aberto, é fácil imaginar que não há nada entre nós. E precisamos
imaginar que não há nada, porque se houver alguma coisa — se o
fato de eu querer desesperadamente deslizar minhas mãos por
baixo do short dela for real —, então o que nós somos?
O que eu sou?
É só um verão.
Não dá para se tornar uma pessoa diferente durante um verão.
Capítulo treze
ANTES
Talvez não dê pra se tornar uma pessoa diferente em um verão,
mas, definitivamente, dá para parecer uma. Não consigo parar de
me olhar no espelho vestindo essa peruca.
— Minha nossa.
— Eu sabia que era essa. — Jasmine chega atrás de mim,
momentaneamente tirando minha atenção do meu reflexo com sua
franja reta azul incandescente. — Essa cor é perfeita.
É mesmo. É estranho porque não é a cor do meu cabelo, mas
poderia muito bem ser. Mesmo com essa peruca curta e cacheada,
estou com uma aparência com a qual poderia me acostumar, uma
aparência que eu amaria continuar vendo no espelho. Só que é uma
mudança grande, e minhas mãos ficam coçando para mandar uma
selfie para minhas amigas para saber se elas aprovariam.
Em vez disso, mudo de assunto.
— Você já pintou seu cabelo?
— Não, não de verdade. — Ela tira a peruca e substitui por uma
lilás desgrenhada. — Minha amiga Laila, a única outra descendente
de sírios na minha escola, amava passar giz colorido no nosso
cabelo antes de apresentações, mas nossas mães teriam nos
matado se fizéssemos mais que isso. — Ela faz um sotaque
melodioso e mais acentuado que é ainda mais baixo do que o dela.
— “Y’haram, Jasmine! O que você fez com o seu lindo cabelo?!
Steta estaria se revirando no túmulo!”
— Achei que sua mãe adorava coisas da moda.
— Ela gosta, mas cabelos em tons pastel não é bem a ideia dela
de moda. Minha mãe gosta de Gucci e Chanel, não de Manic Panic.
Pra ela, ficar descontraída é usar óculos escuros com lentes azuis.
Ela é bem clássica. Tons terrosos, esse tipo de coisa.
— Humm, consigo ver isso com o seu pai.
Jasmine solta um grunhido.
— Ela se veste de um jeito clássico, mas é o ser humano que
fala mais alto que você vai conhecer. Meu pai costumava usar
tampões de ouvido, literalmente, quando a família dela vinha visitar.
Sinceramente, nem consigo acreditar que eles duraram seis anos.
— Você não ficou muito chocada com o divórcio, né? — Puxo os
cachos da peruca para ver como ficariam um pouco mais
compridos, mas isso acaba arruinando o efeito.
— Não mesmo. Eles brigavam por tuuuuuuuuudo. E os pais da
minha mãe odiavam o fato de ela ter se casado com um gentio,
enquanto os pais do meu pai odiavam que ele tivesse se casado
com uma judia, então não era nada bom. Minha mãe ficou com a
casa, meu pai mudou os negócios pra cidade, comprou aquela
casona enorme em Stratford e manteve essa aqui para o verão, e
quando chegou a hora do meu bat mitzvah, eu nem tinha nada o
que pedir porque já era mimada demais.
— Isso explica tanta coisa.
Ela abre um sorriso.
— Né? E você? Qual é a história da sua mãe?
— Não tem muita história — digo, dando de ombros. — Minha
mãe trabalhava de garçonete pra conseguir pagar a faculdade. Meu
pai deu em cima dela. Alguns encontros depois, eu aconteci. Minha
mãe queria ficar comigo, meu pai não, e então chegaram a um
acordo em que ele pagaria uma pensão e desapareceria de vista.
Tcha-ram! E agora você tem essa linda e bem-ajustada adolescente
que está vendo na sua frente agora.
— Você é bem-ajustada pra alguém que sabe que o pai não
queria nem que existisse.
Sorrio para o espelho, fazendo minhas covinhas aparecerem no
reflexo. Eu aprendi há muito tempo que o azar é todo dele, e minha
mãe é legal o bastante para valer por três pais.
— Bom, é, acho que sou.
— Eu jamais conseguiria.
— Por favor. Você estava rindo enquanto contava do divórcio. —
Eu me viro para Jasmine, que tirou a peruca da cabeça e encostou
na parede, deixando as mechas lilás balançarem. — Ei, você está
bem?
— Estou. — Um sorriso um pouco forçado aparece no rosto
dela, rápido como a brisa do oceano. — Mas você está? De
verdade? Porque tá, talvez eu esteja de boas com o divórcio, mas
não tanto com meu pai se mudando pra Nova York e só me vendo
no Natal e no verão.
A loja está vazia exceto por nós, e a mulher atrás do balcão está
sentada com os pés para cima olhando para uma pequena TV
ligada passando novela, então imagino que ela não vá se importar
se ficarmos à vontade. Eu me sento no chão ao lado da Jasmine e
tiro a peruca de suas mãos antes que ela estrague todo o cabelo
artificial com os seus dedos ansiosos.
— Estou — respondo, e falo sério. — Minha mãe precisou ser
uma mãe em dobro, mas ela é incrível, e eu não podia pedir mais. É
por isso que você nunca fala de casa ou dos seus amigos de
escola? Nunca tinha ouvido falar da Laila antes disso.
Ela dá de ombros e desliza pela parede até sentar no
porcelanato comigo.
— Acho que sim. É que parecem dois mundos diferentes, aqui e
lá. É como se nem fossem parte da mesma vida.
Por um segundo, meu cérebro volta para a noite que ficamos
nos tocando sob o olhar atento de Constance Wu e Gemma Chan, e
sei exatamente o que ela quer dizer.
— O que a Laila e seus outros amigos estão fazendo durante o
verão? Fico surpresa que você não tenha outros amigos de escola
por aqui.
— Asheville é bem legal durante o verão, então a maioria das
pessoas fica em casa, fazendo caminhadas e indo a festivais ou sei
lá. Laila e Kendall, nossa outra amiga, trabalham num acampamento
juntas. Toda vez que volto pra casa no fim do verão, fico escutando
dois meses de piadas internas antes das coisas voltarem ao normal.
Tiro meus cachos loiros e jogo a peruca pra ela.
— Não dá pra ganhar sempre, né?
Ela vira a peruca no dedo e suspira, dando uma risada
autodepreciativa.
— Deus, eu pareço uma pirralha. Aaah, tadinha de mim, passei
o verão numa casa de praia linda e cara, com uma piscina e
banheira de hidromassagem.
— Você pode ficar triste se estiver se sentindo sozinha, Jas —
digo, baixinho, porque percebo que é exatamente isso o que sente.
As amizades dela onde mora não parecem tão consolidadas, os
amigos daqui são como entretenimento raso, ela não está com a
mãe, que Jasmine sabe que quer passar tempo junto dela, mas está
com o pai, que ela acha que não dá a mínima.
Jasmine se sente solitária e magoada, e sente isso há muito
tempo.
Uma lágrima se forma em seus olhos, e ela a enxuga tão
rapidamente que quase acho que imaginei.
— Hashtag problemas de filha única. Mas, olha — ela diz,
jogando a peruca pra mim —, não estou sozinha nesse verão, né?
Dou um sorriso.
— Claro que não.
— Então, você vai fazer? — Ela gesticula na direção do cabelo.
— Ficou bom pra caramba.
Jasmine achar que eu fico bonita pra caramba não deveria ter
nenhum efeito em mim, mas o calor que sobe pela minha pele
sugere que tem, sim. Ainda assim, eu me forço a esquecer isso e
pensar no que eu quero.
Também acho que fiquei bonita pra caramba.
Eu nunca faço isso. Sou o oposto de solitária; quase todas as
decisões na minha vida envolvem consultar minha mãe, ou
Shannon, ou as duas. Essa decisão é minha, e somente minha,
estou fazendo uma escolha, e ao lado de alguém que não vai estar
lá no primeiro dia de aula quando as pessoas virem essa escolha
pela primeira vez.
Só eu.
— Sim — digo, me levantando e esticando uma das mãos para
Jasmine. — Vou fazer isso.
Ela pega minha mão e abre um sorriso enquanto eu a puxo para
cima.
— Ótimo. Porque eu já marquei o horário, e é daqui a quinze
minutos.
— Jasmine!
— É difícil conseguir um horário lá! — ela responde, erguendo as
mãos no gesto universal para inocência. — Eu não ia te obrigar a ir
se não quisesse.
— Humpf. — Eu me viro de volta para o espelho e coloco a
peruca pela última vez, só pra ter certeza.
Eu realmente estou bonita pra caramba.
— Tá — digo, tirando e colocando a peruca de volta no
manequim, enquanto Jasmine devolve todas as perucas que estava
experimentando. — Vamos lá mudar minha vida, ou sei lá o quê.
Capítulo catorze
AGORA
Demora um tempão para atravessar a multidão de pessoas
cumprimentando o Chase quando chegamos na casa de Ferris.
Todo mundo quer um pouco de Chase — uma foto, um autógrafo,
um abraço, um beijo na bochecha… não consigo imaginar o que
mais pediriam se ele estivesse solteiro, mas Chase deixou bem
claro no jogo que não está, e eu ando pela multidão como se
estivesse usando uma auréola de corpo inteiro.
— Desculpa por esse circo — ele murmura para mim quando
mais um cara se aproxima e põe a mão grande no ombro dele.
Parece que todos os atletas de Stratford apareceram para essa
ocasião, sejam do futebol ou não. As notícias voam. Deixei meu
celular no modo silencioso porque estava acendendo com um
milhão de notificações de cada aplicativo de mídia social. As
pessoas não estavam só comemorando a vitória do time ou o
recorde de Chase; estavam compartilhando vídeos dele me pedindo
para ser sua acompanhante na festa e a minha resposta, e também
emojis de coração e o sonho de encontrar um cara como ele.
Não é como se eu não estivesse acostumada a receber certa
atenção, mas isso é outro nível. Nem mesmo o aniversário de
dezesseis anos da Shannon, completamente de outro mundo, fez
uma tempestade nas mídias sociais desse jeito, e olha que ela tinha
contratado o Cirque du Soleil.
Não consigo ver Shannon, mas ouço a voz dela do outro lado do
cômodo, rindo, flertando e, pelo tom de sua voz, aproveitando o
estoque de álcool de Ferris. Me pergunto se ela está com Gia e
Tommy, ou com Lucas, ou ainda com outra pessoa. Estou tão feliz
que ela esteja aqui. Isso quer dizer que não está emburrada por não
ser a estrela da noite, como no ano passado, quando o convite para
a festa de formatura de Tommy para Gia acabou estragando o
pedido dela, ou quando Taylor, namorade da minha parceira de
laboratório, Jamie, pintou o cabelo para ficar combinando com a
bandeira não binária no mesmo dia em que Shannon apareceu com
luzes.
— Bom, se não são o rei e a rainha da noite! — Linus Doyle se
precipita para a frente com uma reverência exagerada, o próprio
Hunter Ferris logo atrás dele.
— Já vos reservei um quarto — diz Ferris com uma voz
suntuosa —, mas vos aviso, vossas majestades, não deveis merda
nenhuma quebrar, porque é o quarto dos meus pais.
— Cara, por que você deixaria a gente usar o quarto dos seus
pais? — Chase pergunta, e eu gosto ainda mais dele por isso.
Ferris dá de ombros.
— Eles foram viajar e a empregada vem amanhã — ele fala,
voltando a sua voz normal. — Só não sejam nojentos e não
experimentem as gravatas do meu pai.
— Por que alguém…
— Eu sei, você pode achar que eu não teria que pedir isso para
as pessoas — diz Ferris, me interrompendo e olhando diretamente
para Linus —, mas, ainda assim…
Chase entrelaça os dedos com os meus e puxa de leve minha
mão.
— Quer ir?
Penso em como hoje eu o observei no campo, os sorrisos e as
piscadelas que ele jogou para mim, o agradecimento orgulhoso no
fim. Penso em todas as vezes que admirei o corpo dele usando o
uniforme do time ou nas festas na piscina ou só atravessando o
corredor vestindo jeans. Penso na última vez que tirei minha roupa
com alguém, na última noite em Outer Banks, uma única noite que
pareceu muito real na hora, mas que não parece mais ser assim
desde o primeiro dia de aula.
E então digo:
— Aham. Quero.
AGORA
Dou uma desculpa para sair da festa e pego meu celular enquanto
vou para o quintal. Só falei com Keisha algumas vezes desde o
verão — comentando nas selfies uma da outra, numa mensagem do
grupo em que ela contou que conseguiu entrar na equipe de step e
para a qual respondemos com todos os emojis de comemoração
que existem —, mas ligo para ela sem hesitar. Não quero ter essa
conversa sem ouvir o tom de sua voz.
— E aí, garota — ela diz, e instantaneamente me transporta de
volta para o deque da casa de seus pais, para as tardes jogando
espadas e tomando chá adocicado e para a bagunça no closet dela
com Brea e Jasmine enquanto ela ficava jogando Fortnite com uns
amigos da escola. — O que houve?
A pergunta que está na ponta da minha língua morre.
— Você anda meio sumida — digo, apesar de essa ser uma das
frases que eu mais odeio. — Estou numa festa e fiquei pensando
em você. Pensei em te dar um oi.
Não é uma completa mentira, ao menos.
— Aaaah, a mesma festa em que a Jasmine está? Parece
divertido!
Eu pisco, lentamente.
— Como você sabe que a Jasmine está aqui?
— Eu a ajudei a escolher uma roupa pelo FaceTime e acabei de
ver a performance dela no karaokê numa live do Instagram. Foi
tudo.
Você não faz ideia. Assim como eu não tinha noção de que elas
se falavam tanto sem ser no verão. Bom, lá se vai a ideia de abrir
meu coração para a Keisha.
— Você sabia que ela estava se transferindo pra cá?
— Bom, foi uma decisão de última hora, então eu só fiquei
sabendo na noite antes da mudança. Tudo o que ela me disse é que
a mãe estava vendendo a casa e se mudando pra mais perto da
família, então elas acharam que seria melhor se ela ficasse na
mesma escola durante o ano todo. Foi um pouco esquisito a mãe
dela não poder esperar até a formatura, mas a Jas parecia tranquila
com isso. Bom, você deve saber mais do que eu.
Era de se esperar. Tantos segredos. Tantas perguntas.
Eu desvio dessa questão. Não quero que ela saiba que eu não
sei, que minha proximidade com Jasmine nesse último verão foi
uma coisa meio temporária, atrelada às marés ou sei lá.
— Bom, presumo que, já que nós duas estamos aqui, isso
significa que podemos fazer você vir nos visitar.
Keisha ri.
— Você sabe que eu acabei de ter essa conversa com a
Jasmine duas horas atrás, certo? Vocês duas estão coordenando
essa coerção ou o quê?
— Você sabe que sim — minto, porque não sei explicar como
nós não poderíamos fazer isso. — Isso significa que você está
pensando nisso?
— Estou. Estou resolvendo algumas coisas, mas aviso vocês.
Fico surpresa ao descobrir que a ideia de Keisha vir visitar tira
algo do meu peito e fica mais fácil de respirar. Ver Keisha de novo
seria como ter de volta um pedaço do meu verão, conectar essa
parte de mim com a minha pessoa de agora, já que ver Jasmine fez
essas partes se afastarem mais.
Percebo que faz tempo desde a última vez que me senti como
eu mesma. Talvez ver Keisha traga essa sensação de volta.
Talvez também faça Jasmine e eu voltarmos ao normal.
Seja lá o que isso signifique.
Capítulo dezesseis
AGORA
Olho para o rosto de Jasmine, e é como se ela fosse somente um
coração partido; eu sei exatamente qual versão ela cantou.
— Eu não cantei pra você porque queria que você esquecesse o
verão — ela diz baixinho, confirmando. — Eu cantei pra você porque
queria que lembrasse como foi bom. Sei que foi a noite mais idiota
pra fazer isso, mas parecia como se fosse minha última chance
antes de te perder de verdade. Quando finalmente tive coragem de
olhar pra você, estava claro que eu tinha te perdido antes mesmo de
vir pra cá.
O olhar dela encontra o meu, e parece que precisa de todo o
esforço do mundo para fazer isso. O mínimo que posso fazer é
sustentar esse olhar.
— Eu me mudei pra ficar com meu pai porque não conseguia
tirar você da cabeça. Pensei em voltar pra escola e fingir que nosso
lance tinha sido só uma coisa de verão, mas não consegui. Achei
que talvez, se viesse pra cá, a gente teria uma chance de ter algo
real, mas eu não sabia como te falar que estava vindo. E antes
mesmo de eu conseguir te ver, você estava com um namorado, e
agora estou presa aqui. Vendo você viver essa vida perfeita que já
estava completa sem mim. Tentei fazer algo pra mim mesma e tentei
salvar o que restou da minha dignidade e do meu último ano, mas
tenho certeza de que estou apaixonada por você e só quero voltar
rastejando pra minha mãe. Meu coração não vai aguentar você
destruindo ele mais uma vez.
Ela abaixa o olhar, mas não se afasta.
— Desculpa por ter sido uma babaca a noite toda. Por mais
tempo até do que essa noite, acho. Eu realmente não lidei muito
bem com a ideia de que vir pra Stratford não tenha sido o que eu
esperava que fosse.
— Porque você esperava que… — Meu Deus, eu me sinto tão
lerda. E, ainda assim, meu batimento está acelerado. — Jasmine,
por que você não disse nada? Você teve um bilhão de chances!
— Tive? — ela pergunta, e talvez eu esteja partindo o coração
dela, mas a tristeza em sua voz racha o meu ao meio. — Parece
que nunca tive chance alguma.
Ela se vira para ir embora, e eu não sei o que dizer, só sei que
não quero que ela vá.
Então Jasmine se vira de novo.
— Olha, eu deveria ter te falado. Sou bi. Eu estava em dúvida
por um tempo, mas, quando você chegou nesse verão, eu
finalmente senti que sabia de verdade. E talvez pra você tenha sido
um experimento de sentir o gosto do meu batom de cereja ou sei lá.
Mas apesar disso tudo doer pra cacete e, de verdade, ser uma
merda, é bom saber de verdade quem eu sou. Então, obrigada,
acho.
Ela parece tão segura. Ela estava segura, enquanto eu só estive
oscilando por aí, achando que nós duas estávamos nesse território
estranho e inominável que foi o verão.
Eu não sei o que dizer.
Eu não sei o que pensar.
Eu não sei o que eu sou.
E nada disso importa, porque ela se foi.
Capítulo vinte
Não volto para a festa. Eu não consigo ver Chase agora, não
consigo ficar saltitando com a minha coroa e definitivamente não
consigo ver Jasmine. Por sorte, quando alguém aparece para me
encontrar no corredor, não é nenhum dos dois — é Kiki.
— Você sabe — digo.
— Eu sei.
— Sempre soube, né? Como?
Kiki dá uma batida no nariz.
— Tenho uns poderes excelentes de dedução. Além disso, vocês
duas ficam olhando uma pra outra o tempo todo quando acham que
ninguém mais está vendo. Tipo, o tempo todo mesmo. E algumas
coisas que vocês disseram sobre onde passaram o verão se
alinham, e a Jasmine tem uma foto no Instagram muito parecida
com aquela da fogueira que você mandou pra gente. Por fim, fui
atrás de saber quem era o pai dela. Não foi difícil a partir daí.
— Kiki investiga o caso.
Ela sorri, orgulhosa.
— Sempre. — Então o rosto dela fica sério. — Olha, eu sei que o
Chase é o seu sonho desde sempre, mas… como você está? A não
ser que não queira falar disso.
Eu quero falar disso?
Como eu me sinto?
ANTES
A festa de despedida das férias de Carter é muito parecida com a
festa de início, o que não faz ninguém reclamar. Na praia, rindo,
bebendo, dançando e encarando a fogueira com todo mundo, eu sei
que esse é um verão no qual vou pensar daqui a um bilhão de anos.
Não consigo acreditar que vou embora amanhã. Não acredito que
não vou morar mais a só alguns passos do oceano. Não acredito
que não vou mais cair dos jet skis de Derek ou ser massacrada por
Keisha e Carter em um jogo de espadas, ou ter noites de spa
completas com as máscaras de Brea.
Não consigo acreditar que acabou para mim e Jasmine.
Por mais que eu vá sentir falta de todo mundo, está me matando
o fato de estarmos passando nossa última noite com um bilhão de
outras pessoas. Fico tentando fazer contato visual com ela, mas,
cada vez que consigo, ela é levada para outro lugar, ou alguém a
chama para tomar um shot, ou sou arrastada para uma selfie por
Owen ou Brea. Fico querendo puxá-la para mais perto, marcar a
sensação da pele dela contra a minha, mas eu não tenho pretextos.
Meu cérebro não consegue encontrar uma única justificativa de por
que preciso pegar a mão dela naquele instante, ou por que preciso
levá-la para longe para andarmos na beira da praia, só nós duas.
Nós sempre temos alguma desculpa, uma situação que faça
nossas bocas e mãos acabarem se encontrando. É o que acontece
quando estamos só nós duas, ou vendo um filme, ou nadando, ou
deitadas juntas na rede, ou jogadas na grama para ver as estrelas,
ou tirando fotos do pôr do sol, ou num momento preguiçoso em uma
canoa.
É o que acontece com a gente de novo e de novo e de novo, e é
tão bom que não consigo parar de pensar nisso, querendo beijar a
pinta no pescoço dela, querendo tocar a pele incrivelmente macia
das suas clavículas, querendo sentir as mãos dela traçando um
caminho no meu quadril e me fazendo ver estrelas.
Como é que eu não tenho um pretexto que seja para a nossa
última noite?
Vê-la flertar com Carter certamente não ajuda, então decido me
dar um pouco de espaço e ir andar sozinha na praia. Tenho meu
celular para me fazer companhia, e passo as fotos na esperança de
que ver Gia sorrindo no topo de uma pirâmide humana no
acampamento ou Shannon com mais um cara gato parisiense me
faça ficar empolgada o bastante para que eu esqueça a tristeza pelo
que estou deixando para trás.
Mas é o último post da Kiki que me ajuda. Ela está trabalhando
em sua caligrafia, escrevendo frases cafonas em fontes divertidas e
postando no Instagram. O seu último post é “aproveite o dia” escrito
em uma letra rosa-pink gótica e cheia de redemoinhos, e é uma
frase tão oposta a Kiki que me faz cair na gargalhada.
Ainda estou rindo com o conselho completamente clichê quando
refaço meus passos de volta para a festa até Jasmine e sussurro no
ouvido dela:
— Olha, não sei um jeito bom de dizer isso, mas é minha última
noite aqui, então vou deixar as besteiras de lado. A única coisa que
quero fazer essa noite é voltar pra sua casa e tirar nossas roupas.
Posso falar isso?
Pelo minuto mais longo do mundo, eu me preparo para receber
um tapa na cara — literal ou metafórico — ou algo pior. As palavras
saem com facilidade, só que meu corpo inteiro está tremendo. Então
ela aperta minha mão e, como num passe de mágica, tudo para por
tempo o bastante para eu dar uma volta para me despedir,
abraçando e beijando todo mundo, quando Jasmine anuncia que
nós duas estamos indo embora. Prometo mandar mensagens e
notícias, mas eu mal sei o que estou falando porque acabei de dizer
na cara dura para uma garota que eu queria transar com ela e nós
estamos indo fazer isso; sinto como se eu estivesse prestes a
explodir em chamas.
Não falamos nada no caminho de volta. Não falamos nada
quando colidimos uma com a outra no segundo que entramos em
casa, nos beijando tão furiosamente que fico esperando que uma de
nós comece a sangrar. Não falamos nada quando tiramos a roupa
uma da outra e caímos na cama dela, fechando e trancando a porta
atrás de nós.
Não há palavras, mas também não há silêncio. Pela primeira
vez, não gasto energia preciosa tentando esconder cada som
desesperado que sai da minha garganta quando as unhas dela
arranham minha pele. Não faço esforço para ficar imóvel com o jeito
como os dentes dela me fazem estremecer nos lençóis. Isso é o
mais presente no momento que já estive e, a cada arfada, fico grata
pela migalha de honestidade que nos trouxe até aqui.
Além disso, não estou pensando em nada.
A respiração dela fica rápida e baixa quando beijo e toco o seu
corpo até os quadris, e olho para cima esperando um ok para
continuar, mesmo que eu não esteja 100% segura de que eu estou
ok. Ela assente rápida e furiosamente, mas é a visão das mãos dela
se agarrando nos lençóis, torcendo os punhos e os nós nos dedos
em antecipação ao que virá que acabam com qualquer hesitação
que eu poderia ter antes de me aventurar em novo território.
Não é silencioso, não quando ela grita alguns minutos depois, e
não quando nossos corpos encontram novos jeitos de se encaixar e
dançar juntos, e não quando nos apertamos com tanta força que
deixamos marcas de unha na pele uma da outra. Cada vez que
penso que não tem como chegar mais perto, descubro que estou
nos subestimando. Passamos muitas horas suadas e entrelaçadas
explorando o corpo uma da outra, e não tenho nem certeza de em
que momento eu finalmente apago.
AGORA
Eu quero falar sobre isso?
Sobre como eu me sinto?
— Ela acha que está apaixonada por mim.
Kiki sorri sem qualquer traço de sarcasmo. É esquisito, e acho
que nunca vi isso no rosto da Kiki. Não sei bem como lidar com
tudo.
— E como ouvir isso fez você se sentir?
A primeira palavra que vem é confusa. Não achei que amor
estava na equação. Não achei que sentimentos sequer fossem uma
opção. Eu não sei o que estar apaixonada significa para ela, e eu
definitivamente não sei o que significa para mim. Por muitos anos,
achei que estava apaixonada por Chase, mas o que sinto agora não
é igual. Estar apaixonada por Chase fez com que eu me sentisse
febril e ridícula e como se eu quisesse segui-lo por todo o canto,
fazer todas as coisas com ele. Só que agora eu já fiz várias dessas
coisas e parece que tudo o que estou fazendo é só para riscar itens
de uma lista.
Com Jasmine, eu não tenho uma lista. E não quero segui-la para
todo canto; quero ir para todo canto com ela. Quero fazer coisas
com ela. Quero que nós façamos uma lista de coisas para fazer
juntas.
Meus sentimentos por ela são tão diferentes do que eu pensava
que era o amor, mas será que isso significa que não é amor? Ou
será que significa que é amor?
— Meu Deus, eu sei lá.
Kiki puxa um dos meus cachos.
— Pode ser que eu não tenha nenhuma experiência em
relacionamentos, mas acho que está tudo bem. Ao menos por essa
noite. Olha, você foi coroada rainha, e dar um fora no Chase agora
seria meio público e humilhante. E não acho que você esteja
ansiosa pra fazer isso.
— Definitivamente não — digo rapidamente, meu estômago se
revirando só de pensar. — O Chase tem sido incrível, e ele está se
divertindo tanto.
— Bom, você também merece se divertir. A Jasmine já foi
embora, ela chamou um Uber. Então o que eu acho é o seguinte:
vamos terminar a noite. Vamos nos divertir. Sem grandes decisões,
sem definir um futuro romântico, sem estresse. Só dançar e beber e
ter uma ótima noite. Amanhã você lida com isso. O que você acha?
Eu acho… que parece que finalmente estou respirando.
— Eu topo.
— Bom, isso é excelente — diz Kiki, entrelaçando o braço dela
no meu —, porque no momento estou sem par, e eu adoraria ter
companhia.
Capítulo vinte e um
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expressa autorização da editora.
A185c
Adler, Dahlia
Cool for the summer : um verão inesquecível / Dahlia Adler ; tradução Laura Pohl. -
1. ed. - Rio de Janeiro : Globo Alt, 2021.
272 p.
1ª edição, 2021
Direitos de edição em língua portuguesa para o Brasil adquiridos por Editora Globo S.A.
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